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CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO

Política nacional de
desenvolvimento urbano

1
Novembro de 2004

Ministério
das Cidades
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Presidente

MINISTÉRIO DAS CIDADES

OLÍVIO DUTRA
Ministro de Estado

ERMÍNIA MARICATO
Ministra Adjunta e Secretária-Executiva

JORGE HEREDA
Secretário Nacional de Habitação

RAQUEL ROLNIK
Secretária Nacional de Programas Urbanos

ABELARDO DE OLIVEIRA FILHO


Secretário Nacional de Saneamento Ambiental

JOSÉ CARLOS XAVIER


Secretário Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana

JOÃO LUIZ DA SILVA DIAS


Presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU

AILTON BRASILIENSE PIRES


Diretor do Departamento Nacional de Trânsito – Denatran

MARCO ARILDO PRATES DA CUNHA


Presidente da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre – Trensurb
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
APRESENTAÇÃO

A criação do Ministério das Cidades representa o reconhecimento do Governo


do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que os imensos desafios urbanos do
país precisam ser encarados como política de Estado.
Atualmente cerca de 80% da população do país mora em área urbana e, em
escala variável, as cidades brasileiras apresentam problemas comuns que foram
agravados, ao longo dos anos, pela falta de planejamento, reforma fundiária,
controle sobre o uso e a ocupação do solo.
Com o objetivo de assegurar o acesso à moradia digna, à terra urbanizada,
à água potável, ao ambiente saudável e à mobilidade com segurança, iniciamos
nossa gestão frente ao Ministério das Cidades ampliando, de imediato, os
investimentos nos setores da habitação e saneamento ambiental e adequando
programas existentes às características do déficit habitacional e infra-estrutura
urbana que é maior junto a população de baixa renda. Nos primeiros vinte
meses aplicamos em habitação 30% a mais de recursos que nos anos de 1995
a 2002; e no saneamento os recursos aplicados foram 14 vezes mais do que o
período de 1999 a 2002. Ainda é pouco. Precisamos investir muito mais.
Também incorporamos às competências do Ministério das Cidades as áreas
de transporte e mobilidade urbana, trânsito, questão fundiária e planejamento
territorial.
Paralelamente a todas essas ações, iniciamos um grande pacto de
construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU, pautado
na ação democrática, descentralizada e com participação popular, visando
a coordenação e a integração dos investimentos e ações. Neste sentido, foi
desencadeado o processo de conferências municipais, realizadas em 3.457 dos
5.561 municípios do país, culminando com a Conferência Nacional, em outubro
de 2003, e que elegeu o Conselho das Cidades e estabeleceu os princípios e
diretrizes da PNDU.
Em consonância com o Conselho das Cidades, formado por 71 titulares que
espelham a diversidade de segmentos da sociedade civil, foram elaboradas
as propostas de políticas setoriais de habitação, saneamento, transporte e
mobilidade urbana, trânsito, planejamento territorial e a PNDU.
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO

Como mais uma etapa da construção da política de desenvolvimento,


apresentamos uma série de publicações, denominada Cadernos MCidades,
para promover o debate das políticas e propostas formuladas. Em uma primeira
etapa estão sendo editados os títulos: PNDU; Participação e Controle Social;
Programas Urbanos; Habitação; Saneamento; Transporte e Mobilidade Urbana;
Trânsito; Capacitação e Informação.
Com essas publicações, convidamos todos a fazer uma reflexão, dentro
do nosso objetivo, de forma democrática e participativa, sobre os rumos das
políticas públicas por meio de critérios da justiça social, transformando para
melhor a vida dos brasileiros e propiciando as condições para o exercício da
cidadania.
Estas propostas deverão alimentar a Conferência Nacional das Cidades, cujo
processo terá lugar entre fevereiro e novembro de 2005. Durante este período,
municípios, estados e a sociedade civil estão convidados a participar dessa grande
construção democrática que é a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.

Olívio Dutra
Ministro de Estado das Cidades
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
INTRODUÇÃO 7

DESENVOLVIMENTO URBANO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 15

UM PACTO FEDERATIVO 23

A CRISE URBANA 27

A DESIGUALDADE REGIONAL E AS CIDADES 31


Novas dinâmicas regionais e as cidades 33
Regiões metropolitanas 39
A DESIGUALDADE URBANA 43
Déficits quantitativos e qualitativos na política habitacional 45
Insustentabilidade da mobilidade urbana – trânsito e transporte 38
Regressividade do investimento em saneamento ambiental 50

PROPOSTAS ESTRUTURANTES DA PNDU 53


Implementação dos instrumentos fundiários do Estatuto da Cidade 55
Novo Sistema Nacional de Habitação 59
Promoção da mobilidade sustentável e cidadania no trânsito 62
Novo marco legal para o saneamento ambiental 66
Capacitar e Informar as cidades 68

A CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA DA PNDU 73

ANEXOS 77
Princípios, diretrizes e objetivos da PNDU definidos na 1ª Conferência das Cidades 77
População urbana brasileira - Mapas do IBGE 83
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INTRODUÇÃO

O documento que ora apresentamos dá continuidade à construção da Política Nacional


de Desenvolvimento Urbano – PNDU. O seu passo inicial foi em 2003 na 1ª Conferência
Nacional das Cidades, quando foram definidos pelos 2510 delegados eleitos nas reuni-
ões realizadas em todo o país os princípios e diretrizes da política urbana brasileira.
Essa construção democrática terá prosseguimento durante a preparação e realização
da próxima conferência, em novembro de 2005. Apresentamos esta proposta para ali-
mentar os encontros municipais, estaduais e também os debates dos vários segmentos
envolvidos com o desenvolvimento urbano: movimentos sociais, empresários, parla-
mentares, universidades, centros de pesquisa, ONGs, sindicatos e entidades profissio-
nais. Como veremos em seguida, assume especial importância a participação dos entes
federativos na formulação dessa proposta, tendo em vista as competências estabeleci-
das pela Constituição Federal de 1988.
O caminho adotado para a definição da PNDU – a pactuação democrática –, seria
certamente mais curto caso esta fosse definida apenas por consultores em seus gabine-
tes, como ocorreu durante o Regime Militar. Não se trata apenas de amor à democracia,
mas de entender que não há outra alternativa para formular uma política urbana sus-
tentável e duradoura. A via da concertação nacional constitui, além de condição políti-
ca, uma condição técnica para formular políticas públicas num país pouco acostumado
a planejar investimentos e com uma sociedade pouco informada sobre tais assuntos.
Um grande movimento pedagógico é a forma de assegurar a consciência sobre os pro-
blemas urbanos atuais e construir alguns consensos que orientem as ações da socieda-
de e dos diversos níveis de governo.
Esta Política Nacional de Desenvolvimento Urbano adota uma tese central e diversas
teses secundárias. A tese central é a de que vivemos uma Crise Urbana que exige uma
política nacional orientadora e coordenadora de esforços, planos, ações e investimentos
dos vários níveis de governo e, também, dos legislativos, do judiciário, do setor privado
e da sociedade civil. O que se busca é a eqüidade social, maior eficiência administrativa,
ampliação da cidadania, sustentabilidade ambiental e resposta aos direitos das popu-
lações vulneráveis: crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, mulheres,
negros e índios.
Esse documento abre o conjunto de oito cadernos que apresentam o estágio atual
desta discussão no Ministério das Cidades e no Conselho das Cidades:
 Desenvolvimento Urbano – Política Nacional de Desenvolvimento Urbano

 Participação e Controle Social

 Programas Urbanos – Planejamento Territorial Urbano e Política Fundiária

 Política Nacional de Habitação

Política nacional de desenvolvimento urbano 7


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
 Saneamento Ambiental
 Mobilidade Urbana – Política Nacional de Desenvolvimento Urbano Sustentável
 Trânsito – Questão de Cidadania
 Capacitação e Informação

São propostas de natureza intra-urbana estruturantes da PNDU, que levam em con-


sideração definições emanadas de outros ministérios e, ainda, o acúmulo de estudos e
experiências de outros níveis de governo e também da sociedade.
Além dos temas estruturantes da política urbana ou, mais apropriadamente, da políti-
ca intra-urbana, a PNDU trata da inserção das cidades na dinâmica regional e no territó-
rio nacional. Para tanto, leva em conta a Política Nacional de Desenvolvimento Regional
em detalhamento na Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento
Regional. Está em elaboração também a pesquisa Brasil: Cidades e Desenvolvimento
Regional, que tem como objetivo definir uma tipologia das cidades brasileiras, cuja
apresentação faz parte desse documento. Ambas as propostas deverão alimentar a ela-
boração de um Plano Nacional das Cidades em 2005.
Podemos definir o desenvolvimento urbano como a melhoria das condições mate-
riais e subjetivas de vida nas cidades, com diminuição da desigualdade social e garantia
de sustentabilidade ambiental, social e econômica. Ao lado da dimensão quantitativa da
infra-estrutura, dos serviços e dos equipamentos urbanos, o desenvolvimento urbano
envolve também uma ampliação da expressão social, cultural e política do indivíduo e
da coletividade, em contraponto aos preconceitos, a segregação, a discriminação, ao
clientelismo e a cooptação.
O objeto de uma política de desenvolvimento urbano é o espaço socialmente cons-
truído. Não estamos tratando das políticas sociais, de um modo geral, mas daquelas
que estão relacionadas ao ambiente urbano. Considerando esse tema, um novo recorte
torna mais objetivo o escopo do trabalho em torno dos temas estruturadores do espaço
urbano e de maior impacto na vida da população: habitação, saneamento ambiental e
mobilidade urbana e trânsito. Dois temas estratégicos se somam a este conjunto: a polí-
tica fundiária / imobiliária e a política de capacitação / informações.
Esse recorte remete para uma etapa seguinte, outros tópicos não tratados aqui, mas
fundamentais para a política urbana, tais como a questão fiscal, tributária e financeira
das cidades, a energia no espaço urbano e nas edificações, o desenho urbano, a arquite-
tura e a produtividade na construção civil, o papel dos governos estaduais no desenvol-
vimento urbano e até mesmo o conceito de cidade na legislação brasileira. São temas
que já estão em estudo, mas que compõem uma agenda ainda aberta.
O tema da sustentabilidade ambiental não mereceu um capítulo à parte neste do-
cumento, uma vez que permeia todas os programas e ações do Ministério das Cidades,
como revelam os cadernos que contêm a exposição detalhada das políticas estruturan-
tes. A prioridade para as pesquisas e desenvolvimento tecnológico está presente em
alguns cadernos específicos e tem sido objeto de entendimentos entre o Ministério das
Cidades e a FINEP / Ministério de Ciência e Tecnologia. Sua formulação completa será
lançada em 2005.

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Os déficits e metas a serem alcançados pela PNDU estão detalhados nos cadernos
específicos. É importante lembrar o compromisso do governo Lula com o Plano Pluria-
nual 2004-2007 do Governo Federal, o Projeto Brasil em Três Tempos, formulado pelo
Núcleo Estratégico da Presidência da República, e principalmente, as Metas do Milênio
da Organização das Nações Unidas, pelas quais o país, até 2015, deve diminuir pela
metade o número de pessoas sem acesso ao saneamento básico e reduzir também o
número de pessoas que vivem em condições habitacionais indignas.
Complementam esse caderno dois documentos que estão em anexo: 1. Princípios,
Diretrizes e Objetivos da PNDU definidos na 1ª Conferência Nacional das Cidades em
outubro de 2003; e 2. População urbana brasileira, contendo informações sobre a medi-
ção da população urbana pelo IBGE.

Pequeno histórico da política urbana federal: 1964-2002

Em apenas cinco décadas no século passado, a população brasileira passa de majori-


tariamente rural para majoritariamente urbana. Uma das mais aceleradas urbanizações
do mundo aconteceu sem a implementação de políticas indispensáveis para a inserção
urbana digna da massa que abandonou e continua a abandonar o meio rural brasileiro,
cuja estrutura agrária contribuiu para essa rápida evasão de população.
No momento de propor uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano é preciso
entender as políticas públicas que vigoraram durante esse espantoso movimento de
urbanização.
A tentativa mais clara de formulação de uma política urbana na história do País se
deu durante o regime militar. O 2º Plano Nacional de Desenvolvimento formulou, em
1973, diretrizes para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, cuja implemen-
tação ficava à cargo da Secretaria de Articulação entre Estados e Municípios – adminis-
tradora do Fundo de Participação dos Municípios –, e o Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo, que administrava o Fundo de Financiamento ao Planejamento. Esses órgãos
foram sucedidos pela Comissão Nacional de Política Urbana e Regiões Metropolitanas,
administradora do Fundo de Desenvolvimento Urbano e do Fundo Nacional de Trans-
porte Urbano – este último, transferido posteriormente para a Empresa Brasileira de
Transporte Urbano.
Neste período, o planejamento urbano obteve grande prestígio, ainda que fosse
marcado por uma acentuada ineficácia. Os planos diretores se multiplicavam, mas sem
garantir um rumo adequado para o crescimento das cidades. Da vasta bibliografia que
trata do tema é suficiente reter aqui que a aplicação destes planos a uma parte das ci-
dades ignorou as condições de assentamento e as necessidades de grande maioria da
população urbana, relegada à ocupação ilegal e clandestina das encostas e baixadas
das periferias ou, em menor escala, aos cortiços em áreas centrais abandonadas. Inúme-
ros estudos e planos diretores tiveram as gavetas como destino. A sociedade pouco se
envolveu ou teve notícia dessa grande produção intelectual e técnica.
Na década de 70, a marca tecnocrática e autoritária desse planejamento se fez de
fato presente nos organismos criados em 1964 para dirigir a política urbana do regime

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militar. O Sistema Financeiro da Habitação e o Banco Nacional da Habitação (BNH) fo-
ram responsáveis pelo maior movimento de construção que o Brasil conheceu nas cida-
des. Entre 1964 e 1985 foram construídas mais de 4 milhões de moradias e implantados
os principais sistemas de saneamento do país. Esse grande movimento de construção
foi alimentado pelas contribuições compulsórias dos assalariados ao Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS) e pela poupança privada relativa à Sociedade Brasileira de
Poupança ou Empréstimo. No saneamento, o modelo centralizador do Plano Nacional
de Saneamento Básico (Planasa) orientava a concessão dos serviços municipais de sa-
neamento para grandes companhias estaduais e o governo federal não hesitou em até
mesmo condicionar empréstimos habitacionais a esse propósito.
A imagem das cidades brasileiras mudou devido à vasta construção de edifícios de
apartamentos destinados principalmente à classe média, que, como mostram vários
estudos, absorveu a maior parte dos subsídios contidos nos financiamentos habitacio-
nais pelo FGTS. A indústria de materiais de construção e as obras civis contribuíram para
assegurar altas taxas de crescimento do PIB nos anos 70, especialmente na segunda
metade da década, quando declinaram as grandes obras de infra-estrutura para a pro-
dução como portos, aeroportos e estradas.
Dentre as críticas mais constantes à ação do BNH grande parte delas era dirigida à
produção de conjuntos habitacionais populares fora do tecido urbano existente e que
submetia seus moradores ao sacrifício de viverem “fora da cidade”, segregados e iso-
lados, contrariando o adequado desenvolvimento urbano e o mercado de terras. Essa
prática tem persistido nas administrações públicas até nossos dias e começa a merecer
uma ação estratégica voltada para a política urbana e fundiária.
Nos anos 80 e 90, o país pára de crescer a altos índices e entra em compasso de bai-
xo crescimento. A reestruturação produtiva internacional durante as chamadas “décadas
perdidas” impacta fortemente o financiamento público e privado. O crescimento dos
setores produtivos ligados à habitação e ao saneamento recua e o BNH, afundado em
dívidas, é extinto em 1986.
Com a Caixa Econômica Federal assumindo o espólio do BNH, tem início uma verda-
deira via crucis institucional da política urbana, reveladora da pouca importância que
ela tem na agenda federal a partir da crise econômica. Em 1985, foi criado o Ministério
do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Em 1987 ele se converte no Ministério
da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente, ao qual fica subordinada a Caixa Econômica
Federal. Em 1988 é criado o Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social e, em 1990, o
Ministério da Ação Social, que vincula a política habitacional às políticas de “ação social”.
Ainda que a administração predadora do FGTS possa ser constatada em vários momen-
tos de sua história, em nenhum momento ela foi tão grave quanto no governo Collor,
que deixou uma herança de mais de 300 mil unidades habitacionais inacabadas ou
invadidas, parte delas sob administração da Empresa Gestora de Ativos, por problemas
jurídicos e contábeis, até nossos dias. Em 1995 foi criada a Secretaria de Política Urbana,
subordinada ao Ministério do Planejamento e Orçamento, que, ainda na vigência do
governo Fernando Henrique Cardoso que a instituiu, foi transformada em Secretaria
Especial de Desenvolvimento Urbano (SEDU), vinculada à Presidência da República.

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Diante da fragilidade da SEDU e das restrições orçamentárias do governo federal, a
Caixa Econômica Federal termina por conduzir, ainda que sem uma orientação formal e
explícita, o rumo da política urbana, tendo em vista seu poder como agente operador
do FGTS – a maior fonte de recursos para o financiamento público da habitação e do
saneamento.
O corte nos investimentos públicos e a restrição de crédito para o setor público,
conforme orientação do FMI, promoveram um forte recuo das ações nas áreas do sa-
neamento ambiental, especialmente entre 1998 e 2002. No mesmo período, 70% dos
recursos federais para habitação (majoritariamente do FGTS) foram destinados à popu-
lação com renda superior a 5 salários mínimos, quando o acúmulo de décadas de exclu-
são nas cidades criou um déficit habitacional composto em 92% por famílias com renda
abaixo destes mesmos 5 salários mínimos. Esse foi o resultado da falta de políticas seto-
riais claras e de uma gestão macroeconômica que priorizou a ajuste fiscal.
Mas nem tudo deixou de avançar ao longo do período.
O movimento pela reforma urbana e a conquista do Ministério das Cidades
Em 1963, o Encontro Nacional de Arquitetos, que contou com representação de ou-
tras categorias profissionais, lança um tema inédito nos debates sobre as Reformas de
Base que mobilizaram a sociedade brasileira: a Reforma Urbana. Depois dos desfechos
políticos que se seguiram ao golpe de 1964 este foi o tema que, em meados dos anos
70, mobilizou os movimentos comunitários urbanos apoiados pelas Comunidades Ecle-
siais de Base da Igreja Católica.
O crescimento das forças democráticas durante os anos 80 alimentou a articulação
dos movimentos comunitários e setoriais urbanos com o movimento sindical. Juntos,
apresentaram a emenda constitucional de iniciativa popular pela Reforma Urbana na
Assembléia Nacional Constituinte de 1988. A incorporação da questão urbana em dois
capítulos da Constituição Federal permitiu a inclusão nas constituições estaduais e nas
leis orgânicas municipais de propostas democráticas sobre a função social da proprie-
dade e da cidade.
A regulamentação desses capítulos constitucionais, no entanto, levou 13 anos. Nesse
período o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, reunido no Fórum Nacional pela
Reforma Urbana, não deu trégua ao Congresso Nacional. Foram muitas ações e mani-
festações, idas e vindas de militantes (de movimentos sociais, entidades profissionais,
ONGs, entidades universitárias e de pesquisa e mesmo de prefeitos e parlamentares)
que buscavam a aprovação do Projeto de Lei denominado Estatuto da Cidade. Em 2001
esse projeto de importância ímpar é aprovado no Congresso Nacional e se torna a Lei
Federal 10.257.
Articulados à luta pelo Estatuto da Cidade, diversos movimentos urbanos organizam
ocupações e protestos contra a falta de habitação e elaboram o primeiro Projeto de
Lei de Iniciativa Popular – tal como previsto na nova Constituição Federal –, propondo
a criação do Fundo Nacional de Moradia Popular, a ser formado por recursos tanto
orçamentários quanto onerosos e controlado democraticamente por um Conselho
Nacional de Moradia Popular. Esse Projeto de Lei foi subscrito por 1 milhão de eleitores
de todo o país e entregue ao Congresso Nacional em 1991. Em 2004, um texto substitu-

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tivo instituindo o fundo foi aprovado pela Câmara Federal, após entendimentos entre
deputados federais, governo federal e representantes das entidades que elaboraram
o Projeto de Lei original. Em novembro de 2004, ele ainda aguarda sua aprovação no
Senado Federal. O Legislativo Federal, através da Comissão de Desenvolvimento Urbano
e Interior, se torna receptivo à luta do Movimento Nacional de Reforma Urbana e realiza
quatro Conferências das Cidades, sendo a primeira delas fundamental para a aprovação
no Congresso Nacional da nova Lei do Desenvolvimento Urbano.
O começo dos anos 90 também se caracterizou pela mobilização das entidades do
saneamento em torno do Projeto de Lei 199/91, que propunha uma nova política nacio-
nal para o setor em substituição ao Planasa. O projeto foi aprovado no Congresso Na-
cional e vetado no quinto dia do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique
Cardoso, o que deixou o setor sem um marco regulatório até a presente data. O saldo
organizativo dessa mobilização, no entanto, deu origem à Frente Nacional pelo Sanea-
mento Ambiental, que reuniu 17 entidades nacionais da sociedade civil, de gestores a
trabalhadores, passando por movimentos sociais, associações profissionais e entidades
de defesa do consumidor.
O tema do transporte urbano permanece sem muita repercussão nos anos 90 (em
contraste com as revoltas e depredações dos anos 70), embora mostrasse uma forte e
progressiva degradação de serviços. Em 2003, as mobilizações emergem sob a forma
de protestos de estudantes contra os aumentos de tarifas em várias cidades brasileiras.
Uma articulação suprapartidária ocupa a cena política com a criação do Movimento
Nacional pelo Direito ao Transporte e da Frente Parlamentar de Transporte Público.
Várias experiências sociais relevantes ocorreram nas cidades brasileiras durante a
redemocratização iniciada com as eleições diretas para prefeitos e vereadores de capi-
tais, em 1985. Experiências como o Orçamentos Participativo (que projetou internacio-
nalmente a cidade de Porto Alegre), os planos diretores participativos, programas de
regularização fundiária, urbanização de favelas, conselhos setoriais, audiências públicas,
relatórios de impacto ambiental, implementação do IPTU progressivo e criação de ZEIS
– Zonas Especiais de Interesse Social – marcaram diversas administrações locais nas dé-
cadas de 80 e 90.
Em 1996, é realizada em Istambul a Habitat II, a 2ª Conferência Mundial das Nações
Unidas pelos Assentamentos Humanos. Essa grande reunião culminou uma mudança
nos paradigmas da questão urbana e fortaleceu, cada vez mais, as campanhas da Agên-
cia Habitat da ONU. Desde 1976, ano da Habitat I, ocorrida em Vancouver, as adminis-
trações locais e as organizações não-governamentais ganharam importância na gestão
das cidades e promoveram um avanço da consciência política sobre a “urbanização da
pobreza” e a insustentabilidade ambiental no crescimento das cidades, especialmente
nos países desenvolvidos.
Esta consciência política da questão urbana se fez presente na criação em 2003 do
Ministério das Cidades pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É a realização de uma
proposta lançada em 2000 através do Projeto Moradia, documento elaborado com
a promoção do Instituto Cidadania e a participação de um grande número de con-
sultores e lideranças sociais e empresariais. De acordo com o Projeto Moradia, não há

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solução para o problema da habitação senão por meio da política urbana. O projeto
desenvolveu, ainda, uma proposta para o financiamento habitacional e uma proposta
de caráter institucional.
O Ministério das Cidades foi estruturado levando em consideração a reunião das
áreas mais relevantes (do ponto de vista econômico e social) e estratégicas (sustentabi-
lidade ambiental e inclusão social) do desenvolvimento urbano. Foram criadas quatro
Secretarias Nacionais: Habitação, Saneamento Ambiental, Mobilidade e transporte urba-
no e Programas Urbanos. Foram transferidos ao Ministério das Cidades o Departamento
Nacional de Trânsito, do Ministério da Justiça; a Companhia Brasileira de Trens Urbanos e
a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A., ambas do Ministério dos Transportes.
A transversalidade é um paradigma que o Ministério das Cidades carrega em sua pró-
pria estrutura para ser o formulador, naquilo que é de competência do governo federal,
das políticas de saneamento ambiental, habitação e mobilidade/transporte urbano e
trânsito; o definidor de diretrizes e princípios da política urbana, conforme norma cons-
titucional; e o gestor da aplicação e distribuição de recursos do FGTS e do Orçamento
Geral da União aos temas concernentes. A Caixa Econômica Federal é a principal opera-
dora da política urbana e das políticas correlatas. O Banco Nacional de Desenvolvimen-
to (BNDES) também opera políticas urbanas, em especial saneamento e transporte.
O Ministério das Cidades possui um quadro enxuto de funcionários e cargos de livre
provimento, motivo pelo qual o papel dos operadores é absolutamente fundamental
para a descentralização e a viabilidade da ação em todo o território nacional. Ainda em
2003, ele promove a Conferencia Nacional das Cidades, evento que foi precedido de
reuniões em 3400 municípios em todos os estados. Na ocasião, é criado o Conselho das
Cidades, que se reúne pela primeira vez em março de 2004. Ainda neste ano o Minis-
tério das Cidades cria os Comitês Técnicos do Conselho das Cidades: Habitação, Sanea-
mento Ambiental, Transporte/Mobilidade e Trânsito e Planejamento Territorial.

Política nacional de desenvolvimento urbano 13


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
Desenvolvimento urbano e
desenvolvimento econômico

FOTO CUSTÓDIO COIMBRA


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
DESENVOLVIMENTO URBANO E COMO NÃO RECONHECER A IMPORTÂNCIA ECONÔMICA
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DE GIGANTESCAS OCUPAÇÕES ILEGAIS E INFORMAIS
DO TERRITÓRIO URBANO, QUE COLOCAM EM RISCO
O difícil reconhecimento da questão urbana
MANANCIAIS DE ÁGUA POTÁVEL COMO ACONTECE EM
como ponto da agenda política nacional pode
SÃO PAULO E MESMO EM CURITIBA? QUAL O CUSTO
ser comprovado com o rumo errático, resumi-
do acima, tomado pelas políticas do governo DO TRATAMENTO DESSA ÁGUA CRESCENTEMENTE

federal para o desenvolvimento urbano (com POLUÍDA? QUAL O CUSTO DE BUSCAR FONTES DE

destaque para habitação e saneamento). Foi ÁGUA EM BACIAS MAIS DISTANTES? QUAL O CUSTO

exatamente nesse período que as cidades DE MANTER ESSA POPULAÇÃO EM CONDIÇÕES


mais se expandiram e seus problemas mais se PRECÁRIAS DE VIDA?
agravaram, mas nem isso fez com que fossem
vistas como essenciais para o crescimento Vamos tomar os dados sobre a crise que
econômico ou para o desenvolvimento do está afetando os transportes públicos para
País nos documentos que tratam do assunto. dar um exemplo concreto das deseconomias,
O pensamento econômico freqüentemente com suas evidências empíricas. A pesquisa
ignora as cidades. “Redução das deseconomias urbanas com
Essa é uma constatação surpreendente. a melhoria do transporte público no Brasil”
Como não reconhecer a importância eco- (IPEA/ANTP, 1998), realizada em Belo Horizon-
nômica de gigantescas ocupações ilegais e te, Brasília, Campinas, Curitiba, João Pessoa,
informais do território urbano, que colocam Juiz de Fora, Porto Alegre, Recife, Rio de
em risco mananciais de água potável como Janeiro e São Paulo, estimou de forma con-
acontece em São Paulo e mesmo em Curitiba? servadora que os gastos excessivos, devido a
Qual o custo do tratamento dessa água cres- congestionamentos severos, atingem a cifra
centemente poluída? Qual o custo de buscar de 506 milhões de horas por ano; 258 milhões
fontes de água em bacias mais distantes? Qual de litros de combustível; 123 mil toneladas
o custo de manter essa população em condi- de monóxido de carbono; 11 mil toneladas
ções precárias de vida? E em relação à ques- de hidrocarbonetos; 8,7 milhões de m² em
tão fundiária urbana, quanto custa manter espaço viário pavimentado para circular e
áreas servidas de infra-estrutura em condições estacionar veículos; e 3.342 ônibus a mais que
ociosas, devido ao espraiamento horizontal são colocados em circulação para compensar
das cidades? Quanto se perde pela ilegalidade a queda de velocidade. Uma projeção destes
fundiária de áreas de ocupação consolidada desperdícios para as demais cidades médias e
que, em alguns municípios periféricos metro- grandes permite estimar que até 2% do PIB é
politanos, ultrapassam em muito a metade da perdido nos congestionamentos das cidades
área urbana total? Quanto se perde no sistema brasileiras.
de saúde devido a doenças ligadas à falta de Ainda segundo a mesma pesquisa, a cada
saneamento ambiental? Quanto se perde em ano mais de 33 mil pessoas são mortas em
negócios, empregos, arrecadação e recursos acidentes de trânsito no Brasil. Dos cerca de
naturais pela ausência de uma política urbana 400 mil feridos, 120 mil pessoas tornam-se
e metropolitana? Quanto se perde na falta de inválidas permanentes. De 1961 a 2000, o nú-
coordenação e planejamento dos investimen- mero de feridos no trânsito multiplicou-se por
tos dos três níveis de governo nas cidades? quinze, o de mortos por seis, e, quantitativa-

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mente, os acidentes de trânsito representam alguns ganham com as carências sociais ou
o segundo maior problema de saúde pública com as valorizações geradas pelo investi-
no Brasil – só perdendo para a desnutrição. Os mento público, é preciso reconhecer que a
custos correspondem a perdas das horas de radicalização dos problemas urbanos, princi-
trabalho das pessoas mortas ou feridas, que palmente a questão da falta de mobilidade,
podem ficar permanentemente incapacitadas acarreta prejuízo a todos, aos trabalhadores
para o trabalho; internações médico-hospi- principalmente, mas também aos demais as-
talares; suporte previdenciário; recuperação pectos da atividade produtiva e à circulação
ou perda dos veículos; entre outros. O total de mercadorias.
de gastos decorrentes de acidentes de trân- Para muitos, a cidade é apenas reflexo
sito nas áreas urbanas brasileiras é de R$ 5,3 passivo das condições macroeconômicas,
bilhões por ano ou 0,4% do PIB do País. Deste uma posição que não é restrita aos conser-
total, R$ 3,6 bilhões concentram-se em 49 vadores de direita. Para outros, ela é palco de
aglomerações urbanas. Este custo sobe para acontecimentos sociais e políticos importan-
R$ 10 bilhões por ano, somando-se os custos tes, uma grande arena para o exercício do po-
dos acidentes rodoviários. der, seja para os grupos locais seja em relação
A queda da mobilidade é geral nas me- ao cenário nacional, quando se trata de uma
trópoles brasileiras e atinge ricos e pobres, metrópole. Para a Política Nacional de Desen-
embora estes sejam impactados mais forte- volvimento Urbano, a cidade não é neutra e
mente pela má qualidade dos transportes co- pode ser vista como uma força ativa, uma
letivos: nas últimas décadas aumentaram suas ferramenta eficaz para gerar empregos e ren-
viagens a pé ou por bicicleta e diminuíram da e produzir desenvolvimento econômico.
os usuários de transporte coletivo. Segundo Quando se trata das regiões metropolita-
pesquisa da Cia. do Metropolitano de São nas, a interdependência entre urbano e eco-
Paulo, em alguns bairros da periferia de São nômico é mais forte e desfaz o mito de sua
Paulo mais de 50% das viagens são feitas a pé. obsolescência econômica difundido nos anos
Isso significa que grande parte da população 80, segundo o qual a revolução dos meios de
– lembremos, os jovens – não saem de bairros transportes e das comunicações iria tornar
pobres e mal equipados. autônomas as empresas, em relação a econo-
Nossas grandes cidades estão na iminência mia, da aglomeração fornecida pelas grandes
de um apagão logístico. áreas urbanas. Muitos estudos demonstram,
Em que pese este quadro, há muito tempo ao contrário, que as metrópoles continuam a
o desenvolvimento urbano e as políticas se- oferecer as maiores vantagens de aglomera-
toriais incidindo sobre as cidades – habitação, ção para os circuitos dinâmicos da economia.
saneamento, transporte – são implementadas Elas concentram o poder econômico e políti-
como um capítulo das chamadas “políticas co, as capacidades de inovação e as forças de
sociais”, isto é, políticas que operam antes nos trabalho necessárias para dirigir e coordenar
efeitos que nas causas das desigualdades so- os fluxos produtivos do país. Ainda assim, as
cial e territorial que constituem a característica cidades são oferecidas pelos governos locais
principal de nossa sociedade. como mera plataforma de vantagens fiscais
Apesar de tudo e mesmo percebendo que para os capitais voláteis, ao invés de territórios
nossas cidades são fortemente, cruelmente de ancoragem duradoura dos circuitos econô-
injustas, o que implica em reconhecer que micos em ambiente de cooperação federada.

18
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
Várias pesquisas mostram que as metrópo- PARA MUITOS, A CIDADE É APENAS REFLEXO
les com vantagens na competição pela atra- PASSIVO DAS CONDIÇÕES MACROECONÔMICAS,
ção dos fluxos econômicos são as de menor UMA POSIÇÃO QUE NÃO É RESTRITA AOS
índice de polarização social e não as de me- CONSERVADORES DE DIREITA. PARA OUTROS, ELA É
nores custos salariais. Ou seja, as cidades com- PALCO DE ACONTECIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICOS
petitivas são as que se recusam a desmontar IMPORTANTES, UMA GRANDE ARENA PARA O
os seus sistemas de proteção social. Aquelas EXERCÍCIO DO PODER, SEJA PARA OS GRUPOS LOCAIS
que buscam oferecer a desregulamentação
SEJA EM RELAÇÃO AO CENÁRIO NACIONAL, QUANDO
como vantagem tiveram seu crescimento limi-
SE TRATA DE UMA METRÓPOLE.
tado pela própria queda na qualidade de vida.
É nas metrópoles onde se produz a maior tura urbana não tem tradição de investimento
parte do PIB brasileiro. Na sociedade con- privado e o mercado residencial se restringe,
temporânea, que é antes de mais nada uma acentuadamente, aos imóveis de luxo.
sociedade urbana, elas constituem vetor de- Sem o investimento público, o crescimen-
cisivo do processo de desenvolvimento. Visto to econômico é insuficiente para promover
sob essa ótica, o financiamento ao desenvol- o desenvolvimento social e, portanto, para
vimento urbano, longe de ser uma alocação promover o desenvolvimento urbano. O Brasil
de recursos compensatórios, é uma condição cresceu a taxas médias de 7% ao ano entre
sine qua non da própria continuidade do cres- 1940 e 1980, mas deixou como herança desse
cimento econômico que teve sua retomada período cidades marcadas por uma desigual-
em 2004. dade social cada vez mais agravada pelas cri-
As cidades não são marcadas apenas pela ses financeiras dos anos seguintes.
questão social. Existe no universo urbano Com as políticas de ajuste fiscal, o financia-
grandes desafios à Nação – o desenvolvimen- mento ao desenvolvimento urbano encontra,
to do País, a cooperação federativa, a desi- ao longo dos últimos anos, duas ordens de
gualdade regional e urbana e a ampliação da constrangimentos. Em primeiro lugar, a pura e
democracia. simples retração dos investimento públicos di-
retos. Em segundo, a restrição da capacidade
de endividamento de estados e municípios,
O financiamento da política urbana
que leva ao contingenciamento de recursos
Como já foi alertado anteriormente, as destinados ao financiamento do setor público.
propostas para a política fiscal e tributária que Esse impedimento de segunda ordem
dizem respeito ao desenvolvimento urbano mostra que não houve e não há propriamen-
serão formuladas, debatidas e divulgadas a te uma falta de recursos, como atestaram e
partir de 2005. No entanto, a importância do atestam atualmente as fontes do FGTS e do
tema do financiamento da política urbana exi- Fundo de Amparo do Trabalhador, operadas
ge uma introdução. Considere o leitor que ela pela Caixa Econômica Federal e pelo BNDES.
é bastante preliminar. Também as agências internacionais como o
Em nenhum país do mundo houve desen- Banco Mundial e o Banco Interamericano de
volvimento urbano num contexto econômico Desenvolvimento encontram dificuldades
de restrição ao investimento público. Essa para fechar novos contratos de financiamen-
tendência se agrava quando se trata de países tos governamentais. Na América Latina, estas
como o Brasil, onde a produção de infra-estru- agências recebem desde 2000 muito mais

Política nacional de desenvolvimento urbano 19


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
recursos com pagamento de dívidas do que Conselho Monetário Nacional, a retomada do
desembolsam com empréstimos. financiamento para esta área de fundamental
Nos anos de 2003 e 2004, o contingen- importância para o desenvolvimento urbano
ciamento de empréstimos ao setor público começa a reverter o quadro de baixíssimo in-
dificultou a contratação de parte do investi- vestimento dos anos anteriores.
mento de R$ 600 milhões inicialmente previs- A esses recursos onerosos se somaram, nos
to para o programa Pró-Moradia. O mesmo dois primeiros anos do governo Lula, recursos
aconteceu com os outros R$ 600 milhões do do Orçamento Geral da União, em especial
Programa Pró-Transporte, destinado ao finan- da Fundação Nacional de Saúde. Até junho
ciamento do transporte público. Os recursos de 2004 foram contratados R$ 5,1 bilhões em
foram então transferidos para a área de sanea- abastecimento de água, esgotamento sani-
mento até o limite previsto pelas normas que tário, coleta de lixo e drenagem urbana – a
regem o FGTS. maior parte pelo Ministério das Cidades em
Os governos brasileiros em seus diversos conjunto com os ministérios de Meio Ambien-
níveis, especialmente o federal, contrataram te, Integração Nacional e Saúde.
nos anos 90 recursos internacionais além da Na área de habitação, houve um esforço
capacidade de bancar as contrapartidas (apro- bem-sucedido para ampliar as fontes de in-
ximadamente US$ 600 milhões). São recursos vestimentos. Em 2003, o orçamento total do
internacionais que, mesmo parcialmente ocio- governo federal para a habitação ultrapassou
sos, custam a todos os brasileiros o pagamen- R$ 5 bilhões, valor 25% superior ao de 2002.
to de taxas de permanência. Em 2004, os recursos somam R$ 8,8 bilhões,
Como enfrentar a restrição de recursos ao provenientes das seguintes fontes:
desenvolvimento urbano diante do ajuste
fiscal? Recursos financeiros para habitação (em
O Ministério das Cidades tem buscado vá- R$ 1 milhões) – Governo Federal 2003/2004
rias alternativas.
Já no início de 2003 o Ministério das Cida- Recursos 2003 2004
des, por intermédio da Secretaria Nacional
Fundo de Garantia por 2.761,00 4.050,00
de Saneamento Ambiental, contratou R$ Tempo de Serviço
1,6 bilhão em recursos do FGTS para o setor
Caixa Econômica 552,52 1.792,77
público, através de dispositivos vigentes na Federal
resolução 2827/01 do Conselho Monetário
Fundo de 1.116,60 1.180,00
Nacional. A partir de dezembro de 2003, um Arrendamento
acordo entre o Fundo Monetário Internacio- Residencial
nal e o Governo Federal permitiu a liberação Orçamento Geral da 492,73 670,48
de R$ 2,9 bilhões de recursos do FGTS e FAT União
para contratos na área de saneamento. Nos Fundo de Amparo 164,29 597,00
anos de 2003 e 2004 o total de contratações do Trabalhador

com recursos do FGTS e do FAT atingiu cerca Fundo de 0,00 542,00


Desenvolvimento
de R$ 4 bilhões. Mesmo com a obrigatorie-
Social
dade do retorno fiscal dos investimentos, por
TOTAL 5.087,14 8.832,25
meio da cobrança de tarifa plena instituída
pelas Portarias 2827/01, 3153/03 e 3173/04 do

20
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
APESAR DO AUMENTO SIGNIFICATIVO DE RECURSOS política urbana, está propondo ao Conselho
FEDERAIS SE COMPARADO AOS ANOS ANTERIORES, Curador do FGTS, com o apoio do Ministério
O MINISTÉRIO DAS CIDADES CONSIDERA URGENTE do Trabalho e da Caixa Econômica Federal,
A EXPANSÃO DOS INVESTIMENTOS PÚBLICOS EM respectivamente gestor e operador dos re-
HABITAÇÃO E EM INFRA-ESTRUTURA URBANA cursos, esta reorientação dos financiamentos
NOS TRÊS NÍVEIS DE GOVERNO E SUA DESTINAÇÃO habitacionais.
NÃO-ONEROSA ÀS FAMÍLIAS COM RENDA MENSAL
É preciso lembrar que é importante para a
Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
INFERIOR A 3 SALÁRIOS MÍNIMOS, A IMENSA
a ampliação dos investimentos públicos por
MAIORIA DOS BRASILEIROS QUE COMPÕEM O DÉFICIT
meio das Parcerias Público-Privadas, confor-
DE MORADIAS E INFRA-ESTRUTURA EM NOSSAS
me projeto de lei em debate no Congresso
CIDADES
Nacional neste ano de 2004. As Parcerias
Público-Privadas constituem uma alternativa
A maior parte desses recursos vem do importante de financiamento da infra-estru-
FGTS, seguindo orientação de seu Conselho tura em transportes, saneamento e habitação,
Curador, em que tomam assento governo e e o Ministério das Cidades já estuda algumas
sociedade civil. O desempenho notável deste possibilidades. Esses recursos, no entanto,
fundo é indicativo da recente recuperação deverão complementar o papel insubstituível
dos empregos formais no país. do poder público em sua responsabilidade de
Além destes recursos, as aprovações em atender à população mais vulnerável, que não
2004 da Lei Federal 10.931 (Lei do Patrimônio tem condições de pagar o preço do mercado
de Afetação) e da Resolução 3.177 do Con- pelos serviços.
selho Monetário Nacional asseguram para o Apesar do aumento significativo de recur-
setor habitacional investimentos, a partir de sos federais se comparado aos anos anterio-
poupança privada, da ordem de R$ 12 bilhões res, o Ministério das Cidades considera urgen-
anuais para 2005 e 2006, segundo estimativa te a expansão dos investimentos públicos em
do Ministério da Fazenda e da Associação habitação e em infra-estrutura urbana nos três
Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário níveis de governo e sua destinação não-one-
e Poupança. São iniciativas que promovem rosa às famílias com renda mensal inferior a 3
o reaquecimento da atividade produtiva na salários mínimos, a imensa maioria dos brasi-
construção civil, setor que gera empregos ao leiros que compõem o déficit de moradias e
longo de uma extensa cadeia produtiva de infra-estrutura em nossas cidades.
base nacional e que expandem a produção de A absoluta necessidade destes recursos
habitação pelo mercado para um segmento públicos levou o Ministério das Cidades a
populacional até então excluído dos financia- propor no Fórum Urbano Mundial, realizado
mentos privados: a classe média, com renda em outubro de 2004 em Barcelona, a exclusão
entre 5 a 10 salários mínimos. dos investimentos em habitação e infra-estru-
Com estes estímulos ao mercado habita- tura urbana do cálculo do superávit primário
cional, espera-se que os recursos do FGTS dos países não desenvolvidos, proposta já de-
possam ser dirigidos às faixas mais baixas de fendida pelo presidente Lula junto às Nações
renda e que cumpram, assim, o importante Unidas e que resultou em documento apro-
papel social que deles se espera há décadas. vado pelos países latino-americanos reunidos
O Ministério das Cidades, que é gestor da no Grupo do Rio.

Política nacional de desenvolvimento urbano 21


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
A Carta de Compromissos das Cidades,
elaborada em 2003 em encontro da Frente
Nacional de Prefeitos e do Fórum Nacional de
Reforma Urbana, adota essa proposta e
observa que a “as normas de acesso ao crédi-
to não fazem diferença entre municípios cujas
finanças já estão organizadas e aqueles que
não conseguiram esse equacionamento”. Os
subscritores da carta insistem que as opera-
ções de créditos para investimentos visando o
desenvolvimento social deveriam merecer um
tratamento contábil diferenciado.
É preciso rever os acordos internacionais
para que os investimentos no desenvolvi-
mento urbano – especialmente aqueles ne-
cessários para o cumprimento das metas em
saneamento e moradia previstas nas Metas
do Milênio – sejam excluídos do conceito de
dívida para efeito dos cálculos do superávit
primário, sem o que o cumprimento das me-
tas está comprometido.

22
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
Um pacto federativo

FOTO CUSTÓDIO COIMBRA


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
A Constituição Federal de 1988 talvez não A RAIZ LATINA DA PALAVRA “FEDERAL” SIGNIFICA
tenha similar internacional na sua distribuição PACTO. A POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
de competências aos entes federados. A ca- URBANO, DIANTE DAS CONDIÇÕES DESCRITAS ACIMA,
racterística básica de uma federação está em NÃO PODE FUGIR À BUSCA DE UM EQUILÍBRIO
cada um dos entes federados deter para si um ENTRE AUTONOMIA E INTERDEPENDÊNCIA, ENTRE
feixe de competências e atribuições exclusivas LOCAL E NACIONAL, UNIDADE E DIVERSIDADE,
e que não podem ser invadidas ou usurpadas DESCENTRALIZAÇÃO E COOPERAÇÃO
pelos demais. No Brasil, as competências e
atribuições exclusivas foram reduzidas, en-
quanto que se tornaram preceitos constitucio- Em relação às regiões metropolitanas, sua
nais diversas competências que são comuns delimitação e forma de gestão foi remetida às
entre os órgãos executivos da União, estados, legislações estaduais. No entanto, a ausência
municípios e Distrito Federal e competências de uma conceituação em nível nacional de
que são concorrentes entre os órgãos legislati- metrópole provoca uma incoerência de crité-
vos da União e dos estados. rios entre estados brasileiros na definição das
Nessa estrutura complexa de competências regiões metropolitanas. Assim, o Estado do
e atribuições comuns, concorrentes e comple- Rio de Janeiro tem apenas uma única região
mentares entre entes federados, a cooperação metropolitana, enquanto Santa Catarina tem
e a coordenação intergovernamentais ganha cinco.
uma importância fundamental, especialmente Em relação ao desmembramento para cria-
nas bacias hidrográficas, nas microrregiões ção de municípios, que passaram de 4.189 em
pouco dinâmicas, nas aglomerações urbanas 1988 para 5.561 em junho de 2000, a maior
e nas regiões metropolitanas, onde os gran- parte dos novos municípios sobrevive apenas
des problemas urbanos dependem de gestão devido ao Fundo de Participação dos Municí-
compartilhada e faz-se necessário a coopera- pios e possui baixa capacidade institucional,
ção administrativa ou gestão compartilhada. com dificuldades de ordem técnica e geren-
Do modelo fortemente concentrador ao cial além de financeira. A busca pela partilha
nível federal, característico do Regime Militar, de recursos arrecadados orienta também des-
quando até mesmo a delimitação das regiões vios na definição por legislação municipal do
metropolitanas e seu organismo gestor eram território municipal rural ou urbano. Esses as-
realizadas por lei federal, passamos a um de- pectos, que podem ser observados também
senho oposto, que concede aos municípios em alguns novos estados, exigem um esforço
autonomia inédita sobre o desenvolvimento de coordenação federativa para bem imple-
urbano por meio da lei do Plano Diretor e da mentar a Constituição Federal. Atualmente
regulação sobre a edificação e o uso e ocupa- (2004), a cooperação inter-governamental
ção do solo, desde que não envolva matéria administrativa se dá por meio de convênios e
de meio ambiente. consórcios de natureza privada. Em que pese
A necessidade de uma ação intergover- o grande número de experiências em todo o
namental cooperada e coordenada entre os Brasil, são instrumentos insuficientes.
entes federados fica evidente, tanto na forma- A raiz latina da palavra “federal” significa
ção de municípios em regiões metropolitanas pacto. A Política Nacional de Desenvolvimen-
quanto no demembramento e criação de to Urbano, diante das condições descritas aci-
novos municípios. ma, não pode fugir à busca de um equilíbrio

Política nacional de desenvolvimento urbano 25


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
entre autonomia e interdependência, entre Em síntese, o pacto federativo aqui men-
local e nacional, unidade e diversidade, des- cionado implica em:
centralização e cooperação. 1. Complementar as normas constitucionais
Diante desse problema, o Governo Federal sobre as competências federativas, de
elaborou no âmbito do Comitê de Articulação como é exemplo o Projeto de Lei dos Con-
Federativa, e em conjunto com as entidades sórcios Públicos;
representativas dos prefeitos municipais, o 2. Ocupar o vazio institucional caracterizado
Projeto de Lei dos Consórcios Públicos (PL pela falta de regras claras e marcos regula-
3884/04). O Projeto de Lei dos Consórcios tórios, em especial no que se refere ao sa-
Públicos institui normas gerais para a cons- neamento, transporte urbano, habitação e
tituição de consórcios públicos, bem como regularização fundiária, de modo a dar mais
para os contratos para a prestação de serviços segurança aos investimentos e ações;
públicos por meio de gestão associada. Ele 3. definir prioridades de ações coordena-
regulamenta o Artigo 241 da Constituição das e cooperativas, que não dependem
Federal, que trata da coordenação da ação obrigatoriamente de legislação, mas de
administrativa, e trata-se, portanto, de uma acordos em torno de políticas setoriais ou
complementação prevista na Constituição, específicas, como, por exemplo, ações de
com objetivo de instituir regras para consór- regularização fundiária (especialmente
cios permanentes baseadas no direito público. em terras da União), investimentos em
O Consórcio Público fortalece a cooperação regiões metropolitanas, campanhas pelo
federativa e dá mais consistência legal aos Plano Diretor Participativo, capacitação
poder local, além de permitir novos formatos para a modernização administrativa e
institucionais às parcerias entre Município, implementação de cadastros multifi-
Estado, Distrito Federal e União para a gestão nalitários, campanhas de prevenção de
associada de serviços públicos, recursos hidro- acidentes no trânsito, implementação de
gráficos, destinação final de resíduos sólidos, acessibilidade para pessoas com defici-
tratamento de esgotos, etc. ência e idosos, campanhas de educação
Após 16 anos de promulgada a Consti- ambiental, e mais um grande número de
tuição Federal, há muito a fazer ainda em temas que estão referidos ao longo desse
matéria de cooperação federativa para o de- documento.
senvolvimento urbano. Devemos reconhecer
que a consciência sobre o papel de cada ente Portanto, não é apenas por meio de con-
federativo em relação a esse tema está muito dicionantes legais (competências federati-
longe de ser alcançada. Um bom exemplo vas, legislação complementar) que o pacto
da falta de clareza sobre o papel dos entes federativo pode render bons frutos. É impor-
federados em relação ao desenvolvimento tante também reconhecer que pode atingir
urbano pode ser encontrado na tradição de um patamar avançado de desenvolvimento
fragmentação das verbas do Orçamento da institucional nas ações cooperadas de fo-
União destinadas às emendas parlamentares. mento ou, de forma induzida, na definição
Não é incomum a destinação destes recursos de condicionalidades para o financiamento
para pequenas obras pontuais localizadas em dos recursos federais quanto aos princípios
qualquer bairro de qualquer cidade do país, e diretrizes emanados da Conferência das
sem relação com qualquer plano local. Cidades.

