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DEPARTAMENTO DE FÍSICA

LABORATÓRIOS II

FÍSICA ATÓMICA

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Efeito de Zeeman

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Objectivo

Observar o efeito de Zeeman da risca vermelha duma lâmpada de cádmio na configuração transversal
usando um interferómetro de Lummer-Gehrcke. Determinar a variação no c.d.o. associada às transições σ
do efeito de Zeeman dessa risca em função da intensidade do campo magnético externo e obter o valor
do magnetão de Bohr.

Introdução

O efeito de Zeeman consiste no desdobramento das linhas espectrais dum sistema (átomos, moléculas,
defeitos, impurezas em cristais, etc.) em várias componentes pela ação dum campo magnético externo.
Este efeito foi descoberto pelo físico holandês Pieter Zeeman, em 1896.

Numa forma aproximada e intuitiva de interpretar este efeito, considere-se um átomo de um eletrão com
carga e movendo-se com velocidade v em torno do núcleo numa órbita de Bohr com raio r (figura 1).

Figura 1 – Modelo clássico dum eletrão com momento

angular orbital ⃗ induzindo um momento dipolar


magnético orbital ⃗.

O movimento orbital do eletrão pode ser descrito por uma corrente,

2
à qual está associado um momento dipolar magnético orbital,

⃗ . .

onde é o versor normal ao plano da área definida pela órbita. O momento angular orbital, ⃗, do electrão
de massa me é

⃗ ⃗ ⃗ . . .

Da interação entre o campo magnético externo, ⃗, e o momento dipolar magnético orbital resulta uma
energia potencial orientacional:

∆ ⃗. ⃗ . ⃗. ⃗
2

Usando a direção de ⃗ para definir o eixo de quantização zz’ e atendendo à quantização do momento
angular orbital do eletrão,

⃗ ℏ 1" com 0, 1, … , 1

& ℏ.

tem-se:

.ℏ
∆ . . '. .
2

onde µB é o chamado magnetão de Bohr.

O desvio na energia do nível original associado à orientação relativa do momento angular orbital do
eletrão com o campo magnético externo origina o desdobramento do nível original (degenerescência
2l+1) em 2l+1 subníveis com o mesmo momento angular orbital e diferente número quântico magnético,
ml.

O mesmo resultado poderia ter sido obtido se fosse utilizado o formalismo da mecânica quântica. Neste
caso ter-se-ia de ter em conta também o spin do eletrão (ao qual está associado também um momento
dipolar magnético de spin) e a interação dos momentos dipolares magnéticos do eletrão (orbital e de
spin) com o campo magnético externo seria tratado como uma perturbação HB ao operador
Hamiltoneano Ho do sistema não perturbado.

Duma forma geral, devemos admitir um átomo com mais do que um eletrão e considerando a presença
dum campo magnético externo de intensidade pequena comparativamente ao campo magnético interno
do átomo, estamos, neste caso, na designada aproximação spin-orbital (acoplamento L-S). Esta
aproximação é adequada quando a energia de acoplamento entre o momento orbital dos diferentes
eletrões é grande comparativamente ao acoplamento individual entre os momentos angular e de spin dos
eletrões. Assim, todos os momentos angulares orbitais se adicionam para formar o momento angular do

átomo ((⃗) e, analogamente, o momento de spin do átomo ()⃗) resulta do acoplamento dos momentos de

spin individuais dos diferentes eletrões; finalmente, o momento angular total (*⃗) do átomo é determinado
pelo acoplamento de (⃗ com )⃗:

(⃗ ∑ ⃗, com (⃗ ℏ ( ( 1"

)⃗ ∑ -⃗, com )⃗ ℏ ) ) 1"

*⃗ (⃗ )⃗ com *⃗ ℏ * * 1"

*& ℏ. ./ com * 0 ./ 0 *.

