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“Perseverança e sabedoria diante das provações e tentações na

vida cristã”:
Uma exegese de Tiago 4:13-17

Um trabalho entregue em
cumprimento parcial dos
requisitos da disciplina
EXPOSIÇÃO BÍBLICA I, Prof.
Dr. Allan P. Amorim.

Aluno: Álvaro Ramon Ramos


Oliveira
1. Introdução
A tradição da igreja atribui a carta de Tiago ao irmão de Jesus. Dessa forma,
compreende-se que tal texto, dirigido às doze tribos da dispersão, carrega em si uma
mensagem universal1. Além disso, por conta das poucas referências ao Cristo, em
algumas ocasiões, a carta já foi concebida como uma composição judaica
superficialmente adaptada para o uso cristão. Martinho Lutero, por exemplo, foi um dos
protagonistas dessa hipótese. Contudo, seus assuntos centrais (relação entre fé e obras, a
regeneração dos crentes pela Palavra e o diálogo entre a lei e a liberdade) são
entendidos como essenciais na vida cristã. Vale ressaltar que a maioria dos críticos
datam a autoria da carta no final do século I, no entanto, existem correntes teológicas
que definem a sua datação como um evento anterior ao concilio de Jerusalém.

Visto isto, podemos organizar o livro através da seguinte sinopse:

1,1: Saudação

1,2-8/12-18 Provações, paciência e sensatez.

1:19-27 Falar e escutar, escutar e executar, orar menos e praticar boas obras.

2: 1-13 Parcialidade entre ricos e pobres.

2: 14-26 Fé e boas obras

3: 1-12 domínio da língua

3: 13-18 Sabedoria autentica

4: 1-10 Raízes das discordâncias: cobiça e inveja

4: 11-12 Maledicência e julgar o próximo

4: 13-5,6 Ricos satisfeitos e exploradores

5:7-20 Paciência e oração

1
Segundo a Bíblia do Peregrino o número doze indica a totalidade da igreja. Levando em consideração
que a palavra tribos está relacionada com a sucessão do novo Israel, o termo “dispersão” deve ser
compreendido como a expansão crescente da igreja. Ver: Bíblia do Peregrino. (2002). Editora: Paulus. P.
2892.
Em síntese, no decorrer deste trabalho pretendemos analisar e explorar o texto de
Tiago 4: 13-17. Para cumprir com tal tarefa recorreremos a diferentes versões bíblicas,
comentários bíblicos e análises exegéticas.

2. Contexto
A Epístola de Tiago foi escrita em um contexto sociocultural e teológico específico.
Assim, a consideração dessas peculiaridades nos ajuda a enriquecer nossa compreensão
da obra. Conforme sinalizamos na sinopse acima, a carta de Tiago aborda o problema da
escassez e disparidade social. Havia uma desigualdade econômica generalizada na
sociedade da época, com muitos passando por privações, enquanto outros desfrutavam
de riqueza e privilégios. Partindo desse ponto, Tiago critica a opressão dos
desfavorecidos e enfatiza a importância do cuidado aos necessitados.

Em termos teológicos, a carta é marcada três grandes eixos: 1- fé e obras: a relação


entre fé e obras é um tema central na Epístola de Tiago. Tiago enfatiza que a fé autêntica
deve ser acompanhada de atos práticos de amor e justiça. Isso pode ser entendido como
uma reação à distorção teológica da época, quando alguns separavam a fé da vida
cotidiana (2:14-26); 2- sabedoria e tentação: discute a importância de buscar a sabedoria
divina e resistir à tentação do próprio eu. Isso pode estar relacionado ao contexto em
que os leitores enfrentaram provações em suas vidas e Tiago os encoraja a confiar em
Deus e buscar a sabedoria divina para superar essas situações (3:1-12) 3- cristologia:
embora a epístola não se concentre explicitamente na pessoa de Jesus Cristo, Tiago
refere-se a Jesus como "o Senhor Jesus Cristo" (Tiago 1:1). Isso indica que a
comunidade para a qual Tiago estava escrevendo tinha conhecimento e fé na pessoa de
Jesus como o Messias.

