Você está na página 1de 44

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE DIREITO

Sanzio Richard Ludgero Queiroz Ribeiro

NECESSIDADE DA LEGALIZAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DAS APOSTAS


ESPORTIVAS NO BRASIL FRENTE À SEGURANÇA JURÍDICA DO APOSTADOR

BELO HORIZONTE – MG
2022
Sanzio Richard Ludgero Queiroz Ribeiro

NECESSIDADE DA LEGALIZAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DAS APOSTAS


ESPORTIVAS NO BRASIL FRENTE À SEGURANÇA JURÍDICA DO APOSTADOR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado na Faculdade de


Direito da Universidade Federal de Minas Gerais como
requisito parcial para conclusão
do curso de Direito.

Orientador: Christian Saab Batista Lopes

BELO HORIZONTE – MG
2022
RESUMO

1
As apostas esportivas online vêm se popularizando desde a década de 90, principalmente em
decorrência da enorme expansão tecnológica e do advento de tecnologias que possibilitaram a
disseminação da internet. No Brasil, o mercado das apostas esportivas (online) passa a crescer
exponencialmente recentemente, alcançando inúmeros apostadores em todo o território
nacional. Todavia, tal prática ainda não é legalizada nacionalmente, e tampouco é
regulamentada de maneira efetiva e apropriada, fazendo com que as casas de apostas e
apostadores se submetam aos riscos de operar em um limbo legislativo. Considerando que
entre apostadores e casas de apostas existe uma relação contratual, assim como em qualquer
relação deste tipo haverá o surgimento de litígios. Ainda assim, conforme exposto, ambas as
partes atuam em uma lacuna legislativa, de modo com que, em caso de desentendimentos, o
apostador, polo hipossuficiente da relação, é frequentemente prejudicado, visto que inexiste
qualquer segurança jurídica a seu favor. Com base nisto, o presente trabalho pretende, a partir
da análise de um caso concreto, evidenciar os conflitos entre apostadores e as casas de
apostas, oriundos de uma relação contratual transnacional, levantando quais seriam as
possíveis jurisdições competentes para decidir sobre o caso e, consequentemente, quais seriam
as leis aplicáveis ao referido conflito, a fim de que fossem resguardados os direitos dos
apostadores. Por fim, pretende-se destacar a necessidade de uma harmonização legislativa-
regulatória das políticas públicas nacionais a fim de legalizar e regulamentar as apostas
esportivas em todo o território nacional, para que somente assim o apostador brasileiro possa
ter seus direitos fundamentais resguardados. Neste caminho será destacada a Lei 13.75,
promulgada em 2018, analisando as novidades trazidas e as questões que permanecem
pendentes neste âmbito jurídico.

Palavras-Chave: Apostas. Apostas esportivas. Regularização. Legalização. Segurança


Jurídica. Lei 13.756/18.

2
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer ao professor doutor Christian Sahb Batista Lopes, que
aceitou me orientar em um tema tão desafiador e recente. À minha família, principalmente aos
meus pais, por nunca terem medido esforços para me proporcionar um ensino de qualidade
durante todo o meu período escolar. Ao professor doutor David França Carvalho, que me
ajudou, mesmo eu sendo um desconhecido, sem esperar nada em troca, pelo simples prazer de
compartilhar o conhecimento jurídico e científico. E por último, mas não menos importante, à
minha namorada, Sofia Ayres da Cunha, que sempre me incentivou, me proporcionou ótimos
debates sobre o presente tema e, não bastasse, não mediu esforços para me auxiliar em toda a
revisão e estruturação deste trabalho. Obrigado a todos vocês!

3
SUMÁRIO

I - INTRODUÇÃO....................................................................................................................5
II - CONFLITO ENTRE OS APOSTADORES E AS CASAS DE APOSTAS...................9
II.1 ESTUDO DE CASO........................................................................................................10
III - POSSÍVEL CONFLITO DE COMPETÊNCIAS NAS AÇÕES JUDICIAIS ENTRE
OS APOSTADORES E AS CASAS DE APOSTAS............................................................13
III.1 - APOSTAS ESPORTIVAS À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
...................................................................................................................................................14
III.2 REPERCUSSÕES..........................................................................................................19
IV - QUAL LEI DEVERÁ O JUIZ BRASILEIRO APLICAR?........................................20
IV.1 - APLICAÇÃO DA LEI BRASILEIRA.......................................................................21
IV.2 - APLICAÇÃO DA LEI ESTRANGEIRA...................................................................26
V - A LEI 13.756/2018............................................................................................................30
VI - A LEGALIDADE DAS APOSTAS ESPORTIVAS.....................................................35
VII - TEMAS PENDENTES..................................................................................................36
VIII - CONVENIÊNCIAS DA LEGALIZAÇÃO E DA REGULAMENTAÇÃO DAS
APOSTAS ESPORTIVAS NO BRASIL...............................................................................37
IX – CONCLUSÃO.................................................................................................................39
X – REFERÊNCIAS...............................................................................................................40

4
I - INTRODUÇÃO
Milhares de pessoas realizam apostas anualmente no Brasil, sejam estas na loteria, em
jogos tradicionalmente conhecidos como "Jogos de Azar" ou, ainda, em transações
envolvendo apostas esportivas. Trata-se de mercado amplamente acessado e potencialmente
relevante para a economia, uma vez que vive uma fase de ascensão rápida e contínua. É o que
indicam os dados levantados pelo IBGE através da Pesquisa de Orçamento Familiar, realizada
com data base nos anos de 2017 e 2018 1. A mencionada pesquisa traz a estimativa de que, em
um período de um ano, cerca de 6 (seis) milhões de pessoas apostaram na loteria, resultando
para a Caixa Econômica Federal, apenas no ano de 2017, na arrecadação de mais de R$13
(treze) bilhões em apostas. Destaca-se, ainda, que, em 2021, o valor arrecadado ultrapassou a
marca dos R$18 (dezoito) bilhões, no que diz respeito aos sorteios promovidos pela lotérica.
Quando analisando o mercado de apostas esportivas propriamente dito, verifica-se que
o número de brasileiros que realizam apostas ainda é incerto, fato provavelmente relacionado
à constatação de que este mercado ainda é informal e marginalizado. Ainda assim, apesar do
número de apostadores brasileiros não ser precisamente conhecido, calcula-se que, em 2018, o
mercado de apostas esportivas teria movimentado um total de R$2 (dois) bilhões 2, se
multiplicando e atingindo o montante de R$7 (sete) bilhões no ano de 20203. Depreende-se
assim, com base nos dados levantados, que as apostas estão presentes em grande escala na
vida dos brasileiros, mesmo que boa parte da população - aproximadamente 23% - ainda
considere esta prática, notadamente no que se refere ao mercado de apostas esportivas, como
um jogo de azar, e cerca de 12% consideram se tratar de algo ilegal4 .
Ainda que as apostas esportivas não sejam integralmente aceitas pela população do
país, é notório, se baseando nas quantias exorbitantes movimentadas por este mercado, a
relevância desta atividade no cotidiano brasileiro, que envolve desde apostadores recorrentes,
que realizam apostas buscando constituição e aumento de renda, aqueles que utilizam a

1 IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018. Primeiros Resultados. Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, Ministério da Economia, 2018. Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101670.pdf> Acesso em: 15 de fev. 2022
2 Brasileiros apostam mais de R$ 10 bi por ano, diz CEO da Betsson. BP Money, 2021. Disponível em:
<https://www.bpmoney.com.br/noticias/economia/brasileiros-apostam-mais-de-rusd-10-bi-por-ano-diz-ceo-da-
betsson> Acesso em: 15 de fev. 2022
3 Com futebol e basquete, mercado de apostas esportivas ganha força no Brasil. MKTEsportivo.com, 2021.
Disponível em: <https://www.mktesportivo.com/2021/05/com-futebol-e-basquete-mercado-de-apostas-
esportivas-ganha-forca-no-brasil/> Acesso em: 15 de fev. 2022
4 Grande pesquisa exclusiva da Globo oferece um perfil completo do apostador brasileiro. Games Magazine
brasil, 2021. Disponível em: <https://www.gamesbras.com/apostas-online/2021/10/22/grande-pesquisa-
exclusiva-da-globo-oferece-um-perfil-completo-do-apostador-brasileiro-26085.html#:~:text=No%20Brasil%2C
%20apostas%20esportivas%20crescem,as%20prefer%C3%AAncias%20do%20jogador%20brasileiro> Acesso
em: 19 de fev. 2022.
5
atividade como entretenimento e meio de socialização e, até mesmo, pessoas que, em uma
experiência singular, fazem uma simples “fezinha” no seu time favorito.
Ademais, no atual cenário brasileiro, a popularidade das apostas esportivas vem
sofrendo uma verdadeira explosão em sua divulgação, fato que tem como uma de suas
principais justificativas o mercado publicitário que envolve as chamadas "Casas de Apostas".
Destaca-se que os serviços prestados por estas casas de apostas esportivas podem ser
definidos como aqueles que envolvem uma aposta base, em valor pecuniário, em jogos de
azar5, tanto os tradicionais, como loterias, quanto transações envolvendo outros tipos de jogos,
inclusive esportes no geral, corridas de cavalo, e, ainda, situações que envolvam uma disputa
com possibilidades amplas de resultado, a exemplo do Big Brother Brasil ou, até mesmo, as
eleições de um país.
Nesse contexto, as mencionadas Casas de Apostas, como estratégia de marketing de
louvável sucesso, impulsionada pelas redes sociais e o mundo digital e tecnológico como um
todo, passaram a patrocinar os mais diversos clubes de futebol, com grande destaque para os
renomados times do Campeonato Brasileiro, torneio que conta com enorme público de
espectadores. Alguns exemplos são o Clube Atlético Mineiro, patrocinado pela Betano, o
Vasco pela PixBet e o São Paulo pela Sportsbet. Além dos patrocínios a times específicos, as
empresas de apostas já estampam alguns dos mais importantes campeonatos esportivos, como
a National Football League (NFL), em colaboração com a Genius Sports e a Bet365, e a
National Basketball League (NBA), patrocinada pela MGM.
De fato, tanto no Brasil, quanto no cenário internacional, vem sendo demonstrado que
o mercado de apostas esportivas tem ganhado relevante espaço, se expandindo a ritmo
acelerado. Assim, importante ressaltar que, como acontece com o futebol, as apostas
esportivas também estão presentes em diversos outros esportes. Segundo o site Gente Globo,
em 20216, entre os esportes mais apostados, além do Futebol, estavam o Basquete e o Futebol
Americano, supramencionados, bem como e-Sports (esportes eletrônicos de Computador e
Telefone), Poker, MMA, Vôlei, Corridas de Cavalo, Boxe e Tênis. Estes dados indicam que
as apostas se fazem amplamente presentes em grande parte do espectro esportivo,
possibilitando que amantes de diversas modalidades, com base em seus conhecimentos sobre
os respectivos esportes, realizem apostas em inúmeras partidas e campeonatos todos os dias.

5 "On-line gambling services are any service which involves wagering a stake with monetary value in games of
chance, including lotteries and betting transactions that are provided at a distance, by electronic means and at the
individual request of a recipient of services"(UE, 2011).
6 O Mercado de Apostas. Gente Globo, 2021. Disponível em: <https://gente.globo.com/o-mercado-de-apostas-
esportivas/> Acesso em: 20 de fev. 2022
6
Compreende-se, portanto, com base no que foi abordado previamente, que as apostas
esportivas apresentam grande relevância no Brasil atual, não só por constituírem parte
integrante do cotidiano dos cidadãos, mas também, e principalmente, por alcançar uma
imensidão de apostadores, número este que vem crescendo anualmente no país 7, firmando-se
como mercado extremamente rentável.
Ainda assim, as apostas no mercado esportivo permanecem sob o quadro da
ilegalidade em todo o Brasil, o que abre espaço para a argumentação visando sua
regulamentação, que é precisa e benéfica.
Voltando um pouco na linha do tempo, percebe-se que, no Brasil, os jogos de azar
foram proibidos por força do Decreto-lei nº 9.215, de 30 de abril de 1946, que restaurou a
vigência do art. 50, e seus respectivos parágrafos, da Lei das Contravenções Penais 8,
criminalizando a prática e exploração de jogos de azar, o que inclui as apostas esportivas
online. O mencionado artigo afirma:
Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao
público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele: Pena – prisão simples, de três
meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da
condenação à perda dos moveis e objetos de decoração do local. § 1º A pena é
aumentada de um terço, se existe entre os empregados ou participa do jogo pessoa
menor de dezoito anos. § 2º Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 (dois mil
reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo,
ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro
ou apostador. § 3º Consideram-se, jogos de azar: a) o jogo em que o ganho
e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre
corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as
apostas sobre qualquer outra competição esportiva.

Sendo assim, com base na Lei das Contravenções Penais, a prática de qualquer tipo de
aposta em competição esportiva é considerada ilegal no direito brasileiro e, portanto, passível
da pena de prisão e multa. Nota-se, no entanto, que esta Lei foi sancionada na década de 1940,
bem como o §2° modificado em 2015, não mais refletindo a situação da sociedade atual no
que diz respeito às apostas esportivas. Em outras palavras, é deveras anacrônica. Pode-se
pensar, inclusive, que há em voga um processo de obsolescência da r. Lei no âmbito do tema
em questão, já que esta não apresenta nenhuma aplicação prática no contexto atual, haja visto
que, conforme narrado, milhares de pessoas realizam suas apostas diariamente sem que isso
enseje punição.

7 GARCIA, Pedro. Apostas esportivas movimentam R$ 4 bilhões por ano no Brasil. GAZ, 2020. Disponível em:
<https://www.gaz.com.br/apostas-esportivas-online-movimentam-r-4-bilhoes-por-ano-no-brasil/> Acesso em: 22
de fev. 2022.
8 BRASIL. Decreto-Lei 3.688, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm> Acesso em: 19 de fev. 2022.
7
Caso considere-se a lei supramencionada, não seria legal e permitido, sob o aspecto
jurídico, realizar apostas enquanto no Brasil. Assim, como poderiam os apostadores
brasileiros, estando em território nacional, realizar suas apostas no mercado esportivo, sem
que haja a previsão de sanção, trazida pelo art. 50?
Não existe resposta certa para tal questionamento. De fato, as apostas esportivas
online encontram-se em um limbo legislativo, uma vez que o legislador, em um momento
pretérito, ao criar a r. lei, não contava com a existência da rede mundial de computadores e
suas possibilidades e tampouco promoveu sua alteração após o surgimento e expansão da
internet. Dessa forma, a lei, quando trata de apostas esportivas, só leva em consideração as
apostas realizadas em território nacional, de modo a punir apenas aqueles que realizam a
prática delitiva fisicamente no Brasil.
Isso ocorre pois o Direito Penal brasileiro adota, via de regra, o princípio da
territorialidade, segundo o qual aplica-se a lei brasileira somente aos crimes e contravenções
cometidos dentro do território nacional, havendo, no entanto, exceções. Tal princípio está
disposto no art. 5° do Código Penal Brasileiro 9, assim como no art. 2° da Lei das
Contravenções10.
Assim, quando se refere às apostas esportivas online, entende-se que o apostador, ao
acessar site hospedado no exterior, para fins penais, é como se fora do país estivesse e, em
razão disso, apenas estaria apto a ser punido caso esta prática fosse também considerada
delituosa no país estrangeiro. Em um cenário em que a aposta se desse em país onde tal
conduta é criminosa, ocorreria a exceção disposta no art. 7°, §2°, alínea ‘b’, do Código Penal,
que discorre sobre a extraterritorialidade, segundo a qual:
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: II - os
crimes: b) praticados por brasileiro; § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei
brasileira depende do concurso das seguintes condições: b) ser o fato punível
também no país em que foi praticado.

Apenas neste cenário específico poderia a lei brasileira ser aplicada à aposta realizada
no exterior. Em caso contrário, não sendo crime realizar apostas no país em que o site de
apostas é hospedado, aquele que realiza apostas em território brasileiro, através de tais sites,
na visão do legislador brasileiro, não comete qualquer infração.
Analisando este cenário sob uma outra perspectiva - em que para o Direito Penal a
pessoa que realiza apostas através de sites hospedados fora do Brasil não comete crimes -

9 Art. 5º do Código Penal - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito
internacional, ao crime cometido no território nacional.
10 Art. 2º da Lei das Contravenções - A lei brasileira só é aplicável à contravenção praticada no território
nacional.
8
percebe-se que o tema poderia ser matéria de Direito Civil e de Direito do Consumidor. Isso
porque a relação jurídica que se firma entre o apostador e a casa de apostas é pactuada, na
maioria das vezes, por meio de contrato de adesão, no qual as cláusulas são estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir
ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Sob esta segunda perspectiva, em que as apostas esportivas são analisadas não sob a
égide do direito penal, mas sim no âmbito contratual, se determinada empresa for hospedada
no exterior, mas ofereça serviços na rede global de internet, tendo como clientes vários
apostadores brasileiros, estas casas de apostas se submeteriam à lei de qual país?
Esta dúvida é relevante para o meio jurídico na medida em que, na iminência de um
conflito (litígio) entre os apostadores brasileiros e as casas de apostas, pode haver divergência
sobre qual lei deve ser aplicada ao caso. O questionamento é ainda mais relevante quando for
preciso determinar qual jurisdição teria competência para decidir sobre este conflito, a
brasileira ou a estrangeira.
Delimitado o contexto inicial da problemática, o presente trabalho vai buscar
apresentar caminhos existentes no âmbito jurídico para possibilitar solucionar conflitos
envolvendo apostas esportivas. Ademais, objetiva-se apresentar os motivos pelos quais uma
regulamentação das apostas esportivas em âmbito federal poderia trazer benesses tanto em
termos de segurança jurídica, quanto em relação à garantia de expansão do mercado nacional.
Para tanto, o trabalho vai partir da análise de um caso concreto, apontando as
dificuldades presentes, atualmente, na resolução de litígios envolvendo apostas esportivas
online por apostadores brasileiros. Posteriormente, com base no caso, será investigada,
primeiramente, a problemática tangente à jurisdição competente a decidir sobre estas disputas,
nos termos da LINDB e do CPC, bem como dos princípios que regem o direito brasileiro. Em
seguida, procede-se à análise de quais seriam as leis aplicadas ao caso prático, a lei brasileira
ou a estrangeira.
Por fim, serão abordados os benefícios e conveniências que justificam a necessidade
de haver uma devida regulamentação das apostas esportivas em âmbito nacional, passando
pela Lei nº 13.756/2018 e pela Lei nº 14.183/2021, de modo a levantar suas carências e
espaço para melhora.

II - CONFLITO ENTRE OS APOSTADORES E AS CASAS DE APOSTAS


Como em qualquer relação jurídica na sociedade, certo é a existência de conflitos e
litígios entre os apostadores brasileiros e as casas de apostas. Dentre os problemas existentes
9
entre estas duas partes, podem ser citados aqueles relativos aos depósitos efetuados para que a
casa de apostas libere os respectivos créditos no site. Em casos como este, muitas vezes, os
créditos não são creditados e tampouco são estornados para o apostador e, frente à situação, as
casas de apostas se esquivam da responsabilidade, alegando se tratar de equívoco cometido
pelo próprio usuário.
Também podem ser citados problemas relacionados à limitação nos valores apostados,
limitação esta que ocorre na medida em que determinado apostador consegue obter grandes
lucros através do site, de modo a reduzir os prejuízos para a casa de apostas. Neste caso, os
usuários ficam impossibilitados de realizarem novas apostas ou restritos a valores irrisórios
fixados unilateralmente, podendo, inclusive, levar à exclusão do apostador daquela
plataforma. Trata-se de estratégia utilizada pelos prestadores de serviços para evitar que estes
sofram algum tipo de perda significativa. No entanto, se o que está em jogo é justamente uma
incerteza, tal conduta mostra-se abusiva e discriminatória.
Ambos os problemas mencionados são extremamente relevantes, mas não serão o foco
do presente trabalho. O principal litígio a ser destrinchado aqui se remete aos pagamentos não
realizados pelas casas de apostas. Isto é, no momento em que um apostador lucrativo solicita
o saque de seus ganhos, a casa de aposta, no intuito de evitar que saia no prejuízo, impede a
concretização deste saque, alegando diversas ilegalidades ou irregularidades genéricas
supostamente cometidas pelo apostador durante a utilização da conta criada no site.
A situação pode parecer um pouco confusa à primeira vista para aqueles que não são
familiarizados com o assunto. Assim, será trazido e analisado um caso concreto que
exemplifica o conflito supracitado, que tem de um lado o apostador e do outro a casa de
apostas. Trata-se de caso real que deu ensejo à presente pesquisa.
O intuito é, primeiramente, demonstrar a relevância do tema, visto que, conforme será
abordado posteriormente, é um problema recorrente no mercado de apostas esportivas. De
fato, diversos apostadores legítimos são lesados em face da arbitrariedade das decisões das
casas de apostas, ficando estes apostadores à mercê de seus arbitramentos, uma vez que não
são respaldados, em tese, pela legislação brasileira. Em um segundo momento, com base na
análise do exemplo fático, pretende-se propor possíveis soluções para os referidos conflitos,
sem que seja necessário que o apostador brasileiro recorra à jurisdição estrangeira.

II.1 ESTUDO DE CASO


Conforme brevemente mencionado, um dos principais motivos que levou à escolha do
tema para o presente trabalho foi o fato de que em meados de 2019, em meio à pandemia de
10
COVID-19 e ao isolamento, acabei adentrando no mundo das apostas esportivas e,
consequentemente, me aventurando neste mercado.
Dentre as apostas que realizava, a de maior lucratividade era relacionada a partidas de
E-Sports, do jogo FIFA 19. Basicamente, eram feitas apostas no empate, uma vez que,
próximo ao final de cada partida, caso ainda estivesse empatado, a probabilidade de o jogo
terminar em empate era muito alta. Com isso, com um investimento inicial de apenas R$
100,00, ao longo de poucos meses, foi possível obter um rendimento no site de
aproximadamente R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
O problema está justamente nesta alta lucratividade. Assim como já previamente
explicado, a lucratividade, juntamente com os acertos dos prognósticos, levou a casa de
apostas a limitar/bloquear a minha conta. Impossibilitado de realizar novas entradas (apostas),
tentei realizar o saque desta quantia que havia conseguido obter, a qual fica disponível no site
para retirada, sendo, entretanto, surpreendido pela a empresa, que impediu o saque, ao
argumento de que havia sido infringida a seguinte cláusula dos seus termos e condições:
“7. se você fez apostas ou jogadas de maneira coordenada com outro(s) cliente(s)
envolvendo as mesmas seleções (ou materialmente iguais) para minimizar as perdas.
A Betway é para uso exclusivo individual e apenas para entretenimento pessoal.”

Aqui vale uma ressalva. Por conta da alta lucratividade, em baixo tempo, indiquei a
amigos e família que apostassem neste mercado, fazendo o uso desta mesma casa de apostas,
Betway, considerando que era uma das mais "confiáveis" do mercado. Além disso, devido à
pandemia, minha namorada e eu estávamos morando juntos, fazendo uso da mesma internet,
ou, do mesmo IP. Nada obstante, as apostas eram feitas individualmente por cada um, com
seus próprios recursos, cada um em seu tempo disponível, apenas utilizando-se da mesma
estratégia.
Destaca-se que, em momento algum, a casa de apostas menciona em seus termos a
impossibilidade de se utilizar o mesmo IP de internet, tampouco faz restrições ou proibições
de se conhecer pessoas que apostam, e apostar junto com os amigos, fatores que justificaram o
bloqueio da conta, sem possibilidade de extração da quantia obtida. Ademais, a cláusula
mencionada, impõe certas condições para o bloqueio da conta e que são repudiadas pela
empresa, quais sejam, que as apostas fossem feitas de maneira coordenada e que fossem para
minimizar as perdas, acusações que em momento algum foram comprovadas.
Dentre os argumentos utilizados pelos sites de apostas para limitar seus usuários,
podem ser citados aqueles relacionados à titularidade do indivíduo que utiliza a conta,
requerendo que este envie ao site inúmeros documentos. Segundo a casa de apostas, tal

11
procedimento tem como objetivo confirmar se a pessoa que está solicitando o saque e
utilizando a conta, seria o real proprietário da conta. No entanto, este requerimento não chega
a ser verificado, independentemente do envio dos documentos solicitados, sendo a intenção
velada o impedimento de saques e recolhimento de saldos.
Outro argumento utilizado pelas casas de apostas recorrentemente consiste na
alegação por parte do site de que o apostador, durante a utilização da plataforma, teria
infringido alguma das normas de conduta contida nos termos e condições da empresa. A tese
sustentada aqui é que, por se tratar de contrato de adesão imposto pelos sites, havendo sua
violação, o resultado seria o impedimento para aquele apostador efetivar a retirado do
dinheiro que ganhou utilizando-se dos meios propostos. O problema, conforme já
mencionado, é que as alegações são genéricas e, quando confrontadas, não buscam comprovar
a ocorrência de alguma infração, de modo que se tornam arbitrárias e, até mesmo, abusivas.
De modo a solucionar estes tipos de conflito, as casas de apostas, incluindo a Betway,
disponibilizam um juízo arbitral responsável pelo litígio, juízo este que, segundo a casa de
apostas, seria imparcial. No entanto, estes juízes de arbitragem decidem exclusivamente com
base nas cláusulas internas dos próprios sites, o que, por si só, já violaria a alegada
imparcialidade.
Apesar dos inconformismos de minha parte, que não recebi os R$ 50.000,00 obtidos
como resultado das apostas, não cabe aqui discutir acerca do mérito da questão, ou buscar
demonstrar quem estaria correto ou não. Isto será, oportunamente, objeto de discussão do
trabalho. A questão a ser ressaltada aqui é a demonstração da existência de um conflito entre
os apostadores e as casas de aposta, bem como a eventual possibilidade de se resolver o caso a
partir de uma ação litigiosa, na falta de um acordo consensual em face do juízo arbitral.
Assim como no exemplo supra explicitado, podem ser observados através do site de
reclamações “Reclame Aqui” – plataforma que visa resguardar o consumidor e também
avaliar várias empresas fornecedoras de produtos e serviços – a existência de diversas
reclamações em face das principais casas de apostas disponíveis para usuários no Brasil. Com
base em informações disponibilizadas pelo próprio site, desde o início de 2019, até o presente
momento, foram feitas aproximadamente 24.000 (vinte e quatro mil) reclamações contra
algumas das 7 principais casas de apostas11 que “funcionam” no Brasil. Realizando uma

11Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à Bet365. Disponível em:


<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/bet365/>
Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à SportingBet. Disponível em:
<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/sportingbet/ >
Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à 1xBet. Disponível em:
<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/1xbet-com/>
12
análise minuciosa, verifica-se que em meio a estas reclamações, menos de 50% são
solucionadas, não tendo o consumidor, neste caso o apostador, outra atitude a não ser aceitar o
que é determinado pelas casas de apostas.
Dentre os principais problemas narrados pelos consumidores no site “Reclame Aqui”,
pode-se citar o não pagamento dos saques; a limitação ou bloqueio das contas; a demora para
efetuação do depósito; o desaparecimento de saldo na conta do usuário; e, até mesmo,
problemas técnicos dos sites de apostas que, quando ocorrem, na maioria das vezes,
prejudicam o consumidor/usuário.
Tais exemplos concretos demonstram a relevância e necessidade da atuação da lei e
jurisdição com o intuito de resguardar os apostadores, bem como atuar na resolução dos
conflitos existentes entre os apostadores e as casas de apostas. No entanto, diante do limbo
legislativo em que se encontra o país, atualmente, as casas de apostas conseguem se
aproveitar da situação, uma vez que, ainda que pratiquem atos notoriamente abusivos, não
existem mecanismos que incorrem em sua responsabilização ou, até mesmo, punição.
Diante deste cenário relatado, é necessário fazer uma nova análise, objetivando
averiguar o mérito, de fato, das decisões. Para tanto, em um primeiro momento, serão
levantadas quais seriam as jurisdições competentes para decidir sobre o assunto.

III - POSSÍVEL CONFLITO DE COMPETÊNCIAS NAS AÇÕES JUDICIAIS


ENTRE OS APOSTADORES E AS CASAS DE APOSTAS
Frente ao contexto aqui abordado, verifica-se a existência de litígios entre os
apostadores brasileiros e as casas de apostas estrangeiras disponíveis para usuários brasileiros,
com acesso nacional. Uma vez que a resolução por meio arbitral não se mostra suficiente para
a obter uma resolução destes conflitos, faz-se necessária a provocação do poder judiciário,
levando ao juiz as informações necessárias para análise de direito.
Todavia, por se tratar de relação jurídica configurada na rede mundial de
computadores, as partes que a compõem não estão inseridas em uma mesma ordem jurídica,
abrindo espaço para a aplicação do direito internacional privado, de modo a determinar a
jurisdição competente para decidir sobre o caso concreto.

Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à Sportsbet-io. Disponível em:


<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/sportsbet-io/>
Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à Betfair Disponível em:
<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/betfair/>
Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à BetWarrior. Disponível em:
<reclameaqui.com.br/empresa/bet-warrior/>
Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à Betway. Disponível em:
<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/betway/>
13
III.1 - APOSTAS ESPORTIVAS À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO
Para fins acadêmicos e facilitadores, em um primeiro momento, será utilizada a lei
processual brasileira, de modo a determinar qual ordem jurídica, ou jurisdição, teria
competência para decidir sobre o caso concreto trazido no item tópico anterior, que servirá de
base para todo o trabalho. Cumpre ressaltar que o caso aqui analisado não se firma como
regra, necessariamente, mas serve para materializar e auxiliar no entendimento da questão em
pauta.
Primeiramente, para que a decisão acerca da competência seja feita de modo ilibado,
independentemente da ordem jurídica a que pertencer, é fulcral que o juízo que irá analisar o
caso concreto, inicialmente, abstenha-se da lei material aplicável. Isso porque, principalmente
no caso em comento, tratando-se, em sua grande maioria, de atividade não permitida no
ordenamento jurídico brasileiro, seria equivocado por parte do poder judiciário, levar em
consideração a origem ilícita da obrigação, podendo influenciá-lo quanto à decisão acerca da
jurisdição competente.
Além disso, anteriormente à ‘decisão’ que determina a competência a ser aplicada ao
caso, deve o Juiz Nacional atentar-se ao princípio da efetividade, cuja natureza é
constitucional no direito brasileiro, estando previsto no art. 5º, incisos XXXV, LIV, LV e
LXXVIII. Assim, baseando-se no mencionado princípio, cabe ao legislador pensar a atividade
jurisdicional visando a concretização da eficiência e efetividade processual, de modo a
adequar-se à tutela em voga.
Consoante à tese da efetividade, está a legislação de Malta, país que hospeda a casa de
apostas Betway, envolvida no caso aqui analisado. Conforme estabelece o art. 826 do
“Código de Organização e Procedimento”12 maltês, é permitida a execução de qualquer
decisão proferida por tribunais competentes fora de Malta. O diploma indica:
Art. 826. Ressalvadas as disposições da Lei de Julgamentos Britânicos (Execução
Recíproca), qualquer decisão proferida por um tribunal competente fora de Malta e
constituindo uma coisa julgada pode ser executada por o tribunal competente em
Malta, da mesma forma que as sentenças entregue em Malta, mediante um
requerimento contendo um pedido que seja ordenada a execução de tal sentença.

Ou seja, seria possível se pensar na aplicação de decisões estrangeiras ao ordenamento


jurídico de Malta.

12 MALTA. Chapter 12. Code or Organization and Civil Procedure, 1st August, 1855.
14
Prosseguindo, conforme anteriormente ressaltado, as casas de apostas, para
formalizarem a relação jurídica com os apostadores, fazem uso, na maioria das vezes, de
contratos de adesão, constituídos por termos e condições propostos e disponíveis em seus
sites.
A título de exemplificação, é interessante ter como base os termos e condições
propostos pela casa de apostas Betway, protagonista do caso narrado em tópicos anteriores.
Aqui, o objetivo é compreender que desta relação jurídica emanaram-se diversos
desentendimentos passíveis de soluções pelo poder judiciário. Cumpre ressaltar que esta casa
de apostas é regulamentada em Malta, país europeu, regendo-se pelas leis de Malta, bem
como pelas diretrizes e recomendações estabelecidas pela União Europeia.
De acordo com a própria Betway, e como se percebe em tantas outras plataformas
online, no momento da criação de conta em seu site, o usuário/apostador, deve estar ciente e
em consonância com os seus termos e condições, que sob a perspectiva do direito, trata-se de
verdadeiro contrato. Neste sentido, assim dispõe o contrato13 quanto ao país pelo qual a
Betway é regulamentada, bem como a jurisdição e autoridades que a regulam:
1. Sobre o Betway - 1.1 Betway - A Betway é uma marca gerida pela Betway
Limited (C39710), uma empresa maltesa localizada em 9 Empire Stadium Street,
Gzira, GZR 1300, Malta.
Quando Você se cadastra, você está criando uma conta com a Betway Limited.
Esses Termos estão vinculados à Betway Limited (Tradução Livre).

2. Jurisdição
2.1 Licenças e Autoridades Reguladoras - A Betway tem várias licenças para o
fornecimento de serviços e produtos de jogo, emitidas pela Malta Gaming Authority
(MGA) - Autoridade de Jogos de Malta. Nota: A Betway está empenhada em te
dar um lugar justo, seguro e divertido para apostar. Para fazer isso, seguimos muitas
leis locais e detemos muitas licenças (Tradução Livre).

Com base no exposto, levando em consideração que as partes desta relação jurídica
são, de um lado, a empresa regulamentada em Malta, do outro, o apostador - no caso o
apostador brasileiro - deve o direito internacional privado decidir acerca de qual jurisdição
seria competente para solucionar possível litígio entre as partes.
Via de regra, com base no art. 12 da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB)14, o Brasil só seria competente nos casos em que a Casa de Apostas ajuíza
ação contra o apostador brasileiro. Porém este capítulo tende a demonstrar a jurisdição
competente quando a ação é ajuizada por apostador brasileiro em desfavor das casas de

13 BETWAY. Termos e Condições. Disponível em: <https://betway.com/pt/sports/dyn/TermsAndConditions>


Acesso em: 15 de fev. 2022
14 Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver
de ser cumprida a obrigação.
15
apostas estrangeiras. Desse modo, se aplicado somente o art. 12, da LINDB, a jurisdição
brasileira não seria competente.
Contudo, o art. 12, da LINDB, não é aplicado isoladamente para decidir quanto à
jurisdição competente, já que faz remissão aos arts. 21 a 25 do CPC/15, que dispõem sobre
“os limites da jurisdição nacional”. Neste viés, tendo em vista que a relação contratual entre
apostador e casas de apostas configura uma relação de consumo, tanto pelo direito brasileiro,
já que se enquadram as partes nos conceitos preceituados pelos arts. 2° e 3° do CDC 15, quanto
pelo direito Maltês, já que o apostador se enquadra no conceito de consumidor especificado
na “Consumer Affairs Act” de Malta 16 - espécie de Código de Defesa do Consumidor do país
- podendo ser aplicado ao caso concreto, portanto, o art. 22, inciso II, do CPC/2015, que
expressa o seguinte:
Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as
ações:
I - de alimentos, quando: a) o credor tiver domicílio ou residência no Brasil; b) o réu
mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento
de renda ou obtenção de benefícios econômicos; II - decorrentes de relações de
consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; III - em que
as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional.

Desse modo, se encerraria, em tese, a discussão quanto à competência da jurisdição


brasileira para decidir sobre os litígios envolvendo apostadores e casas de apostas, dentro
deste contexto em que a relação contratual surge a partir do pacto de um contrato de adesão
estabelecido nos moldes de termos e condições.
Todavia, como é de se esperar no direito, atrelado à regra, sempre existe uma exceção.
É neste sentido que o legislador brasileiro implementou o art. 25 ao CPC, que determina que
"Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação
quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional,
arguida pelo réu na contestação".
Acontece que, no contrato em comento, utilizado para exemplificar o caso concreto, a
casa de apostas Betway, utiliza-se de cláusula de eleição de foro, determinando a lei e
jurisdição de Malta como aquela aplicável para resolver todos os desentendimentos
provenientes desta relação jurídica. Assim tem-se:

15 Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os
entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
16 MALTA. Chapter 378. Consumer Affairs Act, 23rd January, 1996. Disponível em:
<https://legislation.mt/eli/cap/378/20220101/eng> Acesso em: 07 de jun. de 2022
16
14.6 Lei aplicável e Jurisdição - Tentamos resolver todos os desentendimentos de
forma rápida e eficiente. No entanto, se você pretender interpor um recurso contra
nós, deve fazê-lo em Malta ou, se você morar em outro lugar da UE, no país em que
vive na União Europeia. Estes Termos e Condições e a relação entre Você e Nós
serão regidos e interpretados de acordo com as leis de Malta. Se você é cidadão da
União Europeia, isso não afetará nenhum dos direitos legais aos quais você tem
direito como residente no seu país.

Assim, ainda que existente a relação de consumo entre as partes, facilitando ao


consumidor o acesso à justiça, abarcado pelo inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal
da República Federativa do Brasil de 198817, levando em consideração a existência de
cláusula de eleição de foro entre as partes, nos conformes do art. 25, do CPC/15, não seria
competente a jurisdição brasileira para discutir sobre possíveis litígios. Tal artigo se remete ao
princípio pacta sunt servanda, ao qual devem as partes cumprirem o pactuado no contrato,
como se lei fossem. Este princípio está intrinsecamente ligado ao termo ‘take it or leave it’,
quando se refere aos contratos por adesão, obrigando o consumidor ou a aceitar aqueles
termos pactuados, cumprindo-os como se fossem leis, ou então, ao pé da letra do termo, “ir
embora”, procurando outro contrato que lhe atenda, dentro de suas necessidades.
Apesar do que a lei expressamente diz, atentando-se à situação de hipossuficiência dos
apostadores, quando comparados ao poder econômico das casas de apostas, adicionado ao
sopesamento das leis, a jurisprudência brasileira, entende que, mesmo que o art. 25, do
CPC/1518 exclua a competência da jurisdição brasileira na existência de cláusula de eleição de
foro diverso, por ser o consumidor vulnerável em comparação as casas de apostas, entende-se
que esta cláusula é nula de pleno direito quando confrontada com o art. 6°, inciso VII, e o art.
51, incisos IV e XV, e §1°, inciso III, ambos do Código de Defesa do Consumidor, reputando-
se como cláusula abusiva. Assim, não seria permitida a inserção da cláusula no âmbito de
alcance da regra do art. 63, caput, do CPC.
Assim dispõe Maristela Basso, ao alegar que
“Tal ajuste é nulo de pleno direito para o Direito do Consumidor, nos moldes do art.
51, inciso XV, do CDC, e ineficaz para o direito internacional privado, cuja
abordagem eivada de valores sociais, muito embora reconheça a escolha de lei
aplicável a contratos internacionais como modo de exercício da autonomia da
vontade, não admite que, com isso, se fragilize a proteção ao consumidor conferida
pela lei a cuja aplicação as partes tenham renunciado.”19.

17 BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 12 de fev. 2022.
18 BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 12 de fev. 2022.
19 BASSO, Maristela. Curso de Direito Internacional Privado. 6ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2020.
17
Também neste sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na
Apelação Cível n° 0137407-48.2017.8.21.700020
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO.
AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL C/C CONDENAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
TURÍSTICOS CELEBRADO NO EXTERIOR. DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. "TIME SHARING". AUSÊNCIA DE
JURISDIÇÃO BRASILEIRA. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO
ESTRANGEIRO. ART. 25 DO CPC/2015. APLICAÇÃO RETROATIVA.
JURISDIÇÃO INTERNACIONAL CONCORRENTE. "FORUM NON
CONVENIENS". ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO.
NULIDADE DA SENTENÇA. DEVER CONSTITUCIONAL DE
FUNDAMENTAÇAO DAS DECISÕES. QUESTÃO PREJUDICIAL. DIREITO
APLICÁVEL AO EXAME DO MÉRITO. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE LEI
MATERIAL ESTRANGEIRA. AUTONOMIA DA VONTADE NA SEARA DOS
CONTRATOS INTERNACIONAIS. MÉTODO CONFLITUAL. ELEMENTO DE
CONEXÃO. "LOCUS REGIT ACTUM" OU "IUS LOCI CELEBRATIONIS".
EXCEÇÃO DE ORDEM PÚBLICA. ART. 17, LINDB. MÉRITO.
RESPONSABILIDADE DA EMPRESA RÉ. GRUPO ECONÔMICO DE FATO.
RESOLUÇÃO DO CONTRATO. DANOS MATERIAIS. DANO EMERGENTE.
RESTITUIÇÃO DO VALOR INTEGRAL. ACRÉSCIMO DOS CONSECTÁRIOS
LEGAIS. LUCROS CESSANTES. DANO MORAL. "QUANTUM".
DECAIMENTO MÍNIMO. 1. Ausência de jurisdição brasileira. Deve ser rejeitada a
preliminar, porque a cláusula contratual de jurisdição exclusiva dos tribunais da
República Dominicana qualifica-se como nula de pleno direito, do ponto de vista do
Direito do Consumidor (art. 6º, VII, e art. 51, IV e XV, e §1º, III, CDC), e como
ineficaz, do ponto de vista do Direito Internacional Privado, cuja abordagem
axiológica - em busca de uma legitimação material eivada de valores sociais - não
permite que se insira a cláusula em tela no âmbito de alcance da regra do art. 63,
"caput", do CPC/2015. Rejeição da preliminar que se funda, ainda, na
impossibilidade de aplicação ao caso em tela da regra do art. 25 do CPC/2015, que
não vigia quando da propositura da demanda e que não pode retroagir, sob pena de
violação da regra de acesso à Justiça e de insegurança jurídica. Jurisdição brasileira
que se afirma tão somente com base na regra de jurisdição concorrente do art. 21, II,
do CPC/2015 (análogo ao art. 88, II, do CPC/1973 e ao art. 12, "caput", da LINDB),
a qual não pode restar afastada por convenção das partes e que, ademais, tampouco
se descaracteriza pela eventual maior conveniência do julgamento do litígio com
conexão internacional por tribunal estrangeiro - dada a não recepção, pelo Direito
brasileiro, do instituto do "fórum non conveniens", também suscitado pela ré. 2.
Ilegitimidade passiva. Deve ser rejeitada a preliminar, porque o exame do
preenchimento das condições da ação deve dar-se "in status assertionis", sem
adentrar no próprio mérito do litígio. 3. Nulidade da sentença. Deve ser rejeitada a
preliminar, porque a decisão de primeira instância não contém o vício de deficiência
de fundamentação apontado pela requerida. Dever constitucional de motivação das
decisões (art. 93, IX) que está atendido, no caso, tanto pelo uso da técnica "per
relationem", acerca da legitimidade da ré, quanto pela apresentação de fundamento
suficiente, ainda que sucinto, acerca dos efeitos "ex nunc" da resolução contratual
declarada pelo Magistrado. 4. Direito aplicável ao exame do mérito. Questão
prejudicial que deve ser rejeitada, porque descabido aplicar as leis da República
Dominicana, tal como pactuado em cláusula contratual. Ajuste que se define como
nulo de pleno direito, para o Direito do Consumidor, nos moldes do art. 51, XV, do
CDC, e como ineficaz, para o Direito Internacional Privado, cuja abordagem eivada
de valores sociais - muito embora reconheça a escolha de lei aplicável a contratos
internacionais como modo de exercício da autonomia da vontade - não admite que,
com isso, se fragilize a proteção ao consumidor conferida pela lei a cuja aplicação as

20 Apelação Cível 0137407-48.2017.8.21.7000, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 12/12/2017. Disponível em: <https://tj-
rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/532339402/apelacao-civel-ac-70073732927-rs/inteiro-teor-532339403>
18
partes hajam renunciado. Inviabilidade da aplicação das leis da República
Dominicana ao deslinde do mérito que se coloca, ainda, pelo fato de que a norma do
art. 9º, "caput", da LINDB assim não opera, no caso concreto. Por um lado, por
força da interpretação dada a essa regra, restritiva quanto ao âmbito do seu alcance,
no sentido de excepcionar os contratos de consumo internacionais do alcance do
método conflitual clássico, resolvendo-se o conflito de leis no espaço, nessa
hipótese, simplesmente por meio da escolha da lei mais favorável ao consumidor.
Por outro, porque, mesmo no cenário de aplicação do método conflitual, ou seja,
com a incidência do elemento de conexão "locus regit actum" ou "ius loci
celebrationis", a exceção de ordem pública dada pelo art. 17 da LINDB assegura a
rejeição do Direito estrangeiro, cujos parâmetros protetivos ao consumidor não se
equiparam aos previstos no CDC. 5. Mérito. Responsabilidade da empresa ré. A
empresa demandada, Meliá Brasil Administração Hoteleira e Comercial Ltda., pode
ser responsabilizada, no caso concreto, como se fosse a empresa estrangeira
contratante, Sol Meliá VC Dominicana S.A., ante a verificação de que ambas as
pessoas jurídicas integram um mesmo conglomerado - grupo econômico de fato -
cuja esfera de atuação e cujo modo de estruturação jurídica possuem caráter tão
transfronteiriço quanto o âmbito do mercado de consumo no qual presta as suas
atividades: o turismo. 6. Mérito. Resolução do contrato e extensão do dano material.
Resolução do contrato que se declara, por livre escolha dos consumidores, com
respaldo na norma do art. 35, III, do CDC, dado o total descumprimento da oferta,
pela empresa estrangeira contratante, daí decorrendo a restituição integral do valor
pago. Dano material que não se reconhece, todavia, na modalidade de lucro
cessante, nos moldes do disposto no art. 403 do Código Civil. 7. Mérito. Dano
moral. Abalo psíquico exorbitante da esfera do mero dissabor cotidiano que se
reconhece, em prejuízo dos autores, com a consequente fixação do montante
indenizatório respectivo em R$10.000,00 (dez mil reais), para cada demandante. 8.
Sucumbência. Inviável a aplicação da regra do art. 86m parágrafo único, do CPC,
postulada pelos autores, em apelo, porque não se pode qualificar como ínfima a
extensão monetária do pedido julgado improcedente. Ônus sucumbenciais repartidos
na proporção de 30% (autores) e 70% (ré). 9. Pedido contrarrecursal. Descabida a
aplicação da multa a que alude o art. 1.026, §2º, do CPC/2015, em prejuízo da
demandada, porque se trata de questão atingida pela preclusão, já que não suscitada
perante o Juízo de primeira instância, no momento oportuno. Rejeitadas as
preliminares de ausência de jurisdição brasileira, de ilegitimidade passiva e de
nulidade da sentença. Rejeitada a prejudicial de aplicação de lei estrangeira à
questão de fundo. No mérito, apelo da ré desprovido, e apelo dos autores
parcialmente provido. Pedido contrarrecursal de aplicação da multa rejeitado.
(Apelação Cível, Nº 70073732927, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em: 12-12-2017)”

Pelo exposto, resta demonstrado a possibilidade do reconhecimento da competência da


jurisdição brasileira para tratar acerca de casos análogos ao narrado no presente trabalho,
impossibilitando que o poder judiciário brasileiro se isente de responsabilidade para julgá-los.

III.2 REPERCUSSÕES
Desse modo, compreendendo-se que a jurisdição brasileira é competente para decidir
sobre certos processos, concordará com aquilo que estabelece Humberto Theodoro Júnior21,
quando dito que os órgãos judiciais detêm o poder de julgar e executar certa demanda, já que
esta encontra-se dentro dos limites jurisdicionais dos quais exerce aquele órgão.

21 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil - Vol. I. 58ª Edição. Editora Forense, 2017.
P. 229
19
Em síntese, decidido que a jurisdição brasileira é a jurisdição competente para
conhecer e julgar os litígios entre apostadores brasileiros e casas de apostas estrangeiras, as
repercussões e aplicações práticas repercutem no direito processual a ser aplicado na
resolução da demanda. Em outras palavras, se adotaria o rito processual brasileiro, aplicando-
se as normas contidas na Constituição Federal de 88 e o Código de Processo Civil de 2015.
Neste sentido, preceituam os art. 1° e 13, do CPC/15:
Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os
valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República
Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.
Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras,
ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos
internacionais de que o Brasil seja parte.

Humberto Theodoro Júnior22, acerca do assunto, argumenta o seguinte:


“Como atividade soberana do Poder Público, a jurisdição civil será, em princípio,
regida pelo Código de Processo Civil e demais normas processuais brasileiras (arts.
1º e 13, ambos do CPC), segundo o princípio da lex fori, prevalente em direito
internacional privado, em decorrência do caráter de ordem pública que predomina na
respectiva legislação.”

Também nesse sentido, Misael Montenegro Filho, no livro Novo Código de Processo
Civil Comentado23, argumenta que
“No exercício da jurisdição, o magistrado brasileiro deve aplicar a lei nacional
vigente, não as normas que vigoram em outros países, exceto nos casos de
cooperação internacional. Além disso, como regra, as decisões proferidas por órgãos
jurisdicionais que atuam no Brasil só produzem efeito em nosso território, exceto se
outro país admitir a extensão desses efeitos nos seus limites geográficos.”

Assim, proferida sentença condenatória em processo que tramita no Brasil, em razão


da extensão de efeitos se limitar ao território nacional, via de regra, se faz necessário a
aplicação da cooperação internacional entre os países aos quais pertencem as partes, conforme
o Capítulo II “Da Cooperação Internacional” do Código de Processo Civil.
Logo, conforme demonstrado anteriormente, no caso em comento, não iria o presente
processo macular o princípio da efetividade, já que a lei de Malta permite, nos termos do art.
826 de seu “Código de Organização e Procedimento” - Correspondente ao Código de
Processo Civil Brasileiro - que a sentença proferida no Brasil poderia ser executada em Malta.
Consequentemente, determinada a jurisdição competente para decidir sobre o
processo, é necessário, principalmente a partir das leis desta jurisdição, neste caso a brasileira,
determinar a lei material aplicável ao caso concreto, tema este que será analisado no tópico
seguinte.

22 Ibid. #21
23 FILHO, Misael Montenegro. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3ª Edição. Editora Atlas, 2018.
20
IV - QUAL LEI DEVERÁ O JUIZ BRASILEIRO APLICAR?
De acordo com a jurisdição brasileira, conforme o art. 9° da LINDB, "Para qualificar e
reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem". Tendo em vista que o
contrato de apostas utilizado como exemplo se classifica como contrato internacional para o
direito brasileiro, é cabível a aplicação do art. 9° da LINDB, devendo ser o contrato regido
pela lei do país onde foi constituído.24
Segundo o art. 435 do Código Civil Brasileiro 25, a obrigação resultante do contrato
reputar-se-á constituída no local em que foi proposta. Todavia, por se tratar de um contrato
realizado através da internet, seria de bastante complexidade determinar o local desta
propositura, o que traria um entendimento dúbio da doutrina. Por isso, para que não seja
necessária esta análise pormenorizada do local onde foi proposto, o §2° do art. 9° da LINDB,
determina que “A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que
residir o proponente”.
Sendo assim, tendo em vista que o presente contrato em análise se enquadra no
conceito de contrato de adesão, de acordo com o art. 54 do CDC26, o qual dispões que
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido (...) estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor
possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Assim, é evidente que o proponente, neste tipo de relação jurídica, seria a casa de apostas.
Desse modo, resta pacificado que a lei a ser regida e respeitada nas relações jurídicas oriundas
dos contratos de adesão seria aquela em que está estabelecida e regulamentada a casa de
apostas, neste exemplo, Malta.
Respeitado o princípio, portanto, do locus regit actum, norma de direito internacional
privado aceita pelos juristas para indicar a lei aplicável à forma extrínseca do ato.

IV.1 - APLICAÇÃO DA LEI BRASILEIRA


Mesmo que não seja a lei material brasileira a ser aplicada nas relações jurídicas entre
os apostadores brasileiros e as casas de apostas estrangeiras, interessante é a análise quanto à
possível aplicação da lei brasileira, como vigora atualmente, caso as obrigações deste contrato

24 Aquino (2012, P. 754) afirma que “para caracterizar o contrato como internacional é necessária à existência
de qualquer elemento de estraneidade; assim, bastará à presença de um elemento estranho, como por ex., a
nacionalidade das partes, o domicílio dos contratantes ou a localização do objeto”
25 Art. 435. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.
26 Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou
modificar substancialmente seu conteúdo.
21
fossem constituídas aqui no Brasil. Assim, permite-se evitar a abusividade dos contratos, e,
ainda, o entendimento em duplicidade ou, até mesmo, obscuro das cláusulas contratuais.
Consequentemente, seria possível a exigibilidade do pagamento dos valores auferidos pelo
apostador, porém retidos pelas casas de apostas por motivos alhures.
A partir do caso concreto analisado, a Betway se baseia na cláusula 7ª do seu contrato
para reter o pagamento de boa-fé ao apostador, alegando o desrespeito à seguinte regra do
contrato:
7. Política de Uso Aceitável - 7.1 Uso Aceitável de Nossos Serviços - Você pode
usar Nossos Serviços apenas para fins legais. Você cooperará plenamente com
qualquer investigação da Betway em atividade, conforme detalhado abaixo. Você
não pode usar Nossos Serviços: (...) 7. se você fez apostas ou jogadas de maneira
coordenada com outro(s) cliente(s) envolvendo as mesmas seleções (ou
materialmente iguais) para minimizar as perdas. A Betway é para uso exclusivo
individual e apenas para entretenimento pessoal.

Deste modo, caso o apostador fosse contra esta cláusula, a casa de apostas poderia,
unilateralmente, inclusive sem aviso do consumidor, conforme termos do contrato de jogo,
suspender e encerrar a conta do usuário, retendo qualquer valor que este possuísse. Observe-
se:
7.2 Suspensão e Encerramento de Contas - 7.2.1 Investigação e Suspensão - No caso
de nós suspeitarmos que um cliente violou estes Termos, ou que se envolveu em
qualquer atividade descrita na seção 7.1, a Betway se reserva no direito de suspender
sua conta sem aviso, e sua conta permanecerá suspensa até que o assunto tenha sido
totalmente investigado. Você concorda em cooperar plenamente com qualquer
investigação da Betway em atividade.
7.2.2 Encerramento - Se a nossa investigação resultar no conhecimento de que você
violou esses Termos ou participou de qualquer atividade descrita na seção 7.1, nos
reservamos no direito de restringir ou encerrar Sua conta. Nesses casos, reteremos o
saldo de Sua conta, até o valor de qualquer perda ou taxa aplicada pela Betway. Os
casos de atividade de jogo por parte de menores de idade serão tratados conforme
descrito na seção 3.1. Se você se envolveu em atividades ilegais, a Betway não tem
por obrigação reembolsar qualquer dinheiro que possa estar em sua conta. Além
disso, a Betway informará as autoridades competentes, órgão regulador relevante,
órgãos de administração esportivos, outros operadores de serviços online, bancos,
empresas de cartões de crédito, provedores de pagamento eletrônico ou outra
instituição financeira da Sua identidade e de qualquer atividade suspeita ilegal,
fraudulenta ou imprópria. Você não poderá abrir contas conosco no futuro.

No entanto, a prática de encerramento e suspensão de contas de seus usuários pelas


casas de apostas, bem como a retenção dos saldos dos usurários, se mostra um tanto quanto
abusiva, já que, por estarem em um patamar de superioridade econômica e persuasão dentro
do mercado de apostas esportivas, estas empresas, para suspenderem ou encerrarem as contas
de seus usuários, apenas alegam o descumprimento das cláusulas, sem levantar qualquer
prova que sustente suas alegações.
Em um contexto em que os usuários e apostadores contestam estas práticas realizadas
pelas casas de apostas, estas passam a submeter tal disputa a juízos arbitrais. Porém, esta
22
submissão não se mostra favorável aos usuários, já que, conforme indicado, as casas de
apostas, levando em consideração a vantagem que possuem, sequer têm o condão de
comprovar habilmente as suas alegações. E, ao fim, os juízos arbitrais acabam considerando
estas alegações suficientes para ‘condenar’ o apostador.
Desse modo, em primeiro lugar, o encerramento e suspensão das contas dos usuários,
não se valendo de provas hábeis suficientes para comprovar violação por parte dos
apostadores dos termos e condições impostos, já seria razão suficiente para considerar tal
prática abusiva, devendo ser repudiada e impedida pelo juiz competente. Inclusive, no
exemplo utilizado, além de comprovar que os usuários fizeram "apostas ou jogadas de
maneira coordenada com outro(s) cliente(s) envolvendo as mesmas seleções (ou
materialmente iguais)", a casa de apostas teria, ainda, que, de acordo com a cláusula
estipulada por ela própria, comprovar que estes usuários realizaram as apostas tão somente
para ‘minimizar as perdas’. Conforme já explicado, não o fazem.
Por outro lado, poderia a cláusula utilizada a título de exemplo, alinhado ao método
como é aplicada pelas casas de apostas, ser considera abusiva, levando em consideração o
direito material brasileiro, uma vez que ofende as normas contidos no Código de Defesa do
Consumidor, mais especificamente, os art. 47, art. 51, IV27 e art. 51, §1°28, do CDC. Esta
afirmativa se faz verdade, já que, a partir do momento em que o prestador de serviços - a casa
de apostas - não delimita e especifica minuciosamente o que configuraria “apostas ou jogadas
de maneira coordenada” e “minimizar as perdas”, utilizando-se desta cláusula de maneira
discricionária e arbitrária, ao seu bel entendimento, tornaria esta cláusula abusiva, pois, na
falta de uma delimitação dos limites desta cláusula, ela, com base no art. 47 do CDC 29,
deveria ser aplicada em sua forma mais branda.
Acrescentado a isso, na segunda parte da cláusula elencada, percebe-se que o
fornecedor de serviços também poderia, de modo arbitrário, punir o apostador caso este
realizasse apostas com o intuito além daquele suficiente para o “entretenimento pessoal”.
Ocorre que esta cláusula se demonstra absolutamente abusiva por dois motivos, contrariando
o art. 51, do CDC.

27 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de
produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
28 Art. 51, § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios
fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à
natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente
onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras
circunstâncias peculiares ao caso.
29 Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
23
Em um primeiro momento, seria abusiva pois não determina o que seria
“entretenimento pessoal”, abrindo margem para decidir o volume em quantidade ou o valor
das apostas que ultrapassariam o limite permitido. Além disso, esta cláusula é isenta de
inteligibilidade, uma vez que o entretenimento pessoal de uma pessoa, não é o mesmo para
outra, nem para um terceiro. A exemplo disso, pode-se pensar que para alguns o
entretenimento pessoal se consubstancia em 01 (uma) aposta no valor de R$10,00 por dia,
para outros o entretenimento pessoal se resume em 100 (cem) apostas de R$1.000,00 por dia.
Já para as casas de apostas, tendo em vista o seu poder absoluto e arbitral, o entretenimento
pessoal pode ser definido até o ponto em que os apostadores começam a lucrar uma
quantidade considerável, resultando em estes apostadores terem suas contas limitadas,
suspensas ou até mesmo encerradas.
É com base nisso que esta cláusula deveria ser considerada abusiva, pois, na hipótese
contrária, em que o apostador é lucrativo para as casas de apostas, ou seja, aquele que
recorrentemente faz apostas perdedoras, não são verificados casos de limitação, suspensão ou
encerramento das contas. Demonstrando-se por si só o desequilíbrio contratual entre estes
dois extremos, apostadores e bookmakers, haja vista que a um não é permitido o lucro,
podendo ser punido pelo simples fato dos seus prognósticos assertivos, e para o outro não há
qualquer limitação, podendo se valer de imenso lucro, proveniente de apostas perdedoras, se
esquivando de prejuízos.
A exemplo disso, pode ser citado o "Caso dos clientes VIP" 30, envolvendo a mesma
empresa Betway, em que um apostador, dentre tantos outros, utilizando-se de dinheiro ilegal,
realizou diversas apostas perdedoras na casa de aposta durante quatro anos, não tendo a casa
sequer questionado a origem dos depósitos ou a sanidade mental daquele apostador. Uma vez
que estava lucrando vultuosas quantias, valor que ultrapassou 4 milhões de Libras, a casa de
apostas não se atentou à comprovação de dados do apostador. Por conta da origem ilícita
deste saldo do usuário, e de outros semelhantes, veio a casa de apostas Betway a ser
condenada ao pagamento de 11,6 milhões de libras. Tal fato demonstra a sua
discricionariedade, aplicando as cláusulas contratuais somente quando lhe é conveniente.
Mesmo que existam cláusulas abusivas nos contratos de jogos, caso aplicado o direito
brasileiro, o contrato não seria totalmente nulo, devendo-se somente afastar ou limitar a
aplicação daquela norma à relação de consumo, conforme o §2°, do art. 51, do CDC31.

30 DAVIES, Rob. Record £11.6m UK gambling fine meted out to Betway. The Guardian. Disponível em:
<https://www.theguardian.com/business/2020/mar/12/record-116m-uk-gambling-fine-meted-out-to-betway>.
Acesso em: 07, jul. de 2022.
24
Importante ressaltar que os pontos aqui elencados não se firmam, necessariamente,
como regra em todas as casas de apostas, de maneira absoluta. Trata-se, apenas, de exemplo,
de modo a materializar o entendimento lógico deste trabalho, evidenciando um caso, entre
outros inúmeros, em que os apostadores são abertamente injustiçados.
Apesar disso, por mais que o direito brasileiro proteja o consumidor de possíveis
abusividades, quando se trata de contratos de jogo, o direito material brasileiro, pelo fato de o
objeto do contrato se tratar de causa ilícita, não abarca todos os pressupostos de validade
contratual presentes no art. 104 do Código Civil Brasileiro 32, gerando a invalidade do negócio
jurídico, tornando o contrato nulo, conforme os art. 166 e 167 do CC/2002 33. Ademais,
impossibilita-se o credor, neste caso o apostador, de exigir e reivindicar aquilo que ganhou.
Isso porque, assim dispõe o art. 814.
Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se
pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo,
ou se o perdente é menor ou interdito. § 1º Estende-se esta disposição a qualquer
contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de
jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé. § 2º O
preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido,
só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos. § 3º Excetuam-se,
igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de
natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às
prescrições legais e regulamentares.

Deste modo, como o direito material brasileiro afirma que as dívidas de jogo não
possuem exigibilidade, qualquer ação que tivesse a intenção de reivindicar valores
provenientes de qualquer tipo de aposta, não poderia ser exigida o seu cumprimento através,
tão somente, das leis brasileiras como atualmente se encontram.
Outrossim, interessante é o questionamento acerca do momento em que ocorre a
transferência da propriedade dos valores presentes nas contas dos apostadores junto às casas
de apostas, mesmo que o direito brasileiro considere inexigível as dívidas oriundas de jogos
de azar.

31 Art. 51, § 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua
ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
32 Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
33 Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito,
impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV
- não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a
sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-
lhe a prática, sem cominar sanção.
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na
forma.

25
Isso porque, de certa forma, o saldo do apostador disponível nas carteiras em suas
contas junto às casas de apostas, na verdade, já seria de sua propriedade, estando apenas,
temporariamente, em posse da casa de apostas, já que é o apostador, a partir de sua livre
vontade, quem escolhe usar, gozar e dispor de seu saldo da maneira que bem entender,
podendo reavê-las de quem injustamente as possua, com base nas leis do direito brasileiro.
Desse modo, a partir deste pensamento, não seria admissível que o direito brasileiro
permita o cumprimento da obrigação referente à transferência da posse destes valores
contidos nas carteiras dos apostadores junto às casas de apostas? Indo além, também não seria
totalmente abusivo por parte das casas de apostas a retenção destes valores, restringindo os
apostadores de sacá-los, independente do motivo utilizado, considerando que o valor exibido
nos sites das casas de apostas apenas reflete uma quantia que está em posse das casas de
apostas, mas sempre esteve em propriedade do consumidor?
Tais dúvidas também se estendem às inúmeras carteiras virtuais, no que se refere à
posse e a propriedade dos valores ali contidos. Entretanto, este trabalho não tem a intenção de
esclarecer estes questionamentos, mas tão somente induzir o leitor ao pensamento e ao debate
quanto aos fatos e à interpretação da lei a estes aplicada.
O Regulamento de proteção ao Jogador, Lei Subsidiária 583.08, em seu art. 5 estabelece que
"um jogador cujos fundos são detidos pela casa de apostas, ainda assim goza de um direito de
propriedade sobre esses fundos". Além disso, segundo esta lei, a casa de apostas deve manter
este fundo de acordo com interesse exclusivamente do apostador, não podendo por exemplo,
dispor desse fundo para realizar um empréstimo, nem mesmo poderão os credores da casa de
apostas reclamar sobre esse fundo que está em posse da casa de apostas autorizada.

IV.2 - APLICAÇÃO DA LEI ESTRANGEIRA


Conforme demonstrado, devido às peculiaridades do contrato, bem como as
singularidades em que fora constituído, de acordo com o artigo 9°, caput e §2°, da LINDB,
imperioso se faz a aplicação da lei material estrangeira à resolução de litígios entre o
apostador brasileiro e casas de aposta estrangeiras.
Todavia, o juiz nacional, para que possa sentenciar uma possível ação entre estas
partes, ao aplicar o direito material estrangeiro, deve se abster do direito material brasileiro,
deixando de lado, por hora, a sua própria jurisdição. Neste sentido, em seu livro “Curso de
Direito Internacional Privado”, argumenta Maristela Basso:
“Quando o juiz nacional se vê diante do comando de aplicação do direito
estrangeiro, não deve ficar atrelado aos métodos de interpretação de sua própria
jurisdição. Deve, sim, buscá-los no país de origem da lei que deve aplicar ao caso

26
em análise. Isto porque, pela lógica do sistema de solução dos casos
mistos/multinacionais, não é possível interpretar uma expressão estrangeira, com
correção, sem transportar-se ao país de origem desta lei. Neste mesmo sentido, Luiz
Antônio Severo da Costa afirma que “a interpretação da lei estrangeira deve ser feita
no estado de espírito dessa legislação, pois os termos, os conceitos e os institutos
jurídicos têm o sentido e conteúdo que ali lhe são dados.”34

Dessa forma, deve o juiz se submeter a essa árdua tarefa, pois, caso decida com a
interferência do direito nacional, essa norma poderia induzi-lo ao erro, aplicando norma ou
entendimento inadequado à demanda, podendo, até mesmo, macular sua decisão.
Superada esta barreira, é preciso, antes de adentrar-se ao mérito da questão, analisar se
as leis estrangeiras onde fora pactuado o contrato, não ofendem a soberania nacional, a ordem
pública e os bons costumes, como determina o art. 17, da LINDB35.
Ao primeiro contato, seria razoável alegar a incompatibilidade das leis de Malta,
exemplo utilizado neste trabalho, com a ordem jurídica nacional, tendo em vista que a prática
de jogos de azar, no território, fere os bons costumes, bem como o ordenamento jurídico.
Contudo, por se tratar o Direito de matéria de constante volatilidade, no sentido de constante
mudança e com facilidade, podendo se alterar com base no mero entendimento diverso sobre
uma mesma questão, é razoável uma postura diversa sobre a aplicação do art. 17, da LINDB.
Nesse diapasão, a jurisprudência brasileira já entendeu ser possível a aplicação de lei
estrangeira nos casos em que o indivíduo brasileiro, no momento em que viaja para o exterior
e, em descarada má-fé, sabendo da inexigibilidade das dívidas geradas pelos contratos de
jogos de azar no território nacional, contraem dívidas em cassinos, acreditando que a lei
brasileira, ao retornarem, iria respaldá-los, impedindo-os de que fossem compelidos a realizar
o pagamento desta dívida, legal no país que contraíram-na.
A exemplo disso, vários são os casos em que o apostador brasileiro foi compelido a
pagar suas dívidas contraídas legalmente em outros países, fazendo-se valer do ordenamento
jurídico estrangeiro. Dentre estes casos, pode- se citar os seguintes acórdãos:

CIVIL. LOCUPLETAMENTO ILÍCITO. INDENIZAÇÃO. CHEQUE PRESCRITO


PARA AÇÃO EXECUTIVA. DÍVIDA DE JOGO. APLICABILIDADE DO ART.
9º DA LICC.
1. Se o cheque foi emitido voluntariamente, para pagamento de dívida de jogo,
contraída em país em que esta atividade é lícita, estando, portanto, o credor
acobertado pela boa-fé, não há que se falar em ofensa à ordem pública ou bons
costumes, interpretando-se o art. 1477, do Código Civil de 1916 sob a luz do art. 9º
da LICC, para considerar exigível a referida dívida, sob pena de enriquecimento
ilícito do réu.
2. Recurso provido parcialmente.

34 BASSO, Maristela. Curso de Direito Internacional Privado. 6ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2020. P. 456
35 Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão
eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
27
(Acórdão 205378, 20020110437100APC, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, ,
Revisor: CARMELITA BRASIL, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 22/11/2004,
publicado no DJU SEÇÃO 3: 17/2/2005. Pág.: 66)
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. DÍVIDA DE JOGO CONTRAÍDA NO
EXTERIOR. PAGAMENTO COM CHEQUE DE CONTA ENCERRADA. ART. 9º
DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. ORDEM PÚBLICA.
ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. 1. O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
NÃO CONSIDERA O JOGO E A APOSTA COMO NEGÓCIOS JURÍDICOS
EXIGÍVEIS. ENTRETANTO, NO PAÍS EM QUE OCORRERAM, NÃO SE
CONSUBSTANCIAM TAIS ATIVIDADES EM QUALQUER ILÍCITO,
REPRESENTANDO, AO CONTRÁRIO, DIVERSÃO PÚBLICA PROPALADA E
LEGALMENTE PERMITIDA, DONDE SE DEDUZ QUE A OBRIGAÇÃO FOI
CONTRAÍDA PELO ACIONADO DE FORMA LÍCITA. 2. DADA A COLISÃO
DE ORDENAMENTOS JURÍDICOS NO TOCANTE À EXIGIBILIDADE DA
DÍVIDA DE JOGO, APLICAM-SE AS REGRAS DO DIREITO
INTERNACIONAL PRIVADO PARA DEFINIR QUAL DAS ORDENS DEVE
PREVALECER. O ART. 9º DA LICC VALORIZOU O LOCUS
CELEBRATIONIS COMO ELEMENTO DE CONEXÃO, POIS DEFINE QUE,
"PARA QUALIFICAR E REGER AS OBRIGAÇÕES, APLICAR-SE-Á A LEI DO
PAÍS EM QUE SE CONSTITUÍREM." 3. A PRÓPRIA LEI DE INTRODUÇÃO
AO CÓDIGO CIVIL LIMITA A INTERFERÊNCIA DO DIREITO ALIENÍGENA,
QUANDO HOUVER AFRONTA À SOBERANIA NACIONAL, À ORDEM
PÚBLICA E AOS BONS COSTUMES. A ORDEM PÚBLICA, PARA O DIREITO
INTERNACIONAL PRIVADO, É A BASE SOCIAL, POLÍTICA E JURÍDICA DE
UM ESTADO, CONSIDERADA IMPRESCINDÍVEL PARA A SUA
SOBREVIVÊNCIA, QUE PODE EXCLUIR A APLICAÇÃO DO DIREITO
ESTRANGEIRO. 4. CONSIDERANDO A ANTINOMIA NA
INTERPENETRAÇÃO DOS DOIS SISTEMAS JURÍDICOS, AO PASSO QUE SE
CARACTERIZOU UMA PRETENSÃO DE COBRANÇA DE DÍVIDA
INEXIGÍVEL EM NOSSO ORDENAMENTO, TEM-SE QUE HOUVE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA POR PARTE DO EMBARGANTE, QUE
ABUSOU DA BOA FÉ DA EMBARGADA, SITUAÇÃO ESSA REPUDIADA
PELO NOSSO ORDENAMENTO, VEZ QUE ATENTATÓRIA À ORDEM
PÚBLICA, NO SENTIDO QUE LHE DÁ O DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO. 5. DESTARTE, REFERENDAR O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
PERPRETADO PELO EMBARGANTE REPRESENTARIA AFRONTA MUITO
MAIS SIGNIFICATIVA À ORDEM PÚBLICA DO ORDENAMENTO PÁTRIO
DO QUE ADMITIR A COBRANÇA DA DÍVIDA DE JOGO. 6. RECURSO
IMPROVIDO. (TJ-DF - EIC: 4492197 DF, Relator: WELLINGTON MEDEIROS,
Data de Julgamento: 14/10/1998, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJU
10/02/1999)

Porém, para que o Juiz brasileiro reconheça o pagamento deste tipo de dívida,
primeiramente, este afasta a aplicação do direito material brasileiro, como já exemplificado,
uma vez que deixa de reconhecer a ilegalidade e a inexigibilidade das dívidas de jogos, sendo
estas provenientes de objeto lícito ou ilícito, como propriamente expressa a lei.
Em um segundo momento, o juiz reconhece a aplicação do direito estrangeiro ao
processo ajuizado no Brasil, qual seja, nos casos em exemplo, a licitude da prática de jogos de
azar, assim como a possibilidade de exigir as dívidas contraídas neste tipo de jogo, fato, em
tese, contrário à ordem pública do ordenamento brasileiro e aos bons costumes nacionais.
Há de se ponderar, entretanto, que nas decisões supracitadas o julgador, para
reconhecer a aplicação da norma material estrangeira, bem como o descabimento do art. 17 da

28
LINDB aos casos em questão, considerou que “referendar o enriquecimento ilícito perpetrado
pelo embargante representaria afronta muito mais significativa à ordem pública do
ordenamento pátrio do que admitir a cobrança da dívida de jogo”36.
Desse modo, seria cabível o entendimento inverso, na medida em que concordar com
o não pagamento dos lucros auferidos pelos apostadores configura o enriquecimento ilícito
das casas de apostas, uma vez que, no local onde fora realizado o contrato, tal prática é lícita,
perpetrando, de igual maneira, a afronta à ordem pública do ordenamento pátrio nacional,
bem como o estrangeiro.
Indo além, não bastasse a afronta ao ordenamento pátrio, no que toque ao
enriquecimento ilícito, caso haja e desconsideração da competência da jurisdição brasileira
para decidir sobre estes processos, e ainda a não aplicação do ordenamento estrangeiro, tal
decisão concorre igualmente para a afronta ao acesso à justiça, assegurado aos brasileiros no
art. 5°, inciso XXXV, da CF/88.
Desse modo, ante aos argumentos supramencionados, é evidente a possibilidade, se
não, até mesmo, a obrigatoriedade da aplicação da lei material do país no qual foi constituído
e formalizado o contrato, no presente caso utilizado como exemplo, as leis de Malta.
A partir disso, tendo em vista que é permitido apostar nos países onde as casas de
apostas estão estabelecidas, consequentemente as leis que regem aquele país, por exemplo
Malta, irão resguardar o apostador, revisando cláusulas abusivas e exigindo o cumprimento do
contrato, evitando a arbitrariedade das casas de apostas.
Nesse sentido, são as leis de Malta que, na legislação subsidiária 583.08 37, quando
trata dos termos injustos, segundo o art. 10(2)38 desta citada lei, que estabelecem que, na
eminência de um termo ambíguo, deve sempre prevalecer a interpretação mais favorável ao
apostador (consumidor).
Ademais, o que se espera após a regulamentação das apostas no Brasil é que os termos
e condições da prestação do serviço de apostas se moldem com base no Código de Defesa do
Consumidor, fato esse que já ocorre na Lei Maltesa, conforme o art. 11, da legislação
subsidiária 583.08, que estabelece que "Os operadores devem garantir que os termos e
condições aplicáveis à prestação do seu serviço de jogo não sejam abusivos aos termos da
Parte VII da Lei de Assuntos do Consumidor"(Tradução livre).

36TJ-DF - EIC: 4492197 DF, Relator: WELLINGTON MEDEIROS, Data de Julgamento: 14/10/1998, 2ª
Câmara Cível, Data de Publicação: DJU 10/02/1999
37MALTA. SUBSIDIARY LEGISLATION 583.08. Disponível em:
<https://legislation.mt/eli/sl/583.8/20180816/eng> Acesso em: 07 de jun. 2022
38 Art. 10 (2) Quando qualquer disposição em termos e condições for ambivalente, ou qualquer dúvida razoável
surgir quanto ao seu significado, prevalecerá a interpretação mais favorável ao jogador. (tradução minha)
29
Em consequência, o Código de Defesa do Consumidor de Malta prevê na “Parte VII”,
que trata dos termos injustos nos contratos de consumo, a possibilidade de revisão de
cláusulas abusivas, ou até mesmo a nulidade de cláusulas abusivas que colocam o consumidor
em situação de significativo desequilíbrio frente às casas de apostas.
Com base no exposto, percebe-se que a legislação de Malta, não só aquelas que se
aplicam as apostas, mas como um todo, repudia a presença de cláusulas que se mostram de
extrema abusividade para o consumidor. Não só no que tange ao repúdio às cláusulas
abusivas, mas também é possível apontar uma certa semelhança entre o direito maltês e o
direito brasileiro, principalmente no tocante aos direitos do consumidor.
Assim, mostra-se razoável a revisão de decisões que determinam a retenção do
pagamento do apostador, a fim de averiguar se a decisão foi acertada, avaliando se o
apostador realmente cometeu atos ilícitos ou até mesmo manipulou o mercado, conforme o
exemplo já exposto. Ademais, nesse sentido, é justo afirmar que as leis de Malta vão ao
encontro com as leis brasileiras, não ferindo assim o princípio da efetividade, nem mesmo a
soberania nacional, conforme exige o art. 17, da LINDB.

V - A LEI 13.756/2018
Diante dos entraves e empecilhos expostos, vislumbra-se a necessidade de se
regulamentar as apostas esportivas no Brasil, tendo em vista que, ainda que possível ajuizar
uma ação no Brasil, se aplicando as normas do direito material estrangeiro, referida prática
ainda se mostra de bastante complexidade para as partes, principalmente para o consumidor,
ferindo o princípio do acesso à justiça, bem como para os operadores da lei, levando em
consideração a limitação do conhecimento do direito estrangeiro.
Neste caminho, pode-se citar a Lei 13.756, promulgada em dezembro de 2018, a qual,
dentre os assuntos por ela abordados, criou-se o método de loteria de apostas esportivas com
cotas fixas, o qual mais se aproxima ao modelo de aposta esportiva abordada neste trabalho,
previsto no art. 29 da referida lei, conforme segue:
Art. 29. Fica criada a modalidade lotérica, sob a forma de serviço público exclusivo
da União, denominada apostas de quota fixa, cuja exploração comercial ocorrerá em
todo o território nacional. § 1º A modalidade lotérica de que trata o caput deste
artigo consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva,
em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode
ganhar em caso de acerto do prognóstico. § 2º A loteria de apostas de quota fixa será
autorizada ou concedida pelo Ministério da Fazenda e será explorada,
exclusivamente, em ambiente concorrencial, com possibilidade de ser
comercializada em quaisquer canais de distribuição comercial, físicos e em meios
virtuais. § 3º O Ministério da Fazenda regulamentará no prazo de até 2 (dois) anos,
prorrogável por até igual período, a contar da data de publicação desta Lei, o
disposto neste artigo.

30
Todavia, diante das expectativas criadas pelos apostadores, esta lei não atendeu às
necessidades que o apostador brasileiro atualmente encontra no contexto nacional. Isso
porque, a Lei 13.756/18 não preencheu as lacunas no tocante à regulamentação das apostas,
mas focou, principalmente, dentre outros assuntos abordados, em elencar a destinação das
arrecadações oriundas das apostas esportivas de cota fixa, conforme previsto no art. 30 da
referida Lei.
Ocorre que a Lei 13.756/18 apenas criou a modalidade lotérica de apostas de quota
fixa, contudo, deixou para momento posterior a promulgação de decreto regulatório, de
competência do Ministério da Economia (antigo Ministério da Fazenda), o qual irá determinar
de qual maneira irão funcionar as apostas de quotas fixas aqui no Brasil. Assim, de acordo
com o §3°, do art. 29, da Lei 13.756/1839, teria o Ministério da Economia até o final do
presente ano para promulgar o decreto que irá regulamentar o "modus operandi” das apostas
de quota fixa.
Entretanto, tal processo de regulamentação ainda se encontra bastante moroso, pois já
se passaram mais de três anos desde que a Lei 13.756/18 entrou em vigência e ainda há
muitos pontos a serem esclarecidos, tais como de que maneira serão concedida as licenças
para as casas de apostas atuarem no Brasil; quantas casas de apostas poderão atuar no
território brasileiro; entre outros possíveis problemas associados à tributação atinente às
apostas esportivas, temas esses que ainda serão abordados neste trabalho.
Neste sentido, um dos poucos avanços que se obteve após a vigência da referida lei,
foi a publicação da Lei 14.183, de 14 de julho de 2021, que alterou a Lei 13.756/18 de modo a
adequar a tributação das apostas de quota fixa no Brasil. Essa alteração só aconteceu em
virtude e consequência de três consultas públicas realizadas pela Secretaria de Avaliação,
Planejamento, Energia e Loteria - SECAP ao longo desses 03 anos, nas quais foram recebidas
milhares de informações que contribuíram para subsidiar a regulamentação da modalidade
lotérica das apostas esportivas de quota fixa no Brasil.
Essa nova lei foi publicada com a intenção de alterar a alíquota a incidir sobre o
produto da arrecadação da loteria de apostas de quota fixa, bem como sobre qual montante
deveria incidir esta tributação. Assim, o art. 30 da lei 13.75640 teve mudanças significativas
para que a nova legislação possibilitasse o alinhamento do Brasil às melhores práticas

39 Art. 29, § 3º O Ministério da Fazenda regulamentará no prazo de até 2 (dois) anos, prorrogável por até igual
período, a contar da data de publicação desta Lei, o disposto neste artigo.
40 Art. 30. O produto da arrecadação da loteria de apostas de quota fixa em meio físico ou virtual será
destinado: b) 0,05% (cinco centésimos por cento), no caso das apostas em meio virtual (...)
31
internacionais e leve a um aumento de arrecadação para os cofres públicos ao destravar um
mercado promissor para o país.
Com a publicação desta lei e as alterações realizadas no art. 30 da Lei 13.756/18, ficou
definido que o produto da arrecadação da loteria de apostas de quota fixa será destinado,
majoritariamente, ao pagamento dos prêmios obtidos com o acerto dos prognóstico pelos
apostadores, mas também, visando arrecadar dinheiro para os cofres públicos, ao pagamento
de 0,10% da arrecadação das apostas realizadas em meio físico e 0,05% da arrecadação das
apostas em meio virtual que serão destinados à seguridade social, conforme o inciso IV, do
art. 30.
Além disso, parte do produto arrecadado será destinado ao pagamento do imposto de
renda, o qual será retido diretamente da fonte, conforme previsto no inciso V, do art. 30, da r.
lei.
Outrossim, o art. 30 também se preocupou em destacar a destinação do saldo da
diferença entre o produto da arrecadação e as importâncias de que tratam os incisos III, IV e
V do CAPUT do citado art., ou seja, retirada os valores que serão destinados ao pagamento
dos prêmios, bem como os valores destinados à seguridade social, o restante será distribuído
da seguinte forma, conforme dispõe o §1°-A, do art. 30:
Em resumo, 0,82% será destinado às escolas públicas que atingirem as metas
estabelecidas pelo Ministério da Educação; 2,55% será destinado ao FNSP; 1,63% será
destinado às entidades desportivas brasileiras que contribuírem com a divulgação da loteria de
apostas de quota fixa e; 95% será destinado à manutenção do agente operador da loteria das
apostas de quota fixa, ou seja, a casa de aposta.
Verifica-se que, antes mesmo de publicar o decreto que regulamentará a lei 13.756, o
legislador se preocupou primordialmente em criar e determinar a destinação dos tributos
associados às apostas de quota fixa, demonstrando que, na verdade, a menor de suas
preocupações seria a legalidade das apostas no território nacional, nem mesmo a segurança
dos apostadores, mas tão somente a lucratividade que este “novo” mercado irá proporcionar
ao Estado.
No tocante ao consumidor, dentre os assuntos abordados pela lei 13.756, o único que
atinge diretamente o apostador (consumidor) está previsto no art. 31 41, já que trata do imposto
de renda a incidir sobre os prêmios conquistados na loteria de apostas de quota fixa. Segundo
este artigo, a tributação sobre os ganhos dos jogadores será em percentual idêntico ao
41 Art. 31. Sobre os ganhos obtidos com prêmios decorrentes de apostas na loteria de apostas de quota fixa
incidirá imposto de renda na forma prevista no art. 14 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964 , observado
para cada ganho o disposto no art. 56 da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009 .
32
percentual de IR que incide sobre os ganhos obtidos nas loterias em geral, já que o art. 31 se
baseia, explicitamente, no art. 14 da lei 4.506/64. Contudo, o art. 31 se “atentou” em criar
uma ressalva, ou pode-se dizer, uma exceção aos casos em que o apostador terá que recolher o
imposto de renda sobre os seus ganhos obtidos através de seus prognósticos assertivos nas
loterias de apostas de quota fixa.
Isso se dá em função de que, na segunda parte do art. 31, o legislador, determinou que
o imposto de renda só irá incidir sobre os prêmios, em dinheiro, que ultrapassarem o valor da
primeira faixa da tabela de incidência mensal do Imposto de Renda da Pessoa Física,
conforme previsto no art. 56, da Lei 11.941/0942, quantia essa que, atualmente, atinge o valor
de R$ 1.903,98. Advém, entretanto, que este dispositivo, caso mantido da maneira que está
redigida, antecipa alguns possíveis problemas que poderão surgir posteriormente.
O primeiro problema, está atrelado ao fato de que, se em um mesmo dia um apostador
receber R$ 5.000,00 por acertar um prognóstico esportivo e perder R$10.000,00 por errar
outro prognóstico, este será tributado na fonte pelos R$5.000,00, mesmo tendo um prejuízo
no total. Diante disso, é de extrema importância que o legislador, ao tratar deste assunto no
decreto legislador, trate deste possível problema, criando, por exemplo, um sistema de
compensação, para que o apostador só recolha o imposto de renda caso realmente tenha um
aumento em seu patrimônio e não sobre todo e qualquer prognóstico que acertar e este tiver
um retorno que exceda o mínimo mensal da tabela de incidência do IRPF.
Além disso, deverá o legislador se atentar ao tempo em que esta compensação deverá
considerar. Em razão de que, caso a compensação se restrinja a um período de apenas um
mês, aquele apostador que for lucrativo em apenas 01 (um) mês e recolher o imposto de renda
sobre essa quantia que acresceu o seu patrimônio e, posteriormente, obtiver um prejuízo em
outros 03 (três), sendo que este prejuízo superior ao lucro obtido naquele mês em que fora
lucrativo, ainda assim o apostador estará recolhendo o imposto de renda não sobre aquilo que
ganhou, mas sim sobre o que perdeu.
Para além disso, outro problema que possivelmente irá atormentar este dispositivo,
caso se mantenha da maneira que se encontra, se trata do fato de que, se a tributação do
imposto de renda incidir apenas nas apostas que tiveram um retorno para apostador acima do
mínimo tributável, qual seja, o valor de R$ 1.903,98, por consequência, os apostadores
passaram a diluir o valor de seus prognósticos em várias apostas ou até mesmo em várias
casas de apostas, o que dará margem para a criação do “jeitinho brasileiro”, mesmo não sendo
42 Art. 56. A partir de 1 o de janeiro de 2008, o imposto de renda sobre prêmios obtidos em loterias incidirá
apenas sobre o valor do prêmio em dinheiro que exceder ao valor da primeira faixa da tabela de incidência
mensal do Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF.
33
algo repudiado socialmente. Ou, ainda pior, afastará os grandes apostadores, de modo com
que estes deixem de utilizar os operadores de apostas de quota fixa legalizados e licenciados
pelo Ministério da Economia, para utilizarem as casas de apostas não licenciadas, deixando de
gerar lucro para o Estado, nos modos que este espera que aconteça.
Apesar disso, formar uma solução para estes problemas não é o objetivo deste
trabalho, mas sim aflorar as possíveis repercussões desta lei para o futuro das apostas e,
sobretudo, do apostador brasileiro, o futuro consumidor deste mercado.
Não bastasse os tributos já mencionados, que irão incidir sobre o produto da
arrecadação da loteria de apostas de quota fixa, o legislador também instituiu uma nova taxa,
prevista no art. 32 da nova lei, denominada “Taxa de Fiscalização”, taxa essa que será
recolhida por aqueles operadores, casas de apostas, que optarem por obter a autorização (ou
concessão) para atuarem no mercado nacional, conforme dispõe a Lei no art. 29, §2°.
A título de informação, o legislador já até determinou o valor da taxa, quantia que está
diretamente atrelada ao valor dos prêmios distribuídos por uma casa de aposta ao longo do
período de um mês, previsto no anexo da lei 13.756 da seguinte maneira:

A referida taxa é tributo obrigatório, e tem como objetivo subsidiar o braço do


Ministério da Economia que irá fiscalizar as casas de apostas (pessoas jurídicas) que
explorarem comercialmente a loteria de apostas de quota fixa.
Outrossim, a nova lei que cria as apostas de quota fixa cuidou de especificar a
necessidade de as atividades atinentes a este mercado serem pautadas pela boa-fé, conforme
disposto em seu art. 33:
As ações de comunicação, publicidade e marketing da loteria de apostas de quota
fixa deverão ser pautadas pelas melhores práticas de responsabilidade social
corporativa direcionadas à exploração de loterias, conforme regulamento.

Do mesmo modo que é aplicado aos prêmios consagrados pela loteria federal, a lei
13.756 também determinou um prazo prescricional de 90 dias para que o apostador
reivindique o seu prêmio oriundo das apostas no mercado de loterias de apostas de quota fixa.

34
Caso não reclamado dentro deste prazo, estes prêmios serão revertidos ao Fies, conforme art.
14, §2°, desta lei.
Por fim, aos dispositivos relacionados à loteria de apostas de quota fixa, o legislador,
no art. 35, determinou que as casas de apostas deverão remeter ao COAF informações sobre
os apostadores relativos à prevenção de lavagem de dinheiro e de financiamento ao
terrorismo.
Observa-se que a lei promulgado em 2018 não abordou temas que respaldassem o
apostador, criando normas e condutas a serem seguidas pelas casas de apostas, bem como a
confirmação de aplicação do CDC aos contratos oriundos deste mercado, na verdade, a Lei
13.756 se resumiu a aclamar basicamente a tributação e fiscalização deste novo tipo de aposta
criado no território nacional.
Na prática, a promulgação da lei 13.756, ao contrário do que se esperava (finalidade),
acabou por criar outros questionamentos, pois, para os mais leigos, não deixou claro se as
apostas, no modo como ainda estão funcionando, passaram à legalidade ou se ainda
encontram em um limbo, no mercado paralelo. Outrossim, nesta mesma linha de raciocínio,
não trouxe a nova lei de que maneiras irá o Brasil incentivar as casas de apostas a se
estabelecerem aqui no Brasil.

VI - A LEGALIDADE DAS APOSTAS ESPORTIVAS


Mas ao final de contas, estariam as apostas legalizadas a partir da vigência da lei de
2018?
Da análise desta nova lei, percebe-se que não houve uma mudança drástica no
contexto atual das apostas, mas na verdade apenas uma insinuação de melhora. Isso porque, o
art. 29 se limitou a criar uma nova modalidade de loteria, denominada apostas de quota fixa,
modalidade essa que ainda será regulamentada posteriormente através de um decreto. Nada
obstante, esta lei não legaliza as apostas realizadas em sites registrados fora do país, fazendo
com que o exercício de apostar, mormente praticado pelos apostadores brasileiros, como feito
atualmente, ainda permanece dentro de um mercado não regulamentado. Pode-se dizer que
trata-se de um tema a ser debatido futuramente, uma vez que ainda restam questões a serem
esclarecidas.
Tendo em vista que a loteria de apostas de quota fixa só será exercida por aquele
operador que estiver licenciado pelo Ministério da Economia, conforme o art. 29, §2°, como
seriam tratados os outros tipos de apostas que ainda permanecem em um limbo legislativo,
juridicamente falando? Além das apostas de quota fixa, o apostador poderá reivindicar,
35
através do poder judiciário, outros tipos de apostas, por exemplo, os prêmios oriundos dos
acertos em prognósticos feitos nas casas de apostas regulamentadas fora do país?
Aparentemente, não! Isto significa, em outros termos, que mesmo após a promulgação e
vigência da lei 13.756/18, passados mais de 03 anos, a situação das apostas continua
estagnada, podendo ser atribuída a esta situação a famosa expressão “para inglês ver”.

VII - TEMAS PENDENTES


Conforme indicado, diversas questões continuam pendentes de solução e respostas,
mesmo após a nova lei. Dentre elas merecem destaque o seguinte questionamento: Serão
realizadas concessões para que as casas de apostas funcionem no Brasil?
No que se refere ao modo com que o Ministério da Economia irá dispor sobre o
regime de delegação do serviço público, nos termos do que permite a Lei 13.756/18, consta
que a modalidade lotérica das apostas de quota fixa será operada no país sob a forma de
serviço público, podendo ser, conforme previsto no §2° do artigo 29, mediante concessão ou
autorização em todo o território nacional, o que ainda não foi divulgado.
Contudo, ressalta-se que não há qualquer definição ou diretriz por parte deste
Ministério da Economia para que a delegação das Apostas de Quota Fixa ocorra de forma não
onerosa para os futuros operadores, nem mesmo a quantidade de casas de apostas que poderão
operar no Brasil.
Outro questionamento relevante diz respeito ao cenário em que, em caso de
legalização das apostas no Brasil, quais seriam os incentivos para as casas de apostas se
estabelecerem no país. Em um primeiro momento, aparenta ser um grande avanço a
legalização e regulamentação das apostas de quota fixa em todo o território brasileiro. No
entanto, para que esta nova modalidade de apostas vingue, é preciso que haja, de antemão, um
rol das casas de apostas que irão operar as linhas de mercado dos possíveis prognósticos para
os futuros eventos esportivos. Ou seja, é necessária a existência de casas de apostas que se
submetam a este novo método de aposta e disponibilizem este serviço aos apostadores.
Ao que tudo indica, não existem incentivos, se com base nas leis que regem o país
(CC, CDC) e as normas que serão criadas pelo decreto que irá regulamentar a Lei 13.756/18,
já que as casas de apostas utilizadas pelos apostadores, atualmente, se encontram em uma
situação astronomicamente vantajosa, sem a necessidade de recolher impostos ou taxa para os
cofres públicos brasileiros e ainda assim atingindo o público de apostadores brasileiros.
Em um cenário idílico, as casas de apostas simplesmente adotariam o novo método,
tão somente por ser o politicamente correto, pois assim passariam a operar nos conformes da
36
lei, e não como atualmente operam. Porém, sabe-se que não é dessa maneira que os fatos
acontecem, até porque, operar da forma que atualmente as casas de apostas o fazem, nas
lacunas que a lei 13.756 aparentemente não irá preencher, ainda será mais lucrativo para as
casas de apostas. Ademais, pelo o que dispões a lei nos moldes atuais, não haverá qualquer
consequência para as casas de apostas que não obtiverem a concessão ou permissão para
operarem no Brasil.
Com base nessas informações, mostra-se necessária a criação de medidas que visem
atrair as casas de apostas para que estas passem a operar no Brasil a partir dessa nova
modalidade de aposta de quota fixa, a exemplo da restrição ao acesso de sites de casas de
apostas não registradas aqui no Brasil ou, ainda, a criação de ferramentas para sobretaxar a
entrada de capital proveniente de apostas feitas em casas de apostas estabelecidas no exterior.
Ocorre que as Leis 13.756/18 e 14.183/21 não chegaram a abordar esse assunto, o que poderá
futuramente acarretar no fiasco dessa modalidade de loteria de apostas de quota fixa.
A título de exemplo, as leis de Malta já trazem essa técnica, prevendo em seu
Regulamento sobre Autorizações de Jogo - Legislação subsidiária 583.05 - a impossibilidade
de fornecimento de serviço de apostas por Pessoas Jurídicas que não possuam uma licença43.

VIII - CONVENIÊNCIAS DA LEGALIZAÇÃO E DA REGULAMENTAÇÃO


DAS APOSTAS ESPORTIVAS NO BRASIL
De modo a abrir o caminho para uma harmonização legislativo-regulatória entre as
políticas públicas e normativas tangentes às apostas esportivas online, buscando facilitar sua
aplicação e padrão de incidência, bem como a promoção de maior eficiência e
sistematicidade, a União Europeia elaborou o chamado "Online Gambling Green Paper" 44.
Trata-se de uma espécie de Consulta Pública aos atores afetados, disponibilizada sob a forma
de manual introdutório amplo, que visa apontar o emaranhado legislativo existente nesta
seara, de modo a identificar quais são os diferentes atores envolvidos em relações jurídicas
relacionadas a apostas esportivas, seus interesses vinculados, e, ainda, esclarecer quais os
objetivos das legislações vigentes e suas carências.
É justamente neste material que são trazidos, dentre outras coisas, motivos que
justificam o interesse em se estabelecer e precisar uma legislação nacional robusta e

43 Art. 3º (1) Nenhuma pessoa pode fornecer ou realizar serviço de jogo ou fornecer um suprimento de jogo
crítico de ou Malta a qualquer pessoa em Malta ou através de uma entidade legal maltesa a menos que esteja de
posse de uma licença válida ou esteja isenta de uma exigência de licença sob a Lei ou qualquer outro instrumento
regulatório.
44 União Européia. Green Paper On on-line gambling in the Internal Market. Bruxelas: 2011. Disponível em:
<https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=celex%3A52011DC0128> Acesso em: 20 de fev. 2022
37
abrangente em relação a esta espécie de aposta. Assim, são elencados três pontos principais
que, por si só, já ensejam uma regulamentação própria deste ramo econômico, quais sejam a
proteção do Consumidor, a garantia de controle estatal no combate à fraude e a
irregularidades indesejadas e, por fim, o financiamento de receitas correntes para a
Administração pública.
No que se refere à segurança do apostador, a criação de uma legislação regulatória traz
inúmeros benefícios para o apostador. Primeiramente, a confiança dos apostadores nas casas
de apostas que obtiverem a autorização para operarem a partir do modelo de apostas de quota
fixa, já que suas atividades serão limitadas por normativa específica, evitando, assim, a
arbitrariedade dos operadores de apostas. Em consequência, submeterá as casas de apostas a
uma atuação em que prevaleça a boa-fé, a honestidade e transparência diante o consumidor.
Além disso, cria a obrigatoriedade em aplicar as normas e princípios norteadores do
Código de Defesa do Consumidor ao mercado das apostas esportivas, evitando a prática de
condutas abusivas contra os apostadores, levando em consideração o seu estado de
hipossuficiência e vulnerabilidade técnica frente às casas de apostas. Consequentemente, a
regulamentação das apostas poderá evitar a limitação dos apostadores lucrativos, já que se
trata de conduta de extrema abusividade e arbitrariedade das casas de apostas, obrigação que
onera tão somente o consumidor.
Isso porque, as apostas são uma modalidade de contrato de risco, ainda que por
adesão, que em tese, possuem as partes 50% de chance de êxito em seus prognósticos,
todavia, caso seja possível a restrição de acesso às casas de apostas tão somente àqueles
apostadores que predominantemente erram seus prognósticos, estariam as casas de apostas
afastando esta a característica do contrato de aposta, para criar, na prática, uma fonte de renda
ilimitada.
A partir disso, com a regulamentação das apostas, poderá ser impedida a limitação dos
apostadores, mantendo o caráter paritário dos contratos, principalmente em um contexto de
apostas esportivas, em que ambas as partes possuem chances, inicialmente, idênticas de
lucratividade, de um lado os apostadores, de um modo geral, e do outro as casas de apostas.
Ademais, possibilitará a revisão em duplo grau de jurisdição das decisões
estabelecidas pelas casas de apostas em contextos relacionados à: exclusão dos apostadores
das casas de apostas; depósitos; saques; falhas técnicas nos sites; promoções; cláusulas
abusivas; etc. de modo que prevaleçam as provas e não as decisões arbitrárias das casas de
apostas.

38
Por fim, no que se remete à segurança do apostador, é necessário ressaltar que a
regulamentação das apostas facilitará a monitoração dos apostadores, a fim de prevalecer a
prática do jogo responsável e evitar o vício.
Além da segurança garantida ao apostador, a regulamentação das apostas também
apresenta enorme potencial em termos de geração de receitas para a Administração Pública,
uma vez que a própria Lei 13.756 institui tributos a incidirem sobre a arrecadação das apostas
de quota fixa. Tais tributos irão incidir, conforme previsto nos art. 30, 31 e 32, sobre os
prêmios distribuídos aos apostadores, sobre os valores arrecadados pela própria casa de
apostas e também para que seja outorgado a licença para que as casas de apostas operem no
Brasil.
Estima-se, com base nos tributos presentes na lei 13. 756/18, que a Administração
Pública, ao atrasar a publicação do decreto que irá regulamentar as apostas de quota fixa, está
deixando de arrecadar valor que se aproxima a R$6 bilhões somente este ano45.
A partir da regulamentação das apostas, é visível também um avanço no combate às
fraudes e, ainda, ao crime organizado, que atormentam o mundo das apostas esportivas online.
A própria lei 13.756/18, em seu art. 35, traz um dispositivo que visa evitar a lavagem de
dinheiro através dos prognósticos em eventos esportivos, já que as casas de apostas que
adotarem o modelo de apostas por quota fixa terão que, periodicamente, enviar um relatório
de operações ao COAF, órgão que atua no combate à lavagem de dinheiro.
Todavia, ainda que se trate de um grande avanço para o combate aos crimes praticados
dentro do mundo das apostas esportivas, esta nova Lei é omissa no tocante à manipulação de
resultados em eventos desportivos, também conhecido como “match fixing”. Isso pois não
demonstra qualquer intenção em criar uma Autoridade com o objetivo de fiscalizar e
averiguar a credibilidade de todos os eventos desportivos e seus resultados, sobretudo aqueles
que sejam passíveis de realização de apostas. A título de exemplo, pode-se citar a “Malta
Gaming Authority”, autoridade criada em Malta, com o objetivo de regulamentar as apostas
esportivas naquele país, bem como para lidar com as ameaças representadas pela fixação de
partidas e apostas esportivas maliciosas, órgão que poderia ser utilizado como referência para
o Brasil.
Assim, ao se almejar uma verdadeira legalização e regulamentação das apostas
esportivas em território nacional, torna-se fulcral a criação de um órgão que vise evitar a

45 Brasil perde R$ 6,4 bilhões com pedido da “Bancada do Dízimo” para governo não regulamentar as apostas
esportivas - BNData. Disponível em: <https://bnldata.com.br/brasil-perde-r-64-bilhoes-com-pedido-da-bancada-
do-dizimo-para-governo-nao-regulamentar-as-apostas-esportivas/>. Acesso em: 8 jul. 2022.

39
manipulação de resultados em eventos desportivos, corroborando para que o futuro deste tipo
de apostas seja uma prática justa, formal e profissionalizada em todo o país.

IX – CONCLUSÃO
O presente trabalho se propôs a evidenciar as problemáticas atinentes ao mundo das
apostas esportivas, em particular, as abusividades e arbitrariedades cometidas contra o
apostador. A partir da análise e estudo de um caso concreto real, foi possível averiguar que
existem vários empecilhos e dificuldades enfrentadas regularmente pelos apostadores
brasileiros no cenário atual. Tal situação pode ser verificada não só a partir do caso em
comento, mas também com base nas diversas reclamações feitas pelos apostadores em face
das principais casas de apostas, publicadas através de sites de reclamações na internet, a
exemplo do Reclame Aqui.
Ademais, foi verificado que, devido ao fato de estes problemas surgirem a partir de
uma relação transnacional entre os apostadores e as casas de apostas, para que seja possível
alcançar uma solução justa aos consumidores deste mercado, é necessária a atuação do direito
internacional privado, a fim de aclarar qual seria a jurisdição competente para decidir sobre
estas questões, bem como qual seria a lei aplicada ao caso.
Nada obstante, conforme demonstrado ao longo do presente trabalho, a definição
extada da jurisdição competente, e respectivos diplomas legais a serem aplicados, se mostra
uma tarefa bastante complexa, uma vez que faz-se necessária uma análise minuciosa das leis
nacionais e estrangeiras de modo a fazer valer os direitos do apostador brasileiro. Todo este
cenário direciona ao entendimento no sentido de que é não só necessária, como urgente, a
legalização e a devida regularização das apostas online, nos moldes em que atualmente
funcionam, e não só a instituição de uma nova modalidade lotérica de apostas, como assim o
fez a lei 13.756/18.
De fato, com a promulgação da lei 13.756/18, ficou evidente que as apostas esportivas
online, como atualmente vigoram, ainda permanecem sem qualquer respaldo jurídico e, ao
contrário do que é amplamente divulgado pelo setor midiático, este tipo de aposta ainda não
se encontra legalizada nacionalmente. A normativa referenciada não só deixa de legalizar as
apostas esportivas online, mas tão somente institui uma nova modalidade de apostas, jogando
para escanteio temas pendentes de extrema importância para a garantia da segurança jurídica
ao apostador.
Dentre os temas pendentes que a nova lei deixou de abordar, ressaltam-se as questões
referentes à possibilidade ou não de serem feitas concessões para que as casas de apostas
40
funcionem no país, bem como as consequências para as casas de apostas que não obtiverem
tal concessão ou permissão para operarem no Brasil. Destaca-se ainda os problemas atinentes
aos incentivos para o estabelecimento de casas de apostas no país. Se tais questionamentos
não forem tratados de maneira estratégica e bem pensada, será muito difícil se alcançar a tão
almejada segurança jurídica, proteção ao apostador e, ainda, as benesses oriundas de encargos
relativos a esta atividade econômica, conforme previamente tratado.

Apesar dos vários problemas, a lei 13.756/18 se fixa como marco da


descriminalização das apostas esportivas no Brasil, trazendo a temática para o ordenamento
jurídico nacional de uma vez por todas. Assim, compreende-se que o caminho para a efetiva
legalização e regulamentação das apostas esportivas ainda será longo e deverá se pautar,
notadamente, na garantia da segurança jurídica para o apostador, bem como um cenário
econômico propício para a entrada das casas de apostas no mercado nacional.

X – REFERÊNCIAS

Apelação Cível 0137407-48.2017.8.21.7000, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de


Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 12/12/2017.
Disponível em: <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/532339402/apelacao-civel-ac-
70073732927-rs/inteiro-teor-532339403>

AQUINO, Leonardo Gomes de. A internacionalidade do contrato. Doutrinas essenciais de


direito internacional. Luiz Otavio Baptista e Valério de Oliveira Mazzuoli (coord). São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012, p. 737-767, vol. 7.

BASSO, Maristela. Curso de Direito Internacional Privado. 6ª Edição. São Paulo: Editora
Atlas, 2020.

BETWAY. Termos e Condições. Disponível em:


<https://betway.com/pt/sports/dyn/TermsAndConditions> Acesso em: 15 de fev. 2022

Brasil perde R$ 6,4 bilhões com pedido da “Bancada do Dízimo” para governo não
regulamentar as apostas esportivas - BNData. Disponível em: <https://bnldata.com.br/brasil-
perde-r-64-bilhoes-com-pedido-da-bancada-do-dizimo-para-governo-nao-regulamentar-as-
apostas-esportivas/>. Acesso em: 8 jul. 2022.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso
em: 12 de fev. 2022.,

_______. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da


União, Rio de Janeiro, 31 dez.

41
_______. Decreto-Lei 3.688, de 03 de outubro de 1941. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm> Acesso em: 19 de fev. 2022.

_______. Decreto Lei n° 4657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do


Direito Brasileiro.

_______. Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor.

_______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

_______. Lei n° 11.941, de 27 de maio de 2009. Disponível em: <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11941.htm> Acesso em: 05 de
mar. 2022.

_______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 12
de fev. 2022.

_______. Lei n° 13,756, de 12 de dezembro de 2018. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13756.htm> Acesso em: 03
de jan. 2022.

Brasileiros apostam mais de R$ 10 bi por ano, diz CEO da Betsson. BP Money, 2021.
Disponível em: <https://www.bpmoney.com.br/noticias/economia/brasileiros-apostam-mais-
de-rusd-10-bi-por-ano-diz-ceo-da-betsson> Acesso em: 15 de fev. 2022.

Com futebol e basquete, mercado de apostas esportivas ganha força no Brasil.


MKTEsportivo.com, 2021. Disponível em: <https://www.mktesportivo.com/2021/05/com-
futebol-e-basquete-mercado-de-apostas-esportivas-ganha-forca-no-brasil/> Acesso em: 15 de
fev. 2022.

DAVIES, Rob. Record £11.6m UK gambling fine meted out to Betway. The Guardian.
Disponível em: <https://www.theguardian.com/business/2020/mar/12/record-116m-uk-
gambling-fine-meted-out-to-betway>. Acesso em: 07, jul. de 2022.

FILHO, Misael Montenegro. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3ª Edição. Editora
Atlas, 2018.

GARCIA, Pedro. Apostas esportivas movimentam R$ 4 bilhões por ano no Brasil. GAZ,
2020. Disponível em: <https://www.gaz.com.br/apostas-esportivas-online-movimentam-r-4-
bilhoes-por-ano-no-brasil/> Acesso em: 22 de fev. 2022.

Grande pesquisa exclusiva da Globo oferece um perfil completo do apostador brasileiro.


Games Magazine brasil, 2021. Disponível em:
<https://www.gamesbras.com/apostas-online/2021/10/22/grande-pesquisa-exclusiva-da-
globo-oferece-um-perfil-completo-do-apostador-brasileiro-26085.html#:~:text=No%20Brasil
%2C%20apostas%20esportivas%20crescem,as%20prefer%C3%AAncias%20do%20jogador
%20brasileiro> Acesso em: 19 de fev. 2022.

IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018. Primeiros Resultados. Instituto


Brasileiro de Geografia e Estatística, Ministério da Economia, 2018. Disponível em:

42
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101670.pdf> Acesso em: 15 de fev.
2022.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil - Vol. I. 58ª Edição. Editora
Forense, 2017.

MALTA. Chapter 12. Code or Organization and Civil Procedure, 1st August, 1855.

_______. Chapter 378. Consumer Affairs Act, 23rd January, 1996. Disponível em:
<https://legislation.mt/eli/cap/378/20220101/eng> Acesso em: 07 de jun. de 2022

_______. Subsidiary Legislation 583.08. Disponível em:


<https://legislation.mt/eli/sl/583.8/20180816/eng> Acesso em: 07 de jun. 2022

O Mercado de Apostas. Gente Globo, 2021. Disponível em: <https://gente.globo.com/o-


mercado-de-apostas-esportivas/> Acesso em: 20 de fev. 2022

Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à 1xBet. Disponível em:


<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/1xbet-com/> Acesso em: 25 de fev. 2022

Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à Bet365. Disponível em:


<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/bet365/> Acesso em: 25 de fev. 2022

Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à Betfair Disponível em:


<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/betfair/> Acesso em: 25 de fev. 2022

Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à BetWarrior. Disponível em:


<reclameaqui.com.br/empresa/bet-warrior/> Acesso em: 25 de fev. 2022

Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à Betway. Disponível em:


<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/betway/> Acesso em: 25 de fev. 2022

Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à SportingBet. Disponível em:


<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/sportingbet/> Acesso em: 25 de fev. 2022

Resultado de pesquisa de reclamações relacionadas à Sportsbet-io. Disponível em:


<https://www.reclameaqui.com.br/empresa/sportsbet-io/> Acesso em: 25 de fev. 2022

TJ-DF - EIC: 4492197 DF, Relator: WELLINGTON MEDEIROS, Data de Julgamento:


14/10/1998, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJU 10/02/1999

União Européia. Green Paper On on-line gambling in the Internal Market. Bruxelas: 2011.
Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=celex
%3A52011DC0128> Acesso em: 20 de fev. 2022

43

Você também pode gostar