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Migalhas Contratuais
Jogos de apostas esportivas online: o
caminho da legalidade até a proteção do
consumidor
Cristiano Heineck Schmitt
segunda-feira, 5 de dezembro de 2022
Atualizado às 07:45
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São cada vez mais evidentes os sites e aplicativos de apostas online. Em que pese
existir uma diversidade grande desses jogos que são explorados no ambiente digital
por centenas de empresas espalhadas pelo globo, o foco do presente artigo é tratar da
situação dos jogos de apostas esportivas oferecidos na internet.
Não é peculiaridade do século XXI o desejo do ser humano pela diversão
proporcionada por jogos variados onde ocorram apostas, especialmente aquelas com
efeitos patrimoniais, isto é, que envolvam dinheiro, sendo aptas a renderem prêmios
em moeda.
Um olhar sobre a História, remete-nos, por exemplo, à prática de jogos esportivos com
o fulcro de ganhar algo, ainda que fosse somente o status social. Observando-se o
mundo ocidental, já que seria uma tarefa hercúlea descrever todas as modalidades de
jogos praticados ao longo da existência humana, temos o destaque aos jogos
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olímpicos da Grécia Antiga, com início em torno de 776 a.C., realizados no Santuário de
Olímpia, sendo uma festa religiosa, que durava dias, e em homenagem a Zeus.
Desde esse período até o atual, há um interregno de inúmeros séculos marcados pelo
desejo humano do desafio e pela possibilidade de ganhar e superar um adversário.
Posteriormente, a este interesse é somado aquele que visa o recebimento de valores
em consequência da vitória.
O próprio Estado, nas suas três esferas de atuação, se trabalharmos com o caso
brasileiro, é um exímio explorador de jogos, especificamente, de azar. Para termos uma
ideia dessa dimensão, a Caixa Econômica Federal, uma instituição financeira bastante
conhecida entre os brasileiros, que tem a forma de empresa pública, explora vários
concursos de apostas, e faz isso ao longo de várias décadas. Nesse sentido, a título
exemplificativo, tem-se o caso da mega-sena, lotofácil, quina, lotomania, timemania,
dupla sena, loteca, dia de sorte e super sete.1 Esse conjunto de possibilidades, somado
aos entraves para a prática do jogo no Brasil, deixa bastante perceptível que o Estado
não pretende dividir o mercado com a concorrência de um mercado amplamente
lucrativo. Recentemente, o leque de apostas da Caixa Econômica Federal, que até
então detém praticamente um monopólio da exploração do jogo legalizado no Brasil,
foi expandido com a permissão da Loteria da Saúde e da Loteria do Turismo, criadas
pela Lei nº14.455, de setembro de 2022.
Não nos concentraremos nas loterias estatais brasileiras, mas sim nas formas mais
recentes de apostas, que remetem à internet, mais precisamente, a aplicativos e sites
de apostas esportivas, cuja presença cresce gradativamente no Brasil e no mundo.
O debate, contudo, exige uma passagem pela normatividade exposta no Código Civil,
Lei nº10.406/02, que trata do tema de forma bastante breve entre os artigos 814 a 817.
A leitura das regras positivadas no diploma civil indica um legislador que,
reconhecendo a realidade do jogo e da aposta na vida do brasileiro, não poderia se
eximir em apresentar algo sobre o tema. Se houvesse uma opção puramente refrativa
ao jogo e à aposta, ter-se-ia um legislador divorciado da vontade dos cidadãos e da
realidade. Por outro lado, uma baixíssima dedicação normativa expõe o fato de que o
legislador e executivo mantiveram a tradição de não incentivo ao jogo e à aposta no
Brasil, retirando a força sobre as obrigações derivadas desses acordos. Mesmo que
situado no capítulo inerente aos contratos em espécie, e sendo tratado como tal, o
artigo 814 do CC coloca essas figuras num pedestal de obrigação natural. Assim,
reconhecesse o débito derivado da operação, mas retira-se a possibilidade de
cobrança judicial do crédito. No entanto, uma vez paga a aposta, esta não será
repetível, isto é, não poderá ser reavida pelo apostador, derrotado ou não, salvo se
houver prova de dolo, ou se se tratar de jogo efetivado com menor de idade ou
interdito.
