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11/09/2023, 22:42 Jogos de apostas esportivas online - Migalhas

NO AR: Migalhas nº 5.683

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Migalhas Contratuais
Jogos de apostas esportivas online: o
caminho da legalidade até a proteção do
consumidor
Cristiano Heineck Schmitt
segunda-feira, 5 de dezembro de 2022
Atualizado às 07:45

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São cada vez mais evidentes os sites e aplicativos de apostas online. Em que pese
existir uma diversidade grande desses jogos que são explorados no ambiente digital
por centenas de empresas espalhadas pelo globo, o foco do presente artigo é tratar da
situação dos jogos de apostas esportivas oferecidos na internet.
Não é peculiaridade do século XXI o desejo do ser humano pela diversão
proporcionada por jogos variados onde ocorram apostas, especialmente aquelas com
efeitos patrimoniais, isto é, que envolvam dinheiro, sendo aptas a renderem prêmios
em moeda.
Um olhar sobre a História, remete-nos, por exemplo, à prática de jogos esportivos com
o fulcro de ganhar algo, ainda que fosse somente o status social. Observando-se o
mundo ocidental, já que seria uma tarefa hercúlea descrever todas as modalidades de
jogos praticados ao longo da existência humana, temos o destaque aos jogos

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olímpicos da Grécia Antiga, com início em torno de 776 a.C., realizados no Santuário de
Olímpia, sendo uma festa religiosa, que durava dias, e em homenagem a Zeus.
Desde esse período até o atual, há um interregno de inúmeros séculos marcados pelo
desejo humano do desafio e pela possibilidade de ganhar e superar um adversário.
Posteriormente, a este interesse é somado aquele que visa o recebimento de valores
em consequência da vitória.
O próprio Estado, nas suas três esferas de atuação, se trabalharmos com o caso
brasileiro, é um exímio explorador de jogos, especificamente, de azar. Para termos uma
ideia dessa dimensão, a Caixa Econômica Federal, uma instituição financeira bastante
conhecida entre os brasileiros, que tem a forma de empresa pública, explora vários
concursos de apostas, e faz isso ao longo de várias décadas. Nesse sentido, a título
exemplificativo, tem-se o caso da mega-sena, lotofácil, quina, lotomania, timemania,
dupla sena, loteca, dia de sorte e super sete.1 Esse conjunto de possibilidades, somado
aos entraves para a prática do jogo no Brasil, deixa bastante perceptível que o Estado
não pretende dividir o mercado com a concorrência de um mercado amplamente
lucrativo. Recentemente, o leque de apostas da Caixa Econômica Federal, que até
então detém praticamente um monopólio da exploração do jogo legalizado no Brasil,
foi expandido com a permissão da Loteria da Saúde e da Loteria do Turismo, criadas
pela Lei nº14.455, de setembro de 2022.
Não nos concentraremos nas loterias estatais brasileiras, mas sim nas formas mais
recentes de apostas, que remetem à internet, mais precisamente, a aplicativos e sites
de apostas esportivas, cuja presença cresce gradativamente no Brasil e no mundo.
O debate, contudo, exige uma passagem pela normatividade exposta no Código Civil,
Lei nº10.406/02, que trata do tema de forma bastante breve entre os artigos 814 a 817.
A leitura das regras positivadas no diploma civil indica um legislador que,
reconhecendo a realidade do jogo e da aposta na vida do brasileiro, não poderia se
eximir em apresentar algo sobre o tema. Se houvesse uma opção puramente refrativa
ao jogo e à aposta, ter-se-ia um legislador divorciado da vontade dos cidadãos e da
realidade. Por outro lado, uma baixíssima dedicação normativa expõe o fato de que o
legislador e executivo mantiveram a tradição de não incentivo ao jogo e à aposta no
Brasil, retirando a força sobre as obrigações derivadas desses acordos. Mesmo que
situado no capítulo inerente aos contratos em espécie, e sendo tratado como tal, o
artigo 814 do CC coloca essas figuras num pedestal de obrigação natural. Assim,
reconhecesse o débito derivado da operação, mas retira-se a possibilidade de
cobrança judicial do crédito. No entanto, uma vez paga a aposta, esta não será
repetível, isto é, não poderá ser reavida pelo apostador, derrotado ou não, salvo se
houver prova de dolo, ou se se tratar de jogo efetivado com menor de idade ou
interdito.
Por outro lado, pende a dúvida sobre qual tipo de jogo e aposta está a se tratar no
âmbito do Código Civil. O parágrafo único do artigo 814 do Código Civil ressalta que a
regra de mínima proteção do contrato, por assim dizer, somente terá cabimento em se
tratado de jogo não proibido, que se convenciona chamar de "tolerado". No entanto, a
norma reconhece como obrigação perfeita aquela derivada dos jogos e apostas
legalmente permitidos, isto é, os que possuem uma legislação própria que os legitima

