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05/10/2023, 09:00 A Técnica Psicológica das Palestras Radiofônicas de Martin Luther Thomas [1943]

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A Técnica Psicológica das


Palestras Radiofônicas de Martin
Luther Thomas [1943](1)
Theodor Adorno
Primeira Edição: ....
Fonte: http://adorno.planetaclix.pt/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.

I Parte: O elemento pessoal: caracterização do agitador

1. Observações introdutórias

A liderança fascista se caracteriza pela complacência para com as declarações


palavrosas que faz sobre si mesma. Os propagandistas liberal e radical, ao
contrário, desenvolveram a tendência de evitar qualquer referência à sua vida
privada em favor dos interesses objetivos aos quais apelam. O primeiro, a fim
de mostrar seu realismo e competência; o último, porque sua atitude coletivista
poderia se ver ameaçada, se ele realça-se sua personalidade. Embora essa
impessoalidade esteja bem fundada nas condições objetivas existentes em uma
sociedade industrial, ela é muito frágil a partir do ponto de vista da audiência do
orador. O distanciamento para com os relacionamentos pessoais envolvidos em
qualquer discussão objetiva pressupõe uma liberdade e uma força intelectuais
que, hoje, quase não mais existem entre as massas. Além disso, a frieza inerente
a uma argumentação objetiva intensifica os sentimentos de desespero,
isolamento e solidão dos quais, virtualmente, todo o indivíduo sofre na
atualidade. Desses sentimentos ele deseja escapar quando ouve qualquer tipo de
discurso público, e isso foi entendido pelos fascistas: a sua fala é pessoal. Ela
não apenas se refere aos interesses mais imediatos dos seus ouvintes como,
também, abarca a esfera privada do orador que, assim, faz parecer que tem em
seus ouvintes pessoas de sua confiança e que pode passar por cima das
distâncias que separam as pessoas.

Existem mais razões específicas para essa atitude, que, apesar de muitas
vezes ser nutrida pela vaidade do líder, é bem calculada e, a despeito de seu
aparente subjetivismo, forma parte de um conjunto altamente objetivo de
expedientes de propaganda. Quanto mais impessoal se torna nossa ordem, mais
importante se torna a personalidade como ideologia. Quanto mais o indivíduo é
reduzido a uma mera peça de engrenagem, mais a idéia de singularidade do
indivíduo, sua autonomia e importância, tem de ser afirmada como compensação
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de sua real fraqueza. Como isso não pode ser feito com cada um dos ouvintes
individualmente, nem de uma maneira meramente abstrata e geral, a referida
ênfase é pois feita de modo vigário pelo líder. Pode-se dizer que parte do segredo
da liderança totalitária consiste no fato de que o líder representa a imagem da
personalidade autônoma que, na realidade, é negada a seus seguidores.

A propaganda pessoal feita pelo líder fascista é uma espécie de truque


confessional. Embora ele vez por outra se vanglorie e, em momentos decisivos,
possa blefar, sobretudo antes de chegar ao poder, ele prefere, no tocante aos
temas, minimizar o que seria sua força resistível. Ele reitera que "também é um
ser humano", isto é, um ser tão fraco quanto o são seus possíveis simpatizantes.
Os conceitos de força e autoridade não bastam em si mesmo para explicar o
apelo da liderança fascista. O principal é, antes, a idéia de que o fraco pode se
tornar forte, se ele entregar sua existência privada ao movimento, à causa, à
cruzada ou qualquer outra coisa. Referindo-se a si próprio de maneira
ambivalente, como homem e super-homem, fraco e forte, próximo e distante, o
líder fascista serve de modelo para cada atitude que ele procura firmar em seus
ouvintes.

Além disso, suas confissões, falsas ou verdadeiras, satisfazem a curiosidade


do ouvinte. A curiosidade é um aspecto universal da atual cultura de massa. É
alimentada pelas colunas de fofoca de certos jornais, pelas estórias de bastidores
contadas a um sem número de ouvintes pelo rádio ou, ainda, pelas revistas que
prometem contar "a verdadeira história". A estrutura da coisa ainda não foi
totalmente explorada. Deve-se, em parte, ao sentimento amplamente
disseminado de que é preciso estar informado para se manter uma conversa
mas, também, ao sentimento de que a vida dos outros é rica, excitante e
colorida, em comparação com a existência penosa da nossa. Fundamentalmente,
o principal talvez seja porém a função da atitude bisbilhoteira, profundamente
enraizada no inconsciente do processo psicológico e de resto muito afim do
fascismo, que consiste em satisfazer-se conseguindo dar uma olhada na vida
privada do vizinhança. O líder fascista é esperto o bastante para saber que não
faz muita diferença como essa curiosidade é satisfeita. Revelações sobre
subornos ou roubos supostamente cometidos por um inimigo, tanto quanto sobre
a doença de sua esposa ou suas dificuldades financeiras, que inclusive podem ser
inventadas, são em geral bem efetivas. Na condição de psicólogo prático, ele
sabe algo sobre como age a ambivalência, mesmo que ele denuncie a psicanálise
como pilhéria judaica. A libido do ouvinte é satisfeita quando ele é tratado como
alguém de dentro; é matéria secundária saber se sua curiosidade é dirigida a
conceitos negativos ou positivos. Se um inimigo deixa de pagar suas contas, o
fato serve para denunciá-lo como embusteiro. Se Martin Luther Thomas, como
ele de fato faz, declara publicamente que ele não pode pagar suas despesas a
emissora de rádio, isso, ao invés, pode lhe trazer novos amigos.

Finalmente, existe uma razão objetiva para a falta de objetividade dos


fascistas. O expediente ajuda a esconder ou encobrir suas aspirações objetivas.
Diferentemente da Alemanha, a idéia de democracia possui uma grande tradição

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e um forte apelo emocional na América. Seria pois quase impraticável para


qualquer líder fascista atacar a democracia, como os propagandistas fascistas
livremente o fizeram na Alemanha. Destarte e em geral, o fascista americano é
preparado para aceitar a democracia como uma capa de proteção para seus
próprios fins. Recorrendo a todas as suas forças pessoais e à aplicação de
técnicas publicitárias de alta-pressão, ele espera munir-se do poder capaz de
reunir um vasto grupo de pressão que acabará derrubando a democracia em
nome da democracia. Aparte isso, conhece-se bem a técnica de propaganda
fascista que consiste em prometer vagamente tudo para todos os grupos, sem se
importar muito com os seus conflitos de interesses. Quando fala sobre si mesmo,
o líder fascista procura trazer confiança para seu poder de integração; por outro
lado, ele precisa ser muito específico sobre seus propósitos objetivos, a fim de
que os aspectos em si mesmo contraditórios do seu programa não se tornem
muito ruidosos. Desse modo é o toque pessoal que serve de eficiente
camuflagem.

Martin Luther Thomas conhece por inteiro as técnicas de Hitler, devido as


relações com Deatheradge, Henry Allen e Mr. Fry. Ele sabe bem sobre como se
manipula o próprio ego com finalidades propagandistas e, habilmente, tem
adaptado a técnica hitlerista da revelação e da confissão para o cenário
americano e as necessidades emocionais do grupo para o qual ele se dirige — a
classe média baixa idosa e de meia idade, com ascendência religiosa de tipo
sectário ou fundamentalista.

O seguinte consiste de alguns exemplos da maneira como ele fala sobre si


mesmo.