26
FOTO CUSTÓDIO COIMBRA
A crise urbana

CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
Dos mais diversos horizontes teóricos e polí- POR MAIS QUE TENHA SUAS RAÍZES FINCADAS
ticos recolhem-se diagnósticos que apontam NA ESTRUTURA E MODO DE FUNCIONAMENTO DE
para a existência de uma “crise urbana”. Escla- NOSSAS CIDADES, A CRISE URBANA ATUAL NÃO
recer de que crise se está falando está longe PODE SER ADEQUADAMENTE DIAGNOSTICADA SEM
de ser, hoje, uma questão puramente concei- UMA PERSPECTIVA MAIS AMPLA QUE CONSIDERE
tual de interesse meramente acadêmico e te- SUA INSERÇÃO NO CONTEXTO NACIONAL E
órico. Na verdade, é o diagnóstico da crise que INTERNACIONAL.
legitima e autoriza as políticas, planos, progra-
mas e projetos a serem implementados.
Por mais que tenha suas raízes fincadas ra condenados a desempenhar papel secun-
na estrutura e modo de funcionamento de dário na etapa que se abre, o Estado Nacional
nossas cidades, a crise urbana atual não pode constitui arena e instrumento indispensável
ser adequadamente diagnosticada sem uma de qualquer projeto que pretenda preservar a
perspectiva mais ampla que considere sua soberania política, a cultura própria e a possi-
inserção no contexto nacional e internacional. bilidade de construir uma nação que escolha
Certamente não é desprezível a influência seus próprios caminhos.
na gestação de nossa crise urbana das mu- Seguindo um fenômeno mundial, a po-
danças no contexto internacional. A derro- breza brasileira se urbanizou. Enquanto a taxa
cada do socialismo real, a financeirização da de urbanização dos países desenvolvidos foi
economia, o crescimento explosivo da dívida de 0,9% nas últimas duas décadas do século
externa, a revolução tecnológica, a chamada XX, nos países não desenvolvidos ela foi em
reestruturação produtiva e os novos modos média de 2,9%. Dos 2,85 bilhões de habitan-
de gestão e regulação do trabalho, com sua tes urbanos do mundo, 80% deles vivem em
esteira de precarização do emprego e amplia- cidades de países não desenvolvidos. Metade
ção das desigualdades, inclusive nos países da população mundial ainda é rural, mas é
centrais, são fatores decisivos na configuração exatamente nos países mais pobres que o
do ambiente no qual a crise urbana se instau- processo de urbanização mais cresce.
ra e se espraia. Hoje, tanto as novas práticas Para o pensamento dominante nos anos
produtivas quanto a hegemonia do capital 90, a crise tem como fundamento a excessiva
financeiro e a hegemonia cultural dos países e inadequada intervenção estatal, que inibiria
centrais se apóiam sobre uma revolução das o pleno funcionamento das leis de mercado
tecnologias de informação e comunicação e a alocação ótima dos recursos urbanos,
que redefinem a própria noção de espaço e provocando, como conseqüência, redução da
tempo. As cidades, e as brasileiras não consti- produtividade e da competitividade urbanas.
tuem exceção, estão inseridas num mundo no Com baixa produtividade e competitividade, a
qual, não obstante a permanência das lógicas cidade perderia capacidade para atrair investi-
e dinâmicas da acumulação capitalista, as rela- mentos, tenderia ao desinvestimento, passan-
ções entre lugares e entre escalas estão sendo do a enfrentar o empobrecimento crescente,
permanentemente revolucionadas. sobretudo dos mais pobres. A crise fiscal,
Os Estados Nacionais foram e continuam resultante tanto da irresponsabilidade fiscal
sendo desafiados por forças poderosas que quanto da carência de mecanismos de finan-
não são apenas externas, uma vez que estão ciamento, completaria o quadro que nos es-
presentes e articulam-se internamente. Embo- taria conduzindo ao círculo vicioso da cidade

Política nacional de desenvolvimento urbano 29


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
pobre, que não atrai capitais porque é pobre, comercial com ocupações irregulares pelos
e da cidade sem capacidade de atração de segmentos mais pobres da sociedade urbana.
capitais, que se empobrece porque não atrai A cidade, deste ponto de vista, está em per-
capitais. A privatização da prestação de servi- feita consonância com o espaço rural, onde o
ços públicos viria simultaneamente aumentar latifúndio subsistiu ao longo de um processo
a eficiência da gestão destes serviços e suprir de modernização que nunca foi capaz de
os investimentos que a crise fiscal tornou irrea- desafiar as estruturas econômicas e políticas
lizáveis pelo governo. de elites locais e regionais. Assim, o padrão de
Ações compensatórias focalizadas deve- desenvolvimento típico do Brasil expressa-se
riam amenizar os impactos fortemente regres- também na cidade, a mostrar que apenas em
sivos dessas políticas, reconhecidos, mesmo parte é ela o lugar por excelência da moder-
por seus defensores, como uma espécie de nidade, e que também vige a modernização
pedágio para o que seria a integração compe- conservadora e todas as suas contradições.
titiva na globalização. Neste contexto, a outra Socialização dos custos e a privatização
face do que se chama “políticas de desenvol- dos benefícios – Em segundo lugar, a cidade
vimento local”, ou seja, políticas e programas brasileira constitui um dos terrenos preferen-
de assistência pública estariam fazendo as ciais de exercício do “socialismo às avessas”.
vezes de políticas urbanas. Reduzindo ao A concentração da propriedade fundiária, a
mínimo indispensável sua ação diretora e prevalência dos interesses privados e a força
reguladora no uso do solo e na estruturação política dos interesses especulativos têm
da cidade, o Estado deveria concentrar-se em resultado em processos nos quais os benefí-
apoiar as iniciativas privadas e dedicar-se, em cios decorrentes de investimentos públicos
cooperação com organização não-governa- resultam em valorização privada. As políticas,
mentais, a políticas sociais compensatórias. os planos, os projetos urbanos e a cidade, de
Todas essas tendências transnacionais são maneira geral, acabam se transformando em
formadoras da nossa crise urbana em combi- mecanismos de transferência de fundos públi-
nação com a herança da desigualdade social cos para processos privados de valorização.
das cidades brasileiras. Sem pretender uma Estruturas de poder e clientelismo nas
análise histórica abrangente da conformação cidades – A concentração da propriedade
do sistema urbano brasileiro com as carac- e da riqueza tem tido, quase sempre, como
terísticas estruturais dominantes de nossas contrapartida a concentração do poder nas
cidades, caberia chamar a atenção para alguns mãos de coalizões locais que negociam seus
elementos centrais. interesses em instâncias estaduais e nacionais
Concentração e irregularidade na estrutura e, simultaneamente, reproduzem sua domi-
fundiária – Em primeiro lugar, cabe mencio- nação local através de redes de clientelismo.
nar a estrutura fundiária urbana, na qual se Este, longe de ser um mero vício da vida po-
combinam, em doses variadas conforme a lítica, constitui elemento essencial de nossa
cidade, uma alta concentração de proprieda- estrutura urbana, simultaneamente expressão
de e uma imensa irregularidade na apropria- das relações econômicas, sociais e políticas e
ção e uso da terra. Entre suas características poderoso mecanismo de reprodução dessas
dominantes está a coexistência de grilagem mesmas relações.

30
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
A desigualdade
regional e as cidades

FOTO CUSTÓDIO COIMBRA


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
NOVAS DINÂMICAS REGIONAIS e 2000, o grau de urbanização (percentual
E AS CIDADES da população vivendo em cidades) subiu do
patamar de 30% para 80%. De forma similar à
A rede urbana e as tendências locacionais das distribuição regional, o processo de urbaniza-
atividades econômicas ção ocorreu com forte diferenciação entre os
Como se pode observar no confronto dos estados e regiões brasileiras, sendo que em
mapas 1 e 2, o crescimento populacional alguns estados o grau de urbanização supera
brasileiro foi acompanhado de grandes mu- os 95% (São Paulo e Rio de Janeiro), enquanto
danças em sua distribuição regional e de um em outros ainda está em torno de 50% (Mara-
rápido processo de urbanização. Entre 1950 nhão e Pará).

Mapas 1 e 2 – Rede Urbana com mais de 50 mil pessoas em 1970 e 2000

Política nacional de desenvolvimento urbano 33


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
O crescimento da população e o rápido ro, mas seguidas por várias outras. Tal concen-
processo de urbanização implicaram no au- tração populacional, sem o correspondente
mento da rede urbana, em geral, e das gran- crescimento da oferta de infra-estrutura física
des cidades, em particular. Ao mesmo tempo (moradias, saneamento, transporte público),
houve rápido crescimento do tamanho das social (educação, saúde, lazer), emprego e
cidades, tendo o número de cidades com po- renda, leva parte da população a viver em
pulação acima de 50 mil habitantes subido de condições precárias, em favelas ou outras for-
38 em 1950 para 124, em 1970; e 409 em 2000, mas de assentamento onde prolifera a miséria,
sendo 202 com população superior a 100 mil a degradação humana e o crime organizado.
habitantes (mapas 1 e 2). Como muitas dessas Por outro lado, o processo de urbanização
cidades têm suas áreas urbanas contíguas a é ao mesmo tempo resultado e condicionante
outras, amplia-se o tamanho das concentra- das mudanças estruturais da economia, com
ções urbanas. Nesse sentido, existem hoje, no a redução da importância relativa da agrope-
Brasil, 16 aglomerações urbanas com mais de cuária e da indústria no emprego e na renda,
1 milhão de habitantes cada, lideradas pelas enquanto cresce o peso dos serviços, localiza-
megametrópoles de São Paulo e Rio de Janei- dos preferencialmente nas cidades.

Mapa 3 – microrregiões com mais de 5 mil empregos industriais em 2002

Como se pode observar no mapa 3, a crescimento das cidades médias nas regiões
rede urbana das regiões Sudeste e Sul, onde de agropecuária extensiva dos cerrados e da
estão concentradas as maiores parcelas da franja amazônica. No entanto, considerada
produção e da riqueza, os melhores sistemas a dimensão territorial dessa ampla região, o
de transportes e comunicações, fortalecem a número de cidades e o tamanho delas ainda
integração econômica e reforçam o padrão é limitado. Igualmente, a rede de cidades de
macroespacial de concentração industrial e porte médio no Nordeste do Brasil ainda é li-
dos serviços. Em segundo lugar, observa-se o mitada, prevalecendo a alta concentração em

34
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
algumas capitais (Salvador, Recife, Fortaleza) REPENSAR O DESENVOLVIMENTO URBANO E
e, secundariamente, nas demais capitais. Além REGIONAL BRASILEIRO IMPLICA EM ELABORAR UM
de não se formar uma rede urbano-industrial e PROJETO DE MÉDIO E LONGO PRAZO QUE TENHA
de serviços integrada, a grande concentração COMO META A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES
da população em poucas cidades agrava os REGIONAIS E SOCIAIS, UM MELHOR ORDENAMENTO
problemas sociais decorrentes da falta de in- DO TERRITÓRIO E UMA VISÃO DE ESTRATÉGIA
fra-estrutura física e social, emprego e renda. GEOPOLÍTICA QUE INCLUA NOSSA ARTICULAÇÃO COM
Em anos mais recentes várias tendências
OS PAÍSES VIZINHOS
locacionais das atividades econômicas têm
influenciado e são influenciadas pela rede ur- ficação produtiva das regiões mais desenvol-
bana. Do ponto de vista industrial podem ser vidas, especialmente no estado de São Paulo
identificados pelo menos quadro grandes mo- e seu entorno, pela substituição da pecuária
vimentos. O primeiro, pela ampliação da área e da agricultura de menor valor por área por
metropolitana de São Paulo e sua integração uma agricultura intensiva e de alto valor por
com uma área dinâmica e de comutação diá- área, a exemplo da laranja, cana- de – açúcar,
ria de pessoas, incluindo as regiões de Campi- fruticultura, horticultura, floricultura etc. Um
nas, São José dos Campos, Sorocaba e Santos. segundo movimento é a grande expansão
Esta mesorregião contém uma população es- pecuária e agrícola na região dos cerrados,
timada em 25 milhões de habitantes e detém incluídos os estados da região Centro-Oeste
mais de um terço da produção industrial e do do País e a parcela dos cerrados dos estados
PIB do País. nordestinos (Bahia, Piauí e Maranhão), onde
Um segundo movimento pode ser observa- ocorre uma grande expansão da produção
do pela aglomeração macroespacial da indús- pecuária, soja, milho e algodão. O último, são
tria entre a região central de Minas Gerais e o as áreas irrigadas do Nordeste, onde o clima
nordeste do Rio Grande do Sul, o qual combi- seco e quente tem permitido o desenvolvi-
na a relativa desconcentração da área metro- mento da fruticultura, atendendo à demanda
politana de São Paulo com a formação de uma nacional e às exportações. Acrescentem-se as
rede urbano-industrial de integração, onde se explorações de recursos naturais (florestais e
localizam as indústrias que exigem uma maior minerais) na Região Norte, com destaque para
integração inter-industrial, reforçando a rede as atividades exportadoras.
urbana regional. Um terceiro movimento é ob- Essa dinâmica territorial recente das ativi-
servado pela retomada da indústria da região dades econômicas no Brasil tem reorientado
Nordeste do Brasil com o deslocamento ou parcela dos fluxos migratórios e contribuído
criação de novas unidades nos setores têxtil, para a criação e o crescimento da rede de
confecções, calçados e alimentos, baseadas cidades, nitidamente visualizados na compa-
em incentivos fiscais e trabalho barato. Por ração entre os mapas 1 e 2.
último, o avanço da produção agrícola na re- Repensar o desenvolvimento urbano e re-
gião dos cerrados e as explorações minerais gional brasileiro implica em elaborar um pro-
na região Norte do país têm induzido a criação jeto de médio e longo prazo que tenha como
de novas áreas industriais nesta vasta região, meta a redução das desigualdades regionais e
como se observa no mapa 3. sociais, um melhor ordenamento do território
Do ponto de vista agrícola se observa três e uma visão de estratégia geopolítica que in-
grandes movimentos. O primeiro é a intensi- clua nossa articulação com os países vizinhos.

Política nacional de desenvolvimento urbano 35


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
Consideradas as desigualdades regionais PARA A GRANDE MAIORIA DOS MUNICÍPIOS,
na distribuição da população, das atividades O ACESSO AOS RECURSOS FEDERAIS SE DAVA,
econômicas e da rede de cidades e os fortes SOBRETUDO, ATRAVÉS DE RELAÇÕES DE TUTELA
desníveis sociais no Brasil, a busca de um E CLIENTELISMO NOS DIVERSOS MINISTÉRIOS,
Projeto de Nação que combine crescimento AO CUSTO DE NUMEROSAS INTERMEDIAÇÕES
econômico com inclusão social deveria estar POLÍTICAS E VIAGENS A BRASÍLIA
baseado em um processo de coesão econô-
mica e social para o qual a reconfiguração da
rede urbana é fundamental. vam as desigualdades entre municípios peri-
féricos e centros urbanos mais antigos, ainda
que “boas práticas” em municípios menores
UMA NOVA TIPOLOGIA DAS CIDADES
pudessem atrair, aqui e acolá, a atenção das
BRASILEIRAS
instituições financiadoras.
Até os anos 90, as diretrizes de desenvol- Este marco competitivo dominou as
vimento urbano e de desenvolvimento políticas territoriais de “Eixos de Desenvol-
regional privilegiaram, inicialmente, a con- vimento” que se consubstanciaram nos dois
centração de investimentos e de esforços governos Fernando Henrique Cardoso. Neste
de planejamento nas nove regiões metro- momento, as preocupações com a desi-
politanas instituídas na década de 70, para gualdade macrorregional foram canceladas
as quais foram criadas agências técnicas de em função da promoção de investimentos
planejamento. Seguindo uma lógica centra- em vetores de articulação da economia
lista, o Programa de Cidades de Porte Mé- brasileira com a economia global, como o
dio promoveu a difusão dos investimentos agronegócio voltado para a exportação, a
urbanísticos em pequenas capitais e pólos exploração de recursos minerais e o turismo
regionais sem guardar relação com os incen- internacional. O caráter seletivo dessas polí-
tivos fiscais para projetos industriais e agro- ticas aprofundaram as desigualdades entre
pecuários que eram concedidos por superin- regiões receptoras de investimentos e outras
tendências regionais como a Sudene. Para a deixadas à iniciativa local, algumas delas
grande maioria dos municípios, o acesso aos próximas e mesmo vizinhas entre si.
recursos federais se dava, sobretudo, atra- Desigualdades dessa ordem são capazes
vés de relações de tutela e clientelismo nos de condenar regiões inteiras do país à es-
diversos ministérios, ao custo de numerosas tagnação e ao esgarçamento das redes de
intermediações políticas e viagens a Brasília. cidades em que as alternativas econômicas
Com baixas taxas de crescimento econômi- são o atraso agrícola e a emigração é fatal
co e indefinição de canais de financiamento para a dinâmica produtiva regional em mais
para cidades e regiões, os anos 90 generali- de um aspecto. Para essas regiões, não basta
zam a chamada “política de balcão”, em que que exista uma linha de financiamento nem
projetos isolados de municípios e estados se mesmo que exista infra-estrutura. É preciso
submetiam unicamente ao crivo de bancos a concorrência de fatores que apenas o meio
federais – como Caixa Econômica e BNDES urbano pode mobilizar para pôr em marcha
– ou internacionais – como o BIRD e BID. a economia e que são atividades terciárias
Era um ambiente competitivo. O “marketing interdependentes, como comércio, transpor-
urbano” e as consultorias privadas aumenta- tes, armazenagem, reparações mecânicas,

36
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
habitação, saúde, cultura, finanças, educa- DESIGUALDADES DESSA ORDEM SÃO
ção geral e profissional. CAPAZES DE CONDENAR REGIÕES INTEIRAS
Cabe à política urbana revelar as cidades DO PAÍS À ESTAGNAÇÃO E AO ESGARÇAMENTO
para a ação governamental e destacar a sua DAS REDES DE CIDADES EM QUE AS
importância para o desenvolvimento de ALTERNATIVAS ECONÔMICAS SÃO O ATRASO
toda uma região e do País como um todo. AGRÍCOLA E A EMIGRAÇÃO É FATAL PARA A
Esta é a função da nova tipologia das cida- DINÂMICA PRODUTIVA REGIONAL EM MAIS
des, em elaboração no âmbito da Política
DE UM ASPECTO
Nacional de Desenvolvimento Urbano.
A tipologia de cidades combina parâme-
tros básicos de redes e variáveis urbanas
com a recém-criada tipologia de regiões
giões de Tipo 1, de alta renda. Está no Norte
que será usada pelo Ministério da Integração
a maior parcela (25,2%) dos municípios que
Nacional para reorientar o desenvolvimento
apresentam as mais elevadas taxas de cres-
regional do País. Esta tipologia regional é
cimento da população total, acima de 5%
baseada no reconhecimento de quatro Mi-
anual, enquanto o Nordeste (32,1%) e o Sul
crorregiões: Microrregião de tipo 1, de alta
(28,5%) têm a maior fração de municípios
renda; Microrregião de tipo 2, de média e
com crescimento populacional negativo,
baixa rendas, mas de alto dinamismo recen-
abaixo de -2,5%.
te; Microrregião de tipo 3, de média renda,
Para revelar o peso do ambiente econô-
mas de baixo dinamismo recente; Microrre-
mico microrregional na caracterização das
gião de tipo 4, de baixa renda e baixo dina-
cidades, a tipologia por microrregiões será
mismo recente.
combinada com parâmetros territoriais da
85,9% dos municípios localizados em
Rede de Cidades e com um conjunto de va-
Microrregiões de Tipo 4, com baixa renda e
riáveis urbanas.
baixo dinamismo econômico, encontram-
Os parâmetros da Rede de Cidades fo-
se na Região Nordeste e os 14,1% restantes
ram elaborados pelo IPEA, IBGE e o Núcleo
encontram-se na Região Norte. Isto é, não
de Economia Social, Urbana e Regional da
existem municípios de renda baixa e baixo
Unicamp, resultando numa hierarquia em 5
dinamismo econômico nas regiões Sudeste,
níveis, na qual 111 municípios são identifica-
Sul e Centro Oeste. Está concentrada no Su-
dos como nós de uma rede urbana nacional,
deste e no Sul a expressiva maioria (90,4%0)
com 49 aglomerações e 62 cidades não
dos municípios localizados em Microrre-
aglomeradas. Esta rede agrega municípios
em unidades territoriais que não são ade-
quadas aos recortes adotados pela tipologia
DESIGUALDADES DESSA ORDEM SÃO CAPAZES de microrregiões, o que torna obrigatória
DE CONDENAR REGIÕES INTEIRAS DO PAÍS À a adoção do município como unidade de
ESTAGNAÇÃO E AO ESGARÇAMENTO DAS REDES DE análise mínima para a nova tipologia urbana.
CIDADES EM QUE AS ALTERNATIVAS ECONÔMICAS SÃO A aglomeração de Brasília, por exemplo, é
O ATRASO AGRÍCOLA E A EMIGRAÇÃO É FATAL PARA composta de municípios que, do ponto de
A DINÂMICA PRODUTIVA REGIONAL EM MAIS DE UM vista microrregional, se distribuem em três
ASPECTO tipos diferentes.

Política nacional de desenvolvimento urbano 37


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
O cruzamento destes parâmetros regionais gualdades regionais, preservação ambiental e
com variáveis urbanas referentes às dinâmicas interesses de geopolítica e de soberania.
populacionais, econômicas, sociais, topológicas Um projeto de tal natureza passaria pela
e de organização administrativa fornecerá um integração nacional vista em quatro grandes
inédito quadro tipológico sobre a diversidade dimensões, complementares e articuladas:
das cidades nas regiões brasileiras. Este quadro integração físico-territorial; integração econô-
será uma importante referência para a Política mica; integração social e integração política.
Nacional de Desenvolvimento Urbano superar Do ponto de vista da Integração físico-ter-
em definitivo os padrões históricos do planeja- ritorial, os elementos centrais para esse tipo
mento urbano e territorial brasileiro, que antes de integração seriam o desenvolvimento da
mais reforçaram do que combateram as pro- infra-estrutura, especialmente transportes, e a
fundas desigualdades regionais do país. distribuição da rede urbana, o que implicaria
Os estudos promovidos pelo Ministério das na criação de novas centralidades urbanas, a
Cidades apontam para as seguintes hipóteses exemplo dos papéis cumpridos por Brasília,
para a reconfiguração da rede urbana: Goiânia e Palmas.
Para o fortalecimento das novas centralida-
Criação de novas centralidades urbanas des, dois elementos se destacam: os sistemas
Em contraste com a alta concentração po- de transportes inter-regional e intra-regional e
pulacional nas metrópoles da faixa atlântica, a concentração de equipamentos urbanos.
a criação de novas centralidades nas regiões
de menor densidade populacional poderia Definição de políticas públicas específicas
cumprir dois papéis centrais. Em primeiro segundo a diversidade da rede urbana
lugar, serviriam de centros de produção in- Para as grandes metrópoles, a ação do Estado
dustrial que, além de seu próprio crescimento, deveria privilegiar a extrema concentração de
serviriam também como suporte ao desen- população e riqueza, o desequilíbrio ambiental
volvimento econômico de seus entornos. e as disparidades sociais, um conjunto de confli-
Em segundo lugar, serviriam para reorientar tos e carências que exigiriam atenção especial.
os fluxos migratórios e frear o crescimento Para as cidades de regiões estagnadas e
demográfico das grandes metrópoles, contri- de baixa acumulação de riqueza, deveriam
buindo para uma melhor distribuição produti- ser dirigidos investimentos distintos daqueles
va e populacional no País. dirigidos a cidades onde as oportunidades de
Essas novas centralidades seriam identifi- desenvolvimento estão travadas pela falta de
cadas pelo potencial da expansão produtiva urbanização. Nas cidades menos dinâmicas, o
(agrícola, industrial, mineral, de serviços), e problema urbano consiste em padrões técni-
da intencionalidade política em termos de cos e administrativos atrasados e relações ru-
ordenamento do território, redução das desi- ral-urbano pobres, que se traduzem em baixa
capacidade de produção de riqueza e, portan-
PARA AS GRANDES METRÓPOLES, A AÇÃO DO ESTADO
to, baixa capacidade de alteração espontânea
DEVERIA PRIVILEGIAR A EXTREMA CONCENTRAÇÃO
do quadro de pobreza. Nestas cidades, a po-
DE POPULAÇÃO E RIQUEZA, O DESEQUILÍBRIO lítica urbana deveria envolver esforços de ar-
AMBIENTAL E AS DISPARIDADES SOCIAIS, UM ticulação com outros setores governamentais
CONJUNTO DE CONFLITOS E CARÊNCIAS QUE de modo a fomentar relações rural-urbano,
EXIGIRIAM ATENÇÃO ESPECIAL isto é, dinamizar o processo de urbanização

38
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
necessário à dinamização da agricultura, com AS METRÓPOLES BRASILEIRAS CONCENTRAM HOJE
expansão de atividades complementares nas A QUESTÃO SOCIAL, CUJO LADO MAIS EVIDENTE E
áreas de habitação, serviços públicos, comér- DRAMÁTICO É A EXACERBAÇÃO DA VIOLÊNCIA. HÁ
cio para o consumo das famílias, etc. DEZ ANOS A VIOLÊNCIA NAS PERIFERIAS TINHA
OUTRA DIMENSÃO. NAS METRÓPOLES DO SUDESTE,
Priorização de investimentos e ações nas
A TAXA DE ÓBITOS POR HOMICÍDIO CHEGA A MAIS DE
regiões metropolitanas.
100 MORTOS POR 100 MIL HABITANTES NA FAIXA DA
Segundo esta hipótese, que será desenvolvida
POPULAÇÃO COM IDADE ENTRE 15 E 24 ANOS, O QUE
no próximo item, as metrópoles são as por-
MUITO PROVAVELMENTE OCASIONARÁ IMPACTOS NA
tadoras dos principais dilemas da sociedade
ESTRUTURA ETÁRIA NOS PRÓXIMOS ANOS
brasileira. O desperdício da força produtiva
concentrada nas metrópoles e os constrangi-
mentos advindos da metropolização da vida pulação, desde megacidades como São Paulo,
social inviabilizariam qualquer projeto de de- reunindo mais de 19 milhões de habitantes,
senvolvimento e coesão nacional. até pequenas aglomerações urbanas institu-
Essas hipóteses serão discutidas ao longo cionalizadas como metropolitanas. Algumas
do processo da 2ª Conferência Nacional das crescem a taxas anuais superiores a 3% ao ano
Cidades. (como é o caso de Goiânia e Curitiba e tam-
bém da Região Integrada de Desenvolvimento
Econômico de Brasília), com expansão expres-
siva até mesmo nos pólos, enquanto outras
REGIÕES METROPOLITANAS possuem crescimento elevado apenas nas suas
periferias. As regiões têm distintos pesos no
Dimensões da questão metropolitana que se refere à participação na renda e na di-
Hoje o Brasil tem 27 regiões metropolitanas ofi- nâmica da economia, com destaque para São
cialmente reconhecidas, que representam 453 Paulo, com 178 das 500 maiores empresas do
municípios onde vivem cerca de 70 milhões Brasil e uma massa de rendimento pessoal que
de habitantes. São dimensões que comportam se aproxima de 1/3 da massa total do conjunto
uma realidade muito diversificada. De um lado, das regiões metropolitanas brasileiras.
temos São Paulo e Rio de Janeiro com densida- Muitas de nossas metrópoles e aglomera-
des demográficas de 2.220 e 1.899 habitantes ções se articulam configurando novos arranjos
2
por km respectivamente e, de outro, Tubarão espaciais, com redobrada importância no pla-
e Carbonífera, em Santa Catarina, com 19,5 e no econômico e social e também redobrada
2
87,7 habitantes por km . Nos últimos dez anos, complexibilidade quanto ao compartilhamen-
a população total das sete maiores regiões to de uma gestão voltada à inclusão social e
metropolitanas oficiais cresceu 30%, enquanto municipal. É o caso de complexos urbanos
que a população de seus municípios nucleares como o das regiões de São Paulo, Campinas e
não cresceu mais que 5% e, em algumas áreas Baixada Santista, que articulam regiões distin-
centrais, chegou mesmo a diminuir. tas num processo único.
O processo de metropolização avança, Ao lado das evidências do aumento da
mas se diversifica no território nacional. Como importância institucional, demográfica e eco-
mencionamos anteriormente, temos regiões nômica, as metrópoles brasileiras concentram
metropolitanas com diferentes portes de po- hoje a questão social, cujo lado mais evidente

Política nacional de desenvolvimento urbano 39


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
e dramático é a exacerbação da violência. Há lerância a práticas de especulação imobiliária.
dez anos a violência nas periferias tinha outra Este mecanismo existe em todas as cidades,
dimensão. Nas metrópoles do Sudeste, a taxa mas na grande metrópole brasileira ele funda
de óbitos por homicídio chega a mais de 100 a hegemonia da lógica mercantil sob a lógica
mortos por 100 mil habitantes na faixa da po- produtiva e restringe o mercado de moradia
pulação com idade entre 15 e 24 anos, o que no Brasil ao segmento de luxo.
muito provavelmente ocasionará impactos na Tomemos o Rio de Janeiro, certamente a
estrutura etária nos próximos anos. cidade onde se evidenciam de maneira mais
O aumento da violência nas metrópoles extremada os limites que as desigualdades
guarda fortes relações com os processos de urbanas impõem ao próprio desenvolvimento
segregação sócio-territorial em curso, que da capacidade produtiva do setor da constru-
separam as classes e grupos sociais em espa- ção civil: nos últimos anos, 71% das unidades
ços da abundância e de integração e em es- residenciais lançadas no mercado imobiliário
paços de concentração da população vivendo estavam destinadas aos segmentos com
simultâneos processos de exclusão social. Ao renda anual superior a R$ 150 mil, devido à
mesmo tempo, a violência constitui-se hoje escassez relativa do solo urbano, à concen-
em desvantagem locacional de algumas me- tração territorial dos bens e serviços e à baixa
trópoles, ao produzir condições econômicas e acessibilidade.
institucionais que bloqueiam a sua capacida- O segundo mecanismo – menos visível – é
de produtiva, com impactos no emprego e na o que hoje se estabelece entre a segregação
renda. Estima-se, por exemplo, que a violência residencial e a exclusão do acesso às oportu-
gere um custo anual de cerca de R$ 13,4 bi- nidades de trabalho, renda e escolaridade. A
lhões nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo partir dos anos 90 observamos nas principais
e Belo Horizonte, o que representa aproxima- metrópoles brasileiras a combinação perversa
damente 6% do PIB dos respectivos estados. de barreiras para a mobilidade social entre
ocupações qualificadas e não-qualificadas
As metrópoles e os desafios das
– exigência de diplomas, experiência e idade,
desigualdades sócio-espaciais
excluindo amplos segmentos de trabalhadores
Ingressamos na nova fase do capitalismo com do acesso aos postos mais estáveis, protegidos
grandes desafios à manutenção da coesão e bem remunerados, e o seu isolamento, social
social nas nossas metrópoles. Pela ausência e cultural em territórios da vulnerabilização e
de planejamento, corremos o risco de repro- da exclusão. São bairros periféricos e favelas
duzirmos os processos de secessão e de frag- que concentram uma população submeti-
mentação urbana já observados em algumas da a múltiplos processos de fragilização de
metrópoles, especialmente nas chamadas suas ligações com a sociedade mais ampla e
global cities. submetida a inúmeras situações de risco. As
Estas tendências contribuem para produzir enormes distâncias que separam as áreas cen-
no território da metrópole dois mecanismos trais das metrópoles dos longínquos bairros
que aprofundam o caráter desigual da socie- periféricos, associadas à decomposição dos
dade brasileira. O primeiro – e mais conhecido sistemas de transportes, geram tendências ao
– é a concentração da riqueza e da renda atra- isolamento dos trabalhadores mais fragilizados
vés da distribuição desigual dos investimentos no mercado de trabalho, justamente aqueles
geradores de bem-estar social urbano e a to- mais atingidos pela perda da renda.