Além disso, naquilo que se refere ao contexto imediato de Tg 4:13-17 Francois


Vouga afirma que, no decorrer da passagem, o foco de Tiago é comunicar com
especuladores e planejadores, homens de negócios e ricos comerciantes, além de
forneceram primeiro desenvolvimento do apelo a resistir os poderes do mundo. Em suas
palavras:

Ela constitui a primeira de três proclamações


evangélicas destinadas sucessivamente aos notáveis e
aos poderosos das cidades, aos grandes proprietários de
terra das zonas rurais e, em contraponto, aos pobres das
comunidades cristãs 2.

3. Exegese do Texto
V.13 -14: "Passemos agora aos que dizem assim: Amanhã ou depois iremos a tal
cidade, passaremos aí um ano, faremos negócio e ganharemos dinheiro. Que sabeis do
amanhã? O que é vossa vida? Sois urna névoa que aparece por um instante e logo
desaparece”.

Nos versos acima, o apóstolo Tiago confronta o pensamento comum do seu tempo
(bem como o nosso), que buscava segurança e estabilidade por meio do planejamento e
da ambição pessoal. Ele desafia a noção de que os seres humanos têm controle absoluto
sobre o futuro e aponta para a transitoriedade e incerteza da vida como uma realidade
inevitável.

Pintando um quadro da condição vaidosa existencial da humanidade, ele fala sobre


uma crença generalizada de que o sucesso e a certeza poderiam ser alcançados por meio
de um planejamento cuidadoso e da busca incansável da ambição pessoal. Porém, Tiago
revela a fragilidade dessa perspectiva e enfatiza a necessidade de uma atitude humilde
diante de Deus.

Ao enfatizar a brevidade e a incerteza da vida, Tiago direciona a atenção das pessoas


para a compreensão de que sua existência está nas mãos de Deus, que é soberano sobre
o tempo e o destino humano. Chama a atenção para a ilusão de controle que muitas
vezes nutrimos e enfatiza a necessidade de reconhecer nossas limitações e dependência
de Deus em todas as áreas da vida. Segundo o comentário exegético de Warren
Wiersbe:

Warren Wiersbe, ainda, apresenta quatro argumentos


para revelar a tolice de se ignorar a vontade de Deus: a
complexidade, a incerteza, a brevidade e a fragilidade
da vida. Em primeiro lugar, vejamos a complexidade da
vida (4.13). Pense em tudo o que envolve a vida: hoje,
amanhã, comprar, vender, ter lucros, perder, estar aqui,
ali. A vida é feita de pessoas e lugares, atividades e
alvos, dias e anos. Todos nós tomamos decisões cruciais
dia após dia. Em segundo lugar, a incerteza da vida
(4.14a). Esta expressão é baseada em Provérbios 27.1:
“Não te glories do dia de amanhã; porque não sabes o
que produzirá o dia”. Esses negociantes estavam
2
VOUGA, Francois. A Carta de Tiago. Editora Loyola: São Paulo. 1996. p.133
fazendo planos seguros para um ano, enquanto não
podiam ter garantia de um dia sequer. Eles diziam: nós
iremos, nós permaneceremos, nós compraremos e
teremos lucro. Essa postura é a mesma que Jesus
reprovou na parábola do rico insensato em Lucas 12.16-
21. Aquele que pensa que pode administrar o seu futuro
é tolo. A vida não é incerta para Deus, mas é incerta
para nós. Somente quando estamos dentro da vontade
de Deus é que podemos ter confiança no futuro. Em
terceiro lugar, a brevidade da vida (4.14b). Tiago
compara a duração da vida com uma neblina. O livro de
Jó revela de forma clara a brevidade da vida: 1) “Os
meus dias são mais velozes do que a lançadeira do
tecelão...” (Jó 7.6); 2) “...nossos dias sobre a terra são
uma sombra” (Jó 8.9); 3) “...os meus dias são mais
velozes do que um corredor” (Jó 9.25); 4) “O homem,
nascido da mulher, é de poucos dias e cheio de
inquietação. Nasce como a flor, e murcha; foge também
como a sombra, e não permanece” (Jó 14.1,2). Moisés
diz: “...acabam-se os nossos anos como um suspiro...
pois passa rapidamente, e nós voamos” (SI 90.9,10)3.