2. "Lobo solitário"

Em primeiríssimo lugar há o ardil do lobo solitário, tomado do arsenal de


Hitler, que sempre o usou para se vangloriar dos sete solitários e heróicos
companheiros de partido que começaram o movimento e do fato de que os
outros controlavam a imprensa e o rádio — que esses possuíam tudo, e ele nada.
Thomas modifica-o ligeiramente ao insistir de maneira muito específica que ele
não tem o dinheiro dos políticos por trás. Inumeráveis vezes, ele usa variações
da proposição : "Eu não tenho patrocinadores, e nenhum político jamais pôs um
dólar neste movimento". Thomas o faz por trabalhar com a desconfiança
americana no político profissional, a quem se acusa de auferir lucros privados
explorando os negócios públicos. O raciocínio é o seguinte: se ele ataca com
tamanha violência a rapina, muito poucos acreditarão ser ele um saqueador.
Casualmente, aparece aqui uma das mais notáveis características dos
propagandistas fascistas e anti-semitas: eles culpam suas vítimas de uma
maneira quase compulsória pelas coisas que eles mesmos fazem ou esperam
fazer. A contrapropaganda deveria assinalar concretamente que eles estão
fazendo as mesmas coisas sobre as quais eles desatam sua fúria. Praticamente
não há categoria de propaganda fascista a qual essa regra não se aplique. É

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através desse padrão que o mecanismo psicológico da projeção se deixa sentir


na ideologia fascista.

Deixando de lado o trabalho feito em cima da própria coragem e integridade,


com que busca ganhar a confiança daqueles que pensam que eles estão
derrotados e sozinhos, existe um cálculo mais profundo na figura do "lobo
solitário": ela atenua o medo universal e sempre crescente da manipulação.
Trata-se de um medo que cresce em meio à [chamada] resistência às vendas e
termina na crença semiconsciente de que nenhuma palavra dita em público tem
significado objetivo ou mesmo representa a convicção do privada do
comunicador. Pensa-se na palavra como propaganda em sentido amplo e algo
que serve a alguma agência poderosa, responsável pelo pagamento de todas as
declarações feitas publicamente. A razão para essa atitude repousa, é claro, na
centralização e monopolização econômica dos canais de comunicação. A
postulação de que "nenhum dinheiro de político está atrás de mim" fortalece a
pretensão de que as declarações feitas são espontâneas, ainda não são dirigidas
por organizações monopolísticas. Entretanto, essa atitude para com a
manipulação e, portanto, a função psicológica deste expediente não devem ser
supersimplificadas. Nas presentes condições sociais, as pessoas temem a
manipulação mas também, e ao revés, anseiam por ela, da mesma forma como
anseiam pela sua condução por parte daqueles que elas percebem serem fortes e
capazes de protegê-las. A natureza hierárquica de nossa organização econômica
fez crescer o desejo de ser manipulado passivamente. Além disso, a fronteira
entre os pronunciamentos objetivos e os esquemas propagandísticos começam a
se tornar cada vez mais fluidos. Quanto maior o poder concentrado nas agências
e indivíduos que controlam os canais de comunicação, maior é a "verdade" de
sua propaganda enquanto expressão das reais relações de poder. É altamente
significativo que na Alemanha a pasta de Goebbels seja chamada de Ministerium
für Volksaufklarung und Propaganda (Ministério da Propaganda e Esclarecimento
Popular). O próprio nome identifica a verdade objetiva, sobre a qual se supõe
que cada um está esclarecido, com os slogans de propaganda do partido. De
todo modo, a ambigüidade para com a manipulação deve ser tomada em conta
pelos propagandistas que usam o expediente do lobo solitário. Eles não esperam
que ele seja levado muito a sério e, provavelmente, ele nunca o é. Embora eles
trabalhem com a suspeita de que os poderes atuais manipulam via partidos
políticos e comunicações, recorrendo a esse truque eles sugerem que realmente
há muita coisa por detrás deles, nomeadamente os verdadeiros poderes
existentes, ao invés dos simples detentores dos títulos oficiais de comando. Na
fase atual, mobilizar a aversão contra o monopolismo é um dos meios de
promover a vitória final do totalitarismo. O ouvinte que escuta diariamente numa
grande estação de rádio que o locutor é sozinho e trabalha por conta própria,
percebe que, realmente, ele, ouvinte, não está cercado apenas pelas agências
estabelecidas e abertamente conhecidas de hoje mas, antes, pelo poder potencial
de uma coletividade integrada e pelo "reino secreto por vir", do qual cada um de
nós pode se tornar cidadão entregando-se o mais cedo possível. A difamação da
manipulação é pois apenas o meio de manipulação. As pessoas são habilmente
levadas a crer que a iniciativa está com elas e, seu modelo, no locutor. Quando
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mais elas são desprovidas de espontaneidade, mais se sustenta sua suposta


espontaneidade como ideologia.

3. O expediente da "liberação emocional"

A individualidade espontânea e não-manipulada que o locutor simula é


sublinhada por um padrão de conduta particular, que ele não só exibe mas
recomenda a seus ouvintes. O emocionalismo consciente e enfático é parte de
sua técnica. Em várias ocasiões ele repete que "quase chorou" ao receber cinco
centavos como ajuda de uma pobre e velha viúva. Embora toda a construção de
sua pessoa o vise como um líder, ele conspicuamente rejeita qualquer atitude de
dignidade. Precisamente este abandono da dignidade parece ser um dos mais
efetivos estímulos da propaganda fascista. Hitler mesmo sempre foi propenso a
explosões cheias de pompa e histeria: uma de suas frases favoritas era "Eu
preferiria atirar em mim mesmo a ..." Nas falas de Thomas, o expediente da
liberação emocional é derivado de sua postura religiosa, de sua tendência
evangélica e fundamentalista, oposta ao presbiterianismo oficial.

"Vocês sabem como agradeço a Deus por eu ter aberto meu coração nestes
três últimos anos. Vocês sabem como isso é uma coisa formidável para um
presbiteriano, criado para suprimir as manifestações exteriores de seu coração.
Escutem, presbiterianos, episcopais e todas as escolas de estoicismo: soltem seu
coração! Oh, eu sei o quanto é difícil. Vocês sentem como eu o senti. Vocês tem
medo do fanatismo(2). Existe porém um lugar certo para a expressão do seu
amor por Deus. Vocês não precisam ser fanáticos. Relembrem do que nos disse
Santo Agostinho: 'Se você soltar seu coração, você caminhará para Deus'. Bata
um pouco de palmas. Relembre o Velho testamento, relembre onde ele diz que
as árvores bateram palmas para Sua alegria. A natureza inteira louva o criador!
Nenhum ser humano vai ver de novo o desabrochar sob o sol daquela flor
maravilhosa. Animal algum jamais vai sequer percebe-la,, pois ela está louvando
e sorrindo para Deus. Toda a Terra é plena em glória. Os profetas proclamaram
bem alto que a terra se enche de glória para o Senhor. Não é pois maravilhoso
conhecer a Deus? É maravilhoso conhecer o Cristo." (9/7/35)

Em passagens como essa, Thomas sem querer revela suas verdadeiras


intenções: seu emocionalismo serve de modelo para as condutas que ele deseja
ver imitadas e desenvolvidas por seus ouvintes. Ele deseja que eles gritem,
gesticulem, liberem seus sentimentos. Eles não deveriam se comportar tão bem
e ser tão civilizados. Abrigado sob o manto do êxtase cristão, existe pois o
encorajamento do paganismo, da liberação orgiástica dos impulsos emocionais e
da regressão à natureza informe, que tão bem funcionou na propaganda nazista.
Logo que se põe abaixo as defesas contra o choro e a autocomiseração, pode-se
bem expressar os sentimentos reprimidos de ódio e fúria. A movimentação
religiosa dos fanáticos pode ser consumada no pogrom. Ademais, quanto mais o
locutor encoraja os ouvintes a derrubarem as barreiras do autocontrole, mais

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facilmente eles deixam se sujeitar a sua própria vontade em favor da do locutor


e podem seguir cegamente para onde ele deseje que eles se dirijam.

