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Posted by: Emerson de Oliveira Posted date: junho 20, 2013 In: Arquivos do
Quebrando o encanto do neo-ateismo, Refutações, Teísmo/Ateísmo | comment : 2
Eu costumo fazer posts mais diretos, mas como esse é um desafio filosófico real, não
uma imbecilidade do tipo “Monstro do Espaguete Voador” (que, incrivelmente, alguns
ainda levam a sério), vou me alongar um pouco. Tentarei ser o mais simples que puder,
mas não mais simples do que isso.
Uma afirmação possível é uma que contenha um enunciado cujo valor de verdade não
seja contraditório. Ou seja, algo possível é algo que não é necessariamente falso: pode
ser ou não ser. Pense da ideia de “É possível que…” que entenderá facilmente. José
Serra não ganhou as eleições. Era possível, mas ele não ganhou. A ideia de José Serra
ganhar a eleição de 2010 não se atualizou na realidade, mas não é necessariamente
falsa. Podemos descrever um mundo hipotético desse jeito sem criar nenhuma
contradição. Uma Terra quadrada também é possível. Não é verdade, mas é possível.
Todos os coelhos serem vermelhos também é uma possibilidade, embora não seja
verdade no mundo real.
Já uma afirmação necessária é uma que contenha um enunciado que não pode ser nem
possivelmente falso (se verdadeiro) nem possivelmente verdadeiro (se for falso). Ou é,
ou não é. Por exemplo: um triângulo DEVE ter NECESSARIAMENTE 180º graus
internos (esqueça as palavras e pense apenas nos conceitos abstratos). Isso
é necessariamente verdadeiro. Um homem casado (não uma pessoa específica, mas o
conceito abstrato desse termo, novamente) deve necessariamente não ser solteiro; se for
solteiro, não é casado. Uma afirmação contraditória do tipo “Esse homem casado é
solteiro” énecessariamente falsa e não faz parte de nenhum mundo possível.
Prosseguindo:
São duas afirmações possíveis, pois não são necessariamente falsas; o país P1 poderia
ou não existir. Da mesma forma, poderia ou não ter feito eleições no ano A1.
Não há nada contraditório nas proposições S3 e S4. Elas poderiam muito bem ser
verdades reais. Então o conjunto MP1 formado por {S0 & S1 & S2 & S3 & S4…} é um
mundo possível.
Também não há nada contraditório nas proposições S5 e S6. Então o conjunto MP2
formado por {S0 & S1 & S2 & S5 & S6…} também é um mundo possível. Pode ser que
ele seja falso; mas ainda assim é um mundo possível.
Ou ainda:
Se quisermos estabelecer uma contradição, então temos que mostrar que em NENHUM
mundo possível comporta duas proposições. A conclusão é obrigatória e não tem
nenhuma escapatória lógica. Se houver uma outra saída, então não há mais a
contradição lógica e temos um mundo possível novamente.
O ônus da prova no Problema do Mal é do ateu que o propõe, não do teísta. O Paradoxo
de Epicuro é utilizado com o objetivo de mostrar que Deus não pode existir ou que é
irracional acreditar que Deus exista dado o Paradoxo. O que um teísta tem que fazer é
apenas mostrar que o Problema do Mal não implica na conclusão “Deus não existe”,
mostrando algumas saídas. Não é preciso provar que tais coisas realmente sejam assim
como descritas na sua saída, a princípio.
Lembre, por exemplo, do post que fiz sobre Cristina Rad. Ela fazia a acusação, por
exemplo, dizendo: “Como é possível que alguém seja feliz no Céu se seu filho está no
Inferno?”. Meu trabalho era apenas mostrar um caminho: “Bem, talvez as pessoas no
Céu entendam os parâmetros de Deus e aprendam a conviver com isso”. Não é preciso
ser verdade para a impossibilidade do Céu ficar refutada. A mera saída já tornaria a
hipótese possível e não contraditória.
Agora vamos ao Problema do Mal. Eu gostaria de falar sobre o desafio de um ateu dar
uma definição objetiva para a existência do Mal sem usar uma base transcendental, mas,
por questões de espaço, vou pular essa parte.
O Problema Lógico do Mal consiste em dizer que há uma contradição lógica entre Deus
e o Mal; ou seja, não há nenhum mundo possível entre que aceita ao mesmo tempo (1)
“Deus existe” e (2) “O mal existe”. Um é a negação de outro; o mal é uma prova
necessária da inexistência de Deus. É uma contradição simples e direta, nos moldes do
que vimos acima. E, para desfazer uma contradição, basta achar uma terceira saída que
seja logicamente possível.
Então, o que o ateu está querendo dizer, basicamente, é que qualquer teísta entra em um
problema quando aceita essas duas proposições ao mesmo tempo:
1. Deus existe;
2. O mal existe;
Mas, pense um pouco. Perceba que não há nenhuma contradição explícita ou formal
entre esses dois enunciados. Ele não é como:
Em S7 e S8, você lê e imediatamente percebe que as duas frases não podem ser
verdadeiras ao mesmo tempo. A primeira é negação da segunda e a segunda é negação
da primeira. A contradição é explicita. Mas não está claro como o “1. Deus existe” e “2.
O mal existe” poderiam ser análogas a isso.
Se não temos uma contradição explícita, então quer dizer que a nossa contradição, se
existente, deve estar implícita. A correlação provavelmente estaria nos atributos de
Deus – o fato de ele ser todo poderoso, todo bom e odiar o mal.
Mas elas são? Se não forem, o problema lógico cai por terra.
Analisamos a seguir:
Proposição I: Se Deus existe, então ele pode criar qualquer mundo que
desejar:
A ideia crucial para entender se Deus pode criar qualquer mundo que ele quiser é a ideia
de mundos possíveis, explicada na introdução. Mundos possíveis se referem a uma
descrição em proposições de um estado de coisas que poderia ou não ter sido. Pense nas
seguintes proposições:
7 + 5 = 12
Elas não só ideias possíveis, mas como foram ideias reais. São ideias que realmente são
verdadeiras, além de possuírem a propriedade de não serem necessariamente falsas (i.e,
possíveis). Esse é, claramente, um tipo de mundo que Deus pode criar ou atualizar.
Mas Deus pode atualizar qualquer mundo? Pense nas proposições a seguir:
7 + 5 = 99
Se pensarmos nos termos abstratos e não no simbolo social (porque é claro que “99”
poderia ser o nosso “12”, se assim fosse nossa cultura) veremos que esses são mundos
que Deus não pode atualizar ou não pode criar.
O número 1 (um) é um objeto abstrato; ele não tem corpo e não entra em relações
causais. Já que para ocupar o cargo de presidente do Brasil é preciso poder causal, então
o número natural 1 jamais poderia mandar no nosso país. A idéia é logicamente
contraditória.
A conta 7 + 5 também não pode dar outro resultado que não seja 12. É impossível que
juntando cinco peças com outras sete de algo terminemos com noventa e nove.
E uma criança não pode “pintar” algo de “círculo”; círculo não é uma cor. Essa frase
não possui, da mesma forma, sentido, sendo contraditória do ponto de vista lógico.
Disso concluimos que, portanto, nem todos os mundos são capazes de serem criados; e
Deus não pode atualizar qualquer mundo que ele desejar. Esses não são
mundospossíveis, pois contém proposições que são logicamente contraditórias e então
necessariamente falsas (i.e., impossíveis). Uma vez que Deus não pode fazer
ologicamente impossível, pois o logicamente impossível não é sequer é “algo” no grupo
de “tudo que pode ser feito” para contar dentro de todo poder (para uma visão desse
assunto, ver meu artigo sobre o Paradoxo da Pedra).
Se é possível que existam seres com livre-arbítrio, significa que em cada situação
possível A, B ou C eles iriam livremente responder de uma maneira.
Então numa dada situação A, teríamos duas daquilo que vamos chamar de
“contrafactuais da liberdade”. E uma delas, acontecendo A, teria que ser verdade. Ou
(r) vai ter valor de verdade:
(t) Charles, se acionado na situação A, vai livremente agir para não aceitar um
presente (levando a um mundo Mt);
Em primeiro lugar, Deus não pode atualizar um mundo onde (r) e (t) sejam verdadeiros
ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Se A, então uma delas têm valor de verdade e
a outra é falsa. Esse é mais um mundo que Deus não pode atualizar.
Se (t) tem valor de verdade e Charles, estando na situação A, iria livremente recusar o
presente, então Deus não pode fazer com que Mr seja verdadeiro. E se (r) era verdadeiro
e Charles, estando na situação A, iria livremente aceitar o presente, então Deus não pode
criar Mt, onde Charles livremente rejeita o presente. Depende de como Charles
livremente responde em A.
Como só um dos dois pode ser verdade, há pelo mais um mundo que Deus não pode
criar.
Mude essa situação para um ação de valor moral – o presente é, na verdade, uma
propina do governo. Deus não pode causar Charles para fazer o certo se ele está em
uma ação livre. Está na mãos de Charles escolher livremente fazer a coisa certa ou não.
E assim então temos vários exemplos de mundos que Deus não pode criar (e sem que
ele deixe de ser onipotente).
Proposição II: Podendo criar qualquer mundo que quiser, Deus escolheria
um mundo sem nenhum mal:
Observe que a proposição II depende do antecedente que não é nada mais do que a
proposição I. Mas já definimos que a proposição I não é necessariamente verdadeira, a
dois já começa com uma falha fatal.
Em II, o que se postula é algo como um mundo em que Deus só permite vários escolhas
entre boas opções. As pessoas não podem escolher o mal.
Mas, nesse caso, não haveria liberdade. Pense um pouco: imagine uma ditadura que faça
eleições periódicas. Mas você só pode escolher entre vários generais do mesmo partido.
Isso seria liberdade de escolha? Não. O mesmo se aplica a Deus não permitir o mal.
E é possível que Deus permita e prefira a liberdade. Então a primeira opção cai por
terra.
Talvez o ateu desista dessa versão e mude para a seguinte idéia: “Certo, se Deus não
permitisse o mal, não haveria liberdade. Mas é possível que Deus crie um mundo onde
as pessoas livremente escolhem apenas ações boas”.
Ele está certo. A princípio, um mundo onde as pessoas escolham apenas ações boas não
é logicamente contraditório. Mas, no sentido contrário, é logicamente necessário que
isso seja verdade? Ou isso pode ser possivelmente falso? Deus pode escolher um mundo
sem nenhum mal, com as pessoas tendo a liberdade?
Talvez não. Imagine que para cada indivíduo criado há um conjunto completo de
contrafactuais de liberdade como (t) e (r) mencionados acima. Em dadas situações ele
sempre tomaria uma ação de liberdade descrita nos contrafactuais: em A, ele escolheria
ou (t) ou (r). Em B, ou (t1) ou (r1). Em C, ou (t2) ou (r2). E assim por diante
englobando todas as situações possíveis.
Sendo que uma delas sempre vai possuir um valor de verdade sobre o que a pessoa faria
livremente em cada situação. Se A, então (t). Se B, então (t1). Se C, então (r3) e etc.
E por que Deus não muda esses contrafactuais de liberdade ruins? Porque se ele
mudasse não seria contrafactuais de liberdade. Voltaríamos então para o primeiro caso
dos generais da Ditadura Militar.
Sim, é possível que “Charles” nunca faça a coisa errada. Mas Deus não pode fazer isso
sem a ajuda de Charles. No fim das contas, depende apenas de Charles não cometer
coisas ruins. Deus não pode obrigá-lo a livremente fazer a coisa certa.
Novamente, isso não significa que ele não é onipotente de forma alguma. Como vimos,
Deus ser onipotente não significa que ele possa fazer alguém livremente escolher algo.
Se ele causa as pessoas para fazer algo, então não estamos falando mais de
“livremente”. E a questão toda depende da liberdade. E é possível que a humanidade
seja como “Charles”: sempre escolheria livremente pelo menos algo errado.
Então suponha que você esteja dentro da situação acima. Nesse estado de coisas, não só
é possível que o mal seja uma condição necessária de agentes livres pelos valores de
verdade dos contrafactuais de liberdade, mas que também ele acabe servindo a
algum propósito maior. Então, servindo a um outro propósito de acesso a um bem
maior, também não podemos afirmar que necessariamente Deus escolheria um mundo
sem nenhum mal.
Alguém pode perguntar agora: “Ok. Esse é o mal moral. Mas e quanto ao mal natural?”
É ao menos logicamente possível que o mal natural seja aparentemente restrito ao
natural, tendo sua origem também em um mal moral derivado de agentes livres (como
pecados, ação de pessoas não humanas, etc). Não há nada de contraditório nessa idéia,
então ela é possível. E sendo possível, a argumentação acima se aplica igualmente.
(Acho que são possíveis outras argumentações para o mal natural, mas, por questões de
economia, essa mais simples será adotada agora).
É muito fácil desfazer do problema lógico do mal. O mero fato de ser possível uma
terceira saída não torna a conclusão obrigatória. E então não segue lógica e
necessariamente a incompatibilidade entre Deus e o mal e o ateu não consegue fazer um
caso contra o teísmo.
(1) Se Deus não existir, então o mal (entendido como algo objetivo, não como
apenas um desagrado mental) não existe;
(2) Mas todos nós sabemos que o Mal de fato existe;
(3) Logo, Deus existe;
Essa é só uma versão do argumento moral. Não vou discuti-la em mais detalhes, mas
vocês pegaram o ponto.
Recapitulando, então a derrota do problema lógico do mal é definida pelo fato de que: