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GESTÃO DA QUALIDADE EM ORGANIZAÇÕES DE

SERVIÇOS: BARREIRAS E FACILITADORES


QUALITY MANAGEMENT IN SERVICE ORGANIZATIONS:
BARRIERS AND SUCCESS FACTORS

Angela Maria Feiten


Unicesumar Curitiba – Brasil.
angelafeiten07@gmail.com Submissão: 19 Nov 2018. Aceitação: 06/09/2019.
Publicação: 30 Set. 2019. Sistema de avaliação: Double
blind review. Universidade FUMEC / FACE, Belo Horizonte -
MG, Brasil. Editores: Prof. Dr. Mário Teixeira Reis Neto e Prof.
Taiane Ritta Coelho Dr. Cid Gonçalves Filho.
Universidade Federal do Paraná – Brasil.
taianercoelho@gmail.com

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo investigar as barreiras e facilitadores para a uti-
lização da gestão da qualidade em organizações de serviço. O setor é responsável
pela maioria dos empregos diretos no Brasil, entretanto vem sofrendo com a di-
minuição no volume de serviços prestados.Além disso, sofre com a concorrência
acirrada em um ambiente competitivo e globalizado. Diante dessas dificuldades,
muitas organizações buscam solucionar seus problemas e realizar melhorias ado-
tando práticas de Gestão da Qualidade. Embora existam pesquisas sobre o tema,
ainda há a necessidade de entender as barreiras e facilitadores para as empresas
de serviço se apropriem da gestão da qualidade. A partir de um estudo de caso,
busca-se entender melhor esta questão. Os achados apontam que, além de tra-
dicionais barreiras como a influência à resistência à mudança, a complexidade do
serviço e a centralização dificultam o processo da qualidade. Em contrapartida,
reforça a importância da gestão de topo e para a implantação desta natureza. O
trabalho contribui para a teoria, avançando nos estudos de gestão da qualidade
em serviço e para a prática, auxiliando gestores a superar os obstáculos perante
as situações adversas à sustentabilidade dos seus negócios.

PALAVRAS-CHAVE

Gestão da qualidade. Organizações de serviços. Estudo de caso. Barreiras. Facilitadores.


ANGELA MARIA FEITEN, TAIANE RITTA COELHO

ABSTRACT

This paper aims to investigate the barriers and facilitators for the use of quality manage-
ment in service organizations. The sector is responsible for the majority of direct jobs in
Brazil. However, it has been suffering from the decrease in the volume of services provided.
In addition, it suffers from competition in a competitive and globalized environment. Faced
with these difficulties, many organizations seek to solve their problems and make improve-
ments by adopting practices of Quality Management. Although there is research on the
subject, there is still a need to understand the barriers and success factors by companies to
use quality management to improve the services provided. Based on a case study, we seek
to better understand this issue.The findings indicate that, in addition to traditional barriers
such as influence resistance to change, service complexity and centralization make the
quality process difficult. On the other hand, it reinforces the importance of top manage-
ment and its implementation.The work contributes to the theory, advancing in the studies
of quality management in service and to the practice, helping managers to overcome ob-
stacles in the face of adverse situations to the sustainability of their business.

KEYWORDS

Quality management. Service organizations. Case study. Barriers. Success Factors.

INTRODUÇÃO ganizações de serviços precisam estar em


O setor de serviços apresenta posi- constante atualização para se adaptarem às
ção de destaque na economia brasileira, mudanças de competitividade em um am-
possuindo potencial de crescimento da biente globalizado.
produtividade e de relevância econômica Diante destas dificuldades, muitas orga-
(JACINTO e RIBEIRO, 2015; SILVA et al., nizações buscam adotar práticas de Ges-
2016). Segundo dados do IBGE (2017), as tão da Qualidade (GQ) para se tornarem
empresas de serviços já ocupam mais de competitivas (CROSBY, 1990; DEMING,
70% da participação do PIB brasileiro. O 1990; JURAN, 1990). A qualidade vai além
setor também é responsável pela maioria do controle sobre os bens e serviços. O
dos empregos diretos no Brasil, entretanto conceito de gestão da qualidade passou a
vem sofrendo com a diminuição no volu- significar “modelo de gerenciamento que
me de serviços prestados (IBGE, 2017) e é busca a eficiência e a eficácia organizacio-
tradicionalmente descrito como de baixa nal” (MARSHALL Jr. et al., 2010, p. 17). Com
produtividade, com alto grau de informali- foco no cliente, buscam entender as suas
dade e baixo teor tecnológico (SILVA et al., características e o perfil dos seus colabora-
2016). Com consumidores cada vez mais dores para aplicar ferramentas de melho-
exigentes, alto desenvolvimento tecnológi- ria contínua e assim conquistar vantagem
co, complexidade das rotinas de trabalho e competitiva (VIANA et al., 2016). Embora
necessidade constante de inovação, as or- existam muitas pesquisas e trabalhos reali-