Observa-se com freqüência que o fascismo se alimenta da falta de


gratificação emocional existente na sociedade industrial e que ele dá ao povo a
satisfação irracional que lhe é negada pelas condições econômicas e sociais
vigentes. O expediente da liberação emocional corrobora essa postulação. O
conceito todavia tem de ser qualificado em alguns aspectos para se encaixar na
realidade. Em primeiro lugar, realidade e ideologia não devem ser confundidos.
As satisfações irracionais oferecidas pelo fascismo são em si mesmas planejadas
e entregues de uma forma totalmente racional. A manipulação que aí tem lugar é
uma espécie de técnica psicológica, tomada emprestada da fábrica moderna e
aplicada à toda a população. Trata-se de uma irracionalidade extremamente
pragmática e é altamente característico que Thomas e os agitadores alemães a
anunciem como se fosse uma espécie de pílula que torna a vida mais agradável.
Conservar o ponto em mente é importante na medida em que o aspecto racional
da propaganda fascista irracional (mas também, por exemplo, dos aspectos
escapistas da cultura de massa moderna) é tão óbvio que ele pode produzir
alguma resistência contra a permanente falta de sinceridade da propaganda.
Adicionalmente essa resistência poderia ser usada pela contrapropaganda. A
contrapropaganda poderia apontar a sobriedade ardilosa que se esconde detrás
das palavras embriagadas. Atacá-las dessa forma poderia colocar os fascistas
diante de um dilema inescapável, porque a propaganda fascista não pode evitar
o racionalismo existente dentro da esfera da liberação emocional. O agitador
fascista precisa dar conta das pessoas como elas são, sensatas e práticas, e por
isso só consegue levá-las a tomar atitudes irracionais se logra fazê-las se sentir
"sensíveis" de um modo compatível com as exigências de sua economia
psicológica.

Em segundo lugar, as satisfações irracionais manipuladas são espúrias:


manipulação é algo intrinsecamente oposto àquela liberação que ela põe em
movimento. Ademais , a propaganda fascistas não pode tocar nas raízes da
frustração emocional existente em nossa sociedade por causa de suas próprias
finalidades, ao encorajar o emocionalismo pelas palavras. Não há nenhum prazer
ou alegria reais mas só a liberação do sentimento de infelicidade e a consecução
de uma satisfação regressiva com a imersão do eu em uma comunidade. Em
resumo, a liberação emocional proposta pelo fascismo é apenas um sucedâneo
da realização de desejos. O exemplo mais drástico disso é o expediente que
consiste em aplicar um entusiástico "é maravilhoso" a tudo e, assim, à nada.
Quando Thomas reitera as maravilhas do clima, o florejar e a beleza da paisagem
do sul da Califórnia lança mão de um truque que não é diferente daquele do
evangelista negro, já que as belezas que ele louva e oferece como objeto de
emoção cega pouco tem a ver com o mundo social de seus ouvintes e ainda
menos com os seus próprios objetivos. Pode-se suspeitar que essas referências
aos recursos emotivos da natureza são parte de um esquema destinado a distrair
as pessoas de seus reais problemas.

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Em terceiro, a mobilização do emocionalismo não é um expediente imposto


desde cima aos ouvintes. Pressupõe certa disposição entre eles. Por isso, a
astúcia do agitador bem sucedido consiste sobretudo em sondar as disposições
que ele pode usar de isca para atingir seus objetivos. O fundamento do desejo de
escapar a rigidez dos controles psicológicos internos tem de existir nos próprios
ouvintes e por isso é preciso desenvolver uma idéia adequada dessa base
bastante sólida. A criação dessa idéia resulta porém do mesmo processo de
racionalização do qual as pessoas procuram escapar. As pessoas desejam
"ceder", deixar de ser indivíduos, no sentido tradicional de uma unidade
autosustentada e autocontrolada, porque isso é necessário. As referências
negativas ao estoicismo e aos controles internos requeridos pelas ordens
tradicionais feitas por Thomas não são acidentais. O estoicismo é parte da
atitude do indivíduo independente da livre competição existente à época liberal.
A capacidade de controlar a si mesmo reflete a capacidade de competir com os
demais e determinar economicamente e também psicologicamente seu próprio
destino. Atualmente, quando essa independência começa mais e mais a
desaparecer, também começa a desaparecer o autocontrole. As forças sociais às
quais cada indivíduo está sujeito são tamanhas que ele tem de ceder não apenas
economicamente, tornando-se um empregado (ao invés de continuar sendo uma
unidade social auto-sustentável) mas também psicologicamente, devido à uma
pressão social e cultural que ele só consegue suportar convertendo-a em sua
própria causa. Ele precisa se comportar de maneira conformista e adequada,
mais do que como personalidade integrada e unificada. O indivíduo se torna pois
mais duro, na medida em que é ensinado a pensar mais e mais pragmaticamente
mas, também, mais maleável, na medida em que o impacto do mundo social
como um todo e da tecnologia industrial em particular enfraquece sua
resistência. Quanto mais ele deixa de ser um ego, um eu, menos ele deseja e é
capaz de satisfazer as exigências de autocontrole. A histeria é a expressão
extrema de uma configuração psicológica que se espalha rapidamente pelo todo
da sociedade e que, como tal, é o objeto do mecanismo da liberação emocional.
O estoicismo é motivo de escárnio porque os indivíduos não podem ou não
querem mais ser estóicos; isto é, porque a compensação final para o controle
interno da vida emocional — uma existência estabelecida firmemente em si
mesma e segura — não prevalece mais. Assim, o efeito do expediente da
liberação emocional não é tanto evidenciar as reações às quais ele se refere mas,
antes fazê-las socialmente aceitáveis e levantar o que resta dos velhos tabus
para que as pessoas possam sentir que fazem a coisa certa ao abandonar seus
autocontroles. Este mecanismo de afirmação social de atitudes que já operam no
interior do sujeito, mas que eles sentem estar em descompasso com as regras
que lhes foram ensinadas durante a juventude, é um elemento intrínseco a toda
propaganda fascista e anti-semita.

4. O expediente do "inocente perseguido".

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A seleção de qualidades especiais que o locutor direta ou indiretamente


reclama possuir assume significado somente em relação aquelas conspicuamente
ausentes. Além de sugerir seus méritos como líder, ele sublinha, por exemplo,
sua honestidade e integridade, seguindo assim os velhos padrões da propaganda
eleitoral. Entretanto jamais se refere aos recursos particulares de que dispõe
para fazer o trabalho mal-definido a que se propõe. Nada é dito de sua formação
profissional, perfil político, erudição ou aspecto pessoal que o possa qualificar
como líder político. Ao invés, satisfaz-se com vagas referências ao chamado de
Deus. A propaganda pessoal e a vaguidade sobre si mesmo configuram um
sentido específico. Aparte a possibilidade de calcular a disseminada aversão ao
político profissional e talvez a qualquer tipo de especialista, um sentimento
baseado na resistência enraizada e inconsciente à divisão do trabalho vigente,
Thomas emprega a vaguidade de sua própria imagem como uma câmara de
projeção de quaisquer fantasias da audiência. Ele se exibe como uma espécie de
quadro vazio, que pode ser preenchido pelas mais contraditórias concepções por
parte dos ouvintes. Ele pode ser imaginado por eles como um clérigo humano e
benevolente ou um soldado negligente, como um ser humano altamente
emocional ou um homem tarimbado na vida prática, como um observador
perspicaz que sabe tudo das estórias de bastidores e como uma alma pura que
prega no deserto. A vaguidade sobre sua própria personalidade é um meio de
integração correlato à vaguidade de seus objetivos políticos. Ambas servem para
manter reunidos os diferentes tipos de ouvintes que, quanto menos sabem
exatamente quem ele é e o que ele representa, mais cegamente estão dispostos
a segui-lo. Determinado abstracionismo, mesclado com umas poucas referências
concretas à vida cotidiana, é uma das caraterísticas-padrão do agitador fascista.