Por outro lado, pende a dúvida sobre qual tipo de jogo e aposta está a se tratar no
âmbito do Código Civil. O parágrafo único do artigo 814 do Código Civil ressalta que a
regra de mínima proteção do contrato, por assim dizer, somente terá cabimento em se
tratado de jogo não proibido, que se convenciona chamar de "tolerado". No entanto, a
norma reconhece como obrigação perfeita aquela derivada dos jogos e apostas
legalmente permitidos, isto é, os que possuem uma legislação própria que os legitima
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e os torna obrigações completas, como é o caso das apostas operadas pela Caixa
Econômica Federal.
O jogo tolerado, para atingir a meta de legalidade prevista no diploma civil, deve
envolver práticas esportivas, onde estão presentes caracteres que justificam a vitória,
como experiência, dedicação, estratégia, etc. O mesmo não serve para acobertar jogos
de azar, que assim são conhecidos diante da exploração reiterada por uma das partes,
nos quais não a outra parte não consegue influir no resultado final.
Até então, estamos a perceber a existência do jogo e aposta legalizados, com
legislação própria e explorados pelo Estado, a dos tolerados, constantes no Código
Civil. Mas ainda existe uma terceira categoria, e que são os jogos proibidos, ditos
ilegais, que são objeto da legislação penal.
Símbolo do jogo proibido no Brasil, é o caso do notoriamente conhecido Jogo do Bicho.
A sua prática reiterada, diária, sendo consumido por milhares de indivíduos, gera um
certo mal-estar social no sentido da ausência de desejo no cumprimento da lei. É uma
estrutura tão difundida que a repressão estatal, quando ocorre, é mínima se
comparada ao volume de operações geradas pela prática.
A origem do jogo do bicho no Brasil data de 1892, e foi uma bolsa de apostas em que
números eram representados por animais, sendo criada para aumentar a frequência
popular ao zoológico. O mesmo funcionava da seguinte maneira: "receberia um prêmio
em dinheiro o portador do bilhete de entrada que tivesse a figura do animal do dia, o
qual era escolhido entre os 25 animais do zoológico e passava o dia inteiro encoberto
com um pano. O pano somente era retirado no final do dia, revelando o animal do dia.
Posteriormente, os animais foram associados a séries numéricas da loteria e o jogo
passou a ser praticado largamente fora do zoológico".2
Posteriormente, o Jogo do Bicho atingiu níveis de, por assim dizer, profissionalização na
sua prática, fazendo surgir a figura dos "bicheiros", e tornando-se, talvez, o jogo de
apostas mais praticado no Brasil. No entanto, o mesmo nunca foi legalizado, de forma
que a sua prática é vista como a contravenção penal estatuída no artigo 50 da decreto-
lei 3.688 de 1.941, Lei das Contravenções Penais, que expõe o que segue: "Estabelecer
ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o
pagamento de entrada ou sem ele: Pena - prisão simples, de três meses a um ano, e
multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à
perda dos moveis e objetos de decoração do local". Ainda, consoante o §2o da referida
norma, "incorre na pena de multa, de R$2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00
(duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou
por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador". E esse mesmo
artigo 50, em seu §3º, estatui o que se consideram como sendo jogos de azar: "a) o
jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as
apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam
autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva".
Em suma, há um interesse do Estado em evitar a exploração econômica dos jogos de
azar por parte dos particulares, embora ele, Estado, faça aquilo que condena. Registra-
se, no entanto, que a prática do Jogo do Bicho recebe certa persecução penal na
medida em que o mesmo possa estar associado ao crime organizado, lavagem de
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dinheiro, sonegação fiscal, e até mesmo homicídios e outros crimes praticados entre
concorrentes "bicheiros", o que atrai violência e desagregação social.
Uma cena que ficou famosa também nesse contexto foi ocupada pela lei 9.615/98,
chamada de "Lei Pelé", que trata sobre o desporto no Brasil, e que trazia consigo a
liberação para que entidades desportivas, por si ou por empresa administradora,
exercessem a atividade de bingo. Foi uma época de grande proliferação de Casas de
Bingo pelo território nacional, explorados por empresas privadas, que deveriam
destinar parte do lucro do jogo para entidades desportivas. Nessas casas de apostas,
era possível ver máquinas de caça níqueis convivendo com salões onde
continuamente eram efetivadas rodadas de bingo. No entanto, a lei 9.981/21 revogou
as regras permissivas do jogo de bingo da lei anterior, de forma que os Bingos foram
proibidos, e os que continuaram, se mantiveram à margem da lei. No entanto, o tema
retoma importância na medida em que fora aprovado na Câmara do Deputados, no
final de fevereiro de 2022, o Projeto de Lei nº 442/1991, que legaliza no Brasil os jogos
de azar como cassinos e bingos, e que aguarda análise do Senado. A perspectiva do
projeto abre a possibilidade de abertura de cassinos em hotéis, resorts, áreas de
turismo, prática de bingo, apostas esportivas, retirando essas atividades da
clandestinidade, e da figura da contravenção penal. Além disso, coloca o Estado na
posição de um regulador, manifestando-se por meio de agência regulatória própria,
que expedirá normas e fará a fiscalização do setor.3
Portanto, jogos de azar explorados por particulares ainda, de regra, são práticas
delitivas, ilegais, reprimidas pelo Estado brasileiro e não podem ser respaldadas nos
permissivos do Código Civil. Neste rol inclui-se, de momento, cassinos, os quais já
tiveram sua prática permitida, e que foi tolhida por força do decreto-lei 9.215, de 30 de
abril de 1946, assinado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra sob o argumento de que a
prática do jogo (de apostas) é degradante para o ser humano.
Como dito, o jogo organizado, se pouco ou nada fiscalizado, pode atrair uma série de
práticas criminais conjugadas, o que também não é algo particular dessa operação. Há
quem aponte o problema da "ludopatia", o vício em jogos, como um problema social
atraído por jogos de apostas variados. São cenários de compulsão ou obsessão por
jogar, que podem levar o indivíduo a uma ruptura nas suas relações, com perda de
amigos, trabalho, divórcio, depressão, cometimento de crimes patrimoniais visando
obtenção de valores para apostas, sendo patologia classificada com a siglas CID-10-
Z72. 6 (Mania de jogo e apostas) e CID-10-F63. 0 (Jogo patológico), da Organização
Mundial da Saúde - OMS. O comportamento do paciente, neste caso, é semelhante ao
vício por bebida alcóolica, drogas, etc. Os números não são exatos, mas há quem fale
em comprometimento de 0,1% a 6% da população, o que no Brasil poderia significar, no
mínimo, duzentos mil habitantes.4
No entanto, estamos investigando o que seria possível efetivar no Brasil em termos de
jogos, e que não enfrentassem uma nulidade, ou uma percussão penal, que pudessem
ser reputadas como uma obrigação perfeita e que desenhe uma relação de consumo.
O desenvolvimento da internet vai produzindo demandas variadas em larga escala. A
pandemia Covid19, com seu isolamento necessário, remeteu milhares de pessoas aos
meios digitais, e aumentou o tempo de uso daqueles que já frequentavam o
ciberespaço de forma corriqueira. Se o "novo normal" garantiu um vultoso aumento das
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que vão desde o time que vai ganhar a partida, ou adivinhar quantos gols serão
realizados, no caso do futebol, quantas faltas vão ocorrer, etc.
No entanto, outra situação anômala que o sistema acabou gerando, por falta de
regulamentação, que se tributa à ausência de vontade ou coragem política, é o fato de
que todas essas empresas de jogos, algumas bastante conhecidas em razão da farta
divulgação na mídia, não poderem operar no Brasil como casas de apostas. A lei
13.756/18 determina que tais fornecedores não tenham pontos de venda físicos no
país, e que somente possam operar por meio de sites hospedados em domínios não
registrados no Brasil. A grande parte dessas empresas, que atuam no Brasil, tem sede
em Malta, Barbados, Gibraltar, entre outros, fazendo com que estes locais onde
operem fisicamente fiquem com a tributação. Uma vez sendo regulamentada a norma
indicada, a empresa teria que possuir filial ou sede no país, recolhendo tributos,
pagando taxa de fiscalização, e obedecendo a outros tramites legais que agregam
maior segurança ao serviço.
Portanto, respondendo aos questionamentos, até o presente, enquanto se aguarda
regulamentação, é possível e legal no Brasil a aposta on line, promovida por empresa
sem loja física no território nacional, que opere com quota fixa de premiação em
apostas esportivas, cujo domínio do site não seja registrado no país. Na nossa modesta
opinião, uma situação esdrúxula, uma vez que a legislação está preparada, inclusive,
para executar a tributação do setor, que, de momento, não ocorre, e o produto
arrecado fica para o fisco de outra nação que recebe a sede da casa de aposta.
Mas outra pergunta deflui do sistema parcial até então existente: por que afinal existem
tantas empresas do setor promovendo publicidade interna das mais variadas formas? E
resposta é simples: tais fornecedores atuam no Brasil na condição de empresas de
publicidade (marketing esportivo) tão somente. Realizam uma autopublicidade
convidando os apostadores ao seu site, cujo domínio é estrangeiro, estimando-se que,
em torno de 450 casas de apostas operem pelo Brasil, embora através da internet,
diga-se, aliás, um ambiente que não conhece fronteira física. Evidentemente, não há
como o Brasil realizar persecução criminal a uma empresa com sede na Rússia, por
serviços de Cassino ofertados pela internet, aplicando-lhe a lei de contravenções
penais brasileira. A questão é, estando a empresa a cumprir os requisitos legais atuais,
mesmo sem a regulamentação, a mesma teria amparo judicial no caso de pleito
aforado no Brasil, pois desenvolveu atividade lícita.
E nesse emaranhado normativo, como fica o apostador considerado como
consumidor? Talvez a principal dúvida que possa surgir é sobre a garantia de
recebimento do prêmio. Uma situação que deve ficar bastante clara, é que, para o
apostador, tais jogos esportivos com apostas em dinheiro não se revelarem como um
investimento, por mais que o apostador pretenda realizar cálculos de probabilidades,
ou contratar um trader esportivo, um mentor que o auxilie. É apenas um cenário de
lazer agregado ao interesse por torcer a certa equipe. Por certo, apostar em site
estrangeiro acarreta o risco de, em caso de exigência do prêmio, o apostador ter que
movimentar uma máquina judicial estrangeira, e sem garantias de que a casa de
apostas tenha patrimônio suficiente para suportar uma condenação.
Nesse sentido, as marcas mais atuantes, ao menos, têm uma obrigação de garantir a
lisura e transparência do agir como forma a preservar o próprio negócio. Outra dúvida
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3 TAVARES, Danilo Serra, e CERQUEIRA, Felipe Mello. O PL 442/91 e o futuro dos jogos de azar no
Brasil: normas, fiscalização e aplicações de sanções.Acesso em 23.11.2022.
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9 GRITZ, Thuan e GUREK, Pedro Guilherme. Clubes de futebol e os sites de apostas online: o Estado não
está mais blefando.
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ISSN 1983-392X
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