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Políticas e Práticas de Flexibilização para o Trabalho e seus Impactos na Percepção dos

Empregados sobre Equilíbrio entre Vida e Trabalho e Crescimento Profissional

Autoria: Rodrigo Cunha da Silva, André Laizo dos Santos, Elza Fátima Rosa Veloso, Joel Souza Dutra

Resumo
Nas últimas décadas as organizações vêm sentindo a necessidade de flexibilizar a sua
gestão e o modo como o trabalho dos seus empregados é realizado para se adaptar ao
ambiente globalizado e competitivo contemporâneo. A disseminação da tecnologia da
informação permitiu a atuação com maior agilidade e mobilidade dos profissionais. A
disponibilidade destas tecnologias e a necessidade de flexibilização de atuação das
organizações, conciliada com as recentes demandas por maior equilíbrio entre vida pessoal e
profissional vem alterando a forma de organização do trabalho, fazendo com que as práticas
de trabalho flexível, especificamente as práticas de flexibilidade para o trabalho, sejam cada
vez mais adotadas pelas organizações. O objetivo deste artigo foi analisar as práticas de
trabalho flexível, segundo a abordagem de Kelliher e Anderson, e o quanto estão
internalizadas pelas organizações, também se verificou a percepção dos empregados que
trabalham nas organizações que adotam ou não essa modalidade de trabalho. São analisadas,
qualitativamente, o grau de internalização das práticas de flexibilidade descritas por 150
organizações e, quantitativamente, as respostas de 50.285 funcionários sobre equilíbrio entre
vida pessoal e trabalho e crescimento profissional, comparando as respostas das pessoas que
atuam em organizações que possuem a prática de flexibilidade para o trabalho com as que não
possuem tal prática. Os resultados encontrados indicam que a maioria das organizações que
utilizam a prática de flexibilidade para o trabalho geralmente faz isto como forma de reduzir
custos ou dar condições para que seus profissionais possam trabalhar em sua residência, no
cliente, em deslocamento, ou até para ampliação da jornada de trabalho quando necessário.
Para as organizações que não adotam essa prática, os motivos mais citados foram: a
incompatibilidade com as necessidades do mercado onde atua e a natureza do negócio. A
análise quantitativa mostra que as pessoas que atuam em organizações que possuem práticas
de flexibilidade para o trabalho tendem a ter uma percepção mais negativa do equilíbrio entre
vida pessoal e profissional quando comparadas com os profissionais que atuam em
organizações que não possuem essas práticas. Além disso, foi possível verificar diferenças na
percepção dos empregados quanto ao equilíbrio do tempo gasto com o trabalho na empresa e
as suas necessidades pessoais, considerando diferentes características de perfil. Tendo em
vista a escassez de literatura nacional sobre o tema, este estudo pode ser relevante para o
encaminhamento de outras pesquisas e novas abordagens em relação ao trabalho flexível.

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Introdução
A necessidade das organizações que atuam no Brasil nas últimas décadas,
especialmente a partir doa anos 1990, de sobreviver em um contexto caracterizado pela
intensa competitividade em nível mundial e pelo rápido desenvolvimento tecnológico
(Fischer, 1998), obrigou-as a desenvolver a capacidade de flexibilização. Nesse sentido, a
flexibilidade do trabalho surge como um aspecto-chave das organizações que operam em
ambientes instáveis e cujos esforços são orientados para o desenvolvimento de respostas
rápidas e diversificadas (Lepak & Shaw, 2008; Beltra’n-Martin, Roca-Puig, Escrig-Tena, &
Bou-Llusar, 2009; Wilson, Brown, & Cregan, 2008; Eldridge & Nisar, 2006).
A flexibilidade pode ser vista como um meio para criar ambientes de trabalho que
relacionam as competências dos trabalhadores ao desenvolvimento das estratégias
organizacionais, desempenhando papel significativo no uso de novas tecnologias, bem como
no funcionamento de sistemas organizacionais que enfatizam a participação dos
trabalhadores, a flexibilidade de tarefas e o trabalho em equipe (Lepak & Shaw, 2008;
Eldridge & Nisar, 2006)
Diversos pesquisadores em gestão estratégica de recursos humanos têm defendido a
flexibilidade dos sistemas e processos de Recursos Humanos para ajudar a organização a se
adaptar a um ambiente complexo e dinâmico (Lepak & Shaw, 2008; Ketkar & Sett, 2009;
M.L. Lengnick-Hall, C.A. Lengnick-Hall, Andrade, & Drake, 2009). Menezes e Wood (2006)
corroboram com essa visão, afirmando que, muitas vezes, práticas de trabalho flexível são
essenciais para sistemas de Recursos Humanos associados à necessidade de alto desempenho.
A necessidade de dar respostas rápidas e de atuar globalmente fez com que as
organizações precisassem se reestruturar, modificando a forma de seus profissionais atuarem.
Eldridge e Nisar (2006) citam em seu estudo algumas transformações ocorridas nas
organizações para se adequarem a este novo contexto, dentre elas podemos citar a diminuição
de níveis hierárquicos, utilização de novas tecnologias, necessidade de constante
desenvolvimento do empregado e aumento da participação dos profissionais.
Sant`anna e Moraes (1998), em artigo que faz um levantamento histórico da evolução
do conceito de Qualidade de Vida no Trabalho apresenta colocações de vários autores sobre a
relação do bem-estar dos profissionais com o grau de envolvimento com o processo.
Paradoxalmente, esse mesmo contexto, que amplia as oportunidades de participação das
pessoas, é o que cria pressão por atender as demandas da organização, não importando
quando ou onde.
Segundo Nohara et al. (2008), no Brasil, os assuntos relacionados ao trabalho flexível
podem ser considerados praticamente ausentes na literatura nacional, havendo o registro de
apenas um artigo sobre o tema, publicado em 2007. Diante do exposto, o objetivo deste
trabalho é realizar um estudo exploratório que visa analisar as práticas de trabalho flexível,
com base em Kelliher e Anderson (2008), e o quanto essas práticas estão internalizadas pelas
organizações. Além disto, será verificada a percepção dos empregados que trabalham nas
organizações que adotam ou não essa modalidade de trabalho. Para isto, analisou-se o banco
de dados de uma pesquisa com 150 empresas, que contém, além de informações sobre as
práticas de Recursos Humanos, a percepção dos funcionários sobre vários aspectos do
ambiente organizacional, inclusive o trabalho flexível. Espera-se que os achados deste
trabalho sirvam de base para outras pesquisas relacionadas ao tema.

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O estudo apresentado está dividido em três seções, além da introdução e das
considerações finais. Na primeira delas o referencial teórico é apresentado com o arcabouço
teórico utilizado, na segunda os procedimentos metodológicos, e, na terceira, os resultados e
sua análise.

1. Revisão bibliográfica
Nesta seção o referencial teórico do trabalho é apresentado, passando pela explicação
do contexto relacionado ao trabalho flexível e os efeitos das práticas de trabalho flexível na
percepção dos empregados.

1.1. O Contexto para o Surgimento do Trabalho Flexível


A partir da década de 1980, a competitividade global e o rápido desenvolvimento
tecnológico mudaram a forma das organizações conduzirem seus negócios. Além de um
processo eficiente de produção, iniciado pela administração clássica com Taylor e Ford, e de
um rígido controle de qualidade, caracterizado pelo movimento japonês, com Deming e
vanguardismo da empresa Toyota, as organizações estão precisando competir globalmente por
mercados cada vez mais exigentes. (Drucker,1991).
Em processo mais tardio em relação aos negócios liderados pelas organizações de
países desenvolvidos, o mercado brasileiro teve que se adequar a este cenário durante a
década de 1990. Fischer (1998) aponta alguns fatores macroeconômicos, políticos e de gestão
organizacional, que geraram mudanças na forma de atuação das organizações do país. Dentre
estes fatores estão: o processo de estabilização econômica, que estimulou o consumidor a
ampliar sua exigência na relação custo-benefício; abertura do mercado, que expôs as
organizações instaladas no país e até então protegidas por medidas legais à necessidade de
competir com as organizações de outros países; tendência mundial de busca por qualidade e
competitividade, fazendo com que essas empresas se adequassem aos padrões mundiais para
sobreviverem, e adoção de máquinas e equipamentos automatizados, resultado da constante
inovação tecnológica a que levou essa mesma competição global, obrigando-as a redesenhar a
estrutura organizacional e do trabalho, bem como a forma de gerir pessoas.
De acordo, Schaff (1992) as características das relações de trabalho do início da
sociedade industrial, final do século XVIII, apresentava um panorama no qual a interação do
homem com as máquinas era extremamente operacional e seguindo rígidos padrões definidos.
Schaff (1992), em sua obra, fala sobre a segunda revolução industrial que estaria acontecendo
naquela época e que segundo o autor consistia em um movimento em que as capacidades
intelectuais do homem são ampliadas e inclusive substituídas por autômatos, que eliminam
com êxito crescente o trabalho humano na produção e nos serviços”.
Menos radical, Drucker (1991) analisa a mesma época, afirmando que houve uma
transformação que deslocou as características do trabalho para um nível mais intelectual. O
autor, ainda afirma que devido ao maior nível intelectual do trabalhador, este tem consciência,
na maioria das vezes, que possui um conhecimento em sua especialidade superior ao do
empregador e, por isto, precisa ser administrado como um parceiro em vez de subordinado.
Para Wilson, Brown e Cregan (2008), o crescente impacto das pressões da
concorrência nos mercados contemporâneos tem, cada vez mais, levado as organizações a
adotarem práticas de trabalho flexível em meio ao considerável debate sobre as implicações
de tais práticas sobre a qualidade do trabalho. Ainda, de acordo com o autor, muitas

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organizações adotam práticas de trabalho flexível para o desenvolvimento da qualidade da
produção e redução de custos.
Agora, no final da primeira década de 2000, observamos possíveis resultados da
intensificação do cenário constituído nos anos 1980 e 1990 para o trabalhador. Em pesquisa
realizada pela Society for Human Resource Management - SHRM (2008) sobre a satisfação
no trabalho nos Estados Unidos, foi constatado que, para 44% dos trabalhadores, o equilíbrio
entre vida pessoal e trabalho desempenhou papel muito importante para a sua satisfação no
trabalho nas organizações na qual trabalham. Nesta mesma pesquisa, este item foi
considerado por 57% dos respondentes ligados à área de recursos humanos como de alto
impacto estratégico para as organizações, sendo o quinto item mais relevante da lista. Em
outra pesquisa, com cerca de 5.000 trabalhadores, através do site Beyond.com, identificou-se
que, para 6 em cada 10 trabalhadores norte-americanos, a meta mais importante para 2008 foi
um trabalho que possibilite maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Seguindo essa tendência, a adoção de modalidades de trabalho flexível se intensifica
nas organizações contemporâneas, que buscam atender as suas necessidades de se manterem
competitivas, ágeis e flexíveis. Além disso, algumas organizações também vêm buscando o
atendimento das necessidades dos empregados pela busca do equilíbrio entre vida pessoal e
trabalho, proporcionando maior mobilidade e flexibilidade para a realização das suas
atividades, tentando conciliar ambas as expectativas. Neste contexto, Kelliher e Anderson
(2008) observam a questão da flexibilização do espaço e tempo do trabalho, viabilizada pelo
desenvolvimento da tecnologia informação. Segundo os autores, é através de recursos a custos
cada vez mais acessíveis como internet, celulares/ blackberrys, notebooks, conexões wireless,
tecnologia voip, aparelhos de vídeo conferência etc., que as dimensões de tempo e espaço
estão deixando de existir. Por um lado, as pessoas possuem a disponibilidade de ferramentas
para conciliar suas necessidades pessoais com as do trabalho. Entretanto, o contexto de
extrema competição e a necessidade de respostas rápidas, muitas vezes, pressionam os
profissionais a utilizar esta tecnologia para ampliar a sua jornada de trabalho.

1.2. A Flexibilidade para o Trabalho e a sua Influência na Percepção dos


Empregados
Em estudo conduzido por Peters e Lippe (2007) com mais de 1.000 empregados de 30
organizações holandesas, o uso intensivo de práticas de trabalho flexível proporcionou
redução da pressão do tempo para a realização do trabalho. Dada a demanda crescente dos
trabalhadores por harmonizar sua vida profissional e pessoal e a necessidade das organizações
por conter o aumento dos custos indiretos de produção, desperdício e a perda de horas
produtivas, a adoção de práticas de trabalho flexível mostrou-se como uma estratégia
promissora para essas organizações.
Adicionalmente, Kelliher e Anderson (2008) sinalizam que a flexibilidade para o
trabalho oferece aos profissionais a possibilidade de escolha sobre a maneira que realizam seu
trabalho. Portanto, as práticas de trabalho flexível com essa característica tendem a gerar um
impacto positivo sobre a percepção de um empregado a respeito das condições de trabalho.
Em geral, maior autonomia e controle sobre a conclusão dos trabalhos tendem a gerar maior
probabilidade de efeito positivo sobre a satisfação no emprego. Entrevistas obtidas pelos
autores em uma empresa de software no Reino Unido, com mais de 2.000 empregados,
demonstraram que práticas de trabalho à distância tendem a gerar impacto positivo sobre a

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percepção de satisfação dos empregados no que tange ao trabalho, porém os autores
ressalvam que os dados obtidos não permitiram comparar os níveis de satisfação entre
empregados em situações flexíveis de trabalho com aqueles em situações não-flexíveis.
Nohara et al (2008) também encontraram resultados semelhantes em pesquisa com
vinte trabalhadores que realizavam suas atividades em domicílio, constatando que, para os
entrevistados, o trabalho realizado à distância trazia mais prazer que sofrimento em
comparação com o trabalho presencial na empresa, mas que, no entanto, o sofrimento ainda
estava presente. O prazer estava relacionado ao sentimento de maior controle do próprio
trabalho, de maior flexibilidade na organização do tempo e na estrutura do trabalho, de
desfrute da maior proximidade da família. Por outro lado, as percepções dependeram do perfil
do entrevistado. Para alguns, o sofrimento estava ligado à percepção de desorganização, de
confusão entre vida familiar e ocupacional, de isolamento em relação aos pares e de maior
nível de estresse.
Nesse sentido, Kelliher e Anderson (2008) ponderam sobre a existência de custos
relacionados à percepção dos empregados quanto à qualidade e satisfação do trabalho,
referente às oportunidades de longo prazo para o desenvolvimento, crescimento profissional,
progressão na carreira e estresse, sugerindo que essa relação seja mais complexa.
Dessa maneira, pode-se supor que se o trabalho flexível oferece opções para os
empregados alcançarem maior equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e, na maioria dos casos,
pode-se esperar a contribuição na redução dos níveis de estresse. No entanto, pode haver
casos em que o trabalho flexível crie sentimentos de estresse, ansiedade e percepção negativa
sobre a carreira e crescimento profissional.
Ainda segundo Nohara et al (2008), no Brasil, existem milhões de trabalhadores
flexíveis, sendo que, em 2008, estes eram estimados cerca de 10,6 milhões de trabalhadores à
distância pela Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt), considerando
profissionais formais e informais, ou seja, cerca de 5% da população brasileira.
Tendo em vista a escassez da literatura nacional sobre o tema, este estudo pode ser
relevante para o encaminhamento de outras pesquisas e novas abordagens em relação ao
trabalho flexível entre os pesquisadores brasileiros.
Os procedimentos metodológicos serão apresentados a seguir, junto à descrição da
base de dados utilizada para as análises.