Existem, porém, alguns traços específicos que ocorrem repetidas vezes. Em


primeiro, a reiteração de sua própria inocência. Ele não é apenas um
personagem irretocável e privado de egoísmo. Devido às suas elevadas
qualidades morais, ele está sujeito à constante perseguição, às ameaças e
conspirações de seus inimigos. Thomas várias vezes chega ao ponto de dizer que
ele pode ser envenenado a qualquer momento ou, então, que sua igreja (que, a
propósito, é sua propriedade privada) pode ser incendiada. "As pessoas
escreverão todo o tipo de coisa. Contra mim elas escrevem tudo. Escrevem que
vão me matar" (22/5/35). Outros agitadores fascistas da costa oeste, como
[George] A. Phelps, também fazem uso do expediente do inocente perseguido,
desenvolvido pelos nazistas. Caracteristicamente, os últimos chamavam sua
guarda de elite mais agressiva e da qual os membros da Gestapo são recrutados
de SS, Schtzstaffel, isto é, "corpos de proteção". O expediente do inocente
perseguido serve a um duplo propósito. Em primeiro lugar, ele permite que se
interprete as ameaças ao líder como ameaças a todos e, ainda, que se racionalize
a agressividade, convertendo-a em autodefesa. "Ouçam cristãos, vocês se
lembram do que eu disse: se eles me perseguirem, vão perseguir vocês"
(13/7/35). O exemplo mais saliente desse truque se encontra na desculpa global
do hitlerismo, referido como um "mecanismo de auto-defesa" pelo Padre [Charles
Edward] Coughlin. Foi tomado de empréstimo da alta política. Desde que César
atacou os gauleses semi-selvagens com seu exército altamente treinado e
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explicou sua guerra de conquista como resultado de medidas de proteção


absolutamente necessárias, a agressão militar tem sido chamada de defesa.
Afinado intimamente com todos os padrões de conduta imperialistas, o fascismo
foi o primeiro a adaptar esse expediente aos objetivos da política interna e até
mesmo à construção ideológica destinada à ação individual. Há, porém, uma
profunda implicação psicológica neste mecanismo. Espera-se que sirva de
estímulo para a violência, não que seja levado a sério.

A psicanálise mostrou como as tendências sádicas e agressivas, para as quais


apela a propaganda fascista, não diferenciam claramente entre vítima e
agressor: psicologicamente, ambas as noções são, até certo ponto,
intercambiáveis, dado que ambas remontam a uma fase de desenvolvimento em
que a distinção entre sujeito e objeto, ego e mundo exterior, ainda não está
claramente estabelecida. Esta ambivalência é evidenciada ainda mais observando
o amplo apelo que tem o conceito de auto-sacrifício na propaganda fascista. Em
última análise, a conversibilidade dos conceitos torna possível culpar a vítima em
foco pelo crime que se deseja cometer. Através da projeção inconsciente, faz-se
com que eventos que existem apenas na imaginação se tornem reais. O exemplo
mais eloqüente desse mecanismo é, claro, o incêndio do Reichstag. Na
Alemanha, o expediente do inocente perseguido sempre foi usado com certo
cinismo e, como tal, foi recebido pela sociedade. Por exemplo, podemos citar a
satisfação com as inumeráveis piadas do tipo "mascate judeu morde cão de
pastoreio ariano". É bastante provável que o mesmo expediente esteja sendo
aplicado do mesmo modo no cenário americano.

5. O expediente da "infatigabilidade"

Embora se refira à sua honestidade perseguida, à sua falta de egoísmo e a


sua devoção às grandes causas, Thomas raras vezes esquece de sugerir sua
infatigabilidade. Ele lê centenas de cartas por dia; gasta toda a sua energia. Seu
cabelo clareou muito cedo devido a seus incansáveis esforços. Ele se sacrifica e
trabalha de um modo incomparavelmente maior do que seus seguidores:
"Deixem-me repetir que meu trabalho é uma obra de amor. Eu apenas peço que
você se sacrifique comigo. Eu não peço que você trabalhe tão duro como eu"
(22/5/35). A infatigabilidade, estranhamente porém, também é uma das
principais características que ele atribui a seus inimigos. Os bolcheviques nunca
estão cansados; trabalham na subversão dia e noite, minando a estrutura da
sociedade americana enquanto a gente boa está dormindo. "Relembrem, os
comunistas nunca saem de férias. O demônio reaparece a todo momento. Você e
eu, porém, precisamos trabalhar noite e dia porque temos menos pão."
(31/5/35). É clara a afinidade desse expediente com o bordão "Acorda
Alemanha".

As implicações psicológicas são muitas e não totalmente consistentes. Acima


de tudo, existe o desejo de "provocar", que pode ser visto como o arquétipo de
toda a agressividade e é um dos impulsos centrais de que se vale o fascismo

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para real e ideologicamente perpetuar a necessidade de trabalhar duro e, assim,


obter justificativa para a disciplina e opressão. A referida atitude, fundada em
tendência socioeconômicas, permeia as últimas ramificações psicológicas do
fascismo inteiro. Psicologicamente, não se permite que ninguém durma nesse
regime: uma das torturas favoritas aplicadas pelos governos autoritários é
interromper o sono de hora em hora, até que nervos arrebentem. A fúria fascista
para com quem dorme — no sentido de que deixa as coisas em paz — reflete-se
na ênfase dada pelo líder fascista a seu modo incansável de ser; ela ajuda a
torná-lo exemplo para seus seguidores. A infatigabilidade é uma expressão
psicológica do totalitarismo. Nenhum descanso deve ser dado até que tudo esteja
medido, entendido e organizado; e como este objetivo jamais vai ser alcançado,
é necessário o esforço incansável de cada militante(3).

Embora a infatigabilidade seja destacada, o agitador todavia não deseja


provocar um verdadeiro despertar, uma atitude lúcida e consciente entre seus
seguidores. Para ser exato, deseja-os ativos e prontos para fazer coisas, mas
desde que sob um tipo de feitiço. Existe um elemento de verdade no comentado
"hipnotismo de massa" promovido pelo fascismo. Apesar dessa referência muitas
vezes subestimar o elemento altamente racional dos movimentos de massa
fascistas, isto é, a esperança de ganhos materiais e de melhoramento no status
social, pode-se endossá-la em grande parte: a atividade esperada pela
propaganda fascista(4) é a de um hipnotizado, antes que a de indivíduos
conscientes e responsáveis. No caso, por exemplo, a insistência na
infatigabilidade funciona com uma espécie de narcótico. Exatamente porque se
espera que o seguidor adormeça e aja enquanto estiver adormecido, conta-se a
ele, um sem número de vezes, que ele deve estar acordado e que ele não deve
dormir. A relação entre cair no sono e ser incansável é pois altamente
ambivalente, e os agitadores dela se alimentam. Aquele que está prestes a cair
no sono e ouve que tem de ser incansável e que é incansável, pode oferecer
muito menos resistência à vontade de seu líder do que o faria de outra maneira.
Assim, ele pode ser levado a crer que está vacinado contra o próprio contágio
que o ameaça.