O Hamiltoneano do átomo num campo magnético externo pode ser descrito como:

)⃗5. ⃗
'
2
1 2'
1 2
1 4*⃗

e a solução para o desvio no nível de energia resulta:

Δ '. . ./ . 7/

* * 1" ) ) 1" ( ( 1"


7/ 1
2* * 1"

onde gJ é o fator de Landé.

No caso em que o spin de todos os eletrões se cancela (S=0), o fator de Landé é igual a 1 (J = L) e obtém-se
a expressão inicial baseado no modelo clássico para a separação dos níveis de energia. Por razões
históricas, a separação dos níveis de energia para átomos com spin nulo é denominada por efeito de
Zeeman normal, enquanto o caso mais geral de S ser diferente de zero é denominado de efeito de
Zeeman anómalo (à época o spin do electrão era uma propriedade desconhecida, daí a designação de
anómalo para os casos sem interpretação).

No efeito de Zeeman normal, a grandeza do desvio na energia ao nível não perturbado só depende do
número quântico magnético ml e é, portanto, da mesma grandeza para todos os níveis no átomo. Já no
caso do efeito de Zeeman anómalo o desvio na energia depende dos números quânticos J, L e S. Na figura
2 representa-se esquematicamente o desdobramento dos estados associados aos termos atómicos 1D
(L=2 e S=0) e 1P (L=1 e S=0) na presença dum campo magnético externo, as transições que podem ocorrer
(efeito de Zeeman normal) e o desdobramento dos estados atómicos 2P1/2 (L=1, S=1/2 e J=1/2) e 2S1/2
(L=0, S=1/2 e J=1/2) na presença dum campo magnético externo e respetivas transições (efeito de
Zeeman anómalo).
Num campo magnético forte, a aproximação de acoplamento L-S deixa de ser válida. O campo forte induz

precessão individual de (⃗ e de )⃗ em torno de ⃗, efeito designado de Paschen-Back.

Figura 2 – à esquerda: efeito de Zeeman normal para a transição D → P, o campo externo separa os
estados degenerados do sistema não perturbado dum valor ∆ '. . ./ ; à direita: efeitos de Zeeman
anómalo, os níveis são separados dum valor ∆ '. . ./ . 7/ . Em ambos os casos, as transições
permitidas satisfazem ∆./ 0, 81.

Regras de seleção e polarização da luz emitida

Nas transições entre um estado excitado i e um estado de energia mais baixa k é emitido um fotão de
energia, Ef = Ei – Ek. Na figura 2 são ilustradas as riscas óticas entre os níveis 1D e 1P. Como pode ser
observado na mesma figura, nem todas as transições são possíveis entre os estados envolvidos. A razão
para tal está relacionada com as diferentes leis de conservação. Efetivamente, não só a lei de conservação
de energia tem de ser observada como, também, as leis de conservação do momento angular e da
quantidade de movimento, assim como regras de simetria, as quais determinam, em conjunto, quais as
transições permitidas.

As transições são permitidas quando os elementos da matriz das transições dipolar elétricas

.,9 : ;,∗ ⃗;9 =>

tem pelo menos uma componente não nula

.,9 "? @ ;,∗ A;9 =A, com A B, C, D


O cálculo destes três integrais determina as regras de selecção para as transições de dipolo elétrico
permitidas: ΔMJ=0,±1; ∆L=±1 e ∆S=0.

Se o eixo de quantização (isto é, a direção do campo magnético externo) é o eixo zz’, a componente
segundo essa direção da matriz de transição .,9 "& só é diferente de zero quando ΔMJ=0, as chamadas
transições π. Considerando um dipolo e as suas características de emissão, isto significa que o dipolo está
a oscilar na direção do campo magnético e, assim, não emite radiação nessa direção. Identicamente, visto
que o vetor campo elétrico está a oscilar numa única direção, igualmente o vetor campo elétrico das
ondas de luz emitida oscila nessa direção, significando que a luz emitida nas transições π é linearmente
polarizada.