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e os torna obrigações completas, como é o caso das apostas operadas pela Caixa
Econômica Federal.
O jogo tolerado, para atingir a meta de legalidade prevista no diploma civil, deve
envolver práticas esportivas, onde estão presentes caracteres que justificam a vitória,
como experiência, dedicação, estratégia, etc. O mesmo não serve para acobertar jogos
de azar, que assim são conhecidos diante da exploração reiterada por uma das partes,
nos quais não a outra parte não consegue influir no resultado final.
Até então, estamos a perceber a existência do jogo e aposta legalizados, com
legislação própria e explorados pelo Estado, a dos tolerados, constantes no Código
Civil. Mas ainda existe uma terceira categoria, e que são os jogos proibidos, ditos
ilegais, que são objeto da legislação penal.
Símbolo do jogo proibido no Brasil, é o caso do notoriamente conhecido Jogo do Bicho.
A sua prática reiterada, diária, sendo consumido por milhares de indivíduos, gera um
certo mal-estar social no sentido da ausência de desejo no cumprimento da lei. É uma
estrutura tão difundida que a repressão estatal, quando ocorre, é mínima se
comparada ao volume de operações geradas pela prática.
A origem do jogo do bicho no Brasil data de 1892, e foi uma bolsa de apostas em que
números eram representados por animais, sendo criada para aumentar a frequência
popular ao zoológico. O mesmo funcionava da seguinte maneira: "receberia um prêmio
em dinheiro o portador do bilhete de entrada que tivesse a figura do animal do dia, o
qual era escolhido entre os 25 animais do zoológico e passava o dia inteiro encoberto
com um pano. O pano somente era retirado no final do dia, revelando o animal do dia.
Posteriormente, os animais foram associados a séries numéricas da loteria e o jogo
passou a ser praticado largamente fora do zoológico".2
Posteriormente, o Jogo do Bicho atingiu níveis de, por assim dizer, profissionalização na
sua prática, fazendo surgir a figura dos "bicheiros", e tornando-se, talvez, o jogo de
apostas mais praticado no Brasil. No entanto, o mesmo nunca foi legalizado, de forma
que a sua prática é vista como a contravenção penal estatuída no artigo 50 da decreto-
lei 3.688 de 1.941, Lei das Contravenções Penais, que expõe o que segue: "Estabelecer
ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o
pagamento de entrada ou sem ele: Pena - prisão simples, de três meses a um ano, e
multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à
perda dos moveis e objetos de decoração do local". Ainda, consoante o §2o da referida
norma, "incorre na pena de multa, de R$2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00
(duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou
por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador". E esse mesmo
artigo 50, em seu §3º, estatui o que se consideram como sendo jogos de azar: "a) o
jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as
apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam
autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva".
Em suma, há um interesse do Estado em evitar a exploração econômica dos jogos de
azar por parte dos particulares, embora ele, Estado, faça aquilo que condena. Registra-
se, no entanto, que a prática do Jogo do Bicho recebe certa persecução penal na
medida em que o mesmo possa estar associado ao crime organizado, lavagem de
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dinheiro, sonegação fiscal, e até mesmo homicídios e outros crimes praticados entre
concorrentes "bicheiros", o que atrai violência e desagregação social.
Uma cena que ficou famosa também nesse contexto foi ocupada pela lei 9.615/98,
chamada de "Lei Pelé", que trata sobre o desporto no Brasil, e que trazia consigo a
liberação para que entidades desportivas, por si ou por empresa administradora,
exercessem a atividade de bingo. Foi uma época de grande proliferação de Casas de
Bingo pelo território nacional, explorados por empresas privadas, que deveriam
destinar parte do lucro do jogo para entidades desportivas. Nessas casas de apostas,
era possível ver máquinas de caça níqueis convivendo com salões onde
continuamente eram efetivadas rodadas de bingo. No entanto, a lei 9.981/21 revogou
as regras permissivas do jogo de bingo da lei anterior, de forma que os Bingos foram
proibidos, e os que continuaram, se mantiveram à margem da lei. No entanto, o tema
retoma importância na medida em que fora aprovado na Câmara do Deputados, no
final de fevereiro de 2022, o Projeto de Lei nº 442/1991, que legaliza no Brasil os jogos
de azar como cassinos e bingos, e que aguarda análise do Senado. A perspectiva do
projeto abre a possibilidade de abertura de cassinos em hotéis, resorts, áreas de
turismo, prática de bingo, apostas esportivas, retirando essas atividades da
clandestinidade, e da figura da contravenção penal. Além disso, coloca o Estado na
posição de um regulador, manifestando-se por meio de agência regulatória própria,
que expedirá normas e fará a fiscalização do setor.3
Portanto, jogos de azar explorados por particulares ainda, de regra, são práticas
delitivas, ilegais, reprimidas pelo Estado brasileiro e não podem ser respaldadas nos
permissivos do Código Civil. Neste rol inclui-se, de momento, cassinos, os quais já
tiveram sua prática permitida, e que foi tolhida por força do decreto-lei 9.215, de 30 de
abril de 1946, assinado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra sob o argumento de que a
prática do jogo (de apostas) é degradante para o ser humano.
Como dito, o jogo organizado, se pouco ou nada fiscalizado, pode atrair uma série de
práticas criminais conjugadas, o que também não é algo particular dessa operação. Há
quem aponte o problema da "ludopatia", o vício em jogos, como um problema social
atraído por jogos de apostas variados. São cenários de compulsão ou obsessão por
jogar, que podem levar o indivíduo a uma ruptura nas suas relações, com perda de
amigos, trabalho, divórcio, depressão, cometimento de crimes patrimoniais visando
obtenção de valores para apostas, sendo patologia classificada com a siglas CID-10-
Z72. 6 (Mania de jogo e apostas) e CID-10-F63. 0 (Jogo patológico), da Organização
Mundial da Saúde - OMS. O comportamento do paciente, neste caso, é semelhante ao
vício por bebida alcóolica, drogas, etc. Os números não são exatos, mas há quem fale
em comprometimento de 0,1% a 6% da população, o que no Brasil poderia significar, no
mínimo, duzentos mil habitantes.4
No entanto, estamos investigando o que seria possível efetivar no Brasil em termos de
jogos, e que não enfrentassem uma nulidade, ou uma percussão penal, que pudessem
ser reputadas como uma obrigação perfeita e que desenhe uma relação de consumo.
O desenvolvimento da internet vai produzindo demandas variadas em larga escala. A
pandemia Covid19, com seu isolamento necessário, remeteu milhares de pessoas aos
meios digitais, e aumentou o tempo de uso daqueles que já frequentavam o
ciberespaço de forma corriqueira. Se o "novo normal" garantiu um vultoso aumento das
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transações de consumo pela internet, envolvendo alimentação, vestuário, plataformas


