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s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .

º 2 · j a n / a b r 0 7 issn 1649 ‑4990

Reconhecimento e Validação
das Aprendizagens Experienciais.
Uma problemática educativa

Ana Luisa de Oliveira Pires


Professora‑coordenadora da Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Setúbal
Membro da Unidade de Investigação Educação e Desenvolvimento, Faculdade de Ciências
e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
alop@fct.unl.pt

Resumo:
Este texto centra­‑se na problemática do Reconhecimento e da Validação das Aprendizagens
Experienciais dos Adultos numa perspectiva educativa. Estas novas práticas enquadram­‑se
num paradigma de Educação/Formação ao Longo da Vida, valorizando as aprendizagens
formais e não­‑formais que os adultos realizam ao longo das suas trajectórias pessoais, so‑
ciais, e profissionais. Encontrando suporte teórico­‑conceptual nas abordagens da aprendi‑
zagem e da educação/formação de adultos, estas práticas emergentes são no entanto terreno
de tensões e contradições e, do ponto de vista da investigação educativa, ainda pouco apro‑
fundadas. Apresentamos neste texto uma breve análise dos conceitos de base, pressupostos
e princípios subjacentes — o que se reconhece e valida, como se reconhece e valida, que
lógicas se encontram em presença —, orientando as reflexões finais para o domínio da for‑
mação dos actores intervenientes no processo de reconhecimento e validação — professo‑
res, formadores, conselheiros, orientadores — e para a necessidade de a (re)pensar à luz de
novos quadros de referência educativa.

Palavras­‑Chave:
Educação e Formação de Adultos, Aprendizagem Experiencial, Reconhecimento e Valida‑
ção de Adquiridos.

Pires, Ana Luísa Oliveira (2007). Reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais.
Uma problemática educativa. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 2, pp. 5‑20
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt


Nota introdutória o reconhecimento e validação de aprendizagens ex‑
perienciais tem­‑se vindo a constituir como um novo
Considerando que a implementação e difusão de campo de práticas educativas, pondo em relevo a
sistemas de reconhecimento e validação têm vindo necessidade de conceber e desenvolver sistemas de
a constituir­‑se como uma tendência relevante ao ní‑ reconhecimento e validação em diferentes níveis de
vel dos sistemas educativos europeus, que têm feito qualificação, e concomitantemente, desenvolver a
parte da agenda política educativa europeia (nomea‑ formação dos formadores/professores/orientado‑
damente traduzida nas comunicações da Comissão res/acompanhadores que participam neste proces‑
Europeia (2001, 2004), nas Declarações de Bolonha so — missão fundamental das instituições de ensi‑
e de Copenhaga, etc.), e que, no terreno empírico no superior.
nacional, estas práticas foram recentemente intro‑ Por outro lado, a disseminação destas práticas
duzidas — através dos Centros de Reconhecimen‑ no âmbito do ensino superior, de uma forma mais
to, Validação e Certificação de Competências —, ou menos formalizada dependendo dos diferentes
apresentamos neste texto uma abordagem educati‑ contextos nacionais, leva­‑nos a perspectivar que
va desta problemática. É num quadro paradigmáti‑ num horizonte temporal relativamente curto as ins‑
co de Aprendizagem ao Longo da Vida que a valori‑ tituições nacionais de ensino superior poderão vir
zação das aprendizagens adquiridas no exterior dos a criar estruturas de apoio para o desenvolvimento
sistemas formais de educação/formação se constitui destas novas práticas, considerando­‑as como uma
como um novo campo de práticas educativas e parte integrante da sua oferta, de forma a alargar o
como objecto de estudo científico, particularmente acesso e a participação de novos públicos no ensino
relevante no domínio da Educação. superior, e a oferecer novas oportunidades de edu‑
Este tema foi aprofundado no trabalho de inves‑ cação/formação ao longo da vida.
tigação realizado para a obtenção do doutoramento
em Ciências da Educação, e a problemática especí‑ E, também, do ponto de vista científico, a cons‑
fica do reconhecimento e validação desenvolvidos tatação da carência de trabalhos de investigação
no âmbito do ensino superior constituiu o objecto neste domínio, leva­‑nos a reforçar a necessidade de
da investigação do pós­‑doutoramento. continuar a aprofundar e a reflectir sobre as ques‑
Este tema é particularmente relevante ao nível tões emergentes desta nova problemática educativa.
do ensino superior, particularmente pelas seguin‑ Sendo a investigação uma função estruturante do
tes ordens de razão: ensino superior, parece­‑nos fundamental estimular
Por um lado, se tivermos em consideração as a produção do conhecimento científico sobre esta
tendências de evolução europeias, verificamos que problemática emergente.

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A emergência de novas práticas mudança “organizacional”, na medida em que toca
­e ducativas num contexto de mudança profundamente no projecto histórico da escola; a
designação “educação/formação”, acompanhada
A Sociedade do Conhecimento e a Aprendizagem ao de “ao longo da vida”, traduz um conjunto de pre‑
Longo da Vida ocupações que se fazem sentir a nível internacional.
A sociedade contemporânea pode ser caracterizada Segundo o autor, existem saberes que funcionam
pela interdependência de fenómenos e de tendências como “modelos de referência”, os quais ultrapas‑
evolutivas. É uma sociedade em mudança, suporta‑ sam as fronteiras tradicionais — construídos através
da no Conhecimento e na Informação — que têm de redes, articulações e filiações — e que, ao serem
forte impacto na Economia e no Desenvolvimento apropriados pelos actores, transformam as práticas
—, e que faz da esfera do trabalho e das organiza‑ locais de acção.
ções contextos de aprendizagem onde se constroem Os motivos subjacentes à emergência do reco‑
novos saberes e novas competências. É uma socie‑ nhecimento e validação são múltiplos: os saberes
dade onde actualmente emergem novas formas de adquiridos à margem dos sistemas formais de educa‑
olhar para os fenómenos educativos: assistimos à ção/formação têm inegavelmente um valor pessoal,
emergência de um paradigma de Aprendizagem ao formativo, profissional, social e económico. E têm
Longo da Vida1 — que ultrapassa as fronteiras tra‑ vindo a ser cada vez mais valorizados, quanto mais
dicionais que delimitam os espaços­‑tempos formais se acentua a rapidez das mudanças sociais, cientí‑
de aprendizagem — e que faz apelo a novas teorias e ficas, tecnológicas e económicas, que caracterizam
modelos de educação e de formação. a sociedade contemporânea, e que colocam novos
Assistimos actualmente a uma convergência de e significativos desafios ao nível do conhecimento
preocupações, comuns a um conjunto significativo necessário — não apenas para lidar com as mudan‑
de países no espaço europeu e no mundo — pre‑ ças em curso, mas também para participar critica‑
sentes no discurso político, económico, social e mente nos processos de mudança.
educativo — no sentido de desenvolver iniciativas Este conhecimento, simultaneamente local e glo‑
com a finalidade de reconhecer e validar as apren‑ bal, constrói­‑se e dissemina­‑se através de novas for‑
dizagens adquiridas ao longo da vida e nos seus di‑ mas de aprendizagem. Os saberes de carácter inova‑
versos contextos. Considerando as profundas muta‑ dor produzidos nas organizações — a partir da uti‑
ções decorrentes da globalização das economias, da lização das novas tecnologias e de novas formas de
evolução do mundo do trabalho e das organizações, organizar o trabalho — pela acção dos actores envol‑
da emergência da Sociedade do Conhecimento e da vidos escapam frequentemente, pela sua natureza
Aprendizagem ao Longo da Vida, esta problemática experiencial, aos referenciais clássicos dos saberes
adquire uma relevância particular. disciplinares. A produção e a difusão do conheci‑
O reconhecimento e a validação inscrevem­‑se mento e concomitantemente a aprendizagem, dei‑
num paradigma de Aprendizagem ao Longo da Vida, xam de ser um monopólio dos sistemas de educa‑
ou seja, num quadro de pensamento que valoriza as ção/formação, na medida em que ultrapassam os
aprendizagens que as pessoas realizam ao longo das espaços­‑tempos formais, tradicionalmente delimi‑
suas trajectórias pessoais, sociais e profissionais, tados e balizados pelas instâncias educativas.
ultrapassando as tradicionais fronteiras espaço­ Estes saberes, experienciais pela sua natureza,
‑temporais delimitadas institucionalmente pelos desenvolvem­‑se numa multiplicidade de situações
sistemas de educação/formação. Num contexto de e de contextos de vida e obedecem a uma lógica de
atenuação de fronteiras entre educação, formação, construção e de difusão distinta daquela que tem
trabalho e lazer, o reconhecimento das aprendiza‑ sido a lógica dominante (disciplinar, transmissiva),
gens experienciais — principalmente de adultos — que se traduz no contexto educativo por determi‑
constitui­‑se como um desafio incontornável aos sis‑ nados modelos e práticas pedagógicas2. As formas
temas de educação/formação nos dias de hoje. tradicionais de atestação dos saberes na sociedade
De acordo com Nóvoa (2001), a actual recompo‑ (traduzida pelos diplomas e certificados, tanto esco‑
sição dos sistemas educativos não se reduz a uma lares como profissionais), sempre atribuíram um