No caso de ΔMJ=±1, designado de transições σ, .,9 "& 0 e ambos .,9 "E e .,9 "F são não nulos e têm
igual amplitude, existindo uma diferença de fase de π/2 entre eles. Esta diferença de fase na sobreposição
entre os dois dipolos dá origem à observação de luz circularmente polarizada quando a observação é feita
na direção do eixo zz’ (observação longitudinal). Vendo a luz na direção transversal (na direção xx’ ou yy’)
só a projeção da sobreposição dos dipolos é observada, e assim a luz resultante das transições σ surge
como linearmente polarizada quando a observação é feita na direção perpendicular à direção do campo
magnético. A figura 3 ilustra a polarização da luz emitida nas transições associadas ao efeito de Zeeman.

Figura 3 - Representação isométrica da polarização das diferentes componentes de Zeeman.

Parte experimental

Na experiência que vamos realizar estuda-se a luz emitida por uma lâmpada de cádmio (Cd). A
configuração eletrónica do Cd é [Kr] 4d10 5s2. Nesta configuração, todos os spin eletrónicos se compensam
e, consequentemente, S=0. Na região do visível, o espectro de Cd consiste de 4 linhas como se lista na
tabela 1.
Tabela 1: Linhas do espectro de Cd na região do visível
Cor Violeta Azul Verde Vermelho
c.d.o. (nm) 467.9 480.1 508.7 643.8
Todas as medidas são realizadas utilizando a risca vermelha (c.d.o.=643.8 nm) emitida pela transição
eletrónica entre os dois estados excitados 1D2 → 1P1 na quinta camada do Cd.

A experiência consiste na observação experimental do efeito de Zeeman na direção transversal. A


observação segundo a direção longitudinal não é realizada por uma questão de segurança relacionada
com o manuseamento do eletroíman que gera o campo magnética na zona da lâmpada de Cádmio.

Para observar o desdobramento da risca vermelha de Cd na presença do campo magnético externo é


necessário a utilização dum espectrómetro de elevada resolução, uma vez que o desvio na risca que se
espera observar é inferior a 1 Å. Para esse fim, faremos uso dum interferómetro de Lummer-Gehrcke
(figura 4).

Figura 4 – Interferómetro de Lummer-Gehrcke

Este interferómetro é constituído por uma placa de quartzo com superfícies extremamente planas e
paralelas. A luz incide na placa na extremidade com forma de prisma e é, então, refletida sucessivamente
dentro desta numa situação perto do ângulo de reflexão total. Desta forma, uma pequena fração da
intensidade da luz emerge em cada ponto de reflexão e viaja segundo um ângulo de aproximadamente
90° da normal à superfície da placa. Os raios emergentes são observados com um telescópio focado no
infinito no final da placa Lummer-Gehrcke. Uma vez que a espessura da placa é muito menor que o seu
comprimento e devido ao elevado coeficiente de reflexão, muitos raios podem interferir uns com os

outros, resultando para este interferómetro uma resolução elevada, GHΔG I 500 000.

De acordo com Kohlrausch (Praktische Physick, vol.III, pag.385) para uma variação de comprimento de
onda na região do visível, δG, observada no espectrómetro de Lummer-Gehrcke pode ser aplicada a
seguinte relação:

LM G
LG .
ΔM 2=√ 1
onde:

δa – representa a distância duma das linhas resultante do desdobramento de Zeeman (e, portanto, com
c.d.o., G δG) relativamente à posição da linha de interferência associada à risca original (na ausência de
campo magnético e, portanto, com c.d.o., G);

∆a – representa a distância entre duas linhas de interferência consecutivas (na ausência de campo
magnético);

λ - representa o c.d.o. da risca vermelha do Cd (643.8 nm);

n – é o índice de refracção do material (quarto) que constitui a placa de Lummer-Gehrcke (=1.4567);

d – é a espessura da placa de Lummer-Gehrcke (=4.04 mm).

Figura 5 – Padrão de interferência da risca


vermelha de Cd observada no interferómetro de
Lummer-Gehrcke na configuração transversal
(tripleto de Zeeman). a) sem campo magnético
aplicado; b) com campo magnético aplicado.

Na figura 6 representa-se esquematicamente o padrão de interferência que pode ser observado no


interferómetro de Lummer-Gehrcke para o efeito de Zeeman na configuração transversa.

Figura 6 - Padrão de interferência


para o efeito de Zeeman observado
na configuração transversa: a) sem
filtro de polarização; b) com a direção
de polarização do filtro perpendicular
à direção do campo magnético e c)
com a direção de polarização do filtro
paralela à direção do campo
magnético.

A configuração experimental é ilustrada na figura 7. A lâmpada de Cd é colocada entre os polos do


eletroíman. A luz emitida da lâmpada entra no interferómetro depois de passar num filtro vermelho
(seleciona a risca vermelha de 643.8 nm). O padrão de interferência gerado pelo interferómetro de
Lummer-Gehrcke é observado com um telescópio. Um filtro polarizador pode ser colocado entre o
interferómetro e o telescópio de forma a observar a diferentes polarizações dos raios emitidos pela
lâmpada de Cd na presença de campo magnético externo. O telescópio pode ser ajustado em altura de
maneira a localizar e medir a posição das várias linhas de interferência.

Figura 7 – Configuração do sistema experimental para estudo do efeito de Zeeman (figura obtida da
Leybold, Physics Leaflets). a) polos magnéticos do eletroíman; b) lâmpada de Cd; c) filtro vermelho; d)
caixa-suporte da placa Lummer-Gehrcke; e) telescópio; f) ocular do telescópio g) ajuste do
posicionamento vertical do telescópio; h) ajuste vertical da estrutura do telescópio e interferómetro; i)
ajuste horizontal da estrutura do telescópio e interferómetro.

Na configuração que vai ser utilizada a relação entre a intensidade do campo magnético na região da
lâmpada de Cd e a tensão aplicada aos terminais do eletroíman é dada pelo seguinte gráfico da figura 8.

Procedimento:

Por questões de segurança, todo o aparato experimental já se encontra instalado e alinhado.

Começar a parte experimental observando o padrão de interferência na região do visível da lâmpada de


Cd.

Colocar o filtro vermelho à entrada da fenda do interferómetro e observar o padrão de interferência da


risca vermelha da lâmpada.
Ligar a fonte de corrente que alimenta o eletroíman e iniciar a subida da corrente de forma lenta e
gradual. Observar em simultâneo o padrão de interferência notando que a partir de determinada altura
cada linha de interferência se desdobra em três (tripleto de Zeeman).

Determinar o valor da intensidade do campo magnético para a tensão escolhida com a ajuda da curva de
calibração fornecida.

Introduzir o filtro de polarização na entrada do telescópio e ajustar o mesmo de forma a observar o


padrão de interferências das riscas associadas às transições π e, depois, rodando 90º o filtro de
polarização o padrão das riscas associadas às transições σ.

Com o polarizador na posição correspondente ao padrão de interferência das transições σ medir a


posição dum conjunto consecutivo de linhas de interferência para um determinado campo magnético.

Para o mesmo campo magnético, obter agora posição das linhas de interferência das transições π.

A partir destas medidas obter as razões δa/∆a e calcular, assim, o valor δG.

Repetir os passos anteriores, pelo menos, para um outro valor de intensidade do campo magnético.

Com base nos valores calculados para δG e para o valor esperado do desvio de energia das riscas das
transições σ fazer uma estimativa do valor do magnetão de Bohr e comparar com o valor da literatura,
µB=9.274x10-24 J/T.

800

700
Intensidade do campo magnético (mT)

600

500

400 Figura 8 - Relação entre a


300 tensão aplicada nas bobines

200 do eletroíman e o campo de


indução magnético na região
100
entre os polos.
0
0 2 4 6 8 10 12
Tensão aplicada (V)

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