V. 15 - 16: "Deveríeis, antes, dizer: Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou


aquilo. Ao contrário, agora vos gloriais alardeando. E toda jactância dessa espécie é
má”.

A bíblia do Peregrino nos lembra que essa expressão contida no versículo 15 foi
adicionada e alicerçada no idioma português4. Já no versículo 16, ele sinaliza que porque a
vida é breve não podemos desperdiçá-la nem vivê-la a contrapelo da vontade de Deus. Logo, tal
versículo nos lembra acerca da efemeridade da vida. Desse modo, a presunção do homem
apenas tenta esconder a sua fragilidade. O homem não pode controlar os eventos futuros. Ele
não tem sabedoria para ver o futuro nem poder para controlar o futuro. Portanto, a presunção é
pecado, é fazer-se um ídolo. Em suma, qualquer tentativa para achar segurança longe de Deus é
uma ilusão5.

V. 17 "Quem sabe fazer o bem e não o faz é culpado”.

3
WIERSBE, Warren. The Bible Expository Commentary. Vol. 2, p. 371
4
LOPES, Hernandes Dias. Tiago: Transformando vida em triunfos. Editora Hagnos: São Paulo. 2002.
p. 95.
5
O Texto acima mostra que conhecimento requer em responsabilidade. Quando as
pessoas têm conhecimento da vontade de Deus, mas a desobedecem, seu pecado se
torna mais consequente, hipócrita e danoso do que o pecado de um incrédulo ou ateu. É
mais grave porque pecam contra um maior conhecimento, mais hipócrita porque
professam a fé, mas agem em desobediência, e mais danoso porque seus pecados
influenciam e afetam negativamente outros.

Contudo, conforme questiona Hernandes Dias Lopes, por que as pessoas que
conhecem a vontade de Deus a desobedecem deliberadamente? Muitas são as respostas.
Contudo, compreendo que em primeiro lugar é por orgulho. Muitas vezes as pessoas
gostam de pensar em si mesmas como donas de seu destino, capitães de suas almas. Em
segundo lugar, acontece por causa da ignorância da natureza da vontade de Deus.
Muitas pessoas têm medo da vontade de Deus e acreditam que isso as tornará infelizes e
miseráveis. No entanto, encontramos a verdadeira felicidade e realização na vontade de
Deus, e fora da vontade de Deus prevalece a infelicidade. Até porque, o lugar mais
seguro que alguém pode estar é no centro da vontade de Deus 6. Segundo Vouga, esse
versículo nos ensina que:

A fé e a obediência não atuam no saber fazer, manso


próprio fazer. Eidóti designa ou os especuladores que
lançam mão de sua sabedoria, ou personagens
importantes na vida religiosa, ou enfim, de forma mais
geral, os destinatários da epístola que Tg alerta contra a
sedução e os impasses de um estilo de vida que poderia
causar-lhes inveja7.

4. Interpretação do Texto
No versículo 13, Tiago começa dizendo: "Vá agora, você que diz: 'Hoje ou amanhã
iremos para tal e tal cidade, passaremos um ano lá, negociaremos e ganharemos'." Aqui
Tiago se dirige àqueles que planejam o futuro de maneira presunçosa. Ele critica a
mentalidade de confiar no próprio poder e na capacidade de controlar o curso da vida.