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zados sobre a gestão da qualidade de ser- sentada: inicialmente, apresentam-se os


viços (FAUCAO; GALVÃO, 2012; LEÃO et conceitos de gestão da qualidade encon-
al., 2015; SILVA, 2011), esta literatura enfo- trados na literatura, logo após, procede à
ca principalmente as práticas de qualidade descrição das barreiras e facilitadores da
e as abordagens adotadas para garantir a implantação de GQ. Em seguida, os proce-
implementação bem-sucedida para alcan- dimentos metodológicos escolhidos para
çar a satisfação do cliente (TALIB et al., conduzir a pesquisa e a apresentação dos
2015). A natureza diversa dos serviços é resultados são descritas. Por fim, as consi-
uma dimensão adicional que afeta a imple- derações finais.
mentação dos princípios de GQ. Portanto,
existe a necessidade de pesquisa específica OVERVIEW SOBRE GESTÃO DA
de qualidade que aborde o setor de servi- QUALIDADE (GQ)
ços (TALIB et al., 2015). É preciso entender, Atualmente a busca por qualidade é uma
ainda, quais são as barreiras e facilitadores preocupação das empresas, pois diante da
para as organizações de serviços implantar globalização e competitividade acirrada, são
métodos, técnicas e sistemas de qualidade. necessárias práticas de gestão de qualidade
Em especial, o setor de saúde se tornou para a entrega de serviços e bens que satis-
mais competitivo, principalmente com a façam seus clientes (GOZZI, 2015). Assim
alta concorrência entre os planos de saú- a empresa pode continuar com sua fatia
de e a abertura do mercado especializado de mercado ou ter um diferencial compe-
para atender clientes mais exigentes. O titivo, tornando-se mais lucrativa. (VIANA,
mercado de serviços de saúde é altamente BOCHI, SCHEIBLER, 2016).
competitivo e o bom desempenho é funda- Devido à importância de Gestão de Qua-
mental para a sobrevivência da organização lidade (GQ) para as organizações, é neces-
(LEÃO et al. 2015), o que inspirou esta pes- sário e pleno entendimento do que é qua-
quisa. Sendo assim, buscou-se compreender lidade (CORDEIRO, 2004). Os conceitos
as barreiras e os facilitadores em gestão da apresentados no Quadro 1 ajudam a ampliar
qualidade em organização de serviço, em a visão sobre o significado de qualidade:
especial do ramo de saúde. Realizou-se um Para Juran (1990) a qualidade é adequa-
estudo de caso com uma grande empresa ção ao uso. Ou seja, o autor se preocupa
prestadora de serviços de saúde. Este estu- com os produtos que atendem aos requi-
do contribui para a identificação de fatores sitos que se propuseram, sem deficiências.
que ajudem a potencializar novas pesqui- Juran (1990) também apresentou uma tri-
sas, visando a facilitar a aplicação do corpo logia para estruturar a gestão da qualida-
de conhecimentos em gestão da qualidade de: planejamento da qualidade; controle da
para organizações de serviços. Contribui qualidade e melhoria da qualidade.
também na prática para que gestores supe- Crosby (1990) contribui com o con-
rem os obstáculos perante a crise e outras ceito de defeito zero e atribui os padrões
situações adversas à sustentabilidade dos de conformidade como importantes para
seus negócios. a qualidade. Seu discípulo Deming (1990)
O artigo está estruturado da seguinte introduz a aplicação de melhoria contínua
maneira, a partir da introdução aqui apre- e institui o ciclo PDCA. O autor também

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QUADRO 1 – Conceitos de Qualidade


AUTOR CONCEITO
Juran “Qualidade é ausência de deficiência”
Feigenbaum “Qualidade é a correção dos problemas e de suas causas ao longo de toda a série de fatores relaciona-
dos a Marketing, projetos, engenharia, que exerçam influência sobre a satisfação do cliente.”
Crosby “Qualidade é a conformidade do produto com as suas especificações”
Deming “Qualidade é tudo aquilo que melhora o produto do ponto de vista do cliente”.
Ishikawa “Qualidade é desenvolver, projetar, produzir e comercializar um bom produto, que é mais econômico,
mais útil e sempre satisfatório para o consumidor”.
NBR ISSO 9000:2000 “Qualidade é um conjunto de característica inerente, que satisfaça os requisitos”.
Fonte: Adaptado de GOZZI (2015).

contribuiu com a elaboração dos 14 prin- passando para capacitar as organizações


cípios da qualidade, que auxiliaram na mu- para antecipação dos desejos dos clientes
dança organizacional do Japão pós-guerra. (MARTINS; COSTA NETO, 1998). Desta
Tem-se também Ishikawa (1985) que forma, a gestão da qualidade passa a ser
trouxe o conceito de círculos da qualida- um elemento importante para a vantagem
de, que ajuda a resolver os problemas que competitiva das organizações.
afetam a qualidade. Ele contribuiu com o A GQ está relacionada a criar uma cultu-
desenvolvimento de sete ferramentas que ra de confiança, participação, adoção de mo-
contribui para a solução destes problemas, delos de melhoria contínua que contribuem
entre elas o diagrama de Causa-Efeito. para o sucesso e existência da organização.
Já para Feigenbaum (1961) a qualida- Nos dias atuais, a GQ está atrelada à defini-
de é resultado de um esforço conjunto ção de fidelização dos clientes, sendo quali-
de todos os indivíduos da organização, dade nos projetos do produto e processo
para que os problemas não aconteçam e (GOZZI, 2015). Neste sentido, pode trazer
se acontecer serem corrigidos imediata- alguns benefícios, tais como: entender as ne-
mente. O autor propôs o “controle to- cessidades dos clientes, diminuir os erros,
tal da qualidade” (TQC – Total Quality reduzir os custos e melhorar a satisfação
Control), apresentando que é preciso dos clientes (JURAN, 1990).
melhorar a comunicação entre todos os Quando uma organização investe e me-
departamentos da organização. lhora a qualidade, facilmente há melhora na
Como pode ser visto, há vários conceitos sua produtividade e, consequentemente,
de qualidade citados por vários estudiosos. pode aumentar os seus lucros (DEMING,
Nesta pesquisa, qualidade tem o significado 1990). Porém, esforços voltados ao envol-
de excelência no atendimento, agilidade, vimento e comprometimento de todos os
padronização, melhorias contínua e alcance stakeholders envolvidos com a organização
de índices de desempenho significativos que são necessários para garantir a efetividade
tragam benefícios e a satisfação dos clientes. da qualidade (CROSBY, 1990).
Do mesmo modo que o conceito de
qualidade, a gestão da qualidade também Barreiras para a Gestão da
caminhou para a evolução do conceito. Os Qualidade
métodos de gestão da qualidade evoluíram Existem algumas barreiras que dificultam
da padronização e diminuição dos defeitos, a implementação da GQ. Por causa dessas