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estatuto privilegiado aos conhecimentos científi‑ dizagem experiencial. A vida é reconhecida como
cos e tecnológicos face aos saberes experienciais, um contexto de aprendizagem e de desenvolvimento
de acordo com a concepção dominante herdada do de competências, e cada vez mais se valorizam os
racionalismo3. Em termos epistemológicos, a valori‑ saberes e as competências adquiridas à margem dos
zação destes últimos no seio dos sistemas tradicio‑ sistemas tradicionais. A experiência é considerada
nais de educação/formação representa uma signifi‑ como uma fonte legítima de saber, que pode (e deve)
cativa mudança paradigmática, em que o “saber de ser formalizado e validado.
experiência feito” adquire um novo estatuto face ao
“saber científico”. Do lado do mundo do trabalho e das organiza‑
Esta ruptura, ao nível epistemológico, parece ser ções, em permanente evolução, assiste­‑se à emer‑
acompanhada em termos teóricos e metodológicos gência de novas formas de produção, de organiza‑
por um conjunto de mudanças significativas, que ção do trabalho, de novas práticas organizacionais,
nos fornecem um quadro de leitura mais compreen‑ e de novas formas de gestão de recursos humanos.
sivo sobre os novos fenómenos educativos e sociais. Reconhece­‑se o potencial formativo que as situa‑
Para Pineau (1997), o reconhecimento e a validação ções de trabalho encerram, a construção de novos
constituem um “problema multidimensional com‑ saberes e competências, e identificam­‑se caracterís‑
plexo”, que integra diferentes dimensões — técni‑ ticas que promovem a aprendizagem dos indivíduos
cas, profissionais, económicas, sócio­‑culturais — e e das organizações (“organizações qualificantes”).
que implica a renegociação de um conjunto de regras Simultaneamente assiste­‑se à precarização dos
de valorização das acções e dos actores humanos. empregos, ao aumento do desemprego e da crise
económica e social, à penalização profissional e
Emergência de novas práticas educativas social, principalmente dos grupos mais fragiliza‑
O valor dos saberes experienciais detidos pelos adul‑ dos e/ou em risco de exclusão (desempregados, em
tos depende em primeira instância de um processo risco de desemprego, menos qualificados, baixos
de explicitação e formalização, pois, pela sua natu‑ níveis de escolaridade,…). Neste contexto, o reco‑
reza, os saberes experienciais são tácitos e implíci‑ nhecimento e a validação das aprendizagens expe‑
tos. Identificá­‑los, nomeá­‑los, dar­‑lhes visibilidade rienciais podem constituir uma resposta perti‑
e legitimidade, tanto na dimensão pessoal como na nente na diminuição da exclusão social, facilitando
profissional e social, constituem a finalidade das a (re)inserção escolar/formativa/profissional de gru‑
novas práticas emergentes. pos mais desfavorecidos.
O reconhecimento e a validação das aprendi‑ Observa­‑se actualmente uma convergência ao
zagens experienciais situa­‑se no cruzamento de nível dos discursos e das iniciativas concretas no
diversas esferas: o mundo da educação/formação, sentido de promoverem estratégias coerentes e ade‑
o mundo do trabalho e das organizações e a socie‑ quadas de reconhecimento e validação, promo‑
dade em geral. Segundo Farzad e Paivandi (2000, vendo a valorização do capital de saberes implíci‑
p. 6), “a problemática das aprendizagens anteriores tos, não formalizados, mas de elevado valor pessoal,
encontra­‑se no cerne da articulação entre o exercí‑ profissional, social e económico. Os poderes públi‑
cio de uma actividade profissional, a formação, e as cos têm vindo a incentivar o desenvolvimento destas
diferentes actividades sociais e pessoais que consti‑ práticas inovadoras, conscientes dos benefícios que
tuem os percursos dos indivíduos. Ela inscreve­‑se daqui podem decorrer.
na lógica de uma exigência social emergente que tra‑
duz as novas realidades da sociedade tanto ao nível O reconhecimento e a validação no âmbito
da formação, da empresa e do indivíduo”. das políticas educativas europeias
Do lado da educação/formação assiste­‑se a um A evolução das políticas sociais e educativas, que
movimento que põe em destaque a importância das tem acompanhado a construção europeia e o seu re‑
aprendizagens realizadas a partir da experiência de posicionamento face aos desafios da globalização,
vida (em sentido lato, englobando a esfera pessoal, tem contribuído decisivamente para a transforma‑
profissional, social), através de processos de apren‑ ção dos sistemas educativos, colocando­‑lhes novos

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desafios, complexificando as questões existentes, e • Direitos individuais
desencadeando a reflexão e a procura de respostas A validação das aprendizagens não­‑formais e in‑
inovadoras face às problemáticas emergentes. formais deverá ser um processo de iniciativa indi‑
O reconhecimento e validação das aprendiza‑ vidual, voluntário, e que deve respeitar a igualdade
gens experienciais — frequentemente designadas de acesso e de tratamento. A privacidade e os direi‑
de não formais e informais — tem­‑se afirmado no tos individuais devem ser respeitados.
espaço educativo europeu, e aparece de uma forma • Obrigações dos prestadores
bem visível nos documentos e iniciativas desenvol‑ Devem definir as suas responsabilidades e com‑
vidas pela Comissão Europeia. Do ponto de vista petências, os sistemas e as abordagens de identifi‑
político, esta questão tem vindo a fazer parte das cação e validação de aprendizagens não­‑formais e
agendas actuais, e tem vindo a influenciar de uma informais, garantindo mecanismos de controlo de
forma significativa o debate educativo no espaço qualidade adequados. Devem fornecer orientação,
europeu. aconselhamento, e informação sobre os sistemas e
Estas preocupações europeias, de acordo com as abordagens aos indivíduos.
Feutrie (2005), articulam­‑se com um conjunto de • Confiança
intenções, das quais se salientam: Os processos, procedimentos e critérios devem
• oferecer uma segunda oportunidade de adqui‑ ser justos e transparentes, e suportados por meca‑
rir uma qualificação, principalmente a todos os que nismos de controlo de qualidade.
não as possuem ou que não foram bem sucedidos • Credibilidade e legitimidade
na educação/formação inicial; Os sistemas e abordagens devem respeitar inte‑
• suportar mutações económicas e enfrentar resses legítimos e garantir a participação equilibra‑
necessidades de níveis mais elevados de competên‑ da das várias instâncias envolvidas.
cias; O processo de validação deverá ser imparcial e
• promover trajectórias de desenvolvimento pes­ estabelecer mecanismos que garantam a inexistên‑
soal e profissional através da vida; cia de conflitos de interesse. Os técnicos que par‑
• facilitar e apoiar a mobilidade interna e exter‑ ticipam no processo devem ser profissionalmente
na das empresas e a mobilidade europeia; competentes (Colardyn & Bjornavold, 2005).
• facilitar a ligação entre o mercado de trabalho
e as instituições educativas e melhor responder às
necessidades do mercado de trabalho. O que se reconhece e valida?
Como se reconhece e valida?
A Declaração de Copenhaga (2002), — na
qual participaram 31 ministros europeus de edu‑ Conceitos de aprendizagem não­‑formal e
cação/formação, os parceiros sociais e a Comis‑ informal, aprendizagem experiencial
são Europeia — solicita o desenvolvimento de As práticas de reconhecimento e validação procu‑
“princípios comuns relativamente à validação ram identificar e dar visibilidade às aprendizagens
das aprendizagens não­‑formais e informais com realizadas em contextos não­‑formais e informais de
a finalidade de assegurar uma maior comparabi‑ educação/formação.
lidade entre as abordagens em diferentes países Os conceitos de aprendizagem formal, não­
e a diferentes níveis” (Colardyn & Bjornavold, ‑formal e informal têm vindo a ser amplamente di‑
2005, p. 133) fundidos na literatura actual, e correntemente são
Dando seguimento aos trabalhos da Comissão entendidos da seguinte forma (C.E, 2000):
Europeia, o Conselho de Educação Europeu con‑ • aprendizagem formal — desenvolve­‑se em ins‑
cordou no estabelecimento de um conjunto de prin‑ tituições de ensino e formação, conduzindo à aqui‑
cípios neste domínio (Maio de 2004), que deverão sição dos diplomas e das qualificações;
ser tidos em consideração na definição das políticas • aprendizagem não­‑formal — decorre de acções
e práticas de validação, e que se deverão orientar desenvolvidas no exterior dos sistemas formais, tais
pelos seguintes aspectos: como no trabalho, na comunidade, na vida associa‑

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tiva, etc., e que não conduzem necessariamente à podem ocorrer em contextos formais, de uma forma
certificação; residual e implícita, não controlável. Estas aprendi‑
• aprendizagem informal — resulta das situações zagens ocorrem numa multiplicidade de contextos e
mais amplas de vida e frequentemente não é reco‑ de situações de vida das pessoas, sendo os contextos
nhecida (individual e socialmente). espaços de interação da pessoa consigo própria, com
os outros, com as coisas, com a vida em sentido lato.
O contexto e a intenção têm sido considerados A aprendizagem experiencial diz respeito a um
como dimensões determinantes na categorização processo dinâmico de aquisição de saberes e de
de diferentes tipos de aprendizagem (Colardyn & competências (múltiplos e diversificados, tanto
Bjornavold, 2005): quanto à sua natureza como ao tipo de conteúdo),
• Aprendizagens formais — quando a aprendi‑ que não obedece a uma lógica cumulativa e aditiva,
zagem ocorre num contexto estruturado de apren‑ mas sim de recomposição — os novos saberes são
dizagem, em que as actividades se encontram pla‑ construídos integrando os já detidos pela pessoa.
neadas e orientadas para essa finalidade, e a apren‑ O processo de aprendizagem experiencial desenvol‑
dizagem é intencional. Ex: sistema formal de edu‑ ve‑se ao longo da vida, a partir de uma multiplici‑
cação/formação; dade de contextos — familiar, social, profissional,
• Aprendizagens não­‑formais — a aprendizagem associativo, etc. A experiência é um elemento­‑chave
ocorre num contexto estruturado, com actividades no processo de aprendizagem5, constituindo a base
planeadas (não necessariamente orientadas para para a reflexão, problematização e formação de con‑
a aprendizagem), e é intencional. Ex: contexto de ceitos, e que contribui para a transformação da pes‑
trabalho; soa, em termos pessoais e identitários, promovendo
• Aprendizagens informais — a aprendizagem a sua emancipação.
ocorre em situações não estruturadas e não é inten‑
cional. Ex: contexto familiar, social, etc. Os princípios de base nos quais se supor‑
tam as práticas de reconhecimento e de validação
Consideramos assim que as aprendizagens não­ encontram­‑se em coerência com a perspectiva da
‑formais e informais ocorrem em espaços­‑tempos aprendizagem experiencial dos adultos, ao valori‑
não especificamente nem formalmente estrutura‑ zarem as aprendizagens resultantes de uma diver‑
dos de educação/formação, em situações do traba‑ sidade de contextos e de situações e ao atribuirem­
lho, de lazer, da vida do quotidiano, e que frequen‑ ‑lhes um estatuto de legitimidade. A valorização dos
temente não existe a intenção de aprendizagem saberes experienciais traduz uma ruptura epistemo‑
(aprendizagens informais). lógica com uma concepção positivista de conheci‑
Do ponto de vista teórico, a problemática das mento, dicotómica; os saberes práticos não são uma
aprendizagens realizadas em contextos não­‑formais mera aplicação dos saberes teóricos.
e informais de educação/formação exige a adopção Por outro lado, a aprendizagem experiencial
de uma perspectiva de educação e formação alargada encontra­‑se de acordo com uma perspectiva holís‑
e globalizante. Estas aprendizagens são entendidas à tica, que tem em conta a globalidade do processo de
luz de um quadro teórico de referência, do qual des‑ desenvolvimento da pessoa, na sua relação com o
tacamos o conceito de aprendizagem experiencial4. meio, com os outros e consigo mesma.
O conceito de aprendizagem experiencial demar‑ No entanto, experiência e aprendizagem não são
ca‑se de uma concepção de aprendizagem formal, sinónimos; não são as experiências que são reco‑
estruturada e desenvolvida em contextos educa‑ nhecidas e validadas, mas sim as aprendizagens e
tivos formais, de uma acção organizada explicita‑ as competências que resultam de um processo de
mente com a finalidade de proporcionar a aquisição aprendizagem experiencial; como evidenciámos,
de um conjunto de saberes sistematizados e forma‑ a experiência é a base e a condição para a aprendi‑
lizados; tem um conteúdo aberto, que se organiza zagem, e, para que seja formadora, ela tem de ser
em função dos acontecimentos do meio envolvente reflectida, reconstruída, conscientizada. O resul‑
e da vida quotidiana; no entanto, as aprendizagens tado deste processo é a elaboração de novos saberes,