40
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
A organização do território produz efeitos re- HOJE SE ESTABELECE ENTRE A SEGREGAÇÃO
gressivos na renda através da segregação social RESIDENCIAL E A EXCLUSÃO DO ACESSO ÀS
e simbólica representada nas favelas. No Rio de OPORTUNIDADES DE TRABALHO, RENDA
Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, a renda dos E ESCOLARIDADE. A PARTIR DOS ANOS 90
trabalhadores com até quatro anos de estudo OBSERVAMOS NAS PRINCIPAIS METRÓPOLES
e que residem em favelas é, respectivamente, BRASILEIRAS A COMBINAÇÃO PERVERSA DE
inferior em 14%, 19% e 21% àquela obtida BARREIRAS PARA A MOBILIDADE SOCIAL ENTRE
pelos trabalhadores em igual condição social,
OCUPAÇÕES QUALIFICADAS E NÃO-QUALIFICADAS
mas que residem fora de favelas. Esta situação
– EXIGÊNCIA DE DIPLOMAS, EXPERIÊNCIA E
repete-se para todos os atributos incidentes na
IDADE, EXCLUINDO AMPLOS SEGMENTOS DE
determinação da renda e sugere que a popula-
TRABALHADORES DO ACESSO AOS POSTOS MAIS
ção moradora das favelas é objeto de práticas
ESTÁVEIS, PROTEGIDOS E BEM REMUNERADOS,
discriminatórias no mercado de trabalho.
É uma segregação residencial que se ex- E O SEU ISOLAMENTO, SOCIAL E CULTURAL EM

pressa nos espaços separados por distintos TERRITÓRIOS DA VULNERABILIZAÇÃO E DA EXCLUSÃO

regimes jurisdicionais da propriedade imobi-


Uma política nacional para as
liária: o da propriedade plena, cartorialmente
metrópoles
assegurada, de valor vinculado ao mercado
imobiliário; e o da posse precária, assegurada As metrópoles estão, portanto, no coração
apenas pelas convenções sociais locais, sem dos dilemas da sociedade brasileira. São em
capacidade de se comunicar com as institui- seu solo que estão dramatizados e concen-
ções do mercado. Por exemplo, os assalaria- trados os efeitos da disjunção entre nação,
dos com registro trabalhista que moram em economia e sociedade, inerentes a nossa
favelas (e eles não são poucos) não podem condição histórica de periferia da expansão
usar os seus recursos compulsoriamente de- capitalista. Devemos ser capazes de dar uma
positados no FGTS para comprar ou reformar resposta às ameaças de falta de coesão social,
a sua própria moradia. sem o que nenhuma mudança do rumo do
Estudos mostram que nos territórios da transatlântico da economia estabilizada e sol-
vulnerabilização e da exclusão, em especial vável será possível ou terá sentido. Ao mesmo
naqueles em que a violência é exacerbada, a tempo, todos sabem que a estabilização e a
fragilização da estrutura social e das famílias solvabilização da nossa economia frente aos
acaba por produzir um efeito de segregação credores internacionais, embora sejam condi-
sobre o potencial socializador e democratiza- ções fundamentais, não são suficientes para
dor da instituição escolar. Nas metrópoles do garantir o nosso desenvolvimento, uma vez
Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, por que a capacidade produtiva está ameaçada
exemplo, observou-se que crianças de 8 a 15 por vários processos de dilapidação. Todos
anos de idade apresentam significativas dife- sabem disso, não há nenhum político, gover-
renças de atraso escolar se moram em bairros nante, jornalista ou intelectual que não perce-
que concentram fortemente segmentos so- ba os crescentes constrangimentos do nosso
ciais de baixa escolaridade e renda, quando desenvolvimento advindos da metropolização
comparadas com o desempenho escolar de da questão social, da violência urbana, da
crianças semelhantes, mas que vivem em bair- degradação do meio-ambiente, da pobreza
ros com maior mistura social. urbana, da fragilização da família etc. Mas

Política nacional de desenvolvimento urbano 41


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
cabe então uma pergunta: por que a questão país reunidas no Observatório da Metró-
metropolitana tem sofrido de uma ameaçado- poles para elaboração de um marco legal
ra orfandade política durante tantos anos? nacional que oriente a delimitação das re-
Os desafios metropolitanos configuram giões metropolitanas pelos estados;
uma situação de insensatez. A enorme força 2. O levantamento das políticas, ações e
produtiva concentrada em um sistema urba- investimentos do Governo Federal nas
no-metropolitano diversificado como o bra- regiões metropolitanas como fomento a
sileiro – certamente só comparável com a de um planejamento integrado na Câmara de
poucos países do mundo – não só é deixada Política de Integração Nacional e Desen-
inaproveitada como é revertida numa acumu- volvimento Regional, sob coordenação do
lação de desastres sociais e ambientais que Ministério das Cidades.
dificultam a coesão nacional. 3. A realização de estudos para a elaboração
A construção de uma política para as me- de planos metropolitanos em parceria
trópoles, portanto, é um ponto crucial da Polí- do Ministério das Cidades com estados e
tica Nacional de Desenvolvimento Urbano. municípios. Estes planos metropolitanos
Com o objetivo de privilegiar a questão visarão: A) orientar o uso e a ocupação do
metropolitana no contexto das políticas públi- solo na definição, por meio de um macro-
cas nacionais, foi elaborado no final de 2003 o zoneamento, de áreas destinadas a distritos
Plano de Ação para Metrópoles em Risco, que industriais metropolitanos, habitação social
apontava prioridades de investimento nas regi- e áreas de proteção ambiental; B) orientar
ões metropolitanas nos setores de saneamento as políticas de drenagem urbana, coleta de
ambiental, habitação e regularização fundiária. lixo, abastecimento de água e esgotamen-
O plano foi complementado em 2004 para to sanitário; C) orientar a gestão, os inves-
incluir os setores de mobilidade, transporte e timentos e a integração dos transportes
trânsito e tem orientado a realização de ações coletivos; D) mapear as áreas socialmente
e a distribuição de recursos do Ministério das vulneráveis e integrar as ações locais e esta-
Cidades, além de servir como referência para duais com as ações dos diversos ministérios
políticas conduzidas por outros ministérios. do Governo Federal. É fundamental lem-
Entre outros procedimentos adotados na brar que estes planos devem dialogar com
construção de um política metropolitana na- os planos diretores municipais e é desejável
cional, cabe destacar: que, a médio prazo, eles orientem os inves-
1. A parceria com universidades de todo o timentos públicos nas áreas metropolitanas.

42
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
A desigualdade urbana

FOTO CUSTÓDIO COIMBRA


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
O diagnóstico da desigualdade urbana QUASE UM TERÇO DO TOTAL DOS DOMICÍLIOS
no Brasil poderia ser realizado por meio de URBANOS PERMANENTES DO PAÍS, 10,2 MILHÕES
inúmeras abordagens e pontos de vista. No DE MORADIAS, CARECE DE, PELO MENOS, UM DOS
entanto, para a Política Nacional de Desen- SERVIÇOS PÚBLICOS – ABASTECIMENTO DE ÁGUA,
volvimento Urbano, importa enfatizar os pro- ESGOTAMENTO SANITÁRIO, COLETA DE LIXO E
blemas de maior impacto social na habitação, ENERGIA ELÉTRICA –, COM 60,3% DESTAS MORADIAS
saneamento, mobilidade e trânsito. São áreas NAS FAIXAS DE RENDA DE ATÉ 3 SALÁRIOS MÍNIMOS.
em que o acúmulo de informações no espaço
NA REGIÃO NORDESTE EXISTE MAIS DE 4,4 MILHÕES
e no tempo permite uma leitura qualificada
DE MORADIAS COM ESTE TIPO DE DEFICIÊNCIA, O QUE
da desigualdade no interior de nossas cidades.
REPRESENTA CERCA DE 36,6% DO TOTAL DO BRASIL

DÉFICITS QUANTITATIVOS
qualitativo 2,8 milhões de domicílios urbanos
E QUALITATIVOS NA POLÍTICA
que contabilizam mais de três moradores por
HABITACIONAL
cômodo da habitação e 837 mil moradias edi-
No Brasil, o déficit habitacional meramente ficadas há mais de 50 anos e carentes de re-
quantitativo é da ordem de milhões de unida- forma e readequação – um problema urbano
des habitacionais. O país carece de moradia recente e que deverá se agravar nos próximos
para 7,2 milhões de famílias, 5,5 milhões delas anos –, pois uma parte expressiva do estoque
em áreas urbanas e 1,7 milhões em áreas ru- de domicílios do País foi construída a partir da
rais. O déficit quantitativo nas faixas de renda década de 60.
de até 2 salários mínimos é de 4,2 milhões de As necessidades qualitativas se diferenciam
moradias, concentrado principalmente nas re- entre as regiões do País. No Norte, Nordeste
giões metropolitanas. Pelos dados censitários, e Centro Oeste, mais de 50% dos domicílios
este mesmo déficit sofreu retração para as urbanos permanentes têm algum tipo de ca-
faixas de renda acima de 5 salários mínimos, rência de infra-estrutura urbana e saneamento
passando de 15,7% do total em 1991 para ambiental, porcentagem que diminui para
11,8% em 2000. 15% no Sudeste, onde o adensamento exces-
Quanto ao déficit qualitativo, sua quantifi- sivo e a depreciação são expressivos.
cação mais preliminar diz respeito à densida- Dois fenômenos associados à qualidade
de habitacional e ao padrão construtivo da das habitações também precisam ser con-
moradia, bem como sua conexão com redes tabilizados, ainda que as estatísticas sejam
de infra-estrutura urbanas. Quase um terço do menos inequívocas: o peso dos aluguéis para
total dos domicílios urbanos permanentes do populações de baixa renda e a irregularidade
País, 10,2 milhões de moradias, carece de, pelo na propriedade da habitação.
menos, um dos serviços públicos – abasteci- O ônus excessivo do aluguel, que compro-
mento de água, esgotamento sanitário, coleta mete 30% ou mais do rendimento das famílias
de lixo e energia elétrica –, com 60,3% destas urbanas, é um dos principais problemas da
moradias nas faixas de renda de até 3 salários locação para fins de moradia. Em 2000, havia
mínimos. Na região Nordeste existe mais de 1,2 milhão de famílias com rendimentos de
4,4 milhões de moradias com este tipo de até três salários mínimos nesta situação.
deficiência, o que representa cerca de 36,6% A ausência de informações abrangentes e
do total do Brasil. Também compõem o déficit sistematizadas, de âmbito nacional, sobre as

Política nacional de desenvolvimento urbano 45


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
características dos domicílios e da população DO TOTAL DE 4,4 MILHÕES DE UNIDADES
residente em cortiços, que é a habitação co- EMPREENDIDAS, NO PERÍODO DE 1995 A 1999,
letiva de aluguel, tem dificultado o conheci- APENAS 700 MIL FORAM PROMOVIDAS PELA
mento dessa realidade. O crescimento de alu- INICIATIVA PÚBLICA OU PRIVADA NO BRASIL.
guel de cômodos em favelas mais consolida- AS OUTRAS 3 MILHÕES E 700 MIL UNIDADES
das e em áreas periféricas é outro fenômeno FORAM CONSTRUÍDAS POR INICIATIVA DA
que tem se intensificado e que contribui para PRÓPRIA POPULAÇÃO, OU SEJA, CERCA DE 70% DA
o adensamento desses assentamentos. Apesar
PRODUÇÃO DE MORADIA NO PAÍS ESTÁ FORA DO
do aluguel demonstrar alguma capacidade
MERCADO FORMAL. A RAZÃO DESTA INOPERÂNCIA
de pagamento de uma parcela da população
DO MERCADO HABITACIONAL BRASILEIRO ESTÁ
de baixa renda, por outro lado, ele expõe uma
NO DESENHO INSTITUCIONAL DAS POLÍTICAS
irracionalidade do mercado de locação em
HABITACIONAIS, CUJA IMPLEMENTAÇÃO CONFUSA E
equilibrar a oferta crescente de imóveis vagos
nas cidades brasileiras com a demanda mais PULVERIZADA LIMITA A REALIZAÇÃO DE PROGRAMAS

necessitada. HABITACIONAIS À INICIATIVA DE ALGUNS AGENTES

Quanto à irregularidade fundiária na posse PROMOTORES, QUE NÃO CONTAM COM O INCENTIVO

de terrenos e moradias, estima-se que ela DE UMA POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO


atinja cerca de 2,2 milhões dos domicílios
urbanos. É importante ressaltar que a forma
de coleta desta informação no Censo Demo- 1991 e 2000, enquanto a taxa de crescimento
gráfico subestima a realidade deste universo. domiciliar foi de 2,8%, a de domicílios em fa-
As situações de irregularidade fundiária estão velas foi de 4,18% ao ano. Entre 1991 e 1996, a
presentes em boa parte do País e envolvem quantidade de domicílios em favelas cresceu
ocupações de terrenos públicos ou privados 16,6%. Entre 1991 e 2000, 22,5%, totalizando
e loteamentos que não passaram por uma ou 1.644.266 domicílios em 3.905 favelas.
mais das diversas e confusas etapas de apro- Frente a estes déficits quantitativos e quali-
vação por parte dos órgãos públicos. Todas tativos concentrados nas populações de baixa
as cidades com mais de 500 mil habitantes renda, o Brasil enfrenta um déficit de políticas
possuem áreas irregulares e, embora a proba- públicas. A gestão do solo e a regulação urba-
bilidade da existência dessas irregularidades nística das grandes cidades brasileiras são his-
aumente com a escala das cidades, existem toricamente voltadas para o mercado das clas-
assentamentos irregulares ou clandestinos em ses médias e interesses dos médios e grandes
pelo menos 39% das cidades com menos de empreendedores, o que contribui para a
20 mil habitantes. segregação urbana e a exclusão territorial
A confluência de todos os déficits e irregu- da população de baixa renda. Instrumentos
laridades fundiárias da habitação acontece nas urbanos como planos diretores locais, assim
favelas brasileiras, cujo descontrole se estende como as leis de parcelamento do solo, não
até sua mera quantificação. A única estatística foram capazes de aumentar a oferta de solo
com abrangência nacional é a desenvolvida urbanizado para os mercados de baixa renda
pelo IBGE para os chamados aglomerados e impedir o crescimento dos assentamentos
subnormais, na qual a metodologia de coleta precários e loteamentos clandestinos. Mesmo
dos dados gera distorções. Ainda assim, os a regularização fundiária de assentamentos
censos demográficos mostram que, entre que preenchem as condições exigidas pela lei

46
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
se caracteriza pela morosidade, e raramente Os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalha-
chegam ao registro de títulos em cartório e à dor, em virtude da sua característica onerosa,
inscrição em cadastros públicos. não contribuem para amenizar a dificuldade
A ausência de políticas públicas claras e de atendimento do segmento populacional
abrangentes inviabiliza até mesmo a oferta de de menor renda, que não acessa o crédito ha-
moradia para os segmentos de renda média bitacional. Os financiamentos habitacionais do
por parte do mercado imobiliário brasileiro. Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo,
Do total de 4,4 milhões de unidades empreen- no período compreendido entre 1990 e 2002,
didas, no período de 1995 a 1999, apenas 700 apresentaram um ritmo inferior à metade do
mil foram promovidas pela iniciativa pública patamar histórico de suas aplicações. Esta
ou privada no Brasil. As outras 3 milhões e 700 queda reflete a pouca atratividade da Cader-
mil unidades foram construídas por iniciativa neta de Poupança e a exagerada flexibilidade
da própria população, ou seja, cerca de 70% assegurada aos agentes captadores no tocan-
da produção de moradia no País está fora do te ao cumprimento das exigibilidades de apli-
mercado formal. A razão desta inoperância do cação. Esta redução na oferta de crédito para
mercado habitacional brasileiro está no dese- as famílias de classe média deixou uma parce-
nho institucional das políticas habitacionais, la do mercado potencial sem atendimento e
cuja implementação confusa e pulverizada criou uma pressão sobre os recursos do FGTS.
limita a realização de programas habitacionais O Sistema de Financiamento Imobiliário,
à iniciativa de alguns agentes promotores, que criado em 1997, não conseguiu proporcionar
não contam com o incentivo de uma política aumento de investimentos no setor habitacio-
nacional de habitação. nal em virtude da falta de segurança jurídica
As restrições que seguem prevalecendo no nos contratos e inexistência de um mercado
âmbito dos financiamentos ao setor público secundário que garantisse liquidez para os
inviabilizam programas de urbanização e de títulos lastreados em recebíveis imobiliários.
combate ao déficit qualitativo, em particular O ambiente financeiro instável provocado
os destinados à complementação da infra- pelo endividamento externo do País, a ma-
estrutura. Inviabilizam, ainda, o atendimento nutenção de taxas de juros altas e a incerteza
da população de menor renda e as obras em quanto às taxas futuras agravaram o risco de
assentamentos precários – favelas, cortiços, inadimplência e inviabilizaram o lançamento
palafitas. A rigidez na concessão do crédito, de papéis de prazo longo, especialmente se
a utilização de critérios conservadores na lastreados em recebíveis residenciais.
análise de risco, a ausência de uma política de
subsídios para compatibilizar o custo do imó-
INSUSTENTABILIDADE DA MOBILIDADE
vel à capacidade de renda da população mais
URBANA – TRÂNSITO E TRANSPORTE
pobre conduz a aplicação em faixas de renda
média os principais fundos públicos brasileiros As principais cidades e regiões metropolitanas
voltados à habitação e infra-estrutura urbana. do Brasil sofrem hoje uma crise sem prece-
A aplicação de 79% dos recursos do Fundo dentes na história da mobilidade urbana no
de Garantia por Tempo de Serviço no atendi- Brasil. Trata-se de uma crise de controle públi-
mento à população com renda acima dos 5 co sobre a mobilidade e o trânsito, visível na
salários mínimos não é determinada de acor- clandestinidade crescente, na desvinculação
do com o perfil do déficit habitacional do País. das políticas de uso do solo e transporte e na

Política nacional de desenvolvimento urbano 47


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
diminuição de investimentos nos modos cole- O TRANSPORTE COLETIVO BRASILEIRO, OPERADO
tivos e não motorizados frente ao automóvel POR 1600 EMPRESAS (SENDO 12 METRO-
particular. Na ordenação do trânsito, apesar FERROVIÁRIAS) E COM FATURAMENTO ANUAL
da vigência do Código Brasileiro de Trânsito DE R$ 20 BILHÕES, POSSUI NÚMEROS QUE DÃO
desde 1998, ainda não foram regulamentadas DIMENSÃO AOS RISCOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DE
as articulações entre os órgãos que compõem SUA QUEDA DE DESEMPENHO. NAS 223 CIDADES
o Sistema Nacional de Trânsito nem ações COM MAIS DE 100 MIL HABITANTES CIRCULAM
importantes como a inspeção técnica veicular
CERCA DE 115 MIL ÔNIBUS E 2700 VEÍCULOS SOBRE
e a aplicação dos recursos provenientes das
TRILHOS. ESTES VEÍCULOS TRANSPORTAM 64
multas de trânsito em ações de engenharia,
MILHÕES DE PASSAGEIROS POR DIA, SENDO OS
operação, fiscalização e educação.
SISTEMAS METROVIÁRIOS E FERROVIÁRIOS O MODO
O mais importante aspecto desta crise é
PRINCIPAL PARA 5 MILHÕES DELES. 80% DE TODAS
a queda da eficiência do transporte coletivo
urbano brasileiro. ESSAS VIAGENS CONCENTREM-SE NAS REGIÕES

O transporte coletivo brasileiro, operado METROPOLITANAS E AGLOMERAÇÕES URBANAS.

por 1600 empresas (sendo 12 metro-ferro- CERCA DE 95% DAS OPERAÇÕES SÃO REALIZADAS POR

viárias) e com faturamento anual de R$ 20 OPERADORES PRIVADOS


bilhões, possui números que dão dimensão
aos riscos econômicos e sociais de sua queda Esta hipótese da barreira social vem se
de desempenho. Nas 223 cidades com mais confirmando com a queda da demanda pelo
de 100 mil habitantes circulam cerca de 115 transporte público em todo o Brasil, queda
mil ônibus e 2700 veículos sobre trilhos. Estes em termos relativos e, mais recentemente,
veículos transportam 64 milhões de passagei- também em termos absolutos. Pesquisa da
ros por dia, sendo os sistemas metroviários e Associação Nacional das Empresas de Trans-
ferroviários o modo principal para 5 milhões porte de Passageiros, realizada em 2002 nas
deles. 80% de todas essas viagens concen- oito maiores capitais brasileiras, mostra que
trem-se nas regiões metropolitanas e aglome- nelas o transporte público perdeu cerca de
rações Urbanas. Cerca de 95% das operações 25% da demanda entre 1994 e 2001, e a pro-
são realizadas por operadores privados. dutividade – medida pela relação entre passa-
O transporte público é um importante geiros transportados e distância rodada – caiu
elemento de combate à pobreza urbana. No de cerca de 2,2 para 1,5.
entanto, o percentual da renda média familiar Durante a vigência do Plano Real, entre
gasto com o transporte urbano aumenta con- julho de 1994 e agosto de 2003, houve infla-
forme diminui a renda da família. Ou seja, além ção acumulada de 155% e reposição de renda
dos mais pobres serem mais dependentes dos nas famílias mais pobres de 131%. Ao mesmo
transportes coletivos, modo de deslocamento tempo, as tarifas de ônibus, na média das dez
não priorizado nas políticas urbanas da maioria maiores regiões metropolitanas, escalaram
das cidades brasileiras, eles ainda devem pagar 242%. Essa mistura de diminuição de renda
relativamente mais caro para utilizá-los. Assim, real com aumento de tarifa de transporte pro-
se o serviço não for adequado às necessidades duz a imobilidade da população em territórios
da população mais pobre, ele se torna um da pobreza, impedidas de circular livremente
empecilho ao acesso às oportunidades e ativi- na metrópole à procura da ocupação e da
dades essenciais – uma barreira social. renda, ainda que precária e de baixa remune-

48
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
ração. Nos últimos nove anos, nessas mesmas Por fim, o transporte coletivo brasileiro
regiões metropolitanas, nada menos de 26% enfrenta um permanente obstáculo político e
dos brasileiros com renda familiar abaixo de ideológico, que é a prioridade dos orçamen-
R$ 500 trocaram o ônibus pelos deslocamen- tos públicos para o transporte individual. Os
tos a pé. Outros 13%, pela bicicleta. investimentos no sistema viário, que benefi-
Três aspectos da crise do transporte públi- ciam geralmente os usuários de automóvel
co urbano ficam evidenciados nesta queda particular, são defendidos como de interesse
de demanda e de produtividade: a gestão público, ao passo que investimentos em gran-
estagnada do sistema de transporte público, o des sistemas de transporte público passam a
modelo remuneratório insuficiente e a derrota depender do mercado financeiro ou da dispo-
frente à prioridade do transporte individual nibilidade dos poucos recursos governamen-
nas políticas públicas de trânsito e transporte. tais. É uma barreira ideológica que impede
As ações de fiscalização, administração e que os custos impostos à sociedade pelo uso
planejamento, que compõem a gestão do do automóvel particular sejam contabilizados.
sistema, hoje se encontram paralisadas diante A face mais perversa da crise da mobilida-
do aumento da informalidade. Trata-se de de urbana é a aceitação do transporte indivi-
uma rede de concorrência ilegal formada em dual como sua solução. Ela implica em inves-
quase todas as grandes cidades brasileiras e timentos constantes em expansão da malha
que migra de áreas não cobertas por sistemas viária para suportar o crescimento de nossa
públicos de transporte para concorrer em motorização, que aumentou de 1 veículo para
linhas com rentabilidade garantida, sem exer- cada 122 habitantes, em 1950, para 1 veículo
cer gratuidades ou isenções. Esta migração só para cada 5 habitantes, em 2003. Atualmente,
é possível porque freqüentemente o sistema os veículos particulares representam somente
legal está assentado em contratos de serviço 19% dos deslocamentos nas cidades brasilei-
inadequados, incapazes de sustentar uma ras, mas consomem cerca de 70% de suas vias,
regulação integrada do transporte urbano, uma desproporção que gera impactos diretos
quando a desregulamentação é o próprio na velocidade dos meios coletivos e, portanto,
meio em que o transporte coletivo informal em seus custos de operação. Segundo esti-
prospera na disputa por passageiros. mativa do IPEA, os congestionamentos au-
Mesmo em situações em que a gestão e a mentam em 10% os custos operacionais dos
operação conseguem conter a informalidade, ônibus do Rio de Janeiro, e em 16% os de São
acontecem crises financeiras cíclicas do trans- Paulo. Segundo estudo da Associação Nacio-
porte público que são causadas pelo modelo nal de Transportes Públicos, no confronto de
remuneratório do sistema, pois é freqüente
que ele incompatibilize custos com receitas,
NOS ÚLTIMOS 15 ANOS, OS RECURSOS
tarifas e subsídios. Nos últimos 15 anos, os
ORÇAMENTÁRIOS PARA TRANSFERÊNCIA
recursos orçamentários para transferência
VOLUNTÁRIA SE TORNARAM ESCASSOS E OS POUCOS
voluntária se tornaram escassos e os poucos
INVESTIMENTOS EM CORREDORES EXCLUSIVOS E
investimentos em corredores exclusivos e
terminais de integração, a maior parte deles TERMINAIS DE INTEGRAÇÃO, A MAIOR PARTE DELES

provenientes do BNDES, estiveram dissocia- PROVENIENTES DO BNDES, ESTIVERAM DISSOCIADOS

dos de uma política nacional estruturada para DE UMA POLÍTICA NACIONAL ESTRUTURADA PARA A
a mobilidade urbana. MOBILIDADE URBANA.