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barreiras, as empresas não alcançaram to- capacitação das pessoas que vão replicar
dos os benefícios e vantagens que espera- o treinamento necessário). Já as barrei-
vam da GQ antes de sua implementação ras psicológicas consideram a ansieda-
(TALIB et al., 2015). Alguns estudos identi- de por resultados e o descuido com a
ficaram as razões por trás dos resultados motivação. Por fim, as barreiras técnicas
ruins e falhas na melhoria de desempenho incluem a falta de apoio técnico (o des-
(MASTERS, 1996; TALIB et al., 2015; TA- cuido em aplicar técnicas e métodos na
MIMI, SABASTIANELLI, 1996; TOLOVI JR, resolução de problemas para que haja
1994; WOOD; URDAN, 1994). Para atin- melhoria contínua prejudica a evolução
gir o objetivo do estudo, esta seção aborda do processo de qualidade), o sistema de
possíveis razões para falhas de GQ. remuneração inconsistente e o planeja-
Tamimi e Sabastianelli (1998) realiza- mento inadequado.
ram um levantamento com 188 profis- Para Masters (1996), barreiras distin-
sionais da qualidade para identificar as tas à GQ são comuns a todos os tipos de
potenciais barreiras para as iniciativas de organizações e as oito que mais afetam as
GQ. Entre as 10 principais barreiras es- organizações são: 1) falta de compromis-
tão: link entre os objetivos da qualidade e so de gestão; 2) incapacidade de mudar
a gestão; falta de treinamento e técnicas a cultura organizacional; 3) planejamen-
de comunicação; falta de benchmarking to inadequado; 4) falta de treinamento
com as melhores práticas do mercado; e educação contínuos; 5) estrutura or-
empregados não empoderados; recursos ganizacional incompatível e indivíduos
empregados de forma errada e resistên- e departamentos isolados; 6) prestando
cia à mudança. atenção inadequada aos clientes internos
Tolovi Jr. (1994) retratam motivos para e externos; 7) uso inadequado de capaci-
a falta de sucesso na implementação de tação e trabalho em equipe; e 8) técnicas
GQ em três perspectivas: a) psicossociais; de medição ineficazes e falta de acesso a
b) educacionais; c) psicológicas. Barreiras dados e resultados.
psicossociais incluem o não envolvimen- Talib et al. (2015) apresentou um resu-
to da alta direção (é importante que a mo sobre as principais barreiras encontra-
Alta direção invista tempo no programa das na literatura. Entre as barreiras iden-
de qualidade, converse com os colabo- tificadas como comum entre os autores
radores, se envolvendo assim ativamente estão: Falta de experiência e treinamento;
demonstrando interesse e levando toda alta rotatividade no nível gerencial; atitude
equipe a participar) e o desinteresse do dos funcionários em relação à qualidade;
nível gerencial (é necessário que os ges- treinamento insuficiente em qualidade; fal-
tores saibam liderar, motivar, incentivar ta de coordenação entre departamentos;
sua equipe). Barreiras educacionais en- conhecimento técnico insuficiente; falta de
volvem o treinamento precário (muitas benchmarking; falta de planejamento; resis-
empresas formam grupos sem preparo tência dos funcionários; falta de cultura de
para discutir soluções de problemas) e melhoria contínua e falhas de comunicação.
a escolha inadequada de multiplicadores O quadro 21 resume as diversas barreiras
(não observar o perfil, o conhecimento e encontradas na literatura:

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QUADRO 2 – Barreiras para gestão da qualidade


Barreira Autores
Tamimi e Sabastianelli (1998); Tolovi Jr. (1994); Masters (1996);
Falta de treinamento e técnicas de comunicação
Talib et al. (2015)
Escolha inadequada de multiplicadores Tolovi Jr. (1994)
Falta de conhecimento técnico Tolovi Jr. (1994)
Técnicas de medição ineficazes Masters (1996)
Funcionários não empoderados Tamimi e Sabastianelli (1998)
Resistência à mudança Tamimi e Sabastianelli (1998); Talib et al. (2015)
Não envolvimento da alta direção Tolovi Jr. (1994); Masters (1996)
Falta de coordenação entre departamentos Masters (1996); Talib et al. (2015)
Falta de planejamento e alinhamento estratégico Masters (1996); Talib et al. (2015)
Falta de benchmarking com as melhores práticas do mercado Tamimi e Sabastianelli (1998); Talib et al. (2015); Masters (1996)
Incapacidade de mudar a cultura organizacional Masters (1996); Talib et al. (2015)
Ansiedade por resultados Tolovi Jr. (1994)
Descuido com a motivação Tolovi Jr. (1994)
Emprego inadequado dos recursos Tamimi e Sabastianelli (1998), Tolovi Jr. (1994); Masters (1996)
Fonte: os autores

Com base na discussão acima, algumas ciamento de qualidade de fornecedores,


das práticas de GQ são diferentes para as gerenciamento de processos, treinamento
indústrias de manufatura e serviços. Ta- de funcionários e envolvimento dos fun-
lib et al. (2015) defende que as barreiras cionários para implementação bem-suce-
permanecem, em grande parte, as mesmas, dida de GQ em diferentes organizações
independentemente de a GQ estar sendo (AHIRE et al., 1996; DILBER et al., 2005;
implementada na manufatura ou no setor SALAHELDIN et al., 2015; SARAPH et al.,
de serviços. No entanto, há necessidade 1989; TALIB et al., 2015).
de buscar evidências empíricas suficientes Segundo Gozzi (2015) o sucesso de
para tal afirmativa. gestão de qualidade baseia-se em oito
Uma vez conhecida as barreiras para princípios: a) foco no cliente – atender os
implementação de GQ, busca-se identificar clientes segundos suas necessidades atu-
os facilitadores que apoiam o sucesso da ais e futuras, além de requisitos, buscan-
implementação. do exceder suas expectativas; b) liderança
– líderes responsáveis por estabelecer o
Facilitadores para Gestão da propósito e rumo da organização, portan-
Qualidade to eles devem proporcionar um ambiente
Vários estudos têm tentado identificar interno no qual os colaboradores estejam
as principais práticas em que o sucesso engajados em atingir os objetivos da or-
de GQ é baseado e são aplicáveis a todos ganização; c) Envolvimento de pessoas –
os setores, nomeadamente manufatura, é necessário o envolvimento de pessoas
serviços, serviços públicos, etc. (SARA- de todos os níveis da organização, assim
PH et al., 1989; POWELL, 1995; PORTER; várias habilidades estarão sendo utilizadas
PARKER, 1993). Na literatura que investi- em benefício a alcançar o propósito da
ga as práticas de GQ, discute-se a impor- organização; d) abordagem de processo
tância da liderança de alta gerência, geren- – um resultado desejado é mais efetiva-