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de novas representações, contribuindo para a trans‑ de aspectos individuais e sociais), a partir de expe‑
formação identitária da pessoa e da sua relação com riências significativas, e das aprendizagens que vão
o mundo. O saber resulta do confronto e da transfor‑ sendo integradas pela pessoa, a valorização ou a des‑
mação da experiência. valorização das aprendizagens e das competências
Este pressuposto encontra­‑se presente nos prin‑ do adulto pode significar para si próprio a sua valo‑
cípios do reconhecimento e da validação: a experi‑ rização ou a desvalorização enquanto pessoa. Este
ência da pessoa é o ponto de partida para a cons‑ pressuposto tem implicações relevantes no domí‑
trução de saberes (de natureza diversificada), sendo nio do reconhecimento e da validação das aprendi‑
estes passíveis de ser explicitados, reconhecidos e zagens anteriores.
validados. O processo de reconhecimento — que pressupõe
Todos os contextos de vida constituem­‑se como a identificação e a explicitação das experiências vivi‑
terrenos propícios para a aprendizagem e o desen‑ das pela pessoa, e das aprendizagens daí decorrentes
volvimento de competências. A partir do con‑ — se for sentido como gratificante, reforça a sua auto­
fronto directo com as situações, com as vivências, ‑estima e auto­‑imagem. A tomada de consciência —
desencadeia­‑se um processo reflexivo que dá ori‑ o (re)conhecimento — pela pessoa dos seus proces‑
gem à aquisição de novos conhecimentos. sos de transformação construtiva (ao nível da perso‑
A dimensão da reflexividade na aprendizagem nalidade, do comportamento, dos conhecimentos e
experiencial é considerada como um aspecto­‑chave das competências, e das circunstâncias que possi‑
do processo, mas a capacidade de reflexão não é bilitaram essa transformação) reforça a sua autono‑
idêntica em todas as pessoas. Ela pode ser estimu‑ mia e emancipação. Pode, pelo contrário, contribuir
lada e trabalhada, em situação individual ou colec‑ para uma fragilização em termos identitários, se o
tiva, mas sempre a partir da implicação e da inten‑ processo não for conduzido e/ou vivenciado de uma
cionalidade da própria pessoa. O processo reflexivo forma positiva. O princípio subjacente a estas prá‑
exige um retorno sobre a experiência, a sua re­‑ela‑ ticas é o de valorização do potencial adquirido (dos
boração, a sua re­‑avaliação e a sua projecção na rea‑ conhecimentos e das competências, até aí não tra‑
lidade (presente ou futura). duzidos explicitamente), e não o de valorização das
Estes princípios decorrentes do pensamento carências, contribuindo desta forma para reforçar a
educativo encontram­‑se presentes nos pressupos‑ identidade pessoal e profissional. Para Feutrie (1997)
tos que orientam as práticas de reconhecimento e de torna­‑se essencial fazer uma “dupla leitura dinâ‑
validação. A pessoa, ao fazer um balanço das suas mica” das experiências das pessoas, através de um
aprendizagens, implica­‑se num processo retros‑ trabalho de mise­‑en­‑scène das competências adqui‑
pectivo, num trabalho reflexivo com vista à identi‑ ridas, pela definição das trajectórias, de capacida‑
ficação dos conhecimentos e das competências daí des prometedoras para o futuro; e através do estabe‑
resultantes. Por outro lado, o trabalho de re­‑elabo‑ lecimento de correspondências, no sentido da expli‑
ração da experiência é feito à luz de uma dada pro‑ citação das suas potencialidades (mais do que de jul‑
jecção — o projecto, a finalidade com que é feito o gamento, numa lógica de necessidades).
balanço. O balanço das aprendizagens integra assim Um dos pressupostos de base do reconheci‑
uma dimensão retrospectiva e uma prospectiva. mento e da validação sustenta que as aprendizagens
Este trabalho de explicitação (do implícito para o detidas (explicitadas em termos de conhecimentos,
explícito, do invisível para o visível), mediado pela de competências, atitudes, etc.) devem ser conside‑
linguagem, frequentemente só é conseguido com radas como ponto de partida e em articulação com
o apoio e suporte de técnicos especializados, atra‑ as aprendizagens posteriores, numa perspectiva de
vés de um confronto intersubjectivo. Daí que a for‑ recomposição. O reservatório de experiências vivi‑
mação destes actores seja considerada um aspecto das pela pessoa constitui­‑se como recurso impres‑
imprescindível para a garantia das condições neces‑ cindível para as aprendizagens futuras, mas a neces‑
sárias à realização do reconhecimento e validação. sidade profunda de autonomia dos adultos entra fre‑
Na medida em que a identidade pessoal é um quentemente em choque com as formas impostas de
processo em construção permanente (no confronto aprendizagem, características do modelo tradicional

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de educação/formação, em que o adulto é perspecti‑ gens procurando identificar os seus conhecimentos
vado como dependente e em que não são considera‑ e competências, e realizar um projecto que se fina‑
das relevantes as suas aprendizagens anteriores. lize eventualmente numa formação complementar.
Desta forma, a introdução de práticas de reco‑ Um sistema que contempla esta lógica deve poder
nhecimento e validação em contextos educativos cobrir os níveis e os tipos de competências adquiri‑
vem questionar as concepções e os modelos tradi‑ dos e também os domínios nos quais a pessoa pode
cionais, que não se encontram em consonância com completar a sua formação.
os desafios que esta problemática faz emergir. — A lógica social da validação/acreditação visa
o reconhecimento formal das competências (de
O reconhecimento e a validação de competências acordo com referenciais predeterminados e sancio‑
Tendo em consideração que em alguns países, no nados para os diversos domínios) e é feita através de
âmbito educativo, se têm vindo a introduzir mode‑ uma instituição com autoridade para tal. A utilidade
los de educação e de formação baseados em compe‑ social da validação/acreditação depende fortemente
tências, e que são estes os referenciais que servem de da legitimidade do sistema e do seu reconhecimento
baliza ao reconhecimento e validação, então a ques‑ social.
tão da identificação e avaliação das competências
assume uma relevância particular. O processo de reconhecimento diz respeito à
Como temos vindo a evidenciar em diversos tra‑ dimensão individual, pessoal, e pode ser conside‑
balhos (Pires, 2002, 2003, 2004b), o conceito de rado como o ponto de partida para o processo de
competência pode ser enquadrado a partir de dife‑ validação (que conduz a uma atestação oficial) e que
rentes abordagens teóricas. A tomada de consciên‑ diz respeito à dimensão social e institucional. Como
cia da diversidade — teórica e epistemológica — é identificámos, ambos os processos — reconheci‑
fundamental quando se passa para o domínio das mento e validação — procuram centrar­‑se nas apren‑
competências, pois cada enfoque, ao privilegiar dizagens e nas competências adquiridas pelos adul‑
determinados aspectos em detrimento de outros, tos, independentemente dos contextos onde foram
vai condicionar, em termos metodológicos, a esco‑ desenvolvidas — educação/formação, profissional,
lha das estratégias e dos instrumentos mais adequa‑ familiar, social, desportivo, de lazer, etc.
dos para a apreensão das suas componentes ou ele‑ O reconhecimento pessoal (“por si” e/ou “para
mentos integrativos. si”) inscreve­‑se numa lógica formativa, de auto­
Como temos vindo a evidenciar noutros tra‑ ‑avaliação, de tomada de consciência e apropria‑
balhos, a competência é uma construção social e ção pessoal dos saberes. Esta tomada de consciên‑
depende das convenções ou dos pontos de vista que cia pode permitir um melhor posicionamento e pro‑
se adoptam; as competências existem em função gressão da pessoa, tanto no sistema escolar/forma‑
do julgamento feito sobre elas, tendo como referên‑ ção, como no mundo profissional, como ainda na
cia um dispositivo; e os conceitos e os dispositivos sociedade em geral. A partir da explicitação e da
adoptados nunca são neutros (Le Boterf, 2000). identificação das potencialidades e das intenciona‑
lidades da pessoa, permite a elaboração de projec‑
tos (pessoais, educativos, profissionais), e contri‑
Quais são as lógicas do bui para a (re)construção das identidades — como
­r econhecimento e validação? defendemos, o resultado do reconhecimento toca
profundamente na dimensão identitária do adulto.
Os sistemas de reconhecimento e validação podem A lógica formativa (de processo) procura valorizar
ser desenvolvidos segundo duas lógicas diferentes, a riqueza do potencial detido pela pessoa, e orientá­
mas complementares, de auto­‑avaliação e de valida‑ ‑la de forma a progredir a partir dos recursos de que
ção/acreditação (Kalika, 1998): dispõe. Pode constituir­‑se como um motor desenca‑
— A lógica individual da auto­‑avaliação é a do deador de uma dinâmica pessoal de autoformação,
reconhecimento pessoal, com finalidades formati‑ de auto­‑valorização, de autoconfiança, e de desejo
vas. A pessoa faz um balanço das suas aprendiza‑ de desenvolvimento/construção permanente, sem‑