de streaming, etc., por que isso não acarretaria também um aumento no que concerne
aos serviços de apostas eletrônicas?
Gradativamente, tais atividades vão sendo ampliadas, englobando uma fatia cada vez
maior do mercado, e por lógico, esse movimento aporta também aos jogos e apostas
eletrônicas on line.5
Com a disseminação dos jogos de apostas on line, cada vez mais as empresas do setor
investem de forma maciça em aprimoramentos e publicidade. São diversos players no
mercado, com marcas conhecidas, que costuma ocupar espaços de publicidade em
campos de futebol e nas mídias em geral, patrocinando eventos entre outros. São
empresas que podem apresentar produtos variados, que envolvam não apenas jogos
esportivos, mas até mesmo transmissões ao vivo de jogos com comentaristas
conhecidos do público. Como no Brasil o futebol ainda é o esporte número um do
gosto popular, cada vez mais os clubes têm gerando parcerias de patrocínios com os
fornecedores. Clubes como Atlético-MG (Betano), Atlético-GO (Amuleto Bet), América-
MG (Pixbet), Avaí (Pixbet), Botafogo (Blaze), Fluminense (Betano) e São Paulo
(Sportsbet.io) tem como patrocinadores do tipo máster, nas respectivas camisas,
empresas do setor de apostas, sendo que muitas delas chegam a investir em dois, três,
até seis clubes ao mesmo tempo, como forma de garantir visibilidade à marca e
incentivar o consumo do serviço.6
No entanto, em razão de inconsistências legais, por assim dizer, criou-se uma situação
paradoxal. Na medida em que empresas do setor de apostas esportivas convivem na
mídia esportiva como sendo um dos grandes patrocinadores de times, de programas
de televisão, youtube, etc, expondo suas marcas em inúmeros espaços, estas não
podem funcionar no Brasil como casa de apostas, mas somente podem operar fora
dele. Considerando-se o gosto do brasileiro pelo esporte, especialmente o futebol, a
associação do mesmo a casas de apostas esportivas revela um segmento de mercado
altamente lucrativo, e que poderia gerar muitos empregos no país, tributos, etc.
Em 2021, uma estimativa apontada pela empresa Sports Value indicava que os
brasileiros movimentaram em torno de 4 bilhões de reais em apostas esportivas, sendo
investido 140 milhões de reais na parte publicitária promovida por casas de apostas on
line, sendo que 85% dos times brasileiros da primeira divisão, isto é, dezessete times,
possuíam algum tipo de patrocínio sobre o tema, sem contar em times de basquete, e-
sports, influenciers digitais, etc.7
E a pregunta que se reprisa é, afinal, está legalizada a aposta esportiva no Brasil
promovida por empresa privada, na medida que espaços de publicidades, até
uniformes de jogadores, carregam o nome e marca de casas de jogos? A resposta não
é tão simples assim.
Uma espécie de cruzada moral e política sempre atuou como empecilho da
exploração do jogo no Brasil, moralismo esse que cede quando o promotor das
apostas e o próprio Estado. A presença do Estado inundaria o mundo do jogo, sob essa
ótica, com uma espécie de beatificação, permitindo livremente sua oferta. Esse cenário
repressor, por assim dizer, atrasou inclusive o debate do tema, impregnando a
atividade com uma burocracia impeditiva, salvo para aqueles que vivem na ilegalidade,
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e cujo volume de dinheiro com que operam é surpreendente, diante de uma