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mente alcançado quando há uma gestão GESTÃO DA QUALIDADE EM


de recursos e atividades em forma de ORGANIZAÇÕES DE SERVIÇO
processo; e) abordagem sistêmica para Segundo Lovelock,Wirtz, Hemzo (2011)
gestão – gerenciar, identificar e entender a definição de serviços está relacionada a
os processos inter-relacionados como atividades econômicas que uma parte ofe-
um sistema contribui para a eficiência e rece a outra. Embora os consumidores es-
eficácia da organização; f) melhoria con- perem receber o valor de suas compras
tínua – deve ser um objetivo permanente de serviços, em troca de dinheiro, tempo,
da organização; g) abordagem factual para esforço, nem sempre receberá um produ-
tomada de decisão – baseando-se em aná- to concreto. Em percepções dos clientes é
lise de dados e informações se obtém de- o dever dos gerentes garantir a qualidade
cisões eficazes; e h) benefícios mútuos nas dos serviços entregues (DEDEOGLU; DE-
relações com os fornecedores – quando MIRER, 2015).
há interdependência e benefícios mútuos Para determinar os elementos de quali-
entre organizações e fornecedores, cres- dade de serviço, diferentes estudos foram
ce a capacidade de se agregar valor a um realizados por pesquisadores da área. San-
produto ou serviço. tos, Urdan, Manchini (2016), por exemplo,
Dilber et al. (2005) determinaram os identificam três dimensões para a quali-
fatores críticos da Gestão da Qualidade dade em serviços: qualidade física, rela-
Total no setor de saúde e o estudo foi cionada aos aspectos físicos do serviço;
feito para medir o efeito de fatores crí- qualidade corporativa, referida à imagem e
ticos de gestão da qualidade total sobre perfil da empresa; e a qualidade interativa,
o desempenho dos negócios em hospitais pautada na interação entre as empresas e
de pequeno e médio porte na Turquia. Os consumidores, como também entre con-
autores apontaram como fatores críticos sumidores entre si.
o papel da alta gestão, a gestão de proces- Para entender como os usuários per-
sos, relatórios e qualidade dos dados e as cebiam e avaliavam a qualidade do serviço,
relações entre os funcionários. Parasuraman, Zhei-taml e Berry (1985) re-
Talib et al. (2015) apresentou um levan- alizaram um estudo envolvendo doze gru-
tamento de vários autores sobre fatores pos focais. Ao final do estudo os autores
críticos para o sucesso da implantação de afirmaram que existem cinco elementos de
GQ. O envolvimento da gestão de topo qualidade de serviço: tangibilidade, confia-
está entre os facilitadores mais descritos bilidade, capacidade de resposta, garantia
entre os autores. Além dos fatores já ci- e empatia. Os autores também revelaram
tados, os autores ainda apontam a comu- que existe um conjunto de discrepâncias-
nicação e a gestão de mudança como im- chave ou gaps que podem ser as principais
portantes para o sucesso da implantação barreiras para que os usuários percebam a
de iniciativas que envolvam a gestão da qualidade dos serviços. No entanto, cabe
qualidade. Há uma necessidade contínua de ressaltar que estes elementos são referen-
abordar as questões relacionadas à aplica- tes à qualidade percebida pelo cliente, não
bilidade e adequação de várias práticas de podendo ser confundidos com os proces-
TQM para serviços. sos – internos à organização – de gestão da