12 sísifo 2 | ana luisa de oliveir a pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
pre inacabado. A pessoa é reconhecida em si mesma, uma lógica holística, integrativa, são frequentemente
reforçando a sua auto­‑estima e promovendo a sua “invisíveis”, mas podem ser explicitados e identifi‑
emancipação. cados através de um processo de enunciação, e reve‑
Na medida em que, à partida, não existem refe‑ lar toda a sua riqueza e complexidade. Este processo
renciais externos face aos quais os recursos detidos depende não só dos recursos cognitivos da pessoa,
são “comparados” e avaliados, o referencial é cons‑ mas também do suporte prestado pelo “mediador”,
truído pela própria pessoa, elaborando­‑se a partir e da qualidade da relação que com ele se estabelece
dos saberes e das competências detidos. Os resul‑ (confiança, abertura, autenticidade).
tados do reconhecimento podem constituir um A lógica formativa implícita nas práticas de reco‑
importante instrumento de negociação (materializa‑ nhecimento, pode permitir, em termos teóricos,
dos num documento de síntese, ou num ­portfolio), apreender esta riqueza e diversidade, pois os proces‑
que é gerido pela pessoa — tanto no âmbito edu‑ sos centram­‑se na identificação das aprendizagens
cativo, como profissional — podendo traduzir­‑se adquiridas e na revelação do potencial que cada pes‑
num maior investimento na gestão do seu percurso soa contém em si própria.
futuro.
A validação, pelo seu lado, atribui um estatuto A validação, na medida em que se reporta sem‑
formal, oficial, aos saberes detidos pela pessoa; con‑ pre a um referencial externo, determinado e estabi‑
duz à obtenção de diplomas/certificados/qualifi‑ lizado, apenas dá visibilidade às aprendizagens que
cações, na sua totalidade ou em parte. Comporta são consideradas pertinentes no âmbito de um sis‑
uma etapa prévia de reconhecimento — a identifi‑ tema educativo. O diploma, o título, o certificado
cação dos saberes detidos — para posterior compa‑ (ou as unidades/módulos que o compõem) atestam
ração com um referencial determinado — um pro‑ os conhecimentos e as competências que lhe estão
grama de educação/formação, componentes de cur‑ subjacentes. Assim, o processo de validação ape‑
sos, módulos ou disciplinas, referenciais de activi‑ nas abrange uma parte das aprendizagens construí‑
dades profissionais — que é normativo, geralmente das experiencialmente ao longo da vida, em função
estandardizado, conferindo assim um valor legal às da finalidade e da especificidade de cada sistema ou
aprendizagens adquiridas numa diversidade de con‑ dispositivo.
textos. A lógica subjacente aos processos de valida‑ De acordo com a natureza do referencial em causa
ção/acreditação é a sumativa. (sistema de educação/formação, mundo do traba‑
As aprendizagens que são valorizadas pelos sis‑ lho) assim são privilegiados determinados domí‑
temas de educação/formação obedecem principal‑ nios e conteúdos de saberes, sempre mais restri‑
mente à lógica disciplinar e científica, uma lógica de tos do que aqueles que a pessoa adquiriu nos vários
organização de saberes objectivados, formalizados. contextos de vida. Desta forma, a abrangência da
Estes são enunciados de forma a poderem ser apro‑ validação é limitada pela maior ou menor abertura,
priados e “acumulados” pelas pessoas, e a forma maior ou menor flexibilidade dos seus referenciais
como são representados encontra­‑se em conformi‑ de suporte.
dade com as formas de avaliação e sanção utilizadas Estas duas lógicas (formativa e sumativa) podem
pelo sistema em causa. ser vistas a partir de uma perspectiva de comple‑
mentaridade — na medida em que para atestar for‑
A concepção subjacente ao reconhecimento, ao malmente é necessário primeiro reconhecer — e
defender que a experiência é produtora de saberes encontram­‑se, geralmente, articuladas na generali‑
(saberes de acção, saberes implícitos, tácitos) não se dade dos sistemas identificados (Pires, 2002, 2005)
confina apenas às aprendizagens valorizadas pelos mas traduzem níveis diferentes de articulação.
sistemas formais (conhecimentos formais, teóricos, A tensão existente entre as diferentes lógicas
académicos) quer sejam de âmbito escolar ou profis‑ parece­‑nos poder conduzir a uma menor valorização
sional. Os saberes empíricos, resultantes da expe‑ da função formativa (reconhecimento), no âmbito
riência adquirida, não se encontram estruturados dos sistemas cuja finalidade é principalmente suma‑
de acordo com a lógica disciplinar. Eles obedecem a tiva (validação); no entanto, como evidenciámos,