2. Procedimentos Metodológicos

Para levantar as principais práticas de trabalho flexível adotadas pelas organizações e


como elas podem impactar a percepção dos seus funcionários, foi realizado um estudo
exploratório de dados secundários (Selltiz, et al., 1974).
Os dados utilizados se referem a uma amostra de empresas participantes de uma
pesquisa realizada em 2009, com empresas que procuram se destacar em termos de clima
organizacional e práticas de gestão de pessoas.
É importante citar que o requisito inicial para participar dessa pesquisa é a organização
ter ao menos 100 profissionais, o que exclui diversas organizações menores que poderiam ter
práticas semelhantes às apresentadas.

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A escolha deste banco de dados se deve ao fato de conter informações de importantes
organizações que atuam no Brasil e que podem ser consideradas referências em gestão de
pessoas. São organizações de destaque, estando certamente inseridas no contexto descrito
anteriormente e que, consequentemente, devem cada vez mais adotar práticas flexíveis de
trabalho. Entretanto, trata-se de uma amostra de conveniência não-probabilística, não
podendo, assim, ter os seus resultados generalizados (Selltiz, et al., 1974).
O banco de dados conta com informações de 150 empresas entre nacionais e
multinacionais, que possuem diversas localidades, portes e setores. A amostra de empregados
respondentes contém 50.285 questionários que foram enviados para profissionais de
diferentes áreas destas organizações e continham 64 questões relacionadas a vários aspectos
do clima organizacional. Foi utilizada escala Likert de 5 pontos (de 1-discordo totalmente até
5-concordo totalmente). O cálculo do lote e a amostra mínima estão descritos no laudo técnico
da pesquisa, que está disponível com a equipe responsável pela pesquisa.
Também há a disposição para os pesquisadores interessados um acervo de materiais
com detalhamentos das políticas e práticas de gestão de pessoas, os cadernos de evidências,
que são enviados pelas áreas de recursos humanos dessas empresas. Estes são documentos
elaborados, paralelamente, a um questionário quantitativo, no qual as organizações
participantes da pesquisa utilizaram para evidenciar suas políticas e práticas de gestão de
pessoas.
Para a realização das análises do presente trabalho, foi considerada a abordagem de
Kelliher e Anderson (2008) apresentada no referencial conceitual. Ou seja, foram focalizadas
as perspectivas de trabalho à distância e horário flexível, descrevendo como as práticas de
Gestão de Pessoas que são focadas no estudo estão sendo aplicadas pelas organizações. Sendo
assim, utilizou-se como recorte a questão que verifica quais organizações possuíam trabalho a
distância e horário flexível.
Já para analisar os efeitos das práticas de trabalho flexível sobre a percepção dos
empregados foram escolhidas 2 das 64 questões presentes no questionário com base nos
estudos de Kelliher e Anderson (2008) que mostra, apresentadas na Figura 1:

Figura 1- Afirmativas utilizadas para medir a percepção dos empregados


Percepção Afirmativa
Equilíbrio entre vida pessoal e trabalho Considero que o tempo que dedico ao meu trabalho é adequado às
necessidades da empresa e às minhas necessidades
Crescimento profissional Acredito que trabalhando nesta empresa terei oportunidade de fazer
carreira e crescer

Foram realizadas além das estatísticas descritivas, a análise documental dos cadernos
de evidências. A técnica estatística do teste de hipótese de proporção foi utilizada para
identificar as diferenças entre a adoção ou não das práticas de flexibilidade para o trabalho por
diferentes organizações e a percepção conforme o perfil dos empregados.

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3. Análise dos Resultados
A análise dos resultados foi dividida em duas partes. A primeira relata práticas
adotadas pelas organizações, apresentadas nos cadernos de evidências, selecionadas pelos
autores deste trabalho. Nesse momento, o objetivo é montar um panorama descritivo das
práticas sobre trabalho flexível, adotadas pelas empresas analisadas, para estabelecer contato
com a realidade organizacional quanto a tais práticas. Na segunda parte, é analisada a
percepção dos funcionários sobre o trabalho flexível, por meio da sua resposta às duas
afirmativas selecionadas, apontadas no item metodologia deste trabalho.

3.1. Panorama das Práticas Organizacionais sobre flexibilidade no trabalho


Este tópico apresenta informações qualitativas relatadas pelas organizações sobre seus
programas através dos cadernos de evidências.
Dentre 104 organizações das 150 do estudo que declararam possuir programas de
trabalho à distância foram identificadas diferentes práticas, abrangências e motivações
estratégicas.

Importância da Flexibilidade para o Trabalho para o Negócio da Organização


É possível perceber que, para as organizações com estreita relação com a tecnologia, a
flexibilidade do trabalho é considerada importante para a sua estratégia de negócio. Um
instituto de pesquisa e tecnologia localizado na região Nordeste do Brasil afirmou em seu
caderno de evidências que:
“O trabalho à distância não apenas faz parte da rotina da empresa, como se torna uma necessidade
fundamental na sua dinâmica de funcionamento. Isto porque no processo de aceite de novos
projetos, bem como no desenvolvimento dos atuais, faz-se necessário que os colaboradores da área
comercial e o colaborador envolvido no projeto se desloquem para empresa que está sendo
negociado o novo projeto, ou na que o projeto já esteja sendo desenvolvido.”
Para viabilizar a atuação do colaborador à distância, a organização disponibiliza um
computador e outros equipamentos eletrônicos necessários para os profissionais realizarem o
seu trabalho. O instituto afirma que o trabalhador pode utilizar estes equipamentos “no hotel,
em casa, ou no ambiente de trabalho do cliente”, visando melhor atender as necessidades do
cliente.
Já outra organização do ramo de tecnologia da informação relatou que também fornece
ferramentas, dispositivos e aplicações que permitam aos funcionários trabalharem conectados,
seja no escritório, em casa, em outros escritórios da organização pelo mundo ou em qualquer
local. Esta organização ainda afirma no caderno de evidências que “um emblema dessa
postura está no fato de nenhum funcionário ter local fixo de trabalho, havendo, inclusive, um
número maior de funcionários do que de baias disponíveis”.
Podemos perceber claramente por estes dois exemplos citados que, devido ao tipo de
negócio, a flexibilidade oferecida aos profissionais está mais relacionada ao atendimento às
necessidades dos clientes e a redução dos custos da empresa, sendo estes os focos principais
dos programas criados e não, primordialmente, o bem-estar dos profissionais.

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As Políticas e Práticas de Flexibilidade para o Trabalho
Ao analisar a maioria das práticas relacionadas à flexibilidade do trabalho é evidente a
forte relação com o setor de tecnologia. Uma organização de tecnologia e serviços diversos
afirma em seu caderno de evidências que “utilizando-se das mais diversas tecnologias é
possível realizar as atividades do dia em diversas localizações incluindo a residência do
empregado (home office)”. Dentre as tecnologias utilizadas, a organização cita um sistema de
acesso remoto a rede que permite ao empregado utilizar os sistemas de comunicação da
empresa, assim como acessar e-mail e pastas internas da rede corporativa. Este sistema ainda
permite que o usuário utilize o seu computador para realizar conferências com imagem e voz.
Outra organização do mesmo setor disponibiliza tecnologias para o trabalho à distância,
monitora as queixas ergonômicas, visando à adequação das instalações residenciais.
Entretanto, devido à dificuldade de controle por parte das organizações, muitas delas
estabelecem políticas que normatizam as práticas. Uma empresa de tecnologia e ciência
afirmou em seu caderno de evidências que “em junho de 2008 foi desenvolvida e divulgada a
norma que estabelece as diretrizes e procedimentos de forma bastante detalhada e
abrangente referentes à adoção da modalidade de trabalho em casa e/ou teletrabalho”.
Existem casos de empresas multinacionais que utilizam políticas globais de trabalho à
distância. Já em empresas com grande dispersão regional, como é o caso de uma organização
do setor de telecomunicação, a “política depende das mais diversas unidades de negócio”.
Outra organização também do setor de tecnologia e ciência alerta, ainda, para a
importância de atentar-se às seguintes questões: “antes de qualquer decisão sobre a
aprovação de um teletrabalho as questões ligadas a Jornada de Trabalho, Saúde e Segurança
do Trabalho, Segurança da Informação, reembolsos de despesas operacionais, entre outros”.
Com isso, nota-se a existência de uma política que busca ser abrangente em relação ao
trabalho flexível, buscando mitigar possíveis impactos negativos na adoção do teletrabalho.
Dentre os principais fatores limitantes para participação dos programas de trabalho
flexível estão a própria função do profissional. Por exemplo, uma organização do setor de
alimentos e produtos agrícolas afirma em seu caderno de evidências que possui a seguinte
iniciativa quanto ao teletrabalho:
“É na área de vendas da empresa, da qual fazem parte setores que atendem o consumidor final
(clientes varejistas), indústrias, restaurantes, padarias e confeitarias, além de supply chain, que se
caracteriza, com maior regularidade, a prática formal do teletrabalho. A necessidade de constante
proximidade com estes mercados/clientes determina maior mobilidade para o time de vendas, que
executa suas funções munidos de palm tops e celulares. São cerca de 400 profissionais de vendas
[...]”.
É possível perceber que os empregados vinculados a esses programas pertencem às
áreas comerciais em grande parte das organizações, provavelmente pela necessidade de
constante deslocamento para atendimento a clientes. Os programas, em geral, disponibilizam
para estes profissionais os equipamentos tecnológicos necessários para a realização de suas
atividades como smartphones, modems portáteis, palms tops e notebooks. Conforme explica
outra empresa ligada ao setor de alimentos: “Atualmente a equipe comercial e alguns
funcionários em cargo de liderança têm flexibilidade de horário de trabalho, com opção de
home office, quando possível. Para isso todos possuem notebooks, telefones celulares e em
alguns casos smartphones da empresa.”
Também foi possível encontrar programas de horário flexível voltados principalmente
para funções gerenciais e algumas funções administrativas, cujos profissionais não precisam

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estar presentes na organização em horários fixos, mas devem entregar os resultados
acordados. Conforme exposto por uma empresa do setor de transportes e maquinaria:
“A empresa vem buscando aplicar novas tecnologias, não só em seus produtos, mas também nas
ferramentas de trabalho que disponibiliza a seus funcionários. Atualmente, todo o grupo de
gerentes e diretor possuem laptops com acesso remoto, o que possibilita que eles possam
desenvolver suas atividades de trabalho no local que desejarem, no lugar em que estiverem.”
Vale ressaltar que, dentre as 104 organizações que adotam a prática de flexibilidade
para o trabalho, apenas duas organizações enfatizaram que seus programas além de buscarem
proporcionar maior equilíbrio entre vida e trabalho para o empregado, também estão
alinhados à estratégia do negócio. É possível perceber nestas empresas o foco no resultado em
contraposição ao controle do número de horas trabalhadas. Outra empresa de tecnologia e
ciência comentou esta questão desta forma em seu caderno de evidências:
“A empresa é uma companhia de ciência que busca incessantemente a inovação. Por isso, está
alinhada com a visão de que a boa gestão é aquela que toma por base os resultados e não o número
de horas trabalhadas. Assim, a organização está atenta ao redesenho das formas de trabalho que
considere as mais recentes tecnologias para conexão, presença virtual e comunicação. A
companhia acredita que essas tecnologias, associadas ao horário flexível de trabalho, são
instrumentos fundamentais para a promoção do equilíbrio da vida profissional com a vida pessoal,
permitindo que o funcionário tenha cada vez mais qualidade de vida e mobilidade de suas
atividades”.
Pela análise dos resultados das empresas que adotam práticas de flexibilidade para o
trabalho, é possível observar diferentes maneiras de se lidar com as modalidades de trabalho
flexível em estudo, principalmente no quesito abrangência. Poucas são as empresas que não
fazem parte do setor de tecnologia, ciência ou telecomunicação que as possuem amplamente
disseminadas em vários níveis hierárquicos ou que possuem a mesma consistência.

Organizações que não utilizam a Flexibilidade para o Trabalho


Das 150 empresas da lista, 46 não adotam práticas formais de trabalho à distância.
Algumas delas não planejam adotar estes programas nem futuramente. Dentre os motivos os
principais foram:
 Características do mercado de atuação: necessidade de funcionar no horário
comercial – Exemplo: empresa do setor moveleiro – “Em virtude das características
do segmento de mercado em que atua, que demanda investimento e atenção focados
principalmente no horário de atendimento aos clientes, a empresa não possui um
programa formal de teletrabalho”
 Natureza do negócio: organização essencialmente fabril – Exemplo: empresa do setor
de mineração e construção civil - “Somos uma indústria em que 90% do pessoal
trabalha diretamente ligado à operação fabril: um programa formal de teletrabalho
entraria em conflito com a natureza do negócio”
Outras organizações, embora não possuam programas formais, acabam adotando
programas semelhantes às que possuem práticas oficializadas, como é o exemplo desta
organização do setor de venda de brinquedos:
“Não há uma política formal [...] o pessoal da área comercial não precisa vir todos os dias para o
escritório. A empresa fornece blackberry e notebook para que possam trabalhar em casa. No ano
passado, alguns colaboradores não vieram para o escritório por um período de tempo às sextas-
feiras e trabalharam em casa, por motivos diversos, mas todos estudados e aceitos pelo RH”.

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Por isso, acredita-se que o trabalho flexível esteja presente na realidade de várias
organizações, mas não de maneira estruturada ou não vem recebendo a devida atenção pelo
corpo gerencial.

3.2. Análise da Percepção dos Empregados:


Dos 50.285 questionários recebidos, os percentuais de caracterização dos respondentes
de maior destaque foram: 67,1% do gênero masculino; 55% com idade entre 26 e 40 anos;
22,2% com tempo de empresa entre 3 e 5 anos completos; 58,4% com ensino superior
completo ou incompleto; 56,8% atuam na região Sudeste; 84,4% que não estão em cargos de
gerência. E ainda, 72,8% (36.610) dos respondentes correspondem aos empregados que atuam
nas 104 organizações que adotam as práticas de trabalho flexível e 27,2% (13.675) das
organizações que não as adotam.
Conforme mencionado no item metodologia, dentre as 64 afirmativas contidas no
questionário, as duas relacionadas ao estudo são:
- Considero que o tempo que dedico ao meu trabalho é adequado às
necessidades da empresa e às minhas necessidades (equilíbrio entre vida
pessoal e trabalho).
- Acredito que trabalhando nesta empresa terei oportunidade de fazer carreira e
crescer (crescimento profissional).
Estas afirmativas possuem relação com os resultados da pesquisa de Kelliher e
Anderson (2008), que evidenciam onde as práticas de flexibilidade exercem maior influência
na percepção dos empregados.
Para medir a significância das diferenças obtidas entre esses grupos de empresa,
optou-se pela realização da técnica estatística de teste de hipótese de proporção entre duas
amostras independentes, cujo objetivo de acordo com Bussab e Morettin (2010) é dizer se a
hipótese H0 é ou não aceitável.
Como existem indícios na literatura de que a adoção de práticas de flexibilidade para
o trabalho tende a gerar efeitos tanto positivos quanto negativos à percepção dos empregados,
admitiu-se o nível de significância igual a 0,05, cujo z crítico bi-caudal é igual a 1,96,
estabelecendo-se duas hipóteses com suas correspondentes hipóteses alternativas:

H0: A percepção sobre o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho dos empregados de empresas que não
adotam práticas de trabalho flexível não é diferente da percepção dos empregados das empresas que
adotam práticas de trabalho flexível;

H1: A percepção sobre o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho dos empregados de empresas que não
adotam práticas de trabalho flexível é diferente da percepção dos empregados das empresas que
adotam práticas de trabalho flexível.

H10: A percepção sobre crescimento profissional dos empregados de empresas que não adotam práticas de
trabalho flexível não é diferente da percepção dos empregados das empresas que adotam práticas de
trabalho flexível;

H11: A percepção sobre crescimento profissional dos empregados de empresas que não adotam práticas de
trabalho flexível é diferente da percepção dos empregados das empresas que adotam práticas de
trabalho flexível.