No versículo 14, Tiago explica: "Mas você não sabe o que acontecerá amanhã. Como
é a sua vida? Você é apenas uma névoa que aparece por um instante e depois se
desvanece." Tiago lembra aos leitores que a vida é incerta e passageira. Não temos
controle sobre o futuro e nossas vidas são tão frágeis quanto uma névoa que se dissipa
6
LOPES, Hernandes Dias. Tiago: Transformando vida em triunfos. Editora Hagnos: São Paulo. 2002.
p. 96.
7
VOUGA, Francois. A Carta de Tiago. Editora Loyola: São Paulo. 1996. p.137.
rapidamente. Chama a atenção para as limitações humanas diante da imprevisibilidade
da vida8.

No versículo 15, Tiago apresenta uma perspectiva corretiva: "Em vez disso, deveis
dizer: 'Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo.'" Aqui Tiago instrui as
pessoas a reconhecerem sua dependência de Deus ao planejarem o futuro. Enfatiza a
importância de submeter nossos planos à vontade de Deus e reconhece que é Deus quem
está no controle de nossas vidas.

No versículo 16, Tiago condena a arrogância e a presunção: "Mas agora você se


vangloria da sua presunção; toda essa jactância é má." Ele adverte aqueles que se
orgulham de seus próprios planos e realizações, independentemente da vontade de
Deus. Essa atitude arrogante é considerada má e contrária à atitude de humildade e
dependência de Deus que Tiago ensina9.

No versículo 17, Tiago resume a lição: “Pois aquele que sabe que deve fazer o bem e
não o faz, comete pecado.” Ele conclui enfatizando a responsabilidade de agir de acordo
com o conhecimento da vontade de Deus. Se alguém sabe o que é certo e bom, mas
escolhe não agir de acordo com isso, comete pecado.

5. Aplicação do Texto

Humildade e dependência de Deus: A passagem nos lembra da importância de


reconhecer nossa dependência de Deus em todas as áreas da vida, inclusive no
planejamento do futuro. Devemos adotar uma atitude de humildade e perceber que
somos limitados e que Deus está no controle. Isso significa buscar a vontade de Deus
em suas decisões e submeter seus planos a Ele.

Reconhecendo a brevidade da vida: Tigo enfatiza a transitoriedade da vida e nos


lembra de não assumir o futuro como se tivéssemos controle total sobre ele. Leva-nos a
apreciar cada momento presente, a valorizar as pessoas que nos rodeiam e a aproveitar
ao máximo o tempo que temos.

8
DOUGLAS, J. Moo; The Letter of James, An Introduction and Commentary .1985
9
DAVIDSON, William F. O Novo Comentário da Bíblia. Editora Nova Vida: São Paulo. 1989.
Lutando contra a arrogância e presunção: A passagem nos adverte contra a
arrogância e vanglória em relação aos nossos planos e realizações. Devemos evitar a
tendência de nos deixarmos levar e atribuir tudo às nossas próprias forças e habilidades.
Em vez disso, devemos reconhecer que tudo vem de Deus e submeter nossas vidas e
planos à Sua vontade.

Obediência à vontade de Deus: Tiago nos chama a agir de acordo com nosso
conhecimento da vontade de Deus. Isso significa não apenas conhecer os princípios e
ensinamentos bíblicos, mas também aplicá-los em nossa vida diária. Devemos nos
esforçar para ser obedientes e praticar o que sabemos ser certo e bom e evitar o pecado
da omissão.

Referências

Bíblia de Jerusalém. Editora Paulus: São Paulo. 2006.

Bíblia do Peregrino. Editora Paulus: São Paulo. 2002.

Bíblia Nova Versão Internacional. Editora Vida Nova: São Paulo. 2019.

DAVIDSON, William F. O Novo Comentário da Bíblia. Editora Nova Vida: São Paulo
1989

DOUGLAS, J. Moo. The Letter of James, An Introduction and Commentary. 1985

LOPES, Hernandes Dias. Tiago: Transformando vida em triunfos. Editora Hagnos:


Rio de Janeiro. 2006 .

VOUGA, Francois. A Carta de Tiago. Editora Loyola: São Paulo. 1996.

WIERSBE, Warren. The Bible Expository Commentary. Vol. 2. 1996.

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