sísifo 2 | ana luisa de oliveir a pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais 13
não é possível validar sem reconhecer previamente (nem desejável) identificar uma metodologia ou pro‑
as aprendizagens detidas. Assim, questionamos até cedimentos únicos.
que ponto será possível evitar o risco deste “desli‑ Do ponto de vista dos princípios que orientam as
zamento” da função formativa para a função suma‑ práticas de reconhecimento e validação — centração
tiva, ou, explicitando a questão de outra forma, até na pessoa e na sua singularidade — será mais ade‑
que ponto se poderá evitar a desvalorização da fun‑ quado utilizar metodologias que implicam proces‑
ção formativa (de processo) em benefício da suma‑ sos mais personalizados (como o portfolio, as Abor‑
tiva (de produto) e o enfoque excessivo no produto dagens Biográficas, as Histórias de Vida) pouco
final (diploma, certificado, crédito)? compatíveis com procedimentos massificados (os
Numa perspectiva da formação dos adultos, testes, exames, etc.). No entanto, identificámos sis‑
defendemos que o processo de validação deve ser temas que recorrem à aplicação de testes, exames,
sempre suportado num processo de orientação e ou outros instrumentos de avaliação tradicionais.
acompanhamento individual, antes, durante e após A escolha das abordagens depende da natureza
a validação. A qualidade do apoio e da orientação do pedido, da motivação da pessoa, e do resultado a
prestada à pessoa durante o processo de explicita‑ atingir. Por princípio, deverá ser sempre uma deci‑
ção e nomeação dos saberes detidos (geralmente são negociada entre a pessoa implicada e o conse‑
durante a fase de elaboração do portfolio), e o seu lheiro, considerando que a pessoa é a “autora” da
alcance — ao permitir realizar o balanço global das sua própria história e da sua trajectória formativa, e
suas aprendizagens e competências, ou apenas iden‑ como tal dever­‑lhe­‑á ser atribuído um papel central
tificar aquelas que o sistema reconhece oficialmente na escolha dos meios e na forma de explicitação das
(referenciais ou standards) — poderá ser decisiva ao suas aprendizagens.
nível da implicação futura do adulto num percurso Em relação à grande generalidade dos sistemas
formativo. No âmbito dos processos de educação/ e dispositivos que têm como finalidade a validação,
formação ao longo da vida, a vertente formativa des‑ identificámos entre as metodologias mais significa‑
tes sistemas e dispositivos deverá ser valorizada. tivas a elaboração de dossiers pessoais/portfolios de
A dimensão formadora do processo de reconheci‑ competências, e as entrevistas; também podem ser
mento das aprendizagens, de grande complexidade, utilizados testes (de aptidões, de conhecimentos,
não nos parece dever ser reduzida a uma inventaria‑ etc.), as provas escritas ou orais, simulações, exercí‑
ção e a uma comparação com listagens de competên‑ cios práticos, e ainda situações de avaliação em con‑
cias predefinidas. texto de trabalho (principalmente nos casos em que
os referenciais são construídos com base em compe‑
tências de âmbito profissional).
Como se reconhecem e ­validam O dossier pessoal/portfolio integra um descritivo
as aprendizagens? das experiências e das actividades desenvolvidas, das
aprendizagens e competências adquiridas, e também
A valorização das aprendizagens construídas em comprovativos e documentos justificativos tanto de
situações profissionais e de vida, mais amplas, para entidades patronais, como de organismos de educa‑
além dos contextos formais de educação/formação, ção/formação; pode ser acompanhado de projectos
implica o recurso a novas práticas de avaliação que desenvolvidos, maquetes, produtos realizados, etc.
não as tradicionais, de forma a contemplarem a A implicação da pessoa e o apoio de técnicos espe‑
multiplicidade e a complexidade destas aquisições. cializados são considerados imprescindíveis para
Como constatámos no estudo realizado a nível o desenvolvimento do trabalho de reflexão/explici‑
internacional (Pires, 2002, 2005), a grande gene‑ tação/formalização. As entrevistas (estruturadas ou
ralidade dos sistemas implementados utiliza abor‑ não), a par dos portfolios, também fazem parte das
dagens e metodologias diversificadas, consoante a técnicas “obrigatórias” utilizadas. Assim, o diálogo
natureza do processo em causa, o sistema ou as ins‑ parece fazer parte integrante das metodologias de
tituições envolvidas; existe uma ampla variedade de reconhecimento, na grande generalidade dos países
instrumentos de suporte, e não nos parece possível estudados. Para Bjornavold, “o diálogo equilibrado

14 sísifo 2 | ana luisa de oliveir a pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
e o recurso à auto­‑avaliação (e ao autoconhecimento), aprendizagem dos adultos; a experiência (um “mate‑
com vista a melhorar a qualidade do processo de ava‑ rial bruto”), quando acompanhada de um processo
liação, desempenham um papel fundamental nestas de reflexão crítica e de formalização, pode ser tradu‑
abordagens. Além disso, estes dois aspectos permi‑ zida (“trans­‑formada”) em saberes e competências;
tem reconhecer o carácter individual e contextual‑ • a aprendizagem e o desenvolvimento dos adul‑
mente específico dos conhecimentos a avaliar. Até tos não ocorre apenas nos espaços­‑tempos formais
certo ponto o candidato é único, pelo que as metodo‑ de educação/formação, institucionalizados; os adul‑
logias devem reflectir esse princípio” (1997, p. 59). tos aprendem, constroem os seus saberes e desen‑
Identificámos a utilização combinada e flexível volvem competências numa multiplicidade de situ‑
de diversas técnicas, com vista a uma exploração o ações e de contextos (formais, não formais e infor‑
mais rica e completa possível, em detrimento de pro‑ mais) que fazem parte das suas trajectórias de vida;
cedimentos estandardizados. No entanto, os testes • do ponto de vista epistemológico, os saberes
de conhecimentos — instrumento da avaliação tra‑ que resultam de um processo experiencial não têm
dicional — são utilizados com alguma regularidade, sido suficientemente valorizados pelos sistemas
quando se procura identificar o nível de conheci‑ formais de educação/formação, que privilegiam o
mentos detidos pela pessoa em determinados cam‑ saber conceptual e universal;
pos disciplinares e domínios específicos; o recurso • as formas tradicionais de atestação dos sabe‑
à utilização de instrumentos de carácter quantita‑ res encontram­‑se em consonância com um modelo
tivo, como meio de “apreensão rigorosa e objectiva” de construção e difusão de conhecimento baseado
dos saberes detidos pelas pessoas, pode ser uma ilu‑ numa lógica disciplinar e cumulativa;
são metodológica. Se considerarmos que a avaliação • os saberes e as competências construídos atra‑
clássica testa principalmente a capacidade de resti‑ vés da experiência e noutros contextos que não os
tuição de conhecimentos (Aubret & Gilbert, 1994), formais têm valor pessoal, social e profissional (e
então, os instrumentos tradicionais não nos parecem concomitantemente económico) mas para tal é ne‑
ser os mais adequados para a identificação dos sabe‑ cessário que adquiram visibilidade — são geral‑
res experienciais, que não se encontram estruturados mente tácitos, implícitos, “invisíveis”.
de acordo com uma lógica disciplinar e académica.
A tendência encontrada nos diversos sistemas é a Na perspectiva da Educação/Formação — par‑
da diversidade e da complementaridade de aborda‑ ticularmente no domínio da formação de adultos
gens e de metodologias, caminhando­‑se no sentido —, o reconhecimento e a validação, ao promoverem
do aprofundamento da pesquisa e da reflexão sobre a visibilidade e a legibilidade das aprendizagens
os instrumentos e as técnicas mais adequadas para “ocultas”, constituem­‑se como um importante mo‑
as práticas em questão. tor de novas dinâmicas formativas, na medida em
que (Pires, 2002, 2005):
• contribuem para a elaboração de projectos pes‑
Reflexões finais soais, profissionais e sociais, articulando os saberes
detidos com as motivações e as aspirações da pessoa;
Procurámos evidenciar que os processos de reco‑ • abrem caminho para novas oportunidades de
nhecimento e de validação se suportam, do ponto educação/formação — não numa lógica “carencia‑
de vista teórico, em conceitos decorrentes de abor‑ lista” mas sim de “experiencialidade”6 —, facili‑
dagens da aprendizagem de adultos (Pires, 2002, tando a integração e a mobilidade formativa, promo‑
2005), nomeadamente: vendo a aprendizagem ao longo da vida;
• a aprendizagem é um processo de construção • desenvolvem a auto­‑estima, a auto­‑imagem,
pessoal, que integra dinamicamente diferentes di‑ a autonomia, fazendo elevar a motivação e o
mensões: afectivo­‑relacionais, cognitivas, socio­ nível de implicação dos adultos nos processos de
‑culturais, sensorio­‑motoras e experienciais; aprendizagem;
• aprendizagem e experiência são interdepen‑ • contribuem para o reforço e a construção de
dentes; a experiência assume um papel central na identidades pessoais, sociais e profissionais.

sísifo 2 | ana luisa de oliveir a pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais 15
No entanto, a introdução destas novas práticas os sistemas de validação reenviam para a responsa‑
educativas exige uma mudança de fundo nos sis‑ bilidade individual um conjunto de responsabilida‑
temas de educação/formação, pois os processos de des colectivas “mal­‑geridas”, tais como a exclusão e
reconhecimento e de validação, na óptica de um para‑ o desemprego, num contexto de maior precarização e
digma de educação/formação ao longo da vida, não se insegurança. “A focalização sobre a responsabilidade
podem limitar à aplicação de um conjunto de proce‑ individual na gestão do seu ‘capital de competências’
dimentos e de metodologias7, numa perspectiva tec‑ não será uma camuflagem (...) que dilui o lugar dos
nicista e tecnocrática de ensino­‑aprendizagem. Tanto determinismos sociais, económicos e organizacio‑
ao nível dos actores como das estruturas, implicam a nais no sucesso ou no falhanço?” (op.cit., p. 73).
mudança de representações e de práticas educativas: Estas questões são pertinentes, e reforçam a
a evolução das representações e das práticas de apren‑ necessidade de entender o reconhecimento e a vali‑
dizagem, a evolução dos modelos tradicionais de edu‑ dação noutra perspectiva que não como uma resposta
cação/formação de forma a integrarem de forma coe‑ “rápida e eficaz” para alguns dos actuais problemas
rente os princípios e os pressupostos que se encon‑ sociais e económicos, de entre os quais destacamos
tram subjacentes ao reconhecimento e à validação. a procura das “qualificações­‑chave”, supostamente
Assim, a emergência destas práticas vem confron‑ capazes de tornar as pessoas aptas a lidarem com a
tar os sistemas educativos com uma complexidade de rápida mudança tecnológica e organizacional, e a
questões, que traduzem uma mudança paradigmática sobreviverem no mercado global da competitividade.
ao nível das representações e das práticas, nomeada‑ Os debates em curso sobre a problemática da
mente ao nível das estruturas, da organização curri‑ validação indiciam que será necessário encontrar
cular, das metodologias de ensino/aprendizagem, das respostas inovadoras e adequadas, mas que as evo‑
metodologias de avaliação, dos referenciais de educa‑ luções se revestem de grande complexidade.
ção/formação, das relações institucionais do sistema Para Merle (1997) não é possível encontrar uma
com a sociedade, e entre os subsistemas que o com‑ “solução padrão, aplicável a todos os países”, pois os
põe, das representações dos actores institucionais — sistemas de validação são o resultado de uma cons‑
decisores políticos, gestores, conceptores, professo‑ trução social, articulada com a especificidade his‑
res, formadores, técnicos, entre outros. tórica de cada sociedade. Por outro lado, este autor
Por outro lado, é possível identificar uma diversi‑ chama a atenção para o facto de que as opções a fazer
dade de tensões e conflitualidades, das quais passa‑ não são apenas de ordem técnica, mas pertencem a
mos a evidenciar algumas consideradas relevantes. uma ordem mais ampla: “seria ilusório considerar
que um novo sistema de certificação, por mais bem
Tensões e conflitualidades no concebido que fosse, se pudesse abster de reequacio‑
­reconhecimento e validação nar as relações entre formação inicial e formação con‑
Para Liétard (1997), a problemática do reconheci‑ tínua, de revalorizar o lugar ocupado pelas dimen‑
mento e da validação inscreve­‑se num jogo de influên‑ sões profissionais e tecnológicas na formação inicial
cias e numa relação de forças, nem sempre favoráveis e de contribuir para a evolução da gestão das qualifi‑
à pessoa. A necessidade de apresentação de provas cações nas empresas” (Merle, 1997, pp. 38­‑9).
válidas das aprendizagens, que é da inteira responsa‑ Qualquer solução que se encontre no domínio do
bilidade do candidato, por vezes sem que as institui‑ reconhecimento e da validação nunca é simples do
ções ofereçam um sólido acompanhamento e suporte ponto de vista técnico, nem neutra em termos políticos.
do processo (o que implica elevados custos de inves‑
timento humano), a constatação de que as aprendiza‑ O reconhecimento e a validação devem ser pers‑
gens experienciais são frequentemente comparadas pectivados, a médio prazo, como uma função edu‑
com os conteúdos formativos instituídos, sem que cativa “a tempo inteiro”, uma “espinha dorsal de um
estes se encontrem descritos em termos de capacida‑ projecto educativo”, a construção de identidades
des, ou de uma forma unívoca, são aspectos que evi‑ pessoais e sociais de cidadãos, um meio de desen‑
denciam a complexidade dos desafios e paradoxos volvimento pessoal que permite o acesso à qualifica‑
que emergem desta problemática. Segundo o autor, ção social (Liétard, 1997). Mas para o autor, o futuro

16 sísifo 2 | ana luisa de oliveir a pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
destas práticas ainda é incerto: podem constituir­ car os professores e os educadores na primeira linha
‑se como a raiz de uma nova ordem educativa, reno‑ dos novos paradigmas educativos” (Carneiro, 2001),
vadora de projectos de educação permanente, ou a formação destes actores assume neste contexto
podem ser as premissas de novas formas de gestão uma relevância particular.
social ao serviço da economia do mercado. Assim, a formação dos professores e dos forma‑
dores deverá ser (re)pensada à luz dos novos quadros
A formação de professores/formadores/ de referência de acção educativa, no âmbito do novo
conselheiros/orientadores paradigma de educação/formação ao longo da vida.
Parecem não existir ainda respostas estabiliza‑ De entre os eixos de mudança educativa analisados,
das que garantam à partida a qualidade e a fiabili‑ e que influenciam as representações e as práticas dos
dade dos processos em causa. Para além da validade professores, dos formadores, dos alunos, enfim, de
dos procedimentos, também há que considerar que todos os intervenientes no processo educativo, desta‑
estes procedimentos são mediatizados por pessoas, camos os articulados com o processo de construção de
o que implica directamente a questão da preparação conhecimento, com os saberes, com a aprendizagem,
adequada dos técnicos envolvidos. e com os processos e contextos onde se desenvolvem.
Desta forma, a formação dos agentes implicados — Desta forma, a formação dos professores/formadores,
formadores, professores, conselheiros, orientadores, numa lógica de educação/formação ao longo da vida,
tutores, etc. — constitui­‑se como um eixo imprescin‑ deve ser enriquecida com os contributos destes qua‑
dível para a garantia da qualidade dos processos em dros de referência, e, na nossa perspectiva, tendo em
causa. Entre os profissionais que intervêm nos pro‑ consideração as dimensões sobre as quais procurá‑
cessos de reconhecimento e de validação, os conse‑ mos reflectir, mas que não esgotam no entanto a com‑
lheiros, orientadores e professores/ formadores têm plexidade dos fenómenos envolvidos. As mudanças
um papel fundamental ao nível da valorização dos necessárias ao nível das organizações educativas, no
adquiridos da pessoa, de elevação da sua auto­‑estima que diz particularmente respeito à sua estrutura e for‑
e da auto­‑imagem, de apoio à tomada de consciência mas de organização, aos referenciais, às estratégias e
e explicitação das suas aprendizagens, de suporte à modelos pedagógicos, vêm introduzir novos quadros
construção identitária, e por vezes, de reconciliação de referência que confrontam os actores educativos ao
da pessoa com a sua trajectória de vida. nível das suas representações e questões identitárias.
Estes profissionais têm de ser capazes de fazer A mudança do pensamento educativo, o repensar dos
transpor um discurso de ordem pessoal para um de saberes e das competências necessárias numa socie‑
ordem social e profissional. Este papel não é redutí‑ dade em mudança, a valorização dos saberes adqui‑
vel à mera aplicação de técnicas e de instrumentos de ridos experiencialmente, a crescente atenuação das
avaliação. Os actores deste processo desempenham fronteiras entre formação geral, profissional, entre
um papel mediador, formativo, mobilizador da auto‑ formação inicial e formação contínua, entre educação
nomia e de novas dinâmicas de aprendizagem. As formal e informal, são aspectos que devem ser con‑
qualidades humanas, de escuta, de valorização do siderados e reflectidos no processo de formação dos
outro, são tão ou mais importantes do que as técni‑ professores e formadores. A formação destes profis‑
cas, necessárias ao nível do conhecimento e utiliza‑ sionais deverá contribuir para a construção de uma
ção de instrumentos de apoio, ao nível dos domínios cultura de aprendizagem ao longo da vida, respon‑
científicos, etc. A formação das equipas de profissio‑ der às necessidades do actuais e simultaneamente
nais parece­‑nos ser um eixo fundamental de qual‑ permitir uma antecipação das necessidades futuras,
quer estratégia de implementação dos sistemas de numa lógica pro­‑activa. Neste quadro, as instituições
reconhecimento e de validação das aprendizagens de ensino superior assumem uma dupla responsabi‑
experienciais, papel que cabe prioritariamente às lidade: enquanto instituições responsáveis pela for‑
instituições de ensino superior. mação dos professores e dos formadores, e enquanto
E também, numa perspectiva mais lata, se consi‑ contextos privilegiados de construção de conheci‑
derarmos que “a sustentabilidade de um sistema de mento, de questionamento permanente, de produção
educação/ formação ao longo da vida implica colo‑ de novas formas de compreensão da realidade.

sísifo 2 | ana luisa de oliveir a pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais 17
Notas cura induzir situações em que os indivíduos se reco‑
nheçam nos seus saberes e sejam capazes de incor‑
1. Aprendizagens lifelong e lifewide, de acordo porar no seu património experiencial os próprios
com o “Memorando da Aprendizagem ao Longo da saberes produzidos pelas experiências de forma‑
Vida” (Comissão Europeia, 2000). ção” (op.cit., p. 37). Segundo o autor, o que está em
2. De acordo com Canário (1999), o funciona‑ causa é a “reapropriação da formatividade”.
mento da organização escolar caracteriza­‑se pela Também Canário (1999) aponta a necessidade de
compartimentação estandardizada dos tempos, se evoluir da lógica dominante das “necessidades”
espaços, saberes, que se encontra articulada com (visão negativa do sujeito, que dá visibilidade aos défi‑
uma concepção cumulativa do conhecimento e da ces e às lacunas) para a lógica dos “adquiridos” (enten‑
aprendizagem. O autor identifica as convergências didos como potencialidades), perspectivando o adulto
entre esta forma de organização e a concepção taylo‑ como o “principal recurso da sua formação”.
rista dos processos de produção, orientada para a 7. Uma “poção mágica”, de acordo com Bjornavold
produção e o consumo de massas. (2000). Também para Rodrigues e Nóvoa “A questão
3. Segundo Dominicé (1989), os cursos escolares (do reconhecimento) não se resolve com a multiplica‑
e a tradição didáctica assentam sobre esta concep‑ ção de ‘centros’ onde se procede a análise, validação e
ção, que se reflecte tanto nas universidades como certificação dos ‘documentos’ de uma vida. O essen‑
na formação contínua. Também Canário (1999, p. cial passa pela inscrição de determinadas práticas
100) evidencia que o funcionamento da organização de formação no dia­‑a­‑dia das pessoas e das institui‑
escolar, do ponto de vista da relação com o saber, ções”, fazendo parte da cultura dos organismos onde
“subestima e desvaloriza as aquisições, os interes‑ se inserem. (Canário & Cabrito, 2005, p. 12).
ses e as experiências dos alunos, bem como as carac‑
terísticas sócio­‑culturais do seu contexto”.
4. O conceito de aprendizagem experiencial apre‑ Referências bibliográficas
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experiencial, educação informal (Pain, 1991), educa‑ Aubret, Jacques & Gilbert, Patrick (1994). Recon‑
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5. Evidenciado nos trabalhos de Dewey, Rogers, des acquis antérieurs et/ou non­‑formels; Expé‑
Knowles, Kolb, Mezirow e Freire, entre outros. Ver riences, innovations et problémes. Rev. Pano‑
Pires (2002, 2005). rama. Thessalonique: CEDEFOP.
6. De acordo com Correia (1997), as concepções Bjornavold, Jens (2000). Making learning visible
da “racionalidade técnica e adaptativa” e da “racio‑ — identification, assessment and recognition of
nalidade expressiva e emancipatória” sobre os sabe‑ non­‑formal learning in Europe. Luxembourg:
res experienciais traduzem­‑se em diferentes for‑ Pub. CEDEFOP.
mas de definir e responder aos problemas; a pers‑ Canário, Rui (1999). Educação de Adultos: um
pectiva crítica, defensora de “modelos de interven‑ campo e uma problemática. Lisboa: Educa.
ção preocupados com o aprofundamento das valên‑ Canário, R. & Cabrito, B. (orgs.) (2005). Educa‑
cias emancipatórias da formação”, procura a “reabi‑ ção e Formação de Adultos. Mutações e Conver‑
litação das experiências inserindo­‑as num processo gências. Lisboa: Educa.
cuja pertinência já não se defina pela sua adequabi‑ Carneiro, Roberto (2001). Nota introdutória. Novo
lidade relativamente aos saberes formais e suscep‑ Conhecimento, Nova Aprendizagem. Lisboa:
tíveis de serem transmitidos, mas pelo sentido que Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 11­‑15.
lhes atribuem os indivíduos e os grupos em forma‑ Colardyn, D. & Bjornavold, J. (2005). The learning
ção. (…) Para além de se preocupar com o reconhe‑ continuity: European Inventory on validating non­
cimento destes saberes, o trabalho de formação pro‑ ‑formal learning. National Policies and practices

18 sísifo 2 | ana luisa de oliveir a pires | reconhecimento e validação das aprendizagens experienciais
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