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Na Tabela 1 são apresentadas as proporções de respostas positivas, ou seja, concordo
parcialmente (nota 4) e concordo totalmente (nota 5) apontadas pelos empregados
respondentes das organizações que não adotam práticas de flexibilidade para o trabalho e dos
empregados das organizações as adotam.

Tabela 1- Percentual de concordância quanto ao equilíbrio entre trabalho e crescimento profissional


sem/p.flex com/p.flex sem/p.flex com/p.flex Z observado

eq.vida/trab eq.vida/trab cresc. prof cresc. prof eq.vida/trab cresc. prof


Gênero
Masculino 80.42 76.66 80.68 80.10 7.30* 1.12
Feminino 77.27 72.82 76.95 76.94 5.94* 0.00
Total 78.85 74.74 78.81 78.52 9.33* 0.68
Filhos
Não tem filhos 75.99 72.37 77.67 78.17 5.44* -0.80
Tem filhos 82.02 78.19 80.59 80.01 6.71* 1.04
Total 79.00 75.28 79.13 79.09 8.52* 0.10
Faixa de idade
Menor ou igual a 26 anos 77.50 74.78 79.74 80.79 3.20* -1.35
De 27 até 31 anos 76.23 71.84 77.25 77.31 4.66* -0.06
De 32 até 39 anos 79.20 74.58 78.39 78.34 5.14* 0.06
De 40 até 55 anos 83.19 80.11 80.75 79.71 3.67* 1.22
Mais de 55 anos 91.70 88.03 87.55 85.74 1.57 0.70
Total 81.56 77.87 80.74 80.38 8.80 0.88
Escolaridade
Ensino Fundamental ou menos 87.41 86.15 87.76 84.81 0.85 1.95
Ensino Médio (Segundo Grau) 83.33 81.16 80.42 80.99 3.18* -0.82
Curso Superior incompleto 78.15 75.51 78.53 79.22 2.75* -0.75
Curso Superior completo 75.41 71.34 76.79 76.61 4.24* 0.20
Pós-Graduação 73.87 68.19 77.79 77.73 4.86* 0.06
Total 79.63 76.47 80.26 79.87 7.35* 0.94
Faixa de tempo de empresa
Até 2 anos completos 79.98 76.57 82.47 83.06 4.39* -0.84
De 3 a 5 anos completos 76.82 72.24 76.34 77.15 4.97* -0.92
De 6 a 10 anos completos 79.06 73.37 78.10 77.21 6.01* 0.97
De 11 a 20 anos completos 80.15 78.16 77.63 77.46 1.89 0.16
Mais de 21 anos 82.45 81.13 82.07 79.88 0.89 1.43
Total 79.69 76.29 79.32 78.95 7.88* 0.88

Cargo
Diretor 86.00 75.72 91.84 94.23 2.17* -0.85
Gerente 78.93 66.89 90.10 89.35 7.05* 0.65
Supervisor 74.85 69.63 84.53 83.66 3.10* 0.64
Administrativo 78.72 74.47 76.01 76.85 4.32* -0.86
Técnico 77.32 75.55 75.01 76.46 1.63 -1.34
Operacional 83.26 81.47 79.11 78.70 2.63* 0.57
Vendedor 72.43 73.74 83.12 82.87 -0.80 0.18
Total 78.92 73.44 81.64 81.31 12.29* 0.84
* diferenças significantes a 0,05%

11
Pode-se observar que os empregados dessas empresas apresentam altos índices de
aprovação quanto à percepção sobre equilíbrio entre vida e trabalho, e crescimento
profissional na organização na qual trabalham. As duas afirmativas apresentam índices acima
de 70% de concordância por parte dos respondentes na maior parte dos casos. Por tanto,
ambos os grupos de empresas apresentam boa percepção dos fatores medidos por este estudo.
Analisando as características de perfil dos empregados, a hipótese nula foi rejeitada
em todos os casos analisados: gênero, filhos, idade, escolaridade, tempo de empresa e cargo,
quando comparada à percepção de equilíbrio entre vida pessoal e profissional nos dois grupos
de organizações, ou seja, a percepção sobre o equilíbrio entre vida pessoal e profissional dos
empregados de empresas que não adotam práticas de trabalho flexível é diferente da
percepção dos empregados das empresas que adotam essa prática. E ainda, tal percepção
tende a ser menor nas organizações que adotam essa prática em relação às que não adotam.
Já em relação à percepção sobre crescimento profissional a hipótese nula não foi
rejeitada em todos os casos, ou seja, não foram constatadas diferenças de percepção entre os
empregados das empresas que não adotam práticas flexibilidade para o trabalho em
comparação às empresas que as adotam.
Cabe aqui também destacar diferenças dentro dos dois grupos de empresas referentes
às características de perfil analisadas:
 Gênero: as mulheres apresentaram menor percepção em relação aos homens quanto à
percepção sobre equilíbrio entre vida e trabalho e crescimento profissional.
 Filhos: os empregados que possuem filhos apresentaram maior percepção em relação
aos que não possuem filhos quanto à percepção, tanto sobre equilíbrio entre vida e
trabalho, quanto sobre crescimento profissional.
 Idade: quanto mais novos são os empregados, menor a percepção, tanto percepção
sobre equilíbrio entre vida e trabalho, quanto sobre crescimento profissional.
 Escolaridade: quanto maior a escolaridade, menor a percepção, tanto sobre equilíbrio
entre vida e trabalho, quanto sobre crescimento profissional.
 Tempo de empresa: não foram constatadas diferenças significativas.
 Cargo: Observou-se diferença expressiva na percepção sobre equilíbrio entre vida e
trabalho entre os empregados de nível gerencial que atuam em organizações que
possuem práticas de flexibilidade para o trabalho em comparação aos empregados de
mesmo nível em organizações que não adotam tais práticas.
A hipótese nula foi rejeitada em todas as ocasiões, demonstrando que tais práticas
influenciam a percepção dos empregados em relação ao equilíbrio do tempo entre trabalho e
vida pessoal em comparação às outras organizações que não as adotam, na maior parte das
vezes, tendo efeitos negativos sobre a percepção. Outra explicação é que tais práticas podem
não estar amplamente disseminadas nessas organizações, limitando o seu uso a grupos
específicos de empregados ou situações específicas que surgem conforme as necessidades
organizacionais.
Supõem os autores com base na análise das práticas de flexibilidade das 150
organizações, que provavelmente a adoção das práticas de flexibilidade em grande parte
dessas organizações está sendo utilizada como forma de extensão da jornada de trabalho e