6. O expediente do "mensageiro"

Existe uma última característica específica que Thomas aplica a si mesmo e


que é especialmente valiosa de notar, na medida em que, embora abertamente
contradiga a imagem do líder, é provável que, em sentido mais profundo, seja
intrinsencamente conexa ao tipo de liderança fascista. Trata-se da idéia de que o
locutor não é em si mesmo o salvador mas somente o seu mensageiro. Nas falas
de Thomas, o esquema do mensageiro é tomado do arsenal teológico, do papel
de São João Batista.

"João tinha bom senso o bastante para saber que ele não podia ocupar
aquele lugar. Reconheceu que ele tinha seu próprio dom, mas não ia caminhar à
luz da cruz de Jesus. Eis uma formidável verdade que você e eu precisamos
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05/10/2023, 09:00 A Técnica Psicológica das Palestras Radiofônicas de Martin Luther Thomas [1943]

reconhecer e obedecer. Se essa mensagem que estou dando hoje glorifica Martin
Luther Thomas ou qualquer outro ser humano, está destinada ao fracasso. Mas
se esta mensagem da grande Cruzada Cristã americana eleva o filho de Deus, o
movimento será vocacionado para o sucesso. ... Eu não sei quais são os talentos
mundanos que você possui. Talvez você seja apenas um mensageiro. Hoje ser
um mensageiro é a melhor coisa do mundo. Hoje, eu sou um mensageiro de
Deus. Você também é" (23/5/35).

Nosso interesse em relação ao ponto não é a bem calculada confusão entre


assuntos espirituais e mundanos — a cruz de Jesus e a Cruzada Cristã
Americana. Preocupamo-nos com a idéia de mensageiro e a afirmação
thomasiana de que ele é um profeta muito mais do que a resposta às
expectativas que ele desperta. Isso pode parecer um aspecto acidental deste
agitador em particular, tendo pouco em comum com a essência da propaganda
fascista, onde se espera que o próprio líder trabalhe pela salvação. Porém não
deveria ser ignorado que, nos primeiros dias dos nazismo, Hitler também
empregou o expediente do mensageiro, chamando-se de mero tambor ("Ich bin
nur der Trommler"). A razão óbvia desse expediente é, obviamente, que muitos
líderes fascistas eram originalmente muito mais propagandistas do que
verdadeiros políticos — o que é em si mesmo um aspecto significativo de nossa
atual sociedade, onde as fronteiras entre o real e o propagandeado tem se
tornado tão volúveis. Entretanto, existe aqui o envolvimento de uma questão
psicossociológica mais profunda. Uma referência ocasional a seu pai feita por
Thomas pode jogar alguma luz sobre a mesma : "Meu pai foi um homem muito
cerebral. Desafortunadamente, seu filho não herdou nenhum de seus nervos
cerebrais" (29/5/35). A humildade irônica e propagandística assim exposta mal
esconde o antagonismo do locutor com seu pai (um antagonismo que aparece
em outras passagens, particularmente quando Thomas contrasta seu fervor
religioso com o suposto agnosticismo paterno). Mein Kampf não deixa dúvida de
que Hitler também tinha severos conflitos práticos e psicológicos com seu pai.
Dificilmente ousaríamos demais interpretando o expediente do mensageiro ou
tambor como expressão do desejo de o locutor se apresentar como a imagem do
filho, como o que ainda não é "o homem" em si mesmo(5). Casualmente, a
ênfase no contraste do conceito de Filho em oposição ao do Deus Pai é um dos
principais pontos dos contorcionismos teológicos de Thomas. O Agitador que
deseja que os seguidores o imitem e com ele se identifiquem apresenta-se não
só como seu superior, como um homem forte, mas ao mesmo tempo como o
contrário. É fraco como eles os são; é aquele que, antes de redimir, precisa ser
redimido. Em resumo, é um filho sujeito a autoridade paterna, dependente e
colocado a serviço de algo bem maior do que ele mesmo(6). A entidade maior
assim referida todavia não é mais o pai. Embora vaga e totalmente indefinida,
todos os estímulos indicam que se trata da coletividade formada por todos os
"filhos" reunidos pela organização fascista. Isto é uma coletividade em cujo
poder se pretende que possa haver uma compensação psicológica pela fraqueza
de cada elemento individual. A imagem do agitador fascista não é mais
paternalista. O fato reflete o declínio da família como unidade econômica

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independente e auto-sustentada na presente fase de desenvolvimento social. Na


medida em que o pai deixa de ser o mantenedor da vida familiar, também deixa
de ser representar a agência social mais importante psicologicamente. Stalin
possui algo do patriarcalismo oriental. Em Mussolini os aspectos patriarcais são
levemente sugeridos. Em Hitler e sua imagem coletiva eles estão totalmente
ausentes. Hitler representa antes de mais nada o filho rebelde e neuroticamente
debilitado, que tem sucesso por causa dessa debilidade, que lhe permite
confundir-se com seus iguais dentro do movimento. Líder fascista é o que
adquire poder a medida em que "desiste de si mesmo" e se rende à coletividade:
ele deriva sua autoridade dessa última, representando-a em todas as expressões
simbólicas de sua responsabilidade. A tendência a salientar que ele não é o
salvador, mas apenas o seu mensageiro ou representante, é um sinal disso.
Apelando sobretudo a pessoas de classe médias com forte perfil cristão, Thomas
é, como um todo, mais patriarcal do que os mais eficientes tipos de líderes
fascistas. Convém notar porém que isso não o torna menos perigosos, já que
suas qualificações específicas permitem que afete grupos sociais que de outro
modo seria muito difícil de atingir através da propaganda(7). Entretanto ele não
pode dispensar totalmente o caráter filial do fascismo, como se pode ver em suas
declarações de humildade, sua devoção a algo maior do que si mesmo e suas
condição de mero mensageiro do que está por vir. O verdadeiro ardil psicológico
do fascismo consiste no fato de que, através de certos mecanismos
inconscientes, o mensageiro é transformado naquele a quem se supõe que ele
anuncia.

7. " O pequeno grande homem"

Deixando de lado as implicações inconscientes de maior alcance, verifica-se


que o expediente do mensageiro pertence a uma estrutura de propaganda
fascista muito mais geral. Ele indica uma constelação característica do conjunto
das relações existentes entre o locutor e sua audiência. Representando a
integração psicológica de sua audiência como um todo, o agitador é ao mesmo
tempo fraco e forte; fraco, na medida em que cada membro da multidão é
concebido como um ser capaz de identificá-lo como o líder que, por isso, não
deve ser muito superior ao seus seguidores; forte, na medida em que representa
o poderio de uma a coletividade que é alcançada através da unificação daqueles
a quem ele se dirige. A imagem que ele exibe de si mesmo é a de um "pequeno
grande homem" com um toque de incógnito, daquele que percorre os mesmos
caminhos de toda a gente sem ser reconhecido mas que, enfim, se revela ser o
salvador. Ele quer ao mesmo tempo identificação íntima e distância adulatória;
por isso sua figura é propositalmente contraditória. Contando que as memórias
sejam curtas, ele se baseia muito mais na divergência das disposições
inconscientes, as quais ele apela de acordo com a ocasião, do que em convicções
racionais realmente consistentes.

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Existem duas grandes evidências específicas em relação ao expediente do


pequeno grande homem. A primeira é a atitude thomasiana em relação ao
dinheiro, ou a maneira como ele fala de suas preocupações financeiras. Até onde
se sabe, Thomas não possui um esquema de sustentação financeira mais forte,
apesar de o papel que ele desempenhou na campanha Merriam-Simclair (assim
como outros fatores) sugira que ele não carece totalmente de importantes
patrocinadores. Mesmo que seja verdade que ele tenha de se sustentar com base
em pequenas contribuições, oferecidas pelos seus ouvintes, a maneira como ele
fala sobre o dinheiro é extraordinária. A total falta de apreço pela dignidade
libera-o para a toda a hora pedir dinheiro. Em seu caminho, não existem os
escrúpulos religiosos que poderiam impedi-lo de misturar religião e finanças do
modo que o faz, isto é, um modo que seria revoltante para qualquer pessoa
religiosa. Todos as suas falas são temperadas com pedidos desavergonhados e
chorosos de fundos. Alguém poderia dizer que ele faz o papel de pedinte. Este
hábito era comum no período de ascensão do nacional socialismo,
particularmente entre 1930 e 1933, quando o partido, por vezes atritado com
seus patrocinadores, coletava dinheiro de rua em rua. Técnica idêntica também é
aplicada por outros agitadores anti-semitas norte-americanos. Seria estreiteza de
visão subestimar o valor psicológico dessa atitude mendicante. Geralmente as
pessoas estão prontas a atribuir um alto valor às coisas pelas quais elas fazem
sacrifícios financeiros. O dinheiro funciona como um vínculo, mas isso não explica
o suficiente porque o líder arregimentador, em flagrante contraste com sua idéia
de grandeza, joga com a condição de pedinte. Homens ambiciosos, como Thomas
ou Phelps, por certo estão mais interessados em sua carreira política do que em
seus modestos ganhos financeiros; e por certo sabem o que estão fazendo
quando reiteram seu pedidos de cents e dólares. A tentativa de explicação
deveria ser buscada no sentimento universal de insegurança das massas no
presente estágio econômico. Excetuando-se os muito ricos, ninguém mais se
sente senhor de sua fortuna econômica mas, ao contrário, como objeto de forças
econômicas superiores muito grandes, que atuam cegamente. Cada um sente
que, de algum modo, está a mercê da sociedade; o espectro do pedinte se
agiganta por detrás do imaginário psicológico de cada indivíduo. O agitador
fascista lida com essa disposição. Assumindo a atitude do pedinte, ele não só
parece se colocar no mesmo caminho daqueles a quem ele se dirige:
psicologicamente, ele toma para si a tarefa de pedir, de sofrer a humilhação do
qual seu seguidor tem medo para, assim, redimi-lo simbolicamente da vergonha
de ser um pedinte, ao fingir que assume essa função de modo vicário e
santificado.

Em relação a Thomas, a postura de pedinte via de regra assume o aspecto de


uma chantagem emocional, não muito diferente da técnica "Ablass" empregada
pela Igreja Católica Romana nos primórdios da Era Burguesa. Indiretamente ao
menos, ele sugere que, ajudando-o a pagar suas contas, se pode comprar o
reinos dos céus.

"Conservamos um registro acurado de cada dólar que é dado a este


movimento, por isso conhecemos exatamente cada penny que entra, de onde
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vem e para onde vai o dinheiro. Eu convoco o espírito divino para falar direto a
seu coração, agora que você tem parte neste grande movimento que se espalha
pela América. Relembre que nós precisamos pagar nossas contas, as contas da
rádio e do escritório." (23/5/35)

Evidentemente, Thomas conta com a complicada atitude psicológica que a


maioria das pessoas tem com o dinheiro — um vestígio da má consciência que
elas sentem por tudo o que é seu — em suas tentativas de desviar "a parte de
Deus" para seus próprios bolsos. Ele também apela ao espírito de barganha ao
qual são sensíveis os americanos, ao sentimento de que tudo tem seu devido
preço, de que tudo pode ser expresso em termos de seu equivalente financeiro.
Convém notar que essa é a linha seguida pelos anunciantes de sopas, que
esperam que as donas de casa comprem seu produto em troca das novelas que
eles lhes patrocinam. Em Thomas essa idéia se combina com o expediente da
infatigabilidade. "Eu estou sacrificando cada onça de minha energia cerebral
nesta grande causa. Eu penso se poderia apelar a vocês, para que algumas
pessoas me enviem U$ 10" (25/5/35). Ainda mais importante, porém, é o fato de
que ele não só suplica por dinheiro mas também fala o tempo todo sobre suas
dificuldades financeiras, e não se contém em descrever a si mesmo como alguém
que se comprometeu com obrigações financeiras maiores do que as que
realmente pode bancar. Por isso, ele precisa da ajuda de seus seguidores, que
[parecem] capazes de extrair uma formidável satisfação da sua disponibilidade
em ajudar o pequeno grande homem que possui as suas mesmas preocupações.
Afinal, assim, eles podem até mesmo se considerar seus superiores financeiros, e
seu reconhecimento de que não sabe agir com dinheiro pode servir de apelo aos
instintos predatórios de seus seguidores.

A estratégia de propaganda thomasiana é pois uma mistura típica, em que se


conjugam a pomposidade de um homem que tem de dirigir grandes negócios e o
choro dos desapontados. A seguinte citação é característica de sua forma de se
posicionar:

"Eu vejo uma crise desta missão no futuro. Minha secretária financeira
apresentou ontem a fatura da tipografia, contratada durante o mês de maio, e
que chega a U$ 800. Confesso que não sabia o quanto as contas acumularam.
Descobri que naquele mês nos enviamos quase 100 mil cópias de todo o tipo de
literatura. Durante o mês de maio as contas de impressão e correios nos
custaram somente 20 dólares. Agora eu tenho de tomar uma decisão e escolher
uma ou outra coisa. Eu tenho de fazer um apelo muito definido no sentido de que
vocês me ajudem a reduzir o valor dessa conta, ou vou ter de parar de uma vez
com o correio. Sem dúvida, eu não poderei mandar mais nada até que esta conta
seja paga. Eu não posso deixar esta conta acumular. Eu não penso que esta seja
a vontade de Deus. Eu a desconheço. Eu não havia percebido que a fatura de
impressos de maio, a mais alta na história deste movimento, tinha chegado a
tanto. É claro que nós agradecemos a Deus por isso. Isso indica a extensão deste
movimento, mas também indica, meus queridos, que nós todos devemos nos

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ajoelhar esta manhã e fazer deste assunto o principal pedido da oração do dia
"4/6/35).

Thomas, como se fosse um executivo, alude à sua secretaria financeira e a


sua necessidade de U$ 800. Traduzido em termos psicológicos, isso pode
significar: "Eu tenho mais poder do que dinheiro".

A mistura de grandeza e insignificância não se limita porém apenas às


matérias monetárias. A atitude pessoal inteira de Thomas oscila entre as
matérias práticas, menores e cotidianas e as proclamações grandiosas, reunidas
sem qualquer processo lógico intermediário. As matérias são simplesmente
identificadas umas com as outras, de modo que mesmo o mais pobre dos
ouvintes pode se sentir elevado em seu status no campo das idéias. Nem
Thomas nem os ouvintes se preocupam com a maneira como suas limitadas
existências privadas se comunicam com as esferas da abstração social e
religiosa. Aparece aqui um travesti de pensamento, retirado da velha tradição
teológica, que é manipulado com a finalidade de tirar vantagem da sisudez
bitolada e desiludida dos pobres, através da transposição de certas idéias
altissonantes a seu imaginário [...].

A técnica se aplica até mesmo ao conceito de vida eterna, ao ser concebida


para o pequeno grande homem que tem medo de todo o tipo de doença. Com
ela, a eternidade se torna uma espécie de seguro de vida:

"Agora, você sabe o que é a vida eterna? Ela significa sempre e sempre.
Significa uma vida que não tem fim. Significa uma vida onde não haverá morte.
Significa uma vida onde não haverá doença. Significa uma vida onde não haverá
sofrimento". (24/5/35)

Como essas promessas são totalmente irrealizáveis dentro da sociedade


existente e, portanto, escapam a qualquer controle racional, Thomas torna-as tão
pródigas o quanto são os devaneios da criança na qual ele deseja transformar
seus ouvintes.