Política nacional de desenvolvimento urbano 49


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
número de passageiros por quilômetro trans- SEGUNDO O CENSO DEMOGRÁFICO DE 2000, A
portado por ônibus e por automóvel particu- PORCENTAGEM DE DOMICÍLIOS QUE DESTINAM OS
lar, este último gasta 12,7 vezes mais energia, SEUS ESGOTOS DIRETAMENTE PARA VALA, RIO, LAGO
produz 17 vezes mais poluentes e consome OU MAR CRESCEU DE 4,2% PARA 5,1% ENTRE 1980 E
6,4 vezes mais espaço em vias. 2000. MESMO NO CASO DO ESGOTO COLETADO POR
É uma solução socialmente insustentável e REDE PÚBLICA EM ÁREA URBANA, CERCA DE 70%
que faz os investimentos das grandes cidades DELE NÃO RECEBE QUALQUER TIPO DE TRATAMENTO
brasileiras em infra-estrutura de vias, túneis e
QUANDO DA SUA DISPOSIÇÃO FINAL EM CORPOS
viadutos se consumirem nos custos cada vez
D’ÁGUA NATURAIS
mais crescentes dos congestionamentos, dos
acidentes de trânsito e da poluição ambiental.
2000. Neste mesmo período, o número de
municípios que dispõem de serviços de abas-
REGRESSIVIDADE DO INVESTIMENTO
tecimento de água passou de 4245 (95,9%
EM SANEAMENTO AMBIENTAL
dos municípios em 1989) para 5391 (97,9%
A mais básica das avaliações do saneamento dos municípios em 2000). Esse crescimento,
básico, a evolução da “cobertura de prestação no entanto, foi repartido de forma desigual
de serviço”, mostra que cresceu a quantidade no País. Na Região Norte e Nordeste, ao invés
de domicílios servidos por abastecimento de do percentual de municípios sem serviços de
água e esgotamento sanitários nos últimos abastecimento de água diminuir, aumentou,
anos do século passado. O Censo Demográfi- respectivamente, de 21,7% para 23,3% e de
co de 2000 registra que 77,8% dos domicílios 50% para 56%. Na Região Sudeste, 70,5% dos
particulares permanentes brasileiros têm domicílios estão servidos por abastecimento
acesso à rede geral de abastecimento de água público de água, enquanto na Região Norte
e 62,5% estão ligados à rede geral de esgota- e Nordeste, essa proporção é de respectiva-
mento sanitário e/ou pluvial ou dispõem de mente 44,3% e 52,9%.
fossa séptica. Vinte anos antes, o Censo De- Segundo o Censo Demográfico de 2000, a
mográfico de 1980 registrava respectivamente porcentagem de domicílios que destinam os
porcentagens de 54,9% e 43,2%. seus esgotos diretamente para vala, rio, lago
No entanto, a análise desta expansão revela ou mar cresceu de 4,2% para 5,1% entre 1980
que, além de insuficiente para universalização e 2000. Mesmo no caso do esgoto coletado
dos serviços de saneamento básico, ela ocor- por rede pública em área urbana, cerca de
reu sem reduzir as desigualdades regionais e 70% dele não recebe qualquer tipo de tra-
de renda. tamento quando da sua disposição final em
Um número significativo de localidades corpos d’água naturais.
permanece numa situação de completa au- O diagnóstico do manejo de resíduos
sência de saneamento ou dispõe de serviços sólidos precisa levar em conta que, embora
deficitários. Segundo a Pesquisa Nacional de o Censo Demográfico de 2000 informe que
Saneamento Básico do IBGE (PNSB 2000), ape- quase 80% dos domicílios brasileiros sejam
sar do volume de água distribuída per capita atendidos com coleta de lixo pública, apenas
ter crescido em quase todo o país, o volume 8,2% dos municípios têm programa de coleta
global de água distribuída sem tratamento seletiva e uma parcela ainda menor incorpora
aumentou de 3,9% para 7,2% entre 1989 e os catadores como parceiros dos serviços

50
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
de triagem e reciclagem. A maioria dos mu- de água e esgoto para companhias estadu-
nicípios não possui autarquias ou empresas ais. Conflitos e competição entre os entes
públicas específicas para a limpeza urbana e federativos, ausência de uma política perma-
destina o lixo coletado para depósitos a céu nente de investimentos federais, recusa dos
aberto. municípios em renovarem os acordos com
No caso dos serviços de drenagem, a as operadoras estaduais firmados durante a
precariedade da organização também é mar- vigência do Planasa e indefinição de compe-
cante. Pouquíssimos serviços são organizados tências, são os problemas que incidem sobre
como autarquias, o que os torna dependentes o saneamento brasileiro pela ausência de um
da administração direta e sem vinculação marco regulatório coerente com os princípios
institucional precisa. Segundo a PNSB 2000, da Constituição de 1988.
apenas 256 municípios têm plano diretor de Ao final da década de 90, houve no setor
drenagem, pouco mais de mil contam com in- de saneamento uma retração nos investimen-
formações pluviométricas e meteorológicas e tos necessários à universalização dos serviços,
apenas 700 utilizam essas informações. A pou- que atingiu seu grau máximo nos anos de
ca troca de experiência entre os municípios 2000 e 2002, quando os investimentos repre-
acerca dos modelos e experiências exitosas sentaram cerca de 0,07% do PIB. O pico de in-
limita o planejamento das intervenções aos vestimentos nos anos 90 foi de irrisórios 0,19%
padrões simplistas do controle de cheias. do PIB, atingido em 1998. A limitação dos in-
A expansão da cobertura do saneamento vestimentos federais e a gestão ineficiente das
ambiental se deu de forma regressiva tanto empresas deixaram as operadoras estaduais
do ponto de vista social quanto regional, pois em situação financeira precária. As resoluções
concentrou os serviços na população e nas re- do Conselho Monetário Nacional, emitidas a
giões de maior renda. No Censo Demográfico partir de 1998, limitaram significativamente as
de 2000, a faixa de renda abaixo de 2 salários possibilidades das empresas públicas de assu-
mínimos apresenta um índice de cobertura mirem empréstimos internos e externos.
dos serviços de saneamento abaixo da média Segundo dados do Sistema Nacional de
nacional, enquanto que as faixas acima de 10 Informações de Saneamento para o ano de
salários mínimos apresentam uma cobertura
superior à média nacional em cerca de 25% A EXPANSÃO DA COBERTURA DO SANEAMENTO
nos serviços de água e em 40% nos serviços AMBIENTAL SE DEU DE FORMA REGRESSIVA TANTO
de esgotos. Considerando a distribuição desta DO PONTO DE VISTA SOCIAL QUANTO REGIONAL, POIS
cobertura no país, nos municípios de mais de
CONCENTROU OS SERVIÇOS NA POPULAÇÃO E NAS
300 mil habitantes, 75% dos domicílios são
REGIÕES DE MAIOR RENDA. NO CENSO DEMOGRÁFICO
abastecidos de água através de uma rede
DE 2000, A FAIXA DE RENDA ABAIXO DE 2 SALÁRIOS
geral pública. Nos de menos de 20 mil habi-
MÍNIMOS APRESENTA UM ÍNDICE DE COBERTURA
tantes, são apenas 46% dos domicílios nesta
DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO ABAIXO DA MÉDIA
condição.
NACIONAL, ENQUANTO QUE AS FAIXAS ACIMA DE 10
Esta distribuição socialmente regressiva foi
motivada também pela desorganização insti- SALÁRIOS MÍNIMOS APRESENTAM UMA COBERTURA

tucional do setor após a extinção do Planasa e SUPERIOR À MÉDIA NACIONAL EM CERCA DE 25%

seu modelo de planejamento que induziu os NOS SERVIÇOS DE ÁGUA E EM 40% NOS SERVIÇOS DE
municípios a conceder a gestão dos serviços ESGOTOS

Política nacional de desenvolvimento urbano 51


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
2002, as 26 operadoras regionais que atuam
em âmbito estadual contabilizaram um défi-
cit total de cerca de R$ 2,2 bilhões, situação
que limita as possibilidades de ampliação dos
serviços para a população de baixa renda.
O sucateamento do setor na última década
também pode ser percebido através da razão
entre produção de serviços e receitas geradas.
Em 2002, o setor de saneamento obteve uma
receita total de R$13,5 bilhões e uma despesa
total de R$14,1 bilhões. Por outro lado, a dife-
rença entre os serviços faturados e disponibili-
zados indica que o índice médio de perdas de
faturamento foi da ordem de 40,5%.

52
da PNDU
Propostas estruturantes

CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
Reconhecidas as especificidades de cada um A DEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS VEIO ACOMPANHADA
dos setores em que hoje se organiza o Minis- DE AVANÇOS NO CAMPO DA GESTÃO URBANA,
tério das Cidades – programas urbanos, habi- ESPECIALMENTE NO RECONHECIMENTO DO DIREITO
tação, mobilidade, transporte e trânsito, sane- À MORADIA E À CIDADE E NA INCORPORAÇÃO DOS
amento e desenvolvimento institucional – é MAIS POBRES COMO OBJETO DE POLÍTICAS URBANAS.
fundamental não perder de vista uma realidade ENTRETANTO, NÃO SE RETOMOU PAÍS, ATÉ O
urbana que é una, vivenciada quotidianamente MOMENTO, A AGENDA DE UM NOVO ORDENAMENTO
pela imensa maioria da população enquanto
TERRITORIAL COMO COMPONENTE FUNDAMENTAL DE
unidade, e na qual são inseparáveis as precárias
UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO
condições de habitação, saneamento, transpor-
te, educação, atendimento à saúde, lazer etc.
No reconhecimento de que políticas setoriais fundiária voltada para a inclusão social, cons-
são indispensáveis e podem ser estruturantes titui o núcleo da PNDU. O desenvolvimento
do desenvolvimento urbano é fundamental en- urbano, entendido como afirmação do direito à
tender que elas tanto mais o serão, na direção cidade para todos e como uma das molas mes-
hoje pretendida, quanto mais estiverem inte- tres de um novo modelo de desenvolvimento,
gradas numa Política Nacional de Desenvolvi- não será viável enquanto a propriedade fundiá-
mento Urbano, e que ela também se articule ria e imobiliária continuar capturando, via pre-
com outras políticas governamentais – hori- ços de um mercado altamente especulativo, os
zontalmente, no âmbito federal, e verticalmen- ganhos resultantes do investimento público e
te, na direção de estados e municípios. do processo de urbanização.
Embora o planejamento e a gestão territo-
rial e fundiária urbana sejam políticas a serem
IMPLEMENTAÇÃO DOS INSTRUMENTOS
desenvolvidas no âmbito de cada um dos
FUNDIÁRIOS DO ESTATUTO DA CIDADE
municípios brasileiros, o apoio do Governo
A aplicação dos instrumentos que visam à Federal é fundamental, não apenas porque
realização da função social da cidade e da este concentra parcela significativa dos meios
propriedade, previstos no Estatuto da Cidade, de financiamento à implementação destas
significa o combate à apropriação privada políticas, mas também em função da conhe-
dos investimentos públicos na construção da cida fragilidade técnico-institucional de boa
cidade e, como tal, é um objetivo central na parte das administrações municipais para
Política de Desenvolvimento Urbano. levar a cabo esta importante tarefa. O estabe-
Como a aplicação desses instrumentos se lecimento de processos inovadores de plane-
dá por meio do Plano Diretor, o planejamento jamento urbano e gestão fundiária nos muni-
urbano assume uma importância ímpar para cípios exige a atuação decidida do Governo
os anos de 2005 e 2006, quando o Estatuto Federal no sentido de disponibilizar meios e
das Cidades obriga a elaboração ou revisão recursos, assim como mobilizar e sensibilizar o
de Plano Diretor Participativo nos municípios País para a necessidade de implementação do
com população acima de 20 mil habitantes e Estatuto da Cidade.
de Plano de Transportes nos municípios com Há mais de vinte anos, o governo federal
mais de 500 mil habitantes. não tem atuado no campo do planejamento
A reforma urbana, através de decidida apli- territorial urbano. A única e derradeira refe-
cação do Estatuto da Cidade e de uma política rência a estratégias nacionais neste campo se

Política nacional de desenvolvimento urbano 55


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
deram no período autoritário, conectada ao UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO DO PAÍS PAUTADO
projeto de integração nacional dos governos PELA INCLUSÃO SOCIAL E AMPLIAÇÃO DA CIDADANIA
militares e a práticas tecnocráticas e antide- NÃO PODE PRESCINDIR DA TAREFA DE QUESTIONAR
mocráticas. A democratização do País veio FORTEMENTE ESTE MODELO EM TODAS AS ESCALAS
acompanhada de avanços no campo da gestão TERRITORIAIS E, MAIS AINDA, PROPOR ALTERNATIVAS.
urbana, especialmente no reconhecimento do ESTAS ALTERNATIVAS PASSAM EVIDENTEMENTE
direito à moradia e à cidade e na incorporação PELA INSERÇÃO, NO CENTRO DA AGENDA DO
dos mais pobres como objeto de políticas ur-
PLANEJAMENTO, A QUESTÃO DO “LUGAR” DOS MAIS
banas. Entretanto, não se retomou País, até o
POBRES NA CIDADE, O QUE, POR SUA VEZ, PASSA
momento, a agenda de um novo ordenamento
NECESSARIAMENTE PELA GESTÃO FUNDIÁRIA URBANA
territorial como componente fundamental de
um projeto de desenvolvimento.
Se a nível nacional, a proposta de um orde- e conseqüentemente, dos programas e ações
namento territorial como suporte a um pro- propostos: um projeto de “inclusão territorial”
jeto de desenvolvimento para o Brasil ainda das maiorias, que garanta não apenas a me-
estar por ser formulada, na escala dos municí- lhoria imediata das condições urbanas de vida
pios o imediatismo e pragmatismo da gestão dos mais pobres como também a construção
têm hegemonizado as práticas dos governos de um modelo democrático de cidade para
locais. Dessa forma, o modelo que ainda es- o futuro. Esta alternativa passa também pelo
trutura o crescimento de nossas cidades re- aproveitamento mais intenso das infra-estru-
produz a cultura urbanística herdada do perí- turas instaladas, pela reabilitação e democra-
odo autoritário. É um modelo excludente, que tização de áreas consolidadas degradadas ou
desconsidera as necessidades da maioria dos sub-utilizadas.
moradores, segrega e diferencia moradores São políticas e ações que contemplam dois
“incluídos” na urbanidade formal e moradores movimentos simultâneos e complementares
dela excluídos, com inequívocos impactos só- para cumprir esta missão:
cio-ambientais para a cidade como um todo. A) um movimento de incorporação e requali-
Trata-se ainda de um modelo baseado na ficação da cidade real, uma ação regenera-
expansão horizontal e no crescimento como tiva tanto pela regularização dos assenta-
ampliação permanente das fronteiras, na sub- mentos de baixa renda consolidados como
utilização das infra-estruturas e urbanidade já de gerenciamento e remoção de risco nos
instalada e no deslocamento por automóvel. assentamentos precários, reconhecendo
Um projeto de desenvolvimento do País plenamente direitos à moradia que já se
pautado pela inclusão social e ampliação da constituíram nas cidades;
cidadania não pode prescindir da tarefa de B) um movimento preventivo, no sentido de
questionar fortemente este modelo em todas evitar a formação de novos assentamentos
as escalas territoriais e, mais ainda, propor al- precários no País, ocupações e usos do
ternativas. Estas alternativas passam evidente- solo predatórios do patrimônio cultural e
mente pela inserção, no centro da agenda do ambiental e apropriações indevidas dos
planejamento, a questão do “lugar” dos mais investimentos coletivos;
pobres na cidade, o que, por sua vez, passa
necessariamente pela gestão fundiária urba- O pressuposto destas ações é o respeito a
na. Este é, portanto, o eixo central da política autonomia municipal, a construção de par-

56
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
cerias locais e a participação da cidadania na tecido urbano consolidado; E) regularização
concepção, execução e fiscalização da ação. O e urbanização de áreas de assentamentos
governo federal apóia parceiros locais, na sua precários ou sua remoção para áreas contí-
maioria entidades e segmentos integrantes do guas, em situações dignas; F) elaboração de
Conselho das Cidades, a construírem novas planos setoriais de Habitação e Saneamento
práticas de planejamento e de gestão demo- Ambiental. A metodologia proposta se con-
crática do território municipal. Em primeiro trapõe à prática tradicional de planos direto-
lugar, este apoio se dá por uma ação indireta res normativos, tecnocráticos e com restrita
de disseminação de cultura urbana democrá- legitimidade social, e propõe o Plano Diretor
tica, includente, redistributiva e sustentável, o como resultado de um pacto construído pela
que se traduz em ações de sensibilização, mo- sociedade para assegurar a sua implementa-
bilização e divulgação. Em segundo lugar, o ção e controle;
apoio do Governo Federal se dá por meio de
uma ação direta, que se traduz em programas, Política Nacional de Apoio à Regularização
ações e transferência de recursos financeiros Fundiária Sustentável – o enfrentamento
como instrumentos nas seguintes políticas do tema da irregularidade urbana cada vez
públicas: mais presente nas nossas cidades, marcadas
por vastos territórios ilegais, informais e pre-
Política de Apoio à Elaboração e Revisão de cários, é condição essencial para qualquer
Planos Diretores – tem como missão estimular perspectiva de sustentabilidade urbana. Esta
os municípios a novas práticas democráticas política abriga a construção de um marco
e participativas de gestão e planejamento jurídico para novas práticas cartorárias, a uti-
territorial. A elaboração de Planos Diretores lização do patrimônio imobiliário federal nas
Municipais pelos municípios que tomam re- cidades, envolvendo imóveis da União (INSS,
cursos subsidiados ou financiados do Governo RFFSA e terrenos de marinha), e o Programa
Federal (Ministério das Cidades, DI-HBB, MinC, “Papel Passado”, criado em 2003, para apoiar
MMA, PNAFM, PMAT) receberá, através desta a regularização fundiária de assentamentos
política, orientações conceituais, programá- precários em áreas urbanas ocupadas por po-
ticas e metodológicas para a execução dos pulação de baixa renda;
seguintes instrumentos de captura da valo-
rização fundiária e promoção da Habitação Política Nacional de Prevenção de Risco em
de Interesse Social previstos no Estatuto da Assentamentos Precários – política que opera
Cidade: A) verificação da função social da pro- com um conceito inovador de prevenção e
priedade e garantia de terras e imóveis para remoção do risco contra o número recorrente
os empreendimentos de interesse social; B) de mortes por escorregamentos em encostas,
elaboração de Plano de Reabilitação de Áreas principalmente nas ocupadas por favelas e
Centrais para o financiamento da Habitação assentamentos precários nas maiores regiões
de Interesse Social em regiões dotadas de in- metropolitanas. Um fenômeno que a princípio
fra-estrutura urbana; C) ampliação do controle pode ocorrer em todas as áreas de elevada
público sobre a ocupação do solo em áreas declividade, na realidade ocorre quase predo-
de proteção ambiental e de risco geotécnico; minantemente em favelas, vilas e loteamentos
D) impedimento para a construção de novas irregulares implantados em encostas serranas
moradias urbanas em áreas afastadas do e morros urbanos. Nestes locais, a natural vul-

Política nacional de desenvolvimento urbano 57


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
nerabilidade do terreno alia-se à carência de É NECESSÁRIO CONTRAPOR AO CONCEITO DE
infra-estrutura urbana, padrões de ocupação REMOÇÃO DE FAVELAS EM RISCO A PROPOSTA DE
inadequados, elevada densidade da ocupação REMOÇÃO DO RISCO, COMO TEM SIDO IMPLEMENTADA
e fragilidade das edificações, potencializando HÁ MAIS DE 10 ANOS, COM AVANÇOS E RECUOS, EM
tanto a freqüência das ocorrências quanto CIDADES COMO BELO HORIZONTE, RIO DE JANEIRO OU
a magnitude das conseqüências. Em várias SÃO PAULO
localidades, ações judiciais buscam obrigar as
prefeituras a remover milhares de habitantes de recuperação e reutilização do acervo
de favelas devido a problemas de risco geo- edificado em áreas já consolidadas da cidade,
técnico. Em primeiro lugar, as remoções são compreendendo os espaços e edificações
impraticáveis. Mapeamento de risco realizado ociosas, vazias, abandonadas, subutilizadas e
pela Prefeitura do Município de São Paulo insalubres, a melhoria dos espaços e serviços
em 2002 indica a existência de cerca de 12 públicos, da acessibilidade e dos equipamen-
mil moradias em risco alto ou muito alto de tos comunitários. Por meio do repovoamento
escorregamento, para um total de 291.983 do- dos centros com atividades econômicas e mo-
micílios implantados em favelas. Assim, para radia popular, esta política, criada em parceria
o município de São Paulo uma política de com a Caixa Econômica Federal e o Ministério
gerenciamento de risco deveria incrementar da Cultura, expressa um novo modelo de
a segurança de cerca de 4% dos domicílios planejamento e ação para as cidades, em con-
em favelas e não remover o total de 291.983 traposição ao modelo de desenvolvimento
domicílios, numa situação que não difere urbano baseado na expansão permanente das
sensivelmente nas demais grandes cidades fronteiras, na periferização dos mais pobres e
brasileiras. Em segundo lugar, as remoções no abandono e subutilização das áreas conso-
são desnecessárias. É necessário contrapor lidadas e dotadas de infra-estrutura.
ao conceito de remoção de favelas em risco a Além dessas políticas, ações de caráter
proposta de remoção do risco, como tem sido interministerial diretamente ligadas à gestão
implementada há mais de 10 anos, com avan- territorial urbana estão aperfeiçoando formas
ços e recuos, em cidades como Belo Horizon- de cooperação intermunicipal, através de con-
te, Rio de Janeiro ou São Paulo. Isto também sórcios públicos, e formulando critérios para a
significa implementar, nos municípios, um criação e fusão de municípios. O Ministério das
programa específico de redução de riscos que Cidades tem colaborado junto com o Ministé-
seja complementar aos programas de urba- rio do Planejamento, Casa Civil, Ministério da
nização integral e regularização fundiária dos Integração Nacional e Ministério do Desenvol-
assentamentos precários, ainda que a urgên- vimento Agrário na construção de espaços go-
cia da atuação na questão de risco não per- vernamentais de planejamento territorial. Entre
mita que se espere todo o tempo necessário estes espaços está o Grupo de Trabalho das
para se proceder à urbanização integral dos Regiões Metropolitanas e Mesorregiões Priori-
assentamentos – posto que vítimas podem tárias, que introduziu a agenda intra-urbana na
ocorrer já no próximo período de chuvas; pauta do planejamento de governo e aumen-
tou a qualidade da interlocução entre atores
Política Nacional de Apoio à Reabilitação locais e Governo Federal. Finalmente, todos os
de Centros Urbanos – preconiza um pro- programas, ações e políticas de regularização
cesso de gestão integrada, pública e privada, fundiária e planejamento territorial são debati-