persecução pífia.
Em 2018, no governo de Michel Temer, tudo indicava que a questão dos jogos de
apostas alcançaria um caminho da legitimidade, com a sanção da lei 13.756/18.
Embora não fosse ainda uma abertura total ou ampla, poderia se imaginar a
convivência com uma certa regulamentação das apostas esportivas no Brasil. A
referida lei previu como meio possível de aposta a chamada quota fixa.
Consoante o art. 29 da referida Lei, resta criada a modalidade "lotérica", sob a forma de
serviço público exclusivo da União, denominada apostas de quota fixa, cuja exploração
comercial ocorrerá em todo o território nacional. No seu parágrafo 1º, define-se a
modalidade lotérica como o "sistema de apostas relativas a eventos reais de temática
esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o
apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico". Em termos práticos, "quota
fixa" significa que o apostador sabe quanto vai receber se acertar, e o prêmio já é pré-
definido pela empresa de apostas, que calcula a probabilidade de um resultado
acontecer. Por exemplo, se o apostador jogar 500 reais num resultado, ele sabe que
poderá receber dois mil reais de prêmio se acertar o palpite.
O parágrafo 2º do referido dispositivo revela que essa loteria de apostas de quota fixa
será autorizada ou concedida pelo Ministério da Fazenda e será explorada,
exclusivamente, em ambiente concorrencial, com possibilidade de ser comercializada
em quaisquer canais de distribuição comercial, físicos e em meios virtuais. Ou seja, a
regra está a permitir a sua exploração comercial pelo setor privado. No entanto, o par.
3º do mesmo artigo dispõe que o Ministério da Fazenda regulamentará no prazo de até
2 (dois) anos, prorrogável por até igual período, a contar da data de publicação da Lei, o
disposto neste artigo. Em outros temos, enquanto estiver pendente a edição de
Decreto que regulamente a Lei, o que até o presente momento não ocorreu, há um
risco de as operações em torno de quota fixa tornarem-se ilegais no fechamento de
quatro anos, o que ocorrerá em dezembro de 2022. E disto deflui outra pergunta:
havendo a Lei há quatro anos, permitindo o funcionamento do sistema, ainda que com
limitações, por que ainda não foi regulamentada?
Logicamente, o Estado brasileiro, a menos que passe a controlar a internet, não tem
como impedir e controlar apostas on line das mais diversas modalidades realizadas por
meio de sites e aplicativos espalhados pela rede mundial de computadores. É um fato
notório que milhares de apostadores realizam jogos de cassino, poker, entre tantos. A
perspectiva com a Lei nº nº13.756/18, é que as casas de apostas pudessem se
estabelece no Brasil também, gerando divisas à nação. Dispõe o art. 30 da referida
norma que o produto da arrecadação da loteria de apostas de quota fixa em meio
físico ou virtual, salvo disposição em lei específica, será destinado para a seguridade
social e ao pagamento do imposto de renda incidente sobre a premiação, beneficiando
também entidades educativas, entidades esportivas do futebol e o fundo nacional de
segurança pública.
Para realizar a aposta esportiva, basta o interessado se cadastrar numa casa de
apostas, tendo mais de 18 anos, criando um usuário e senha. As transações serão feitas
por cartão de crédito, pix ou boleto. Entre as possibilidades, podem ocorrer apostas

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que vão desde o time que vai ganhar a partida, ou adivinhar quantos gols serão
realizados, no caso do futebol, quantas faltas vão ocorrer, etc.
No entanto, outra situação anômala que o sistema acabou gerando, por falta de
regulamentação, que se tributa à ausência de vontade ou coragem política, é o fato de
que todas essas empresas de jogos, algumas bastante conhecidas em razão da farta
divulgação na mídia, não poderem operar no Brasil como casas de apostas. A lei
13.756/18 determina que tais fornecedores não tenham pontos de venda físicos no
país, e que somente possam operar por meio de sites hospedados em domínios não
registrados no Brasil. A grande parte dessas empresas, que atuam no Brasil, tem sede
em Malta, Barbados, Gibraltar, entre outros, fazendo com que estes locais onde
operem fisicamente fiquem com a tributação. Uma vez sendo regulamentada a norma
indicada, a empresa teria que possuir filial ou sede no país, recolhendo tributos,
pagando taxa de fiscalização, e obedecendo a outros tramites legais que agregam
maior segurança ao serviço.
Portanto, respondendo aos questionamentos, até o presente, enquanto se aguarda
regulamentação, é possível e legal no Brasil a aposta on line, promovida por empresa
sem loja física no território nacional, que opere com quota fixa de premiação em
apostas esportivas, cujo domínio do site não seja registrado no país. Na nossa modesta
opinião, uma situação esdrúxula, uma vez que a legislação está preparada, inclusive,
para executar a tributação do setor, que, de momento, não ocorre, e o produto
arrecado fica para o fisco de outra nação que recebe a sede da casa de aposta.
Mas outra pergunta deflui do sistema parcial até então existente: por que afinal existem
tantas empresas do setor promovendo publicidade interna das mais variadas formas? E
resposta é simples: tais fornecedores atuam no Brasil na condição de empresas de
publicidade (marketing esportivo) tão somente. Realizam uma autopublicidade
convidando os apostadores ao seu site, cujo domínio é estrangeiro, estimando-se que,
em torno de 450 casas de apostas operem pelo Brasil, embora através da internet,
diga-se, aliás, um ambiente que não conhece fronteira física. Evidentemente, não há
como o Brasil realizar persecução criminal a uma empresa com sede na Rússia, por
serviços de Cassino ofertados pela internet, aplicando-lhe a lei de contravenções
penais brasileira. A questão é, estando a empresa a cumprir os requisitos legais atuais,
mesmo sem a regulamentação, a mesma teria amparo judicial no caso de pleito
aforado no Brasil, pois desenvolveu atividade lícita.
E nesse emaranhado normativo, como fica o apostador considerado como
consumidor? Talvez a principal dúvida que possa surgir é sobre a garantia de
recebimento do prêmio. Uma situação que deve ficar bastante clara, é que, para o
apostador, tais jogos esportivos com apostas em dinheiro não se revelarem como um
investimento, por mais que o apostador pretenda realizar cálculos de probabilidades,
ou contratar um trader esportivo, um mentor que o auxilie. É apenas um cenário de
lazer agregado ao interesse por torcer a certa equipe. Por certo, apostar em site
estrangeiro acarreta o risco de, em caso de exigência do prêmio, o apostador ter que
movimentar uma máquina judicial estrangeira, e sem garantias de que a casa de
apostas tenha patrimônio suficiente para suportar uma condenação.
Nesse sentido, as marcas mais atuantes, ao menos, têm uma obrigação de garantir a
lisura e transparência do agir como forma a preservar o próprio negócio. Outra dúvida
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que pode advir é a necessidade de um programa de compliance intenso dos players


do setor, para se evitar a corrupção com o acerto prévio de resultados, envolvendo
times, jogadores, árbitros, cenários não tão incomuns na prática do futebol. Com
garantias que tais situações sejam raras, o sistema tende a prosperar.
E diante da legislação atual, como proteger o consumidor? A vulnerabilidade do
consumidor é uma característica intrínseca a este agente da relação de consumo,
como aponta o artigo 4º, inciso I do diploma consumerista brasileiro.8 Não pesam
dúvidas de que os serviços de apostas esportivas on line apresentam um usuário final,
o consumidor, definido como tal no artigo 2º, caput, do Código de Defesa do
Consumidor, lei 8.078/90, assim como um fornecedor, consoante dispõe o artigo 3º,
caput, do mesmo diploma legal. O serviço, no caso, é inerente ao lazer.
Acerva de vícios do serviço, o artigo 20 do CDC, enquadra como fornecedores todos
aqueles que participaram da relação de consumo, da cadeia de fornecimento, com
maior ou menor intensidade, garantindo-se a solidariedade destes frente aos danos
gerados ao consumidor. E a artigo 14, caput, apresenta a mesma perspectiva no que
concerne aos defeitos do serviço.
No campo digital, algumas vulnerabilidades se acentuam, pois é necessário ao usuário
compartilhar dados pessoais para se cadastrar aos site de apostas, de forma que uma
primeira preocupação do fornecedor deva focar a questão da proteção desses dados,
e também do sigilo, visto que muitos apostadores não querem ser vistos com tais
status, especialmente em face do preconceito que recai sobre jogos de apostas.
Já anunciado anteriormente, uma preocupação importante reside justamente sob o
cumprimento do pagamento do prêmio. Caso o consumidor tenha que reivindicar o
mesmo em país estrangeiro, necessitando de um patrono desta nação, diante de uma
legislação distinta, as chances de obter o cumprimento do contrato são remotas,
colocando o consumidor-apostador em prejuízo. No entanto, pode ocorrer que a
referida casa de apostas tenha representação no Brasil, ainda que operando como
empresa de marketing esportivo. A nosso ver, seria o suficiente para atrair a
responsabilidade desta sucursal, na medida em que ela divulgue o serviço de apostas,
gerando expectativas e confiança sobre o consumidor. Seria, no mínimo, uma
decorrência da lealdade de emana da boa-fé objetiva, que é referida no artigo 51,
inciso IV do CDC, por exemplo. Da mesma forma, entendemos como vinculada
solidariamente ao prejuízo suportado pelo consumidor a celebridade que associa seu
nome a uma casa de apostas, especialmente quando desenvolve alguma parceria nos
lucros, podendo ser aplicado ao caso o artigo 7º, par. único do CDC.
O artigo 12 do CDC, ao descrever os responsáveis solidários e diretos pelo fato (defeito)
do produto, inclui, por opção legislativa, a figura do importador. E o motivo dessa
presença é o fato do risco criado com a inserção de um produto estrangeiro em
território nacional, pois em caso de danos, o consumidor teria que tentar promover um
pleito no exterior, o que tende a ser inviável economicamente ao vulnerável da relação
de consumo. Para que isso não ocorra, o importador passa a responder no caso. Sob
essa mesma perspectiva, pode-se pensar na responsabilização do agente que
promove o acesso a casa de apostas estrangeira que posteriormente não honra o
pagamento do prêmio.