"A vida eterna significa que você e eu, cada homem e cada mulher que aceita
o Filho do Deus vivo viverá dezenas de milhares de anos, dezenas de milhões de
anos, dez bilhões de anos, dez trilhões de anos. E você pode multiplicar por dez
todas essas grandezas. Significa no todo as épocas de todas as épocas. Isso não
vale a pena?" (8)(24/5/35)

Lembremos que Himler, em um discurso famoso, predisse que o Terceiro


Reich duraria de 20 a 30 mil anos. Vangloriar-se com trilhões de anos de vida e,
então, perguntar humildemente se não vale a pena é a mais perfeita expressão
da idéia do pequeno grande homem, da qual deseja se valer Thomas. Ele
combina as idéias de trilhões de anos com as de um bom investimento. Ele é o
corretor confiável, que dispõe da eternidade.

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O expediente do "pequeno grande homem", a mistura de sublimidade e


sobriedade, combina-se também com o expediente da infatigabilidade numa
sentença que revela total desprezo para com qualquer senso de proporção:

"Roguem a Deus para que ponha no coração e mente desta grande audiência
a idéia de que eles [?] não terão paz, noite e dia, até que todos mandem buscar
essa literatura vital que nós expedimos sem encargos" (24/5/35).

Thomas estabeleceu uma relação psicológica imediata entre a paz de espírito


e a demanda de seus pequenos panfletos. Somente sendo incansável ao pedir
esta literatura vital tem-se alguma chance de se conseguir dormir.

8. "Interesse humano"

Thomas se dirige a uma audiência que tem de ser imaginada como sendo
formada, em sua maioria, pelas pessoas da classe média baixa desapontada, em
geral as mais velhas e solitárias, as mulheres em particular. É o que permite dar
conta de uma de suas atitudes favoritas : o ardil do interesse humano, o
fingimento deliberado de proximidade pessoal, calor e intimidade. Essa atitude já
mostrou seu valor, por exemplo, através do tremendo apelo que revelam as
personagens centrais dos seriados femininos. Thomas se apresenta como uma
espécie de filósofo de cozinha, o sujeito humilde, simpático e bom, com coração
de ouro, que, embora de modo algum viva confortavelmente, antes pensa em
sua vizinha, trazendo-lhe conforto e dando-lhe algum tipo de ajuda. Apesar de o
expediente do interesse humano empregado por Thomas se relacionar com sua
audiência específica, deverá ser notado que ele também pode ser encontrado
entre a grande maioria dos agitadores fascistas norte-americanos, como Phelps,
embora quase não se faça presente na propaganda nazista. Aparentemente, a
pressão da tecnologia e a cultura de negócio altamente centralizada deste país
são tamanhas que os que vivem sob essa pressão pedem um "narcótico forte".
Devido a sua falsa imediaticidade, que leva a voz distante para dentro da casa do
pequeno grande homem, o rádio é um meio particularmente adequado para se
lançar mão desse expediente.

Thomas parece ser capaz de falar com total facilidade sobre os assuntos mais
íntimos de sua vida às pessoas mais estranhas, mesmo em se tratando de
experiências em relação às quais, qualquer um que as tenha tido, seria
totalmente reservado.

"Deus chamou-me; e não me chamou senão quando minha mãe estava em


seu leito de morte; quando ela me pediu para ficar a seu lado e disse: "antes de
você nascer eu o ofereci a Deus, o ofereci para ser ministro do Filho de Deus."
(7/6/35)

Thomas sugere que essa experiência provocou uma completa mudança em


sua vida, uma espécie de conversão augustiana. "Minha vida mudou
imediatamente. Passei a odiar as coisas carnais que eu amava" (7/6/35). Embora
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seja fato que sua verdadeira família não seja de nenhum modo feliz, toda ela é
chamada a servir às finalidades propagandísticas. Exemplo disso é quando ele
menciona a doença de sua esposa e pede à comunidade para orar por ela, apesar
de, um pouco mais tarde, esclarecer que, no final das contas, ele não está assim
tão doente. Quando tem um acesso de tosse, Thomas a usa para dar um toque
pessoal e aparecer como "[ser] humano", sem esquecer de sublinhar seu
ilimitado espírito de sacrifício. "Se eu tossir hoje, sei que vocês me perdoarão e
irão perceber que eu tenho trabalhado com grande dificuldade" (6/6/35). Do
mesmo modo, finge possuir um interesse íntimo nos assuntos familiares do
ouvinte. Sempre há pessoas doentes, descendo a ladeira, que sofrem sob
condições humilhantes: a todos ele manifesta sua simpatia. "Eu espero que cada
um de vocês tenha uma boa noite de descanso, que você recupere suas forças e
esteja pronto para o grande dia de amanhã, tanto quanto foi grande o de hoje"
(25/5/35). Thomas divide suas alegrias não menos do que suas dores, e sabe
usar o orgulho que eles tem em seu filho mais novo. "[Gente!] Vamos deixar os
homens e mulheres que não se deixam governar por sua emoções e que me
escutam a essa hora da manhã olhar nos olhos azuis de seu bebê" (28/5/35)

9. "O bom e velho tempo"

Entre as formas particulares do ardil do interesse humano, existe a que pode


ser chamada de expediente do "velho e bom tempo passado". Ele consiste em
dar uma ênfase especial ao que existe de obsoleto e fora de moda em nossas
ações e ambiente. Provavelmente o culto americano da novidade produz uma
espécie de ressentimento em todo aquele que não desfruta dos últimos
benefícios da civilização tecnológica, ao passo que mesmo aqueles que vivem
com a técnica moderna parecem se tornar cada vez mais frios com o avanço do
progresso. Thomas propõe uma supercompensação a esse sentimento,
enfatizando o caráter tradicional e genuíno do velho e familiar, vendo-os como
algo que possui uma espécie de pátina que falta às novidades. Porém, assim,
acontece que a própria pátina acaba vítima do padrão publicitário que promove
as novidades, passando a fazer parte de um conhecido esquema da propaganda
comercial. Na descrição da igreja de Thomas, por exemplo, glamouriza-se sua
falta de glamour:

"De igreja temos muito pouco aqui. Nós não temos nenhuma janela de vidro
colorido. Não temos grande quantidade de mármore e tijolos. Temos apenas uma
velha e pequena igreja. A coisa toda não custa mais do que $ 3600. Mas, gente,
mesmo fora daqui nos amamos Cristo. E estamos tentando servi-lo com o melhor
de nossa capacidade. Se você está cansado da vida e pensa que Deus não existe
mais, por que não vir até aqui esta noite ... Acredite que você vai trazer sua
velha Bíblia. Aquela velha Bíblia que você amava e foi sendo deixada de lado com
o passar dos anos ... Talvez ela pertença a seu velho pai, a sua mãe ou alguém
mais. Vamos, traga-a, você vai, não? (7/7/35)

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Ratificando a condição de desabrigados daqueles que não podem ter boas


coisas, Thomas capitaliza o ressentimento e frustração, ao interpretá-la como um
modo de vida moralmente superior. Além disso, a denúncia, por ele feita, do
"mármore e das janelas de vidro colorido", que são aqui uma espécie de
sucedâneos religiosos do batom e maquiagem, se encaixa muito bem em sua
postura ascética, anti-sensual e anti-hedonista, que ele aliás compartilha com
praticamente todos os agitadores fascistas.

Detrás do ardil do interesse humano se esconde pois o ideal dos pobres


tradicionalistas e anti-liberais que, a despeito de sua pobreza, se contentam com
a vida tal como é e estão prontos a se sacrificar, para manter as condições que
lhes fazem sofrer, em troca dos prazeres ambíguos que advêm da possibilidade
de se sentirem de algum modo superiores aos ricos tanto quanto aos
descontentes.

"Hoje eu vejo diante de mim uma grande multidão de pequenas mulheres,


com as mão calejadas de esfregar os chão, de manejar os canos de lavagem. Eu
vejo uma enorme hoste daquelas que jamais se puseram de joelhos perante o
comunismo mundial. Eu vejo uma enorme hoste de feminilidade, de mulheres
que estão fazendo economia, rezando, trabalhando para que o evangelho
magnífico do filho de Deus continue a se espalhar pelo Mundo." (12/6/35)

Resumindo a atitude pessoal que Thomas simula, pode-se afirmar que ele
sublinha o elemento pessoal, a similaridade entre ele e a audiência e a totalidade
da sua esfera do interesses como uma forma de dar compensação emocional
para as vidas frias e alienadas da maioria das pessoas e, em especial, dos
inumeráveis indivíduos isolados pertencentes à classe média baixa [que formam
sua audiência]. A proximidade e calor que caracterizam sua abordagem, e o rádio
fortalece, ajudam-no a agarrá-los. O sucedâneo de sua solidão e isolamento não
é pois solidariedade mas obediência. Thomas defende as formas de euforia
obsoletas e quase pré-capitalistas contra as bem desenhadas condições da
atualidade, visando preparar sua transformação em algo ainda mais adequado a
elas, o estado totalitário. O individualismo de fachada por ele pregado, por isso,
nada mais faz do que fortalecer a tendência com a qual se procura dispor do
indivíduo através de sua incorporação a uma coletividade, onde ele pode se
sentir abrigado mas, também, onde ele nada mais representa.

Início da página

Notas de rodapé:

(1) Gesammelte Schriften Vol. 9, tomo II (Soziologiche Schriften II). Frankfurt: Suhrkamp Verlag,
1975, pp. 11-37 – Tradução de Francisco Rüdiger. (retornar ao texto)

(2) Hitler falou várias vezes sobre seu "amor fanático pela Alemanha". (retornar ao texto)

(3) Parece desnecessário dizer que o culto da faina está profundamente enraizado na sociedade
de classe média. Ele joga um papel decisivo em especial no jansenismo e no calvinismo. Pascal
chegou ao ponto de definir o cristianismo em termos de infatigabilidade: Cristo agonizará até o
fim dos tempos, e ninguém mais deveria dormir. Os movimentos cristãos mais ascéticos sempre
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enfatizaram esse ponto, obtendo sua força peculiar, na propaganda de Thomas, devido ao seu
pano de fundo restaurador ("revivalist background"). A expressão "revival" em si mesma
implica hostilidade contra tudo o que repousa em paz. Novo emprego fascista do expediente da
infatigabilidade é somente o fato dele ter se tornado independente, um tipo de fetiche. Os antigos
burgueses tinham de ser incansáveis a fim de garantir suas chances de conquistar a graça do
Deus oculto e fazer fortuna para sua família. O fascista é ensinado a ser incansável em benefício
da infatigabilidade mesma. Neste e em todos os outros aspectos, a negação de si mesmo é
interpretada mais como um fim do que como um meio. É vista como a própria compensação pelo
que está proibido. Tal transformação é uma das mais profundas mudanças psicológicas ocorridas
em nosso tempo. Seria essencial a qualquer contrapropaganda, que realmente deseje chegar no
coração dos problemas, apontar as características irracionais, fetichistas e absurdas de todos os
sacrifícios exigidos pela propaganda fascista. (retornar ao texto)

(4) A questão de saber como os elementos hipnótico e racional trabalham juntos na propaganda
fascista pode ser respondida ao menos aproximadamente. Acima de tudo, a propaganda fascista
não pode ser totalmente racional, por razões objetivas. O fascismo procura manter a sociedade
antagonística pela repressão — o que é intrinsecamente irracional. O regime é racional apenas
em referência aos interesses de grupos e indivíduos. A discrepância entre esses interesses e a
irracionalidade do todo é porém sentida de maneira aguda. Poderíamos assumir que essa
percepção da irracionalidade dos objetivos finais do movimento produz algum tipo de má
consciência dentro de cada indivíduo fascista. Aqui entra em jogo o elemento hipnótico. Ele ajuda
a superar essa má consciência. O fascista pára de pensar não porque ele é estúpido e não vê seu
próprio interesse, mas sim porque não deseja reconhecer o conflito entre seus interesses
particulares e os do todo. Ele desiste de raciocinar porque, "racionalmente", isso é inconveniente
para ele. Existe um elemento de rancor em sua "crença". Ele tem de acioná-la repetidas vezes
para não perder sua fé espúria. O hipnotismo fascista pode ser caracterizado, em essência, como
uma forma de auto-hipnotismo. (retornar ao texto)

(5) Desenvolvida durante muitos anos pelo Instituto de Pesquisa Social, essa idéia foi divulgada
de forma independente e de certo modo diversa no estudo de Erik Homburger Erikson, "Hitler's
Imagery and German Youth": "Os psicólogos exageraram os atributos do pai de Hitler. Hitler é
o adolescente que jamais aspirou tornar-se, em qualquer conotação, um pai; mas também nem
Kaiser, nem presidente. Ele não repete o erro de Napoleão. Ele é o Führer: o velho irmão
glorificado, que substitui o pai, tirando-lhe todas as prerrogativas, sem se identificar demasiado
com ele: ele chama seu pai de "velho infantil" e reserva para si mesmo a posição recém-
adquirida daquele que se mantém jovem sem abrir mão do poder supremo. Ele é o adolescente
indômito, que escolhe fazer carreira longe da paz e da felicidade civilizada; um chefe de gangue,
que mantém os "rapazes" unidos, exigindo sua admiração, espalhando terror e ardilosamente
envolvendo-os em crimes dos quais não há caminho de volta. Ele é explorador brutal do fracasso
paternal". (Psychiatry , V, 4 [November, 1942], pp. 480-481). (retornar ao texto)

(6) Estranhamente, este motivo pode ser encontrado no fim do Parsifal, de Wagner, que, como
um todo, é uma espécie de criptograma anti-semita. As últimas palavras da ópera são "Erlösung
dem Erlöser". Titurel é representado ao longo de toda a ópera como a autoridade paternalista
totalmente desprovida de poder: Titurel abdica em favor de seu filho Amfortas e, depois, morre
por causa dos pecados deste último. (retornar ao texto)

(7) Pode-se notar que há uma espécie de divisão psicológica do trabalho entre os líderes fascistas
alemães. Na mensagem de ano novo de 1934, Hitler sublinhou como os líderes nazistas
apresentam uma diversidade de tipos. Aparte os tipos extremamente homossexuais e não
paternalistas, como o próprio Hitler, Röhm, Schirach e Goebbels, existem também os mais
patriarcais, como é o caso de Frick, o homem do "serviço público". Não obstante, o apelo desse
último grupo parece ter declinado muito desde que os nazistas chegaram ao poder. (retornar ao
texto)

(8) O caráter inflacionário desses números pode ter alguma coisa a ver com o desdém para com
qualquer valor monetário real, que caracteriza o fascismo. Essa mistura de cálculo aparentemente

https://www.marxists.org/portugues/adorno/ano/mes/palestras.htm 19/20
05/10/2023, 09:00 A Técnica Psicológica das Palestras Radiofônicas de Martin Luther Thomas [1943]

sóbrio com expectativas por demais fantásticas é totalmente impensável para a mentalidade
liberal, embora possa ter precedentes no sectarismo norte-americano. (retornar ao texto)
Inclusão 16/11/2018

https://www.marxists.org/portugues/adorno/ano/mes/palestras.htm 20/20

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