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para dar mobilidade aos profissionais a diferentes lugares, em vez de meio que possibilite
maior equilíbrio entre vida e trabalho dos empregados.
A seguir, nas considerações finais, mais detalhes sobre as prováveis explicações dos
resultados obtidos por este trabalho serão discutidas.

4. Considerações Finais

A adoção de práticas flexíveis de trabalho é importante para a sobrevivência da grande


parte das organizações no contexto atual em que elas se encontram. Algumas empresas
possuem políticas que regulamentam essas práticas. Além da necessidade gerada pelo
contexto, essas práticas são, às vezes, vinculadas ao fato de possibilitar ao empregado o
equilíbrio de sua vida pessoal com a profissional.
Ao analisar os cadernos de evidências, constatou-se que as práticas de flexibilidade
variam entre diferentes organizações. As organizações ligadas ao setor de tecnologia, ciência
e telecomunicações são as que possuem essas práticas mais disseminadas nos diversos níveis
hierárquicos, sendo elas, inclusive, consideradas essenciais para o desenvolvimento do
negócio.
Dentre as organizações que não adotam práticas de trabalho flexível, os motivos mais
citados foram: a incompatibilidade com as necessidades do mercado onde atua e à natureza do
negócio. No entanto, existem empresas que não possuem a política ou prática
institucionalizada, mas, ainda assim, exercem-na de maneira informal conforme grupos
específicos de empregados e as necessidades situacionais.
Estes achados reforçam os estudos de Eldridge e Nisar (2006) e Wilson, et.al (2008)
que afirmam que organizações com foco em inovação e qualidade possuem maior necessidade
de possuir práticas flexíveis que empresas com foco em redução de custos, ocasionada pela
natureza do negócio.
Ao considerar os impactos da adoção das práticas de flexibilidade para o trabalho na
percepção do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal foram observadas diferenças
significativas entre as empresas que não adotam essas práticas e as empresas que as adotam.
Foi possível observar maior proporção de respostas positivas para as empresas que não
adotam a prática de flexibilidade. Estes resultados são diferentes dos encontrados por Peters e
Lippe (2007) e Kelliher e Anderson (2008), embora seja importante considerar a utilização de
diferentes metodologias entre estes estudos. Nos estudos desses autores, grande parte das
organizações analisadas pertenciam a setores ligados à tecnologia, ou que adotavam políticas
formais que forneciam suporte aos empregados durante o período que estivessem ausentes da
companhia, tais como políticas ligadas a jornada de trabalho, saúde e segurança do trabalho, o
que ocorre de maneira explícita em poucas organizações que possuem essa prática no Brasil,
considerando as organizações deste estudo.
Com base na análise qualitativa das práticas de flexibilidade para o trabalho,
provavelmente, a adoção das práticas de flexibilidade está sendo utilizada como forma de
extensão da jornada de trabalho do empregado em vez de meio que possibilite maior
equilíbrio entre vida e trabalho dos empregados. Isto pode explicar o fato da percepção sobre
o equilíbrio do tempo despendido entre a vida pessoal e profissional desses empregados ser
menor em comparação às organizações que não adotam essa prática.

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Como limitação, destaca-se a focalização do tema trabalho à distância e horário
flexível (Kelliher & Anderson, 2008), deixando de analisar a fundo práticas como gestão
participativa, nível de centralização na tomada de decisões, contratos de trabalho,
desenvolvimento multifuncional, etc. Outra limitação foi a realização de uma pesquisa com
base apenas em dados secundários, deixando de aprofundar itens importantes como os citados
acima e que as empresas participantes do levantamento são empresas que procuram se
destacar por seu clima organizacional positivo, o que certamente influencia os fatores
medidos neste estudo.
Como sugestão para próximos estudos, os autores citam a ampliação da pesquisa
abrangendo mais questões relacionadas ao equilíbrio entre vida pessoal e trabalho e a
perspectiva sobre o crescimento profissional, além de outras dimensões do ambiente de
trabalho, com uso de amostra probabilística. Outro estudo alternativo seria a verificação direta
da percepção dos empregados quanto à relação entre práticas de flexibilidade no trabalho e o
equilíbrio entre vida profissional, pessoal e crescimento profissional pela utilização de método
de pesquisa qualitativa.

6. Referências

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