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Em uma atitude inédita, a Senacon, Secretaria Nacional do Consumidor, recentemente,


em agosto de 2022, notificou empresas do setor, bem como todos os clubes da série A
do Campeonato Brasileiro, alguns da série B, além de federações regionais de futebol,
para que apresentassem cópias dos contratos havidos entre esses players envolvendo
apostas esportivas. Em princípio, a atuação da Senacon não teve um respaldo muito
legítimo, já que o que seria o motivo principal é a ausência de regulamentação da
atividade sem nenhum controle.9 Ocorre que, cumpridos os requisitos da lei 13.756/18,
havendo autorização para tanto, não há supedâneo que possa genericamente levar ao
entendimento que o serviços de aposta prestado esteja a se enquadrar como prática
criminosa ou prejudicial ao consumidor, não sendo algo que funcione, até o momento,
na clandestinidade. De qualquer forma, a persecução no caso, abala o setor e afasta
investidores, que passam a cogitar da precariedade jurídica do sistema. O fato de não
existir uma fiscalização específica sobre o jogo, por falta de regulamentação de norma
aprovada há quatro anos, não retira a legitimidade do serviço, e nem por isso, somente,
o mesmo se torna lesivo aos consumidores em geral.10
Como se pode observar, o tema ainda é recente. Superar a barreira moral nacional
contra o jogo e aposta promovidos por empresa privada do setor foi uma quebra de
um tabu de décadas, e que corre o risco de retrocesso, caso a lei que alberga o
permissivo da atividade não seja regulada. É uma atividade que remete a serviços de
lazer, que cresceu muito com a pandemia Covid19, junto com a internet, e que pode
gerar grandes divisas ao país, e empregos. É bastante possível a fiscalização, de forma
que a prática do jogo de apostas não sirva de fachada a práticas delitivas, tal como
ocorre com o vetusto Jogo do Bicho, e principalmente, que garanta ao consumidor um
nível de segurança esperado sobre a lisura do processo, em que pese a álea seja o
elemento que permeia o serviço de apostas esportivas on line. Esperamos que o
serviço receba a correta regulação, que realmente possa produzir as benesses que a
própria lei contempla e que o consumidor tenha a proteção necessária ao realizar o
jogo de apostas.
__________
1 Vide aqui. Acesso em 23.11.22.

2 Vide aqui.Acesso em 25.11.22.

3 TAVARES, Danilo Serra, e CERQUEIRA, Felipe Mello. O PL 442/91 e o futuro dos jogos de azar no
Brasil: normas, fiscalização e aplicações de sanções.Acesso em 23.11.2022.

4 Vide aqui. Acesso em 20.11.2022.

5 Observando-se o crescimento do e-commerce, no Brasil, em 2020, as vendas online cresceram


34,76%. Em 2021, o aumento foi de 28,45%. Para 2022 e nos próximos anos, o crescimento esperado é de
20% ao ano, com projeção de que em 2025 o volume de vendas alcance R$465 bilhões de reais. Acesso
em 24.11.22.

6 Vide aqui. Acesso em 25.11.22.

7 Vide aqui. Acesso em 24.11.22.

https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/378018/jogos-de-apostas-esportivas-online 9/10
11/09/2023, 22:42 Jogos de apostas esportivas online - Migalhas

8 Sobre vulnerabilidade, sugestão de leitura do nosso SCHMITT, Cristiano Heineck. Consumidores


hipervulneráveis: a proteção do idoso no mercado de consumo. São Paulo: Atlas, 2012.

9 GRITZ, Thuan e GUREK, Pedro Guilherme. Clubes de futebol e os sites de apostas online: o Estado não
está mais blefando.

10 PAMPLONA, Leandro. A "jabuticaba" dos jogos no Brasil e a notificação da Senacon. Acesso em


24.11.22.

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ISSN 1983-392X

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