58
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
dos no Comitê de Planejamento Territorial do diretrizes da Política, suprir o vazio institucio-
Conselho das Cidades, instrumento fundamen- nal e estabelecer as condições para se enfren-
tal de construção democrática e participativa tar o déficit habitacional, por meio de ações
da Política Nacional de Desenvolvimento Urba- integradas e articuladas nos três níveis de
no que desejamos para o País. governo, com a participação dos Conselhos
das Cidades, Conselhos Estaduais, do Distrito
Federal e Municipais.
NOVO SISTEMA NACIONAL
O Sistema Nacional de Habitação é consti-
DE HABITAÇÃO
tuído dos subsistemas de Habitação de Inte-
Coerente com a Constituição Federal, que resse Social e de Habitação de Mercado.
considera a habitação um direito do cidadão,
com o Estatuto da Cidade, que estabelece
Subsistema de Habitação
a função social da propriedade, e com as
de Interesse Social
diretrizes do atual governo, que preconiza
a inclusão social com gestão participativa e O Subsistema de Habitação de Interesse Social
democrática, o Sistema Nacional de Habitação tem como referência o primeiro projeto de
proposto no centro de uma nova Política Na- iniciativa popular apresentado ao Congresso
cional de Habitação busca promover o acesso Nacional em 1991, fruto da mobilização nacio-
à moradia digna a todos os segmentos da po- nal dos Movimentos Populares de Moradia de
pulação, especialmente o de baixa renda. diversas entidades e do Movimento Nacional
Nessa perspectiva, a Política Nacional da da Reforma Urbana. O projeto de Lei 2710/92,
Habitação tem como componentes principais: que trata da criação do Fundo Nacional de
a Integração Urbana de Assentamentos Precá- Habitação de Interesse Social, foi aprovado
rios, a Provisão da Habitação e a Integração da na Câmara dos Deputados, por meio da sub-
Política de Habitação à Política de Desenvolvi- emenda substitutiva global em 3/6/2004, e
mento Urbano, que definem as linhas mestras encontra-se em tramitação no Senado.
de sua atuação. Sua elaboração obedece a O SHIS tem como objetivo principal garan-
princípios e diretrizes que visam garantir à tir ações que promovam o acesso à moradia
população, especialmente a de baixa renda, o digna para a população de baixa renda, que
acesso à habitação digna, e considera funda- compõe a quase totalidade do déficit habi-
mental para atingir seus objetivos a integra- tacional do País. Os planos, programas e pro-
ção entre a política habitacional e a Política jetos a serem executados deverão perseguir
Nacional de Desenvolvimento Urbano. estratégias e soluções de atendimento que
A Política Nacional de Habitação conta
com um conjunto de instrumentos a serem
A POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO CONTA
criados através dos quais se viabilizará a sua
COM UM CONJUNTO DE INSTRUMENTOS A SEREM
implementação. São eles: o Sistema Nacional
CRIADOS ATRAVÉS DOS QUAIS SE VIABILIZARÁ A SUA
de Habitação (SNH), o Desenvolvimento Insti-
IMPLEMENTAÇÃO. SÃO ELES: O SISTEMA NACIONAL
tucional, o Sistema de Informação, Avaliação e
Monitoramento da Habitação e o Plano Nacio- DE HABITAÇÃO (SNH), O DESENVOLVIMENTO

nal de Habitação. INSTITUCIONAL, O SISTEMA DE INFORMAÇÃO,

O Sistema Nacional de Habitação visa pos- AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO DA HABITAÇÃO E O


sibilitar o alcance dos princípios, objetivos e PLANO NACIONAL DE HABITAÇÃO

Política nacional de desenvolvimento urbano 59


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
consigam promover prioritariamente o acesso recursos onerosos e não onerosos, dentro de
das famílias de baixa renda, de acordo com as um subsistema de financiamento operado por
especificidades regionais e perfil da demanda. intermédio de fundos públicos interligados,
O Ministério das Cidades deverá estabele- constitui a base da “institucionalidade” da Po-
cer linhas de financiamento e programas que lítica Nacional de Habitação.
serão detalhados e implementados a partir de O SHIS será constituído pelos recursos one-
processos de planejamento locais, estaduais rosos e não onerosos dos seguintes fundos:
e do Distrito Federal, inscritos e consolidados 1. Fundo Nacional de Habitação de Interesse
em Planos Municipais, Estaduais e do Distri- Social (FNHIS);
to Federal de Habitação de Interesse Social, 2. Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
respeitando-se as peculiaridades dos entes (FGTS), nas condições estabelecidas pelo
federativos de forma que a execução da PNH seu Conselho Curador;
seja descentralizada, promovida pela coopera- 3. Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), nas
ção entre União, estados, municípios e Distrito condições estabelecidas pelo seu Conselho
Federal. deliberativo.
O controle das ações do poder público será
exercido por meio de Conselhos, fóruns e de- A lógica de um sistema de fundos, associa-
mais instâncias de participação nos processos da evidentemente a uma política habitacional
de planejamento e homologação das iniciati- capaz de produzir ações integradas dos diver-
vas afetas a PNH. sos agentes, está em otimizar aplicação dos
O FNHIS, de natureza contábil, tem o obje- recursos, garantindo melhores resultados e
tivo de centralizar e gerenciar recursos prove- possibilitando, na associação de recursos one-
nientes do OGU, destinados ao subsídio, para rosos e não onerosos, a construção de uma
a realização dos programas estruturados no política de subsídios.
âmbito do SNHIS, voltados para a população Além das entidades nacionais já men-
de menor renda. Além de se responsabilizar cionadas, como o Ministério de Cidades, o
pela gestão e implementação da política de Conselho das Cidades e o Conselho Gestor do
subsídios, em articulação com as diretrizes e FNHIS, que integram o Sistema Nacional de
definições da Política Nacional de Habitação, Habitação, também fazem parte do Subsiste-
o FNHIS será o instrumento do governo fede-
ral para induzir os estados, Distrito Federal e O MINISTÉRIO DAS CIDADES DEVERÁ ESTABELECER
municípios a constituírem fundos com a mes- LINHAS DE FINANCIAMENTO E PROGRAMAS QUE
ma destinação. Dessa maneira, o FNHIS será SERÃO DETALHADOS E IMPLEMENTADOS A PARTIR DE
de suma importância para a organização do
PROCESSOS DE PLANEJAMENTO LOCAIS, ESTADUAIS E
Subsistema de Habitação de Interesse Social
DO DISTRITO FEDERAL, INSCRITOS E CONSOLIDADOS
e para convergir as ações nos três níveis de
EM PLANOS MUNICIPAIS, ESTADUAIS E DO DISTRITO
governo.
FEDERALA DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL,
No modelo proposto para o SHIS, o sub-
RESPEITANDO-SE AS PECULIARIDADES DOS ENTES
sídio deve ser inversamente proporcional à
FEDERATIVOS DE FORMA QUE A EXECUÇÃO DA
capacidade aquisitiva de cada família, subli-
nhando a importância do papel atribuído às PNH SEJA DESCENTRALIZADA, PROMOVIDA PELA

políticas públicas voltadas para o resgate da COOPERAÇÃO ENTRE UNIÃO, ESTADOS, MUNICÍPIOS E

cidadania. A articulação entre a destinação de DISTRITO FEDERAL

60
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
ma de Habitação de Interesse Social entidades Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI)
estaduais, municipais, do Distrito Federal e diante das taxas oferecidas pelo mercado, em
agentes promotores, financeiros e técnicos especial aos investidores institucionais. O Sub-
estatais, públicos e privados. sistema contará com um Fundo de Liquidez
desses CRI, destinado a assegurar a recompra
desses papéis junto aos investidores privados.
O Subsistema de Habitação
Os bancos poderão financiar diretamente a
de Mercado
produção através de incorporadores e cons-
A Política Nacional de Habitação parte do trutoras ou diretamente às pessoas físicas.
pressuposto de que a contribuição dos inves- Com o objetivo de gerar novos contratos
timentos privados, capazes de assegurar o de financiamento, os bancos poderão ainda
atendimento da demanda solvável em condi- realizar operações de crédito com compa-
ções de mercado, é absolutamente essencial nhias hipotecárias e essas operações deverão
para viabilizar o novo SNH, possibilitando que ser consideradas no cômputo dos investimen-
os recursos públicos, onerosos e não onero- tos exigidos em habitação.
sos, venham a ser destinados a população de Os bancos e as companhias hipotecárias,
renda mais baixa. por sua vez, poderão negociar seus créditos
Nesta perspectiva, o Subsistema de Habita- com Companhias Securitizadoras, as quais,
ção de Mercado objetiva a reorganização do com lastro nos créditos adquiridos, emitirão
mercado privado de habitação, ampliando as CRI a serem adquiridos pelos bancos e por
formas de captação de recursos, estimulando investidores institucionais e privados.
a inclusão de novos agentes e facilitando a Outra questão importante é a revisão da
promoção imobiliária, de modo que ele possa carga tributária incidente no mercado secun-
contribuir para atender parcelas significativas dário e na cadeia produtiva.
da população que hoje estão sendo atendida Além disso, para ampliar o investimento
por recursos públicos. privado e reduzir o custo do financiamento
A premissa básica do novo modelo consiste de mercado, as medidas traduzidas na Lei
em viabilizar a complementariedade dos atu- 10.931/04 – Lei do Patrimônio de Afetação
ais Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), – irão permitir o aperfeiçoamento do instituto
Sistema Financeiro da Habitação (SFH), em do patrimônio de afetação; a obrigatoriedade
particular o Sistema Brasileiro de Poupança do pagamento do incontroverso; a inserção
e Empréstimo (SBPE). A expansão do crédito no Código Civil da modalidade de alienação
habitacional está subordinada à implantação fiduciária como garantia de operações no
de modalidades de captação de recursos mais âmbito do SFI; e a aceleração na dedução do
eficiente que o atual sistema de poupança. Fundo de Compensação da Variação Salarial
O Subsistema terá como principal captador (FCVS) no cálculo do direcionamento de re-
de recursos os Bancos Múltiplos, com destaque cursos ao financiamento habitacional pelas
para a caderneta de poupança atual e de novas entidades do SBPE.
modalidades de poupança a serem criadas. Integram este subsistema, além dos bancos
Como estratégia de implementação do múltiplos e as companhias hipotecárias, as
Sistema Nacional de Habitação para levantar seguintes entidades:
recursos junto ao mercado de capitais é ne- Companhias securitizadoras: a estas com-
cessário proporcionar a competitividade aos panhias caberá a aquisição de créditos habi-

Política nacional de desenvolvimento urbano 61


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
tacionais, emissão de CRI a eles lastreados e As entidades integrantes do Subsistema de
administração dos contratos adquiridos e a Habitação de Mercado terão como premissas
colocação dos certificados no mercado. Te- na sua atuação: possibilitar ao modelo efici-
rão papel estratégico no novo modelo, pois ência na captação de recursos; promover, na
representarão a capacidade de integrar o Sis- geração de créditos, a distribuição territorial
tema Nacional de Habitação ao mercado de mais adequada à demanda; fomentar a es-
capitais, ampliando, dessa forma, os recursos truturação de empreendimentos compatíveis
disponíveis para o financiamento. O governo com o perfil da demanda e das metas estabe-
deverá patrocinar a desoneração de custos lecidas; demonstrar agilidade na securitização
fiscais e tributários, como instrumento de dos créditos e na sua colocação junto a inves-
estímulo ao fomento do mercado secundário. tidores.
As receitas tributárias originárias da produção
ampliada serão significativamente maiores
Projeções para a solução do déficit
que as hoje obtidas com a carga incidente
habitacional até 2023
sobre os níveis (sabidamente limitados) de ati-
vidade do mercado imobiliário, fazendo com Considerando que o déficit habitacional ur-
que os acréscimos de dinamismo proporcio- bano apurado em 2000 é de 5,5 milhões de
nados pelas novas modalidades de captação domicílios e que, projetado para 2003, será de
de recursos para o financiamento mais do que 5,9 milhões e de 12,45 milhões de domicílios
compensem as desonerações tributárias intro- em 2023, o equacionamento deste déficit
duzidas como estímulo. em 20 anos significa a necessidade de 622
Cooperativas de crédito habitacional: as mil atendimentos ao ano. Estimando-se um
Cooperativas de Crédito Habitacional (CCH) custo médio de R$ 20 mil por atendimento,
poderão reunir cooperados, captar recursos os investimentos anuais são da ordem de R$
para a produção de empreendimentos e con- 12,44 bilhões. É importante registrar que a
ceder financiamentos. Poderão, ainda, dispor concentração do déficit nas camadas de mais
da modalidade de financiamento coletivo e, baixa renda obriga que parte expressiva deste
com isso, entre outros empreendimentos que investimento seja de caráter não oneroso.
seriam viabilizados por essa modalidade, esta-
riam os relacionados à aquisição e reabilitação
de edificações coletivas deterioradas e a ma-
PROMOÇÃO DA MOBILIDADE URBANA
nutenção de parques habitacionais.
SUSTENTÁVEL E CIDADANIA NO
Consórcios habitacionais: a formação de
TRÂNSITO
Consórcios Habitacionais será estimulada
como forma de elevar a poupança destinada Mais do que programas e ações isoladas, a crise
à produção habitacional e não à comercializa- da mobilidade urbana brasileira exige uma mu-
ção de imóveis novos ou usados existentes no dança de paradigma das políticas públicas de
estoque imobiliário. transporte e trânsito, de um modelo centrado
Agentes promotores: têm a finalidade de na mobilidade do veículo particular para um
organizar empreendimentos e reunir a de- modelo centrado na mobilidade das pessoas.
manda. Deverão ser admitidas ao Subsistema Os objetivos da Política Nacional de Mobili-
de Habitação de Mercado as figuras de agen- dade Urbana Sustentável estão na intersecção
tes promotores públicos e privados. de três campos de ação: desenvolvimento

62
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
CONSIDERANDO QUE O DÉFICIT HABITACIONAL 4. do transporte coletivo sobre o individual;
URBANO APURADO EM 2000 É DE 5,5 MILHÕES DE 5. da integração das redes e modos sobre as
DOMICÍLIOS E QUE, PROJETADO PARA 2003, SERÁ DE obras isoladas e unimodais;
5,9 MILHÕES E DE 12,45 MILHÕES DE DOMICÍLIOS 6. da acessibilidade universal sobre a acessibi-
EM 2023, O EQUACIONAMENTO DESTE DÉFICIT lidade restrita;
EM 20 ANOS SIGNIFICA A NECESSIDADE DE 622 7. da consolidação de múltiplas centralidades
MIL ATENDIMENTOS AO ANO. ESTIMANDO-SE UM
sobre o reforço de poucas centralidades;
8. do adensamento urbano sobre a expansão
CUSTO MÉDIO DE R$ 20 MIL POR ATENDIMENTO, OS
da cidade.
INVESTIMENTOS ANUAIS SÃO DA ORDEM DE R$ 12,44
BILHÕES
Projetos com estas precedências são apoia-
dos pelo Programa de Mobilidade Urbana
urbano, sustentabilidade ambiental e inclu- com verbas previstas no Plano Plurianual de
são social. No campo do desenvolvimento R$ 18,8 milhões em 2005, atingindo R$ 63,2
urbano, os objetivos da Política Nacional de milhões em 2008, abrangendo de sistemas
Mobilidade Urbana são a integração entre integrados de transporte coletivo urbano à
transporte e controle territorial, redução das urbanização de áreas lindeiras a corredores
deseconomias da circulação e a oferta de ferroviários. São estas precedências que se-
transporte público eficiente e de qualidade. lecionarão os projetos de infra-estrutura de
No campo da sustentabilidade ambiental, o governos ou empresas estaduais e municipais
uso equânime do espaço urbano, a melhoria a serem financiados com os recursos do FGTS
da qualidade de vida, a melhoria da qualidade alocados no Programa Pró-Transporte. Inicia-
do ar e a sustentabilidade energética. No da tivas que visem requalificar a acessibilidade e
inclusão social, o acesso democrático à cidade os deslocamentos não-motorizados recebem
e ao transporte público e a valorização da apoio técnico e financeiro pelo Programa
acessibilidade universal e dos deslocamentos Brasil Acessível, cujos recursos exigem como
de pedestres e ciclistas. As ações e programas contrapartida municipal a elaboração de Pla-
que a política prevê se superpõem nestes no de Ação de Acessibilidade Universal com
campos de reflexão sobre a produção do rubrica orçamentária específica, e o Programa
espaço urbano como lentes em busca de um Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta, de in-
foco, que é a sustentabilidade da mobilidade tegração da bicicleta aos demais modos de
urbana. transporte.
A mobilidade urbana sustentável se define A mobilidade sustentável é o objetivo
por quatro práticas: o planejamento integrado maior dos seguintes programas e ações do
de transporte e uso do solo urbano; a atualiza- Ministério das Cidades:
ção da regulação e gestão do transporte co-
letivo urbano; a promoção da circulação não Lei de Diretrizes para os transportes urbanos:
motorizada e o uso racional do automóvel. Obedecendo ao inciso XX do Artigo 21 da
Destes conceitos decorre que os projetos de Constituição Federal, a União deve instituir
mobilidade urbana que receberão apoio polí- uma lei de diretrizes não apenas para os servi-
tico, técnico e financeiro do Governo Federal ços públicos de transporte coletivo, mas para
deverão demonstrar as seguintes inversões de a mobilidade urbana, dentro dos limites das
prioridades: competências constitucionais de cada esfera

Política nacional de desenvolvimento urbano 63


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
de governo e em consonância com os instru- de eficácia e participação dos usuários na
mentos legais destinados a regulamentar as avaliação dos serviços.
concessões e contratações públicas, relações
trabalhistas, códigos de defesa do consumi- Programa de desenvolvimento e moderniza-
dor, do uso e ocupação do solo. A proposição ção institucional: Intervenções de qualidade
de uma Lei de Diretrizes para os transportes na mobilidade urbana não são possíveis com
urbanos vai resgatar o papel da União na instituições sem estrutura de gestão e capa-
integração das políticas de transporte com o cidade técnica, presas a uma atuação reativa
desenvolvimento urbano e sócio-econômico. voltada para a oferta de serviços. O Programa
São temas necessários desta legislação a con- de Desenvolvimento Institucional para Mobili-
solidação do conceito de mobilidade susten- dade Urbana, a ser desenvolvido, visa reforçar
tável; a definição de obrigações institucionais; recursos humanos, infra-estruturas de gestão
a modernização regulatória dos serviços de e sistemas de informação de municípios e
transporte coletivo; a valorização dos meios estados.
de transportes não-motorizados; o estabeleci-
mento de fontes estáveis de financiamento; a Financiamento da Infra-estrutura para a
gestão dos sistemas de mobilidade no âmbito mobilidade: A SEMOB vem consolidando um
metropolitano; e a promoção da universali- novo de modelo de financiamento da infra-
zação do acesso e da participação e controle estrutura que considera os modos de trans-
social dos serviços públicos de transportes. porte de maneira integrada. Neste modelo o
Governo Federal deixa de ser mero repassador
Reforma regulatória no transporte público ur- de recursos e cuida para que os investimentos
bano: atualmente, as relações entre os agen- que aporta aprimore as relações contratuais
tes públicos e privados do transporte público entre o poder concedente e as empresas ope-
urbano se dão num quadro de instabilidade radoras de transporte coletivo. Nesse contexto
institucional, onde prevalece o risco político a Parceria Público-Privada é um instrumento
e a falta de garantia para investimentos. A de atração de investimentos privados de cur-
maioria das prestações de serviços de trans- to prazo para projetos localizados, desde que
porte está ancorada em bases contratuais sejam garantidos o atendimento do interesse
frágeis, firmados sem suporte legal e, muitas público e a preservação das suas funções de
vezes, em caráter precário. É fundamental regulação e controle.
que o governo federal lance um novo marco
regulatório para o transporte público. A ado- Redes integradas nas regiões metropolitanas:
ção de regras transparentes e que atribuam A mobilidade urbana ocupa um papel pre-
responsabilidades entre os agentes públicos ponderante na transformação da exclusão
e privados é indispensável para a gestão dos social concentrada nas regiões metropolita-
sistemas de transporte e está na base das nas. 13 cidades com população superior a 1
delegações e das parcerias público-privadas. milhão de habitantes e 18 cidades com popu-
A nova regulação deve aproveitar ao máximo lação entre 500 mil e 1 milhão de habitantes
das combinações organizacionais e regulató- necessitam de corredores integrados de trans-
rias entre flexibilidade operacional, pressão porte de média a alta capacidade. Entre os
competitiva e coordenação das redes e incor- objetivos principais da SEMOB está o fomento
porar nos mecanismos contratuais controle à execução de um plano de transportes das

64
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
A MAIORIA DAS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS O descolamento da curva de vítimas fatais
DE TRANSPORTE ESTÁ ANCORADA EM BASES em acidentes de trânsito, em relação à curva
CONTRATUAIS FRÁGEIS, FIRMADOS SEM SUPORTE sempre ascendente do número de veículos,
LEGAL E, MUITAS VEZES, EM CARÁTER PRECÁRIO. É por exemplo, só começou a acontecer depois
FUNDAMENTAL QUE O GOVERNO FEDERAL LANCE UM da entrada em vigor do Código de Trânsito
NOVO MARCO REGULATÓRIO PARA O TRANSPORTE Brasileiro, em janeiro de 1998.
PÚBLICO. A ADOÇÃO DE REGRAS TRANSPARENTES
A reconstrução institucional do trânsito
brasileiro em torno de valores de cidadania
E QUE ATRIBUAM RESPONSABILIDADES ENTRE OS
apenas se iniciou com a elaboração do Códi-
AGENTES PÚBLICOS E PRIVADOS É INDISPENSÁVEL
go Brasileiro de Trânsito. Diversas ações ainda
PARA A GESTÃO DOS SISTEMAS DE TRANSPORTE E
são necessárias e estão sendo implementadas
ESTÁ NA BASE DAS DELEGAÇÕES E DAS PARCERIAS
pelo Ministério das Cidades, tanto no aperfei-
PÚBLICO-PRIVADAS.
çoamento democrático do Sistema Nacional
de Trânsito quanto na implementação de seus
regiões metropolitanas para integrar os siste- dispositivos e na elaboração de programas e
mas municipais e os sistemas metropolitanos ações que cumpram suas diretrizes.
e integrar os diversos modos de transportes As decisões sobre os rumos do Sistema
existentes, sempre priorizando os transportes Nacional de Trânsito são tomadas segundo
coletivos e os não-motorizados. um processo democrático, com ampla partici-
pação da sociedade e dos órgãos e entidades
Grupo de Trabalho para barateamento de que compõem o sistema. A reestruturação de
tarifas de transporte público: ativo desde no- seu perfil institucional inclui a criação da Câ-
vembro de 2003, o grupo reúne Governo Fe- mara Interministerial de Trânsito e do Fórum
deral e municípios e resultou na manutenção Consultivo do Sistema Nacional de Trânsito,
de alíquotas reduzidas da COFINS e do PIS, além da atribuição da coordenação do Sis-
adoção da alíquota mínima de ISS e taxa de tema Nacional de Trânsito ao Ministério das
administração máxima de 3% por parte dos Cidades, com correspondente redefinição da
municípios. Em 2005 e sob coordenação do composição do Conselho Nacional de Trân-
Ministério das Cidades, vai revisar o modelo e sito, agora presidido pelo dirigente do órgão
a metodologia do cálculo tarifário e do Vale- máximo executivo de trânsito da União.
transporte para reverter repasse integral dos A realização de reuniões sistemáticas entre
custos dos serviços para os usuários. o Departamento Nacional de Trânsito, os De-
partamentos Estaduais de Trânsito e os Conse-
lhos de Trânsito Estaduais, além das secretarias
Cidadania no trânsito municipais, mostram que há um grande espa-
Para a Política Nacional de Desenvolvimento ço de atuação técnica e social para o Sistema
Urbano, o trânsito é uma ferramenta de ges- Nacional de Trânsito. O melhor exemplo disso
tão e construção de cidades mais inclusivas é a retomada das atividades das Câmaras Te-
e formadoras de cidadania. É um campo de máticas, criadas pelo Artigo 13 do Código de
atuação política em que as iniciativas legais e Trânsito Brasileiro, que desde junho de 2003
institucionais impactam diretamente na quali- passaram a se reunir mensalmente depois de
dade de vida de todos os brasileiros. uma paralisação de quase dois anos.

Política nacional de desenvolvimento urbano 65


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
NOVO MARCO LEGAL PARA O PROJETO DE LEI DÁ DIRETRIZES PARA O SETOR
O SANEAMENTO AMBIENTAL A PARTIR DO CONCEITO DE “SALUBRIDADE
AMBIENTAL”, CONCEBIDO COMO DIREITO COLETIVO,
Diferentemente do setor elétrico e de telefo-
CUJO ATENDIMENTO É DE RESPONSABILIDADE
nia, em que a Constituição Federal estabelece
COMPARTILHADA ENTRE ESTADO E OPERADORES
claramente que a titularidade dos serviços é
da União, no saneamento básico a competên- PRIVADOS, E CRIA UMA CONCEPÇÃO INTEGRADA

cia da esfera federal para legislar sobre estes QUE EVITA A AÇÃO LIMITADA AOS SERVIÇOS DE

serviços públicos está restrita a dois aspectos: “SANEAMENTO BÁSICO”, AO INCLUIR COMO SERVIÇOS

1) instituir diretrizes definidoras da natureza e PÚBLICOS DE SANEAMENTO AMBIENTAL O MANEJO


dos padrões mínimos da prestação dos servi- DE ÁGUAS PLUVIAIS URBANAS E, PRINCIPALMENTE,
ços públicos; 2) instituir uma Política Nacional O MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS.
de Saneamento Ambiental a que estados e
municípios possam aderir em função do pla- de saneamento ambiental pelos municípios
nejamento integrado que o setor requer. não conflita com o planejamento integrado
Esta dupla competência da União orientou dos investimentos através de legislações esta-
a proposta do Projeto de Lei que fornece um duais e nacionais.
novo marco regulatório para o saneamento O reordenamento institucional dos serviços
brasileiro, depois de anos de indefinição legal de saneamento ambiental se dará pela insti-
desde o fim do Plano Nacional de Saneamen- tuição de um Sistema Nacional de Saneamen-
to e do Banco Nacional de Habitação. to Ambiental, no qual a participação dos en-
O Projeto de Lei dá diretrizes para o setor a tes federados ocorrerá por adesão voluntária
partir do conceito de “salubridade ambiental”, expressa, por meio de ato ou declaração de
concebido como direito coletivo, cujo atendi- vontade, ou tácita, mediante o recebimento
mento é de responsabilidade compartilhada pelo titular ou prestador de serviço público de
entre Estado e operadores privados, e cria recursos ou fundos da União. Desta forma, e
uma concepção integrada que evita a ação sem infringir as competências e titularidades
limitada aos serviços de “saneamento básico”, definidas constitucionalmente, a adesão ao
ao incluir como serviços públicos de sanea- Sistema Nacional de Saneamento Ambiental
mento ambiental o manejo de águas pluviais instituirá em cada município ou consórcio
urbanas e, principalmente, o manejo de resí- público o sistema de fundos de universaliza-
duos sólidos. ção de saneamento ambiental, que serão ins-
Estas diretrizes fornecem parâmetros para trumentos transparentes para operações de
os municípios e consórcio públicos regula- crédito e para a gestão de recursos provenien-
rem os serviços do saneamento ambiental tes de dotações orçamentárias, subvenções,
quanto à complementaridade de serviços contribuições legais públicas ou privadas e
entre companhias estaduais e municipais, à subsídios cruzados externos.
delegação de serviços por meio de concessão Para o sucesso da Política Nacional de
ou permissão, à regulação e fiscalização e à Saneamento Ambiental é importante a viabi-
definição de tarifas e subsídios. Trata-se de lização da ação cooperativa dos municípios
um ordenamento inédito frente aos modelos de áreas metropolitanas prevista pela Lei
centralizadores do regime autoritário, no qual Federal dos Consórcios Públicos, atualmente
o reconhecimento da titularidade dos serviços em discussão no Congresso Nacional. O con-

66
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
sórcio público, formado pela associação de até 2011 os depósitos a céu aberto em mu-
municípios com interesses comuns, é mais nicípios com população inferior a 100 mil
adequado para o planejamento e a operação habitantes e implantar aterros sanitários em
dos serviços de saneamento em áreas metro- municípios com população até 1,5 milhões de
politanas do que o modelo centralizado numa habitantes. Este investimento cobre também a
única concessionária para todo o estado, além atualização das frotas de coleta, a implantação
de ser um arranjo institucional coerente com de sistemas de coleta seletiva de lixo e o de-
o pacto federativo e a organização do Estado senvolvimento de atividades de catação e de
brasileiro. comercialização de recicláveis, com inclusão
Após mais de uma década em que pre- dos catadores de lixo nos programas federais
ponderaram padrões de investimentos sem de transferência de renda. Por iniciativa do
coordenação adequada, o novo desenho ins- Ministério do Meio Ambiente e do Conselho
titucional do saneamento ambiental eliminará Nacional do Meio Ambiente, uma nova regu-
as funções concorrentes entre os entes fede- lamentação específica para a área de resíduos
rados e permitirá que os investimentos esta- sólidos está em elaboração de forma articu-
duais e municipais possam se combinar com lada com a Política Nacional de Saneamento
investimentos privados sob a proteção de um Ambiental e com os objetivos do Programa
arcabouço jurídico-político organizado de Nacional Lixo e Cidadania. Nesta regulação
forma sistêmica. O investimento direto federal, serão incorporadas diretrizes de responsa-
por sua vez, ganha escala e produtividade no bilização do produtor/gerador de resíduo
interior deste novo marco regulatório. sólido, de gestão participativa dos serviços, de
O investimento necessário em expansão priorização dos catadores, de cobrança pelos
e reposição das redes para universalizar até serviços e indicação de fontes de recursos em
2020 os serviços de água e esgoto em meio função de metas para condições dignas de
urbano e rural foi estimado pela Secretaria Na- trabalho e erradicação de lixões.
cional de Saneamento Ambiental em R$ 178,4 Na área do manejo das águas pluviais ur-
bilhões, com a maior parte deste montante a banas, foram definidas diretrizes na Política
ser aplicado nas regiões metropolitanas. Entre Nacional de Saneamento Ambiental que
janeiro de 2003 e julho de 2004, as contrata- provocarão uma completa reformulação nos
ções de todos os órgãos do Governo Federal modelos tradicionais que nortearam as inter-
envolvidos com ações de saneamento am- venções no setor, restritos a uma concepção
biental atingiram cerca de R$ 5,1 bilhões, com “obreirista” que apenas incrementava os pro-
perspectivas de ampliação da cobertura de blemas decorrentes das enchentes. Dentre
serviços de saneamento para milhões de fa- as principais diretrizes, estão o estímulo ao
mílias. Trata-se de um volume contratado que gerenciamento planejado e integrado das
eleva a média anual de investimentos para enchentes; a ampliação da cobertura de infra-
patamares bastante superiores ao do período estrutura de manejo das águas pluviais; o es-
1995-2002. Para o período 2004-2007, o Plano tímulo ao aproveitamento e preservação dos
Plurianual projeta um dispêndio da ordem de corpos d’água urbanos através da minimiza-
R$ 18 bilhões. ção dos fatores de risco das áreas ribeirinhas;
Nos serviços de coleta de resíduos sólidos, a inibição das práticas relativas ao uso do solo
são necessários R$ 7,3 bilhões, sendo R$ 3,3 que ampliam a área de drenagem para os
bilhões em aportes da União, para erradicar córregos urbanos; e a promoção das ações

Política nacional de desenvolvimento urbano 67


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
de educação sanitária e ambiental como ins- obrigatória a contratação de consultorias es-
trumento de conscientização da população pecializadas.
sobre a importância da preservação das áreas Em um contexto geral onde predominam
permeáveis e o correto manejo das águas programas de capacitação técnica e de de-
pluviais. senvolvimento institucional, cuja referência
principal é a ampliação da competitividade e
da sustentabilidade econômica das cidades, e
CAPACITAR E INFORMAR AS CIDADES
que, não raramente, são voltados para atender
exclusivamente a critérios de eficácia na rea-
Programa Nacional de Capacitação
lização de programas e projetos específicos,
das Cidades
é importante que sejam reforçadas outras
A capacitação de agentes públicos e sociais abordagens e práticas que se orientam para a
para as políticas públicas urbanas integradas construção da gestão democrática da cidade,
constitui uma das tarefas mais importantes para a redução das desigualdades sociais e
para a promoção do direito à cidade. Não se para a promoção da sustentabilidade ambien-
trata de desenvolver uma capacitação supos- tal. Referimo-nos a abordagens e práticas que
tamente destituída de conteúdo político, mas incorporam aos programas de capacitação a
de impulsionar a formação de sujeitos sociais construção das condições institucionais que
capazes de intervir no debate sobre a política permitam a ampliação da participação da
urbana e de lidar com aspectos críticos da população na definição da política urbana,
contemporaneidade, especialmente no que formando técnicos da administração pública e
diz respeito à redução das desigualdades promovendo mudanças institucionais.
sociais e à justa distribuição dos ônus e bene- Tendo entre seus princípios e eixos de atu-
fícios da urbanização. ação a construção da igualdade e a melhoria
Seja em função da conjuntura política da qualidade de vida das cidades brasileiras, o
específica – onde governos e atores sociais Ministério das Cidades, por meio do Programa
contribuem para conformar ambientes espe- Nacional de Capacitação das Cidades – PNCC,
cíficos que limitam e condicionam a ação –, promove, coordena e apóia programas e
seja em função de uma estrutura administrati- ações voltados para a capacitação de agentes
va frágil e da carência de recursos humanos e públicos e sociais e para o apoio ao setor pú-
materiais, na maioria das vezes as administra- blico municipal e estadual para o desenvolvi-
ções públicas não dão às questões locais res- mento institucional.
postas que promovam a eqüidade e a justiça Regidas por objetivos e diretrizes comuns,
social, nem resolvem de forma eficiente ques- as ações de capacitação do Ministério das
tões técnicas que fazem parte de qualquer Cidades vêm sendo estruturadas em torno
programa, projeto ou ação de governo. Com
O MINISTÉRIO DAS CIDADES, POR MEIO DO
freqüência, fragilidades técnico-institucionais
impedem as administrações locais de terem PROGRAMA NACIONAL DE CAPACITAÇÃO DAS CIDADES

acesso a programas e ações de outras esferas – PNCC, PROMOVE, COORDENA E APÓIA PROGRAMAS

de governo. Além disso, os inúmeros progra- E AÇÕES VOLTADOS PARA A CAPACITAÇÃO DE

mas existentes, com suas múltiplas e com- AGENTES PÚBLICOS E SOCIAIS E PARA O APOIO AO
plexas exigências, muitas vezes dão origem a SETOR PÚBLICO MUNICIPAL E ESTADUAL PARA O
superposições de ações e projetos ou tornam DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL

68
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
das orientações gerais do PNCC, que prevê- UM EXEMPLO EXPRESSIVO DA MUDANÇA DE ENFOQUE
em a realização de atividades por meio de NA ATUAL ADMINISTRAÇÃO PODE SER ENCONTRADO
instituições credenciadas por um processo de NA MUDANÇA ESTRATÉGICA DO PROGRAMA DE
seleção segundo a experiência e os currículos MODERNIZAÇÃO DO SETOR DE SANEAMENTO, QUE
dos seus profissionais; a valorização das abor- DEIXOU DE ESTAR VOLTADO PARA A PROMOÇÃO DA
dagens holísticas e da reflexão crítica sobre PRIVATIZAÇÃO DO SERVIÇOS E PASSOU A SER UM
as questões urbanas; e a interlocução com PROGRAMA DE FORTALECIMENTO DOS PRESTADORES
instituições federais e demais instituições de
PÚBLICOS DE SERVIÇOS DE SANEAMENTO AMBIENTAL
ensino e capacitação.
O público prioritário dos cursos e demais
atividades do PNCC compreende os técnicos Alguns programas iniciados antes de 2003
das administrações públicas municipais, os e que contam com financiamentos do Banco
atores sociais envolvidos com a implemen- Interamericano de Desenvolvimento – BID e
tação da política urbana e os técnicos das do Banco Internacional para a Reconstrução
gerências de filial de apoio ao desenvolvimen- e o Desenvolvimento – BIRD (Banco Mundial)
to urbano da Caixa Econômica Federal que, têm como referência orientações que enfati-
presente em todas regiões e estados do país, zam a necessidade de recuperação dos custos
é fundamental para a implementação da nova em ações voltadas para a baixa renda e os as-
política nacional de desenvolvimento urbano. pectos gerenciais que garantiriam a eficiência,
Com o objetivo de desenvolver ações conjun- a eficácia e a sustentabilidade das ações sem,
tas para a capacitação de agentes públicos por outro lado, destacar exigência de uma
e sociais, o Ministério e a CEF firmaram, em alta dose de subsídio – e, portanto, de uma
2003, Acordo de Cooperação Técnica que tem atuação decisiva do Estado – para que sejam
orientado inúmeras atividades realizadas em cobertos os déficits em habitação e sanea-
conjunto. mento ambiental no Brasil. Há alterações nes-
Os programas e ações incluídos no Progra- tes programas, entretanto, que vem se dando
ma Nacional de Capacitação das Cidades são de forma gradual e progressiva. Um exemplo
coordenados por diferentes setores do Minis- expressivo da mudança de enfoque na atual
tério das Cidades e abrangem a realização de administração pode ser encontrado na mu-
oficinas de capacitação de lideranças sociais; dança estratégica do Programa de Moderniza-
seminários; teleconferências para exposição e ção do Setor de Saneamento, que deixou de
discussão dos manuais dos programas e po- estar voltado para a promoção da privatização
líticas do Ministério das Cidades; publicações do serviços e passou a ser um programa de
de apoio às atividades de capacitação; cursos fortalecimento dos prestadores públicos de
para técnicos de órgãos públicos; ações de serviços de saneamento ambiental.
assistência técnica e atividades de apoio ao Entre as prioridades do Ministério para
desenvolvimento institucional de órgãos 2005 e 2006 destacam-se: a capacitação de
públicos. Em 2003 e 2004, foram realizadas técnicos do setor público e agentes sociais
atividades nas áreas de saneamento ambien- para a elaboração de planos diretores partici-
tal, mobilidade urbana, trânsito, planejamento pativos; o apoio e capacitação dos municípios
territorial urbano, regularização fundiária, para a implementação e gestão de cadastros
habitação e implementação de cadastros ter- territoriais. Além dessas duas prioridades ge-
ritoriais. rais, outras são definidas, segundo os setores

Política nacional de desenvolvimento urbano 69


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
do Ministério, consideradas as especificidades 12. Capacitação para construção de índices
das diferentes áreas de atuação. de qualidade de vida intra-urbanos
O apoio do Ministério das Cidades para a
implementação, gestão e aperfeiçoamento de
Sistema Nacional de Informações
cadastros territoriais e para a elaboração de
das Cidades
planos diretores participativos vem se somar
a outros esforços do Governo Federal como A garantia de acesso a informações organiza-
o Programa Nacional de Apoio à Moderniza- das e confiáveis referentes às áreas de atuação
ção Administrativa e Fiscal – PNAFM, gerido e do Ministério das Cidades é fundamental para
executado pelo Ministério da Fazenda e pela o planejamento, o monitoramento e a avalia-
Caixa Econômica Federal; e o Programa de ção das políticas, programas e projetos reuni-
Modernização da Administração Tributária e dos na Política Nacional de Desenvolvimento
Gestão dos Setores Sociais Básicos – PMAT, Urbano.
cuja gestão cabe ao Banco Nacional de De- Ao ser criado, o Ministério das Cidades
senvolvimento Econômico e Social – BNDES. herda diversos sistemas de informações de-
São os seguintes os principais programas e sintegrados e de difícil acesso pelo público
ações do PNCC: externo, além de voltados unicamente para o
1. Apoio à capacitação de municípios e agen- acompanhamento de programas específicos.
tes sociais para o desenvolvimento urbano; Embora não exista um levantamento sistema-
2. Programa de Capacitação para Elaboração tizado, o Ministério das Cidades sabe também
de Planos Diretores Participativos e Ações que somente alguns estados e municípios de
de Regularização Fundiária Sustentável; maior porte contam com sistemas de informa-
3. Capacitação de Equipes Municipais para ção consistentes e atualizados.
Prevenção de Riscos em Assentamentos Para reverter este quadro, foi criado, no
Precários; início de 2004, um Comitê Gestor de Informa-
4. Programa Habitar Brasil BID – Subprograma ções para estabelecer diretrizes de uma nova
de Desenvolvimento Institucional de Muni- Política de Informações das Cidades para uso
cípios; do Governo Federal e da sociedade. Foram
5. Programa de Modernização do Setor de adotadas as orientações do Comitê Execu-
Saneamento; tivo do Governo Eletrônico e seus Comitês
6. Programa Nacional de Combate ao Desper- Técnicos, que cuidam, entre outras coisas, da
dício de Água; implantação do software livre e da interopera-
7. Projeto de Assistência Técnica ao Programa bilidade entre sistemas, e a diretriz de garantir
de Saneamento Integrado para População a transparência das ações governamentais e o
de Baixa Renda; controle social.
8. Programa de Treinamento e Capacitação à Posteriormente, foi aprovado junto à Agên-
Distância em Gestão Integrada de Resíduos cia Brasileira de Cooperação do Ministério das
Sólidos; Relações Exteriores e ao Programa das Nações
9. Programa de Ação Social em Saneamento; Unidas para o Desenvolvimento o projeto do
10. Programa de Capacitação da Secretaria Sistema Nacional de Informações das Cidades,
Nacional de Transporte e Mobilidade Ur- com três linhas de ação principais: obtenção
bana; e qualificação de informações e indicadores;
11. Programa de Capacitação do Denatran; sistematização, organização, armazenagem,

70
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
digitalização e geo-referenciamento de in- custos, receitas, frota, oferta e recursos
formações e indicadores; disponibilização e humanos, segundo os sistemas de ônibus
utilização das informações. municipais, sistemas de ônibus metropoli-
Para atualizar e qualificar suas informações, tanos e sistemas metro-ferroviários;
o Sistema Nacional de Informações das Cida- 7. Organização e qualificação de informações
des trabalhará em conjunto com o IBGE quan- gerenciais do Ministério das Cidades, hoje
to aos dados sobre posse de imóveis urbanos, reunidos em um sistema único de dados
identificação de imóveis vazios e o conceito dos diversos operadores dos recursos fi-
de assentamentos precários, além de ampliar nanceiros do Ministério;
a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico e 8. Organização e qualificação de informações
a Pesquisa de Informações Básicas Municipais. para a área de habitação, elaborado em
Junto à Fundação João Pinheiro, será atualiza- parceria com o IPEA, para reunir dados so-
do o cálculo do déficit habitacional brasileiro, bre o mercado imobiliário e investimentos
que hoje é baseado no Censo Demográfico da construção civil;
de 2000. 9. Indicadores de avaliação e monitoramento
Outras iniciativas de complementação e da PNDU, com indicadores sociais e urba-
qualificação de indicadores são: nísticos antes e depois da implementação
1. Índice e indicadores interurbanos sobre dos programas e ações previstos.
qualidade de vida urbana, a ser publicado
como um “Atlas de Qualidade de Vida Ur- O Sistema Nacional de Informações sobre
bana das Cidades”; Cidades prevê a busca de parcerias para a
2. Identificação de áreas socialmente vulnerá- consolidação de seu banco de dados. Neste
veis ou bolsões de pobreza intra-urbanos, sentido, já foram iniciadas conversações com
com prioridade para as Regiões metropoli- o Ministério da Integração, a Caixa Econômica
tanas; Federal, o Congresso Nacional, o Banco Inte-
3. Tipologia das cidades segundo sua inser- ramericano de Desenvolvimento (Interlegis),
ção regional, que será instrumento básico o Banco Mundial (Muninet) e institutos de
para o combate da desigualdade interur- pesquisa e informação locais e regionais. Para
bana; integrar e permitir uma leitura conjunta destes
4. Classificação e identificação de regiões me- sistemas de informações será desenvolvida
tropolitanas, para orientação de políticas uma ferramenta de análise espacial com bases
de investimentos e gestão; cartográficas do IBGE.
5. Articulação com gestores públicos regio- O passo final de construção deste sistema
nais e locais, para elaboração de indicado- de informações sobre cidades é o seu acesso
res intra-urbanos e o aperfeiçoamento de público por meio da Internet. Para tanto, um
cadastros territoriais; novo sítio do Ministério das Cidades será de-
6. Sistema de informações sobre transporte senvolvido com tecnologias que atendam aos
e trânsito, elaborado em parceria com a princípios do software livre. Este sítio conterá
ANTP e o BNDES, para reunir informações com módulos para agregar o sistema de geo-
sobre tarifas, regulamentação, demanda, processamento de dados.

Política nacional de desenvolvimento urbano 71


A construção
democrática da PNDU

CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
“Torna-se oportuno que tenhamos em mente A BASE DE UMA POLÍTICA URBANA COM
que as Conferências das Cidades constituem PARTICIPAÇÃO POPULAR ESTÁ NO RECONHECIMENTO
um primeiro passo – e que será necessário an- DE QUE A PARTICIPAÇÃO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
dar muito mais – para proporcionar a todos os É UM DIREITO DOS CIDADÃOS E DE QUE O CAMINHO
cidadãos e a todas as cidadãs a oportunidade PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE URBANA ESTÁ
de exercerem plenamente o direito às cidades”
DIRETAMENTE VINCULADO À ARTICULAÇÃO E A
INTEGRAÇÃO DE ESFORÇOS E RECURSOS NOS TRÊS
Ministro Olívio Dutra, Conferências Regional, NÍVEIS DE GOVERNO – FEDERAL, ESTADUAL E
Cascavel, Paraná, 2003. MUNICIPAL, COM PARTICIPAÇÃO DOS DIFERENTES
SEGMENTOS DA SOCIEDADE.

Ao final dos acalorados debates da 1a Con-


ferência Nacional das Cidades, os delegados A política de desenvolvimento urbano não
aprovaram as diretrizes para uma política de é uma responsabilidade exclusiva do Governo
desenvolvimento urbano democrática e inte- Federal. Os entes federados têm atribuições
grada, com objetivo de garantir uma “Cidade comuns e concorrentes, devendo buscar uma
para Todos”, como propunha o texto base compatibilização segundo os interesses pú-
apresentado pelo Ministério das Cidades. No blicos, se articularem e cooperarem entre si,
entanto, não há fórmulas mágicas numa reali- integrando suas políticas e ações com vistas à
dade caracterizada pela carência de recursos realização dos objetivos fundamentais da Re-
e por mazelas sociais, estruturais e históricas. pública e à promoção e defesa da dignidade
A construção democrática da PNDU se dá da pessoa humana.
passo a passo. É na dimensão democrática que ocorre a
O Ministério das Cidades foi criado pelo síntese das demais dimensões da nova Política
Presidente Luis Inácio Lula da Silva exata- Nacional de Desenvolvimento Urbano que
mente para proporcionar as condições para a está sendo construída e desta com as demais
formulação e articulação das políticas urbanas políticas que apontam um Brasil de Todos. Essas
com participação da sociedade, objetivando convicções inspiraram o processo de realização
potencializar os recursos humanos e finan- das Conferências das Cidades e de formação do
ceiros em função da conquista de melhores Conselho das Cidades – ConCidades, a quem
condições de vida dos habitantes das cidades cabe uma contribuição efetiva na construção
e de promoção do desenvolvimento urbano de um pacto reunindo os diferentes entes fe-
sustentável, includente e promotor da redu- derados e representantes da sociedade para a
ção das desigualdades sociais. formulação e a implementação da PNDU.
A base de uma política urbana com parti- O processo da primeira Conferência Nacio-
cipação popular está no reconhecimento de nal das Cidades, realizado em 2003, mobilizou
que a participação nas políticas públicas é um cerca de 320 mil representantes da sociedade
direito dos cidadãos e de que o caminho para e do poder público em 3457 municípios bra-
o enfrentamento da crise urbana está direta- sileiros, que elegeram 2510 delegados de 26
mente vinculado à articulação e a integração de estados da Federação e do Distrito Federal,
esforços e recursos nos três níveis de governo deliberando resoluções que definiram os
– federal, estadual e municipal, com participa- princípios e diretrizes da PNDU e a criação do
ção dos diferentes segmentos da sociedade. Conselho das Cidades.

Política nacional de desenvolvimento urbano 75


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
A parceria estabelecida entre o Ministério criação de Conselhos Estaduais e Municipais
das Cidades, as representações dos demais das Cidades ou equivalentes, referenciados
entes federados e as entidades da sociedade nas diretrizes e princípios aprovados na Con-
civil que se fazem presentes no Conselho das ferência Nacional das Cidades, com objetivo
Cidades é decisiva para a superação dos múl- de debater e aprovar a política de desenvolvi-
tiplos e graves desafios urbanos que desde mento urbano em cada esfera da Federação.
muito tempo penalizam, sobretudo, as po- O processo da segunda Conferência Nacio-
pulações pobres. A atuação do Conselho, em nal das Cidades, que se realizará em 2005, en-
poucos meses de existência, já demonstra um frentará novos desafios, tendo como temática
potencial efetivo na construção de um espaço principal a Política Nacional de Desenvolvi-
de pactuação entre os diferentes interesses mento urbano. Será instalado, novamente, em
defendidos pelos segmentos envolvidos no âmbito federal, o mais amplo e democrático
debate. processo já empreendido no Brasil para o de-
Pode-se destacar a contribuição efetiva bate do presente e, sobretudo, do futuro das
dos diferentes atores na formulação das po- cidades.
líticas setoriais de planejamento territorial, O Ministério das Cidades, ao desejar a cons-
habitação, saneamento ambiental, mobilidade trução de cidades mais justas e sustentáveis,
urbana e trânsito, principalmente através dos espera que a sociedade continue fortale-
Comitês Técnicos do ConCidades. cendo a construção democrática da Política
A resolução de número 13 do ConCidades Nacional de Desenvolvimento Urbano, a partir
também merece destaque. Os conselheiros da definição de uma agenda prioritária que
recomendam aos atores sociais e governos considere as principais questões apresentadas
dos estados, municípios e Distrito Federal a neste documento.

76
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
ANEXOS Saneamento ambiental público – Os
serviços de saneamento ambiental são, por
definição, públicos e prestados sob regime de
monopólios, essenciais e vitais para o funcio-
namento das cidades, para a determinação
PRINCÍPIOS, DIRETRIZES E OBJETIVOS das condições de vida da população urbana e
DA PNDU DEFINIDOS NA 1ª rural, para a preservação do meio ambiente e
CONFERÊNCIA DAS CIDADES para o desenvolvimento da economia.

PRINCÍPIOS Transporte público – O transporte público


é um direito. Todos têm a prerrogativa de ter
Direito à cidade – Todos os brasileiros têm acesso aos seus serviços, cabendo aos três
direito à cidade, entendido como o direito à níveis de governo universalizar a sua oferta.
moradia digna, a terra urbanizada, ao sanea- A mobilidade está vinculada à qualidade dos
mento ambiental, ao trânsito seguro, à mobili- locais onde as pessoas moram e para onde
dade urbana, à infra-estrutura e aos serviços e se deslocam, devendo estar articulada com
equipamentos urbanos de qualidade, além de o plano de desenvolvimento da cidade e
meios de geração de renda e acesso à educa- com a democratização dos espaços públicos,
ção, saúde, informação, cultura, esporte, lazer, conferindo prioridade às pessoas e não aos
segurança pública, trabalho e participação. veículos.

Moradia digna – A moradia é um direito Função social da cidade e da proprieda-


fundamental da pessoa humana, cabendo a de – A propriedade urbana e a cidade devem
União, o Distrito Federal, os estados e municí- cumprir sua função social, entendida como a
pios promover, democraticamente, o acesso prevalência do interesse comum sobre o direi-
para todos, priorizando a população de baixa to individual de propriedade, contemplando
ou nenhuma renda, financiando e fiscali- aspectos sociais, ambientais, econômicos (de
zando os recursos destinados à habitação. A inclusão social) e a implantação combinada
promoção do acesso à moradia digna deve com os instrumentos do Estatuto da Cidade.
contemplar, ainda, o direito à arquitetura, a
assistência aos assentamentos pelo poder Gestão democrática e controle social –
público e a exigência do cumprimento da Lei Devem ser garantidos mecanismos de gestão
Federal nº 10.098/02, que estabelece um per- descentralizada e democrática, bem como
centual mínimo das habitações construídas o acesso à informação, à participação e ao
em programas habitacionais adaptadas para controle social nos processos de formulação,
as pessoas portadoras de deficiências. Enten- tomada de decisão, implementação e avalia-
de-se por moradia digna aquela que atende ção da política urbana. A gestão democrática
às necessidades básicas de qualidade de vida, deve reconhecer a autonomia dos movimen-
de acordo com a realidade local, contando tos sociais, sem discriminação, e estar sempre
com urbanização completa, serviços e equi- comprometida com o direito universal à edu-
pamentos urbanos, diminuindo o ônus com cação, saúde, moradia, trabalho, previdência
saúde e violência e resgatando a auto-estima social, transporte, meio ambiente saudável,
do cidadão. cultura e lazer.

Política nacional de desenvolvimento urbano 77


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
Inclusão social e redução das desigual- políticas de discriminação positiva visando à
dades – A política urbana deve atender a igualdade de oportunidades aos grupos his-
população de baixa renda, a fim de reduzir as toricamente marginalizados, como mulheres,
desigualdades sócio-espaciais e étnico-raciais, afro-brasileiros, índios, portadores de defici-
promovendo inclusão social e melhoria de ência, portadores de HIV/Aids, garantindo a
qualidade de vida. interface do Ministério das Cidades com os
outros órgãos federais, a fim de incluir nas
Sustentabilidade financeira e sócio-am- políticas urbanas diretrizes e critérios que
biental da política urbana – Devem ser propiciem ações afirmativas reparatórias. A
definidas e instituídas fontes e mecanismos igualdade deve ser promovida através de
estáveis e permanentes de recursos para o políticas específicas para os diferentes setores
financiamento dos investimentos, sem au- da sociedade, respeitando-se as multiculturali-
mento ou criação de impostos, integrando dades, como forma de garantir a inclusão dos
recursos dos três níveis de governo e combi- afro-descendentes nas cidades, considerando
nando recursos onerosos, não onerosos e sub- a histórica exclusão destas populações. A De-
sídios, além de investimentos e participação fensoria Pública deverá ser encarregada, como
do setor privado, a fim de possibilitar atender instituição, de prestar assistência jurídica inte-
a demanda das famílias que não têm capaci- gral e gratuita aos grupos e segmentos sociais
dade para pagar o custo dos investimentos. mencionados, garantindo e efetivando, assim,
A aplicação dos recursos deverá considerar o seu acesso à justiça na defesa de seus direi-
critérios ambientais, sociais, regionais e de ca- tos e interesses individuais e coletivos.
pacidade institucional. Devem ser estimuladas
a elevação da produtividade, da eficiência, da Combate à segregação urbana – Devem
eficácia e da efetividade, e a minimização do ser garantidas a redução e a eliminação das
desperdício na produção da moradia, na urba- desigualdades sócio-espaciais inter e intra-
nização e na implantação, operação e custeio urbanas e regionais, bem como a integração
dos serviços públicos urbanos, metropolitanos dos sub-espaços das cidades, combatendo
e de caráter regional, estabelecendo linhas de todas as formas de espoliação e segregação
apoio e financiamento para a busca de novas urbana. Garantir a acessibilidade de todos os
tecnologias e para a formulação de planos e cidadãos aos espaços públicos, aos transpor-
projetos de desenvolvimento urbano. tes, aos bens e serviços públicos, à comuni-
cação e ao patrimônio cultural e natural, para
Combate à discriminação de grupos so- a sua utilização com segurança e autonomia,
ciais e étnico-raciais – Deve ser garantida a independente das diferenças.
igualdade de oportunidades para mulheres,
negros, povos indígenas, crianças, adoles- Diversidade sócio-espacial – Devem ser
centes, jovens, idosos, pessoas portadoras consideradas as potencialidades locais, es-
de deficiências, pessoas com necessidades pecificidades ambientais, territoriais, econô-
especiais, comunidades faxinalenses (Sistema micas, históricas, culturais, de porte e outras
Faxinal) e outros grupos marginalizados ou particularidades dos assentamentos humanos,
em desvantagem social, sem distinção de resguardando-os da especulação imobiliária
orientação política, sexual, racial ou religiosa, e garantindo a sustentabilidade das políticas
com aplicação do Estatuto do Idoso. Adotar urbanas.

78
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
DIRETRIZES Participação social – Promover a organiza-
ção de um sistema de conferências, conselhos
Políticas nacionais – Formular, implementar em parcerias com usuários; setor produtivo;
e avaliar a Política Nacional de Desenvolvi- organizações sociais (movimentos sociais e
mento Urbano e as Políticas Fundiária, de Ha- ONGs); entidades profissionais, acadêmicas e
bitação, de Saneamento Ambiental, de Trânsi- de pesquisa; entidades sindicais; operadores e
to, de Transporte e Mobilidade Urbana de for- concessionários de serviços públicos; e órgãos
ma integrada, respeitando o pacto federativo, governamentais, para viabilizar a participação
com participação da sociedade, em parceria social na definição, execução, acompanha-
com estados, municípios e Distrito Federal e mento e avaliação da política urbana de forma
articulada com todos os órgãos do Governo continuada, respeitando a autonomia e as
Federal. As políticas públicas devem ter como especificidades dos movimentos e das entida-
eixo norteador os princípios da universalida- des, e combinando democracia representativa
de, eqüidade, sustentabilidade, integralidade e com democracia participativa.
gestão pública.
Políticas de desenvolvimento e capaci-
Política urbana, social e de desenvolvi- tação técnico-institucional – Desenvolver,
mento – Articular a política urbana às políticas aprimorar, apoiar e implementar programas
de educação, assistência social, saúde, lazer, e ações de aperfeiçoamento tecnológico,
segurança, preservação ambiental, emprego, capacitação profissional, adequação e moder-
trabalho e renda e desenvolvimento econô- nização do aparato institucional e normativo,
mico do país, como forma de promover o a fim de garantir a regulação, a regularização,
direito à cidade e à moradia, a inclusão social, o a melhoria na gestão, a ampliação da partici-
combate à violência e a redução das desigual- pação, a redução de custos, a qualidade e a
dades sociais, étnicas e regionais, garantindo eficiência da política urbana, possibilitando a
desconcentração de renda e crescimento participação das universidades.
sustentável. Promover políticas de desenvolvi-
mento urbano que garantam sustentabilidade Diversidade urbana, regional e cultural
social, cultural, econômica, política e ambiental – Promover programas e ações adequados às
baseada na garantia da qualidade de vida para características locais e regionais, respeitando-
gerações futuras, levando em conta a priori- se as condições ambientais do território, as
dade às cidades com menores IDH ou outros características culturais, vocacionais, o porte,
indicadores sociais. Efetivar os planos diretores as especificidades e potencialidades dos
em consonância com os zoneamentos ecoló- aglomerados urbanos, considerando os as-
gico-econômicos e ambientais. Implementar pectos econômicos, metropolitanos e outras
políticas públicas integradas entre o rural e o particularidades e promovendo a redução de
urbano com atendimento integral ao habitante desigualdades regionais, inclusive pela pres-
do espaço municipal. tação regionalizada de serviços e pela prática
de mecanismos de solidariedade social, com a
Estrutura institucional – Implementar a preservação e valorização de uma identidade
estrutura institucional pública necessária para brasileira transcultural. O Ministério das Cida-
efetivação da política urbana, promovendo a des deve criar vínculos profundos com o Mi-
participação e a descentralização das decisões. nistério da Educação, trabalhando conjunta-

Política nacional de desenvolvimento urbano 79


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
mente na formação acadêmica voltada para a Redes de cidades mais equilibradas
cidadania e defesa de uma cidade para todos; – Apoiar a estruturação de uma rede de cida-
criar parcerias entre o Ministério das Cidades des mais equilibrada do ponto de vista do de-
e entidades estudantis que se comprometam senvolvimento sócio-econômico e da redução
com a garantia do direito à cidade e com a das desigualdades regionais, respeitando as
melhoria das condições de vida da população características locais e regionais, estimulando
de baixa renda, para que a juventude estudan- a formação de consórcios regionais, e articu-
til possa colaborar na troca de conhecimento e lando as políticas urbana, social e ambiental,
estar preparada, no futuro, para exercer a jus- a fim de promover a desconcentração e a
tiça e a responsabilidade social. Garantir que a descentralização do desenvolvimento urbano,
juventude esteja envolvida nas questões que evitando problemas como a emancipação de
foram debatidas na Conferência das Cidades, cidades sem condições de assumir tal respon-
como meio de assegurar a continuidade des- sabilidade e a ação de lobistas para a obten-
ses trabalhos, desses princípios e, sobretudo, ção de recursos públicos. Promover políticas
do direito à cidade para as futuras gerações. de formação, informação e educação relativas
aos instrumentos de implementação do di-
Políticas abrangentes e massivas – As po- reito à cidade aos mais diversos segmentos
líticas do Ministério das Cidades deverão ser sociais, garantindo a participação cidadã na
abrangentes e massivas para enfrentar todo o gestão pública. Promover a elaboração de pla-
déficit habitacional (qualitativo e quantitativo); nos e projetos municipais acompanhados pela
garantir o acesso à terra urbanizada, à regu- União e pelos estados, de forma a garantir o
larização fundiária, à qualidade do meio am- atendimento às exigências técnicas e legais; e
biente, à assistência técnica e jurídica gratuita; incentivar o desenvolvimento regional endó-
promover a utilização de prédios públicos e a geno naquelas regiões onde já existe oferta
desapropriação de prédios particulares, que de infra-estrutura instalada, possibilitando a
não tenham fins sociais, para fins de moradia; geração de emprego e renda através de arran-
promover a universalização dos serviços de sa- jos produtivos locais e regionais.
neamento ambiental, energia elétrica, ilumina-
ção pública e equipamentos urbanos nas áreas
OBJETIVOS
urbanas e rurais; promover o aumento e a
qualificação da acessibilidade e da mobilidade, Redução do déficit habitacional – Reduzir
a qualidade do trânsito e a segurança de todos o déficit habitacional qualitativo e quantitativo
os cidadãos, possibilitando a inclusão social. em áreas urbanas e rurais, promovendo inte-
A política de desenvolvimento urbano deve gração e parcerias nos três níveis de governo,
atuar para corrigir as desigualdades atualmen- por meio de políticas que atendam às necessi-
te existentes, contemplando a regularização dades da população – com particular atenção
fundiária, a urbanização dos assentamentos para as camadas sem renda ou com renda
precários, a erradicação de riscos, a mobilidade de até três salários mínimos – e de ações que
urbana, o saneamento ambiental, o abasteci- promovam o acesso à moradia digna. Investir
mento de água, o esgotamento sanitário e a em tecnologia adequada, incorporando requi-
gestão de resíduos sólidos e drenagem. sitos de conforto ambiental, eficiência ener-
gética e acessibilidade, priorizando locais já
urbanizados, de forma integrada com políticas

80
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
de geração de emprego e renda, saúde, edu- drenagem urbana, privilegiando o enfoque
cação, lazer, transporte, mobilidade urbana e integrado e sustentável, a fim de prevenir de
saneamento ambiental. modo eficaz as enchentes urbanas e ribei-
rinhas. Aumentar a eficiência dos serviços
Acesso universal ao saneamento ambien- de limpeza pública (coleta, disposição final
tal – Promover o acesso universal ao sanea- e tratamento); promover a modernização e
mento ambiental, priorizando o atendimento a organização sustentável dos serviços de
às famílias de baixa renda localizadas em limpeza pública e a inserção social dos cata-
assentamentos urbanos precários e insalubres, dores; estimular a redução, a reciclagem e a
em áreas de proteção ambiental, municípios coleta seletiva de resíduos sólidos; promover
de pequeno porte e regiões rurais. Entende-se a recuperação de áreas contaminadas, pro-
por saneamento ambiental o abastecimento pondo o desenvolvimento e aplicação de
de água em condições adequadas; a coleta, o tecnologias adequadas às diversas realidades
tratamento e a disposição adequada dos es- do país; e incentivar as intervenções integra-
gotos, resíduos sólidos e emissões gasosas; a das, articulando os diversos componentes do
prevenção e o controle do excesso de ruídos; saneamento. Implementar políticas públicas
a drenagem de águas pluviais e o controle para a gestão sustentável de resíduos sólidos,
de vetores com seus reservatórios de doen- promovendo a eficiência dos serviços por
ças. Defender a essencialidade e a natureza meio de investimentos em sistemas de rea-
pública que caracterizam a função social das proveitamento de resíduos (coleta seletiva de
ações e serviços de saneamento ambiental, orgânicos, inorgânicos e inertes e destinação
garantindo a gestão pública nos serviços e a para reciclagem dos catadores); educação
prestação por órgãos públicos. Os serviços de sócio-ambiental voltada para a redução, reuti-
saneamento ambiental são de interesse local lização e reciclagem de resíduos; mobilização,
e o município é o seu titular, responsável pela sensibilização e comunicação destinadas à
sua organização e prestação, podendo fazê-lo população dos municípios brasileiros para es-
diretamente ou sob regime de concessão ou timular novas práticas em relação aos resíduos
permissão, associado com outros municípios que tragam benefícios para o meio ambiente
ou não, mantendo o sistema de subsídios cru- e que convirjam para sistemas de coleta se-
zados, respeitando a autonomia e soberania letiva solidária (que envolve também coleta,
dos municípios. triagem, pré-beneficiamento, industrialização
e comercialização de resíduos); controle social,
Gestação integrada e sustentável da po- fiscalização e monitoramento das políticas
lítica de saneamento – Garantir a qualidade desenvolvidas no setor de resíduos sólidos;
e a quantidade da água para o abastecimento desenvolvimento de tecnologias sociais e am-
público, com especial atenção às regiões de bientalmente sustentáveis; definição de metas
proteção aos mananciais. Elevar a qualidade e métodos para erradicação dos lixões, que
dos serviços de água e esgoto, apoiando, pro- garantam a erradicação do trabalho de crian-
movendo e financiando o desenvolvimento ças e adolescentes e sua inclusão escolar, bem
institucional e a capacitação das empresas como a capacitação e integração dos adultos
públicas de saneamento; reduzir as perdas no em sistemas públicos de reaproveitamento de
abastecimento e promover a conservação da resíduos sólidos urbanos; implantação da co-
água; reorientar as concepções vigentes na leta seletiva com inclusão social em todos os

Política nacional de desenvolvimento urbano 81


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
municípios do Brasil; criação de mini centrais função social da propriedade e de análise dos
de reciclagem. impactos ambiental e de vizinhança.

Mobilidade urbana com segurança – Am- Diversificação de agentes promotores


pliar a mobilidade urbana com segurança, e financeiros – Incentivar a participação de
priorizando o transporte coletivo e os não- agentes promotores e financeiros e apoiar
motorizados; desestimulando o uso de auto- a atuação e a formação de cooperativas e
móvel; priorizando o pedestre e privilegiando associações comunitárias de autogestão na
a circulação de pessoas com mobilidade re- implementação de políticas, programas e pro-
duzida; melhorando as condições do trânsito; jetos de desenvolvimento urbano, habitação e
prevenindo a ocorrência e reduzindo a violên- gestão ambiental.
cia e a morbi-mortalidade decorrente de aci-
dentes; e integrando e fortalecendo entidades Estatuto da cidade – Promover a regula-
e órgãos gestores de trânsito, transporte e mentação e a aplicação do Estatuto da Cida-
planejamento urbano. de, de outros instrumentos de política urbana
e dos princípios da Agenda 21, garantindo a
Qualidade ambiental urbana – Promover ampla participação da sociedade e a melhoria
a melhoria da qualidade ambiental urbana, da gestão e controle do uso do solo, na pers-
priorizando as áreas de maior vulnerabilida- pectiva do cumprimento da função social e
de e precariedade, especialmente quando ambiental da cidade e da propriedade e da
ocupadas por população de baixa renda, e promoção do bem-estar da população.
estimulando o equilíbrio entre áreas verdes e
áreas construídas. Democratização do acesso à informação
– Criar sistema de informações, acessível a
Planejamento e gestão territorial – Pro- qualquer cidadão, que permita a obtenção de
mover a melhoria do planejamento e da dados sobre atos do poder público, aplicação
gestão territorial de forma integrada, levando de recursos dos programas e projetos em
em conta o ordenamento da cidade e seus execução, valor dos investimentos, custos dos
níveis de crescimento, em uma visão de longo serviços e arrecadação.
prazo, articulando as administrações locais e
regionais. Elaborar diretrizes nacionais transi- Geração de emprego, trabalho e renda
tórias de um pacto de gestão urbana cidadã, – Visando à inclusão social e considerando as
destinadas à utilização pelos municípios, antes potencialidades regionais, integrar as ações
e durante o período em que estiver ocorrendo de política urbana com as ações de geração
revisão e/ou elaboração de seus planos dire- de emprego, trabalho e renda, com destaque
tores, para apoiar e nortear os poderes execu- para a universalização da assistência técnica e
tivos e legislativos municipais na contenção jurídica; promoção da qualificação profissio-
de alterações pontuais de zoneamento, usos e nal; incentivo às empresas para geração do
ocupações do solo urbano e/ou para garantir, primeiro emprego; incentivo à descentraliza-
até a aprovação do plano diretor, a implemen- ção industrial; incentivo ao emprego de ido-
tação somente de operações consensuadas sos; concessão de linhas de crédito; estímulo à
na municipalidade e que estejam de acordo diversificação da produção; apoio a coopera-
com os instrumentos de controle social, da tivas ou empreendimentos autogestionários;

82
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
promoção de políticas de desenvolvimento ou então características do modo de vida, das
produtivo nas regiões não contempladas pela relações de produção, do acesso à equipa-
política regional de investimentos na produ- mentos e serviços ou de outros critérios que
ção; reformulação da política de incentivo a permitissem uma clivagem mais rigorosa en-
instalação de indústrias, fortalecendo o co- tre urbano e rural.
mércio, a agricultura e os serviços; e apoio e A definição sobre o conceito de cidade
financiamento de parcerias para a realização ou o conceito de urbano envolve aspectos
de serviços públicos que promovam a coesão demográficos, antropológicos, culturais, fi-
e inclusão social ao gerarem trabalho e renda. losóficos, geográficos, sociais, econômicos,
entre outros. É, sem dúvida, um debate muito
importante, cuja clareza deverá orientar a
POPULAÇÃO URBANA BRASILEIRA
elaboração de um novo marco legal que subs-
– MAPAS DO IBGE
titua o decreto lei 311 de 1938. Afinal, pelo
Por qualquer critério que se adote podemos atual critério legal, podemos chamar de cida-
dizer que o país se urbanizou e o modo de de tanto o Município de São Paulo, que tem
vida urbano extrapola até mesmo os limites 10,7 milhões de habitantes e é parte de uma
das cidades. No entanto há controvérsias, metrópole de 17 milhões, quanto pequenos
evidenciadas em bibliografia recente, sobre ajuntamentos que não tem mais do que 500
o montante da população urbana medida moradores. Fenômenos diferentes são nome-
pelo IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e ados pelo mesmo conceito.
Estatística. No entanto, enquanto essa discussão, cuja
Os números do Censo 2000 mostram que conclusão promete se alongar, está em desen-
81% da população brasileira reside em áreas volvimento, o Ministério das Cidades buscou
urbanas e que o processo de urbanização da ajuda do IBGE para dar mais rigor ao número
sociedade brasileira é irreversível, registrando- da população urbana que é alvo de sua ação.
se o aumento de cinco pontos percentuais em O IBGE usa, em seus levantamentos, critérios
relação ao Censo de 1991, que apresentava que nos permitem uma classificação mais acu-
uma população urbana de 110.990.990 habi- rada do que aquela baseada na lei municipal.
tantes – cerca de 76% do total. Além dos dados divulgados de acordo
Entre os questionamentos acerca da valida- com as referências municipais, o IBGE faz uma
de desses dados,destacam-se as críticas aos análise mais fina por setor censitário segundo
critérios utilizados pelo IBGE para definição sua localização em área de caráter urbano ou
de “áreas urbanas”: o Instituto se baseia nas rural. Essa caracterização da área considera
definições municipais de perímetros urba- aspectos urbanísticos, densidade, inserção na
nos. Aponta-se que há motivações de ordem dinâmica urbana, atividades econômicas reali-
financeira – aumento de arrecadação em es- zadas pelos moradores, existência de serviços
pecial pela cobrança de IPTU – das prefeituras e equipamentos, entre outros aspectos. Cada
municipais para as delimitações dos períme- área classificada pelo município como rural ou
tros urbanos e que, portanto, a medição se urbana recebe outras 8 subclassificações (5 no
baseia em um critério que não seria científico. rural e 3 no urbano). Dessa forma é possível
Outras linhas de argumentação lembram a apontar uma ocupação predominantemente
ausência de parâmetros de densidade de ocu- rural em área definida legalmente como urba-
pação do solo para definição desses limites na e vice versa.

Política nacional de desenvolvimento urbano 83


CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
A apuração dos resultados dessa nova 81% dos números divulgados pelo IBGE para
classificação não altera de forma significativa 2000 e de 76% para 1991.
os dados largamente conhecidos e que foram Mesmo considerando que é sempre
mencionados acima sobre a urbanização da possível mais de uma interpretação para
sociedade brasileira. Segundo dados do Censo as definições utilizadas – o que são exata-
2000, 79,9% da população brasileira reside em mente áreas “afetadas por transformações
“área urbanizada de vila ou cidade” cuja defini- decorrentes do desenvolvimento urbano” e
ção refere-se a “setor urbano situado em áreas áreas “reservadas à expansão urbana?” – as
legalmente definidas como urbanas, caracteri- considerações acima nos levam a apontar
zadas por construções, arruamentos e intensa que, segundo critérios próprios do IBGE e
ocupação humana; áreas afetadas por trans- não apenas a definição legal dos municípios,
formações decorrentes do desenvolvimento os novos números da população urbana
urbano e aquelas reservadas à expansão urba- seria da mesma ordem de grandeza que
na”. De acordo com o Censo de 1991, 74,6% da os números mais amplamente divulgados.
população residia neste tipo de setor. Essa constatação nos permite confirmar
Se considerarmos apenas 3 dos 8 itens que o país é maciçamente urbano e é sufi-
(“área urbanizada de vila ou cidade” – situa- cientemente adequada para continuarmos,
ção 1; “área urbanizada isolada” – situação 3; por enquanto, a utilizar os números que se
e “rural-extensão urbana” – situação 4), nos referem à população urbana brasileira para
quais a ocupação urbana é melhor caracte- dar prosseguimento à elaboração da Política
rizada já atingiríamos o mesmo patamar de Nacional de Desenvolvimento Urbano.

84
CADERNOS MCIDADES DESENVOLVIMENTO URBANO
O mapa a seguir apresenta a distribuição
da população urbana em situação 1, 3 e 4,
referentes à análise mais fina do IBGE aqui
considerada.

Política nacional de desenvolvimento urbano 85


Coordenação Geral dos Cadernos MCidades Colaboradores MCidades*

ERMÍNIA MARICATO BENNY SCHASBERG


Ministra Adjunta e Secretária Executiva CARLOS ANTÔNIO MORALES
CELSO SANTOS CARVALHO
KELSON VIEIRA SENRA CLOVIS FRANCISCO DO NASCIMENTO FILHO
Diretor de Desenvolvimento Institucional EVANIZA RODRIGUES
GRAZIA DE GRAZIA
FABRÍCIO LEAL DE OLIVEIRA HELENO FRANCO MESQUITA
Gerente de Capacitação HUMBERTO KASPER
INÊS DA SILVA MAGALHÃES
ROBERTO SAMPAIO PEDREIRA IRIA CHARÃO RODRIGUES
Assessor Técnico JAQUELINE FILGUEIRAS
JOÃO CARLOS MACHADO
JÚNIA MARIA BARROSOS SANTA ROSA
LAILA NAZEM MOURAD
Coordenação, elaboração e revisão de textos LÚCIA MALNATI
LÚCIA MARIA MENDONÇA SANTOS
ERMÍNIA MARICATO LUIZ CARLOS BERTOTTO
Ministra Adjunta e Secretária Executiva MÁRCIA MACÊDO
OTILIE PINHEIRO
KELSON VIEIRA SENRA RAUL DE BONIS
Diretor de Desenvolvimento Institucional RENATO BALBIM
RENATO BOARETO
FABRÍCIO LEAL DE OLIVEIRA ROBERTO MOREIRA
Gerente de Capacitação ROBERTO SAMPAIO PEDREIRA
SERGIO ANTONIO GONÇALVES
JOSÉ EDUARDO BAVARELLI TITO LIVIO PEREIRA QUEIROZ E SILVA
Assessor Técnico VALDEMAR ARAÚJO FILHO

JORGE HEREDA
Secretário Nacional de Habitação

RAQUEL ROLNIK
Secretária Nacional de Programas Urbanos

ABELARDO DE OLIVEIRA FILHO


Secretário Nacional de Saneamento Ambiental

JOSÉ CARLOS XAVIER


Secretário de Transporte e Mobilidade Urbana

AILTON BRASILIENSE PIRES


Diretor do Departamento Nacional de Trânsito
(Denatran)

JOÃO LUIZ DA SILVA DIAS


Diretor-presidente da Companhia Brasileira de Trens
Urbanos (CBTU )

MARCO ARILDO PRATES DA CUNHA * Nota: Assinala-se, também, a contribuição dos


Diretor-presidente da Empresa de Trens Urbanos de quadros técnicos do MCidades e de colaboradores,
Porto Alegre S.A. (Trensurb) apresentados nas Fichas Técnicas dos demais Ca-
dernos MCidades desta Série.
Colaboradores convidados

ADALTO CARDOSO
AMIR KHAI
ANA CRISTINA FERNANDES
ANDRÉ LUIZ DE SOUZA
ARLETE MOYSÉS RODRIGUES
CARLOS BERNARDO VAINER
CLÉLIO CAMPOLINA DINIZ
EDÉSIO FERNANDES
EDUARDO ALCÂNTARA VASCONCELOS
GLAUCO BIENENSTEIN
HELENA MENA BARRETO
JAN BITTOUN
JEROEN KLINK
JUPIRA GOMES DE MENDONÇA
LUIZ CÉSAR QUEIRÓZ RIBEIRO
MARIA INÊS NAHAS
MARIA LUIZA CASTELLO BRANCO
MAURÍCIO BORGES
NABIL BONDUKI
ORLANDO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
PAULO JOSÉ VILLELA LOMAR
PEDRO PAULO MARTONI BRANCO
ROBERTO MONTE-MÓR
ROBERTO MORETTI
ROSA MOURA
ROSANI CUNHA
SADALLA DOMINGOS
TÂNIA BACELAR
Ministério Ministro de Estado
OLÍVIO DUTRA
das Cidades cidades@cidades.gov.br

Chefe de Gabinete
DIRCEU SILVA LOPES
cidades@cidades.gov.br

Consultora Jurídica
EULÁLIA MARIA DE CARVALHO GUIMARÃES
conjur@cidades.gov.br

Assessor de Comunicação
ÊNIO TANIGUTI
enio.taniguti@cidades.gov.br

Assessora Especial de Relações com a Comunidade


IRIA CHARÃO RODRIGUES
iriaacr@cidades.gov.br

Assessor Parlamentar
SÍLVIO ARTUR PEREIRA
aspar@cidades.gov.br

Conselho Nacional de Trânsito


Presidente
AILTON BRASILIENSE PIRES
denatran@mj.gov.br

Conselho das Cidades


Coordenadora da Secretaria Executiva do ConCidades
IRIA CHARÃO RODRIGUES
conselho@cidades.gov.br

Ministra Adjunta e Secretária-Executiva


ERMÍNIA MARICATO
erminiatmm@cidades.gov.br

Subsecretário de Planejamento, Orçamento


e Administração
LAERTE DORNELES MELIGA
laerte.meliga@cidades.gov.br

Diretor de Desenvolvimento Institucional


KELSON VIEIRA SENRA
kelson.senra@cidades.gov.br

Diretor de Integração, Ampliação e Controle Técnico


HELENO FRANCO MESQUITA
helenofm@cidades.gov.br
Assessora de Relações Internacionais Departamento de Água e Esgotos
ANA BENEVIDES Diretor
abenevides@cidades.gov.br CLOVIS FRANCISCO DO NASCIMENTO FILHO
clovisfn@cidades.gov.br
Departamento Nacional de Trânsito (Denatran)
Diretor Departamento de Desenvolvimento e Cooperação
AILTON BRASILIENSE PIRES Técnica
denatran@mj.gov.br Diretor
MARCOS MONTENEGRO
Secretário Nacional de Habitação marcos.montenegro@cidades.gov.br
JORGE HEREDA
snh@cidades.gov.br Departamento de Articulação Institucional
Diretor
Departamento de Desenvolvimento Institucional SERGIO ANTONIO GONÇALVES
e Cooperação Técnica sergioag@cidades.gov.br
Diretora
LAILA NAZEM MOURAD Secretário Nacional de Transporte e da Mobilidade
laila.mourad@cidades.gov.br Urbana
JOSÉ CARLOS XAVIER
Departamento de Produção Habitacional josecx@cidades.gov.br
Diretora
EMILIA CORREIA LIMA Departamento de Cidadania e Inclusão Social
emilia.lima@cidades.gov.br Diretor
LUIZ CARLOS BERTOTTO
Departamento de Urbanização e Assentamentos luiz.bertotto@cidades.gov.br
Precários
Diretora Departamento de Mobilidade Urbana
INÊS DA SILVA MAGALHÃES Diretor
imagalhaes@cidades.gov.br RENATO BOARETO
renato.boareto@cidades.gov.br
Secretária Nacional de Programas Urbanos
RAQUEL ROLNIK Departamento de Regulação e Gestão
programasurbanos@cidades.gov.br Diretor
ALEXANDRE DE AVILA GOMIDE
Departamento de Planejamento Urbano alexandre.gomide@cidades.gov.br
Diretor
BENNY SCHASBERG Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU )
planodiretor@cidades.gov.br Diretor-presidente
JOÃO LUIZ DA SILVA DIAS
Departamento de Apoio à Gestão Municipal Territorial dir.p@cbtu.gov.br
Diretora
OTILIE PINHEIRO Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A.
olitiemp@cidades.gov.br (Trensurb)
Diretor-presidente
Departamento de Assuntos Fundiários Urbanos MARCO ARILDO PRATES DA CUNHA
Diretor trensurb@trensurb.com.br
SÉRGIO ANDRÉA
regularizacao@cidades.gov.br

Secretário Nacional de Saneamento Ambiental


ABELARDO DE OLIVEIRA FILHO
sanearbrasil@cidades.gov.br
EDIÇÃO E PRODUÇÃO
Espalhafato Comunicação

PROJETO GRÁFICO
Anita Slade
Sonia Goulart

FOTOS
Arquivo MCidades

DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINAL


Sonia Goulart

REVISÃO
Rosane de Souza

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