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cidades
Principais aspectos e distinções das modalidades criminais
Nos dias atuais, com muita frequência, vemos ser noticiado na grande mídia brasileira, o
termo “Novo Cangaço”, referindo-se, na grande maioria das vezes, à àqueles eventos
criminais de grande porte, com explosões de unidades bancárias em cidades grandes e
médias, marcado pelas imagens de numerosos veículos utilitários circulando em
comboio pelas cidades, bloqueando vias públicas, atacando quartéis e delegacias,
usando-se fuzis 5.56, 7.62 e, até mesmo calibres superiores, empregados em guerra,
como .30 e .50. Cidades como Araçatuba/SP, Criciúma/SC, Guarapuava/PR, Santos/SP,
João Pessoa/PB, Recife/PE, entre tantas outras, foram alvo de ações com o modus
operandi acima. Entretanto, tal terminologia utilizada não corresponde exatamente ao
fenômeno criminal a que se pretende referir.
Por esse motivo, o presente artigo objetiva a disseminação das informações conceituais
(sem esgotar os pormenores do tema) a respeito dessas duas facetas delitivas, de modo a
contribuir para com a comunidade acadêmica, policial e demais setores da sociedade
civil, com a clarificação das nuances que envolve estes fenômenos criminais,
subsidiando eventuais construções de políticas criminais ajustadas à realidade delitiva e
mitigação de eventos tão violentos como os que temos visto hodiernamente.
No livro Alpha Bravo Brasil: Crimes Violentos Contra o Patrimônio, há uma vasta
exposição sobre essas modalidades delitivas, como também, surge de maneira
conceitual e muito bem-delineada, a significação de ambos fenômenos. São abordados
aspectos históricos, jurídicos, operacionais, com estudo de casos e sugestões para
alterações legislativas, além da recomendação da criação de planos de defesa
integrados.
Na obra, o autor Lucélio França, aborda os eventos de Novo Cangaço realizados,
principalmente, no Estado do Mato Grosso e conceitua a modalidade criminal da
seguinte maneira:
Outro autor da obra, Ricardo Matias, se encarregou de definir Domínio de Cidades com
a seguinte conceituação:
Domínio de Cidades pode ser conceituado como uma nova modalidade de conflito não
convencional, tipicamente brasileiro e advindo da evolução de crimes violentos contra o
patrimônio (Novo Cangaço), na qual grupos articulados compostos por diversos
criminosos, divididos em tarefas específicas, subjugam a ação do poder público por
meio do planejamento e execução de roubos majorados para subtrair o máximo possível
de valores em espécie e/ou objetos valiosos ou o resgate de detentos de
estabelecimentos prisionais, utilizando ponto de apoio para concentração dos
criminosos, artefatos explosivos, armas portáteis de cano longo e calibre restrito,
veículos potentes e blindados, rotas de fuga predeterminadas, miguelitos, bloqueio de
estradas, vias e rodovias com automóveis em chamas, além da colaboração de olheiros.
(RODRIGUES, 2020)
Nota-se uma clara diferença entre as facetas criminais. Enquanto, em Novo Cangaço
vigora a prática característica de banditismo interiorano, focado em subtrair valores
monetários de cofres das instituições financeiras, lotéricas e caixas eletrônicos de
cidades pequenas, municípios com no máximo 50 mil habitantes, Domínio de Cidades
figura como um modelo delitivo altamente especializado, praticado com objetivo difuso,
atacando diversas unidades bancárias simultaneamente, visando também, centros de
guarda de grandes volumes ou tesourarias (SERET’s), e, além disso, realizam investidas
contra estabelecimentos prisionais, libertando presos para atender demandas específicas
de quem os contrate (2). É um modal criminoso disposto a agir, seja em cidades de
médio e grande porte, desde municípios a partir de 50 mil habitantes até metrópoles
com milhões de pessoas (3).
“[...] tais grupos tendem a se organizar em redes, e não dependem de hierarquias para
sua estruturação, nas quais seus integrantes possuem e desenvolvem habilidades
específicas para determinados fins pretendidos, sem perenidade na formação de
vínculos e de funções desempenhadas, podendo haver rearranjos em futuras ações,
conforme objetivo e local da próxima ação. A arrumação criminosa em redes a torna
mais flexível, dinâmica e dificulta o trabalho investigativo policial, pois rompido o elo
entre os participantes, há naturalmente uma dispersão do grupo, sem necessidade da
manutenção de contato entre eles, tornando ainda mais difícil o rastreamento de
vestígios e identificação dos autores. Patente que tais grupos articulados, assim
dispostos em redes, apresentam maior resistência face a algum revés sofrido em virtude
de interferência das forças de segurança do Estado, conseguindo se manter operando por
mais tempo, mesmo com a neutralização de parte de seus integrantes” (FILHO, 2020).
Esse aspecto, singular, merece especial atenção, pois não somente as polícias encontram
dificuldade para reprimir o fenômeno, como similarmente, os demais órgãos que
compõem o sistema de justiça sofrem com a complexificação criada nesta modalidade,
demandando maior esforço para processar e julgar, adequadamente, os grupos
especializados em DC com a legislação em vigor.
Outro ponto que distingue às duas modalidades criminais, trata-se do poder violento
causado pelo uso de explosivos. Nos crimes de Novo Cangaço, os aparatos explosivos
são, em sua maioria, operacionalizados de forma manual e direcionados aos cofres e
caixas eletrônicos. Os danos, ainda que consideráveis, atingem o patrimônio apenas das
instituições financeiras. Enquanto nos casos de Domínio de Cidades, constata-se a
utilização de dispositivos com acionamento remoto, isto é, a armação operacional é feita
com tecnologia que diminui os riscos para o criminoso e aumenta a sua eficiência e
melhor controle no acionamento.
Além disso, os dispositivos são utilizados para diversos fins nos crimes de DC, seja para
romper obstáculos como os cofres das unidades bancárias, ou para destruição de torres
de telecomunicações e energia, e até mesmo para destruir as saídas dos prédios policiais
com objetivo de impedir o avanço das forças de segurança.
Diante disso, torna-se imperioso que esses fenômenos em evidência sejam amplamente
conhecidos pelas comunidades científicas que estudam a criminalidade, pelos gestores
da segurança pública, pelos magistrados intérpretes da lei, por membros da imprensa e,
principalmente por nosso legislador, que será o principal responsável para trazer a
existência no campo jurídico das normas que balizarão as políticas de controle da
criminalidade ajustadas ao Domínio de Cidades.
A Câmara dos Deputados, aprovou no dia 03 de Agosto de 2022, o PL 5365/20 (5), que
tipifica o crime de Domínio de Cidades. Entretanto, o texto original construído com a
contribuição dos autores do livro Alpha Bravo Brasil, veio a sofrer algumas alterações
durante o processo de votação. Foram excluídos pontos importantes, como a previsão
original dos termos “com vínculos permanentes ou não”. Também, houve a inclusão da
possibilidade de punição dos atos preparatórios em Domínio de Cidades, contudo, o
texto pode levar a futuros imbróglios de interpretação. A matéria agora tramita no
Senado Federal, nesse ínterim, urge a busca por um teor mais fidedigno aos parâmetros
do fenômeno criminal.
O tempo corre contra o interesse público. Tão logo, essas manifestações delituosas
sejam conhecidas de maneira técnica e científica, mais rápido e eficiente será o poder de
ação estatal e controle dos eventos criminais em apreço.
NOTAS
4 - https://portallitoralsul.com.br/completa-hoje-30-dias-do-maior-assalto-de-santa-
catarina/
5 - https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/secretarias/secretaria-da-
mulher/noticias/camara- aprova-projeto-que-tipifica-crime-de-dominio-de-cidade
REFERÊNCIAS
https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/secretarias/secretaria-da-mulher/
noticias/camara-aprova-projeto-que-tipifica-crime-de-dominio-de-cidade
https://velhogeneral.com.br/2021/12/15/dominio-de-cidades-ou-novo-cangaco-qual-e-a-
diferenca/