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qualidade, por isso o modelo consagrado Nacional da Saúde), qual avalia o desem-
de Parasuraman, Zhei-taml e Berry (1985) penho das operadoras através do índice
não foi adotado nesta pesquisa. de Desempenho da Saúde Suplementar
Qualidade de serviço normalmente é (IDSS). A ANS ranqueia as organizações
medida pela subjetividade e está atrelada segundo os índices alcançados. A empre-
à satisfação dos clientes (GONÇALVES sa Alpha vem alcançando altos índices de
FILHO; NIZZA, 2004). No entanto, cabe desempenho por meio dos quais tem se
ressaltar, após esta pequena introdução so- destacado como uma das melhores pro-
bre qualidade de serviço, que esta pesqui- vedoras de planos de saúde do Paraná,
sa se debruça sobre o conceito de gestão sendo referência no segmento de saúde.
da qualidade nas organizações de serviço. Assim, a Alpha vem adquirindo credibilida-
Embora similares, são conceitos distintos. de, confiabilidade diante de seus clientes e
Mas a adoção do GQ certamente afetará a aumentando o número de beneficiários. A
qualidade do serviço. Isso sustenta o argu- empresa passou por reformulação na área
mento positivo de que há menor diferença de qualidade nos últimos anos, o que tor-
na aplicabilidade das práticas de GQ nas nou o caso ainda mais atrativo para opor-
firmas de serviços em comparação com tunizar o aprendizado sobre as barreiras
suas contrapartes de fabricação, apesar de e facilitadores na implementação de GQ.
várias diferenças na natureza de suas ope- Os dados foram coletados por meio de
rações (TALIB et al., 2015). Processos efi- entrevistas semiestruturadas, seguindo um
cazes de GQ podem promover melhorias roteiro com perguntas abertas, onde os
na qualidade dos serviços, o que resulta em entrevistados tinham a liberdade de com-
maior satisfação do cliente e lucratividade partilhar suas experiências e conhecimen-
da organização (LITTON, 2001). tos em relação à gestão de qualidade. Fo-
ram realizadas sete entrevistas, nos meses
METODOLOGIA de maio e junho de 2018, com gestores da
Esta pesquisa é de natureza qualitativa. qualidade, gestores administrativos e pro-
Métodos de pesquisa qualitativa são pro- fissionais técnicos da área de saúde, totali-
jetados para ajudar os pesquisadores a en- zando cerca de cinco horas de entrevistas.
tender as pessoas e os contextos sociais Estas pessoas estão diretamente envolvi-
e culturais em que vivem (MYERS, 2005). das no processo de gestão da qualidade da
A abordagem qualitativa auxilia na expli- empresa, por isso foram indicadas para as
cação de um fenômeno social afastando- entrevistas. Foram coletados, também, do-
se o menos possível do ambiente natural cumentos considerados importantes para
onde se busca entender os agentes e o a compreensão do fenômeno, como rela-
que os leva a agir da forma como agiram tórios, manuais, sites e outros documen-
(GODOI e BALSINI, 2010). A estratégia tos que foram permitidos o acesso. Todas
de investigação foi o estudo de caso. Esco- as entrevistas foram gravadas e transcritas
lheu-se a empresa Alpha (codinome dado posteriormente. Todos os entrevistados
à organização por motivo de sigilo) por assinaram o termo de consentimento livre
ser um caso singular. Esta empresa tem se e esclarecido, concordando em participar
destacado no Ranking da ANS (Agência da pesquisa e garantindo a confidencialida-

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de dos dados. As diversas fontes de dados de qualidade, cumprindo as exigências da


possibilitarão o processo de triangulação. ANS. Atualmente está entre as 20 me-
Para a análise, foi realizada análise de lhores prestadoras de serviço, segundo o
conteúdo que “é um método muito em- Ranking da ANS.
pírico, dependente do tipo de “fala” a que A empresa possui a gestão de qualidade
se dedica e do tipo de interpretação que com foco estratégico na empresa. Possui
se pretende como objetivo” (BARDIN, uma equipe atuando no desenho e mape-
2011, p.36). A análise foi realizada com o amento de processos, que são constante-
auxílio do software Atlas.TI®. Foram envia- mente atualizados. Também implantou um
das ao software todas as transcrições das software para realizar a gestão da qualidade
entrevistas. Buscou-se categorizar as men- e a atualização de indicadores. Construiu
sagens deixadas pelos entrevistados que uma imagem de qualidade sólida entre os
remetessem as barreiras e facilitadores da funcionários, além de reformular a pesqui-
implementação da gestão da qualidade. O sa de satisfação com os clientes. Buscou-se
resultado desta análise foi utilizado para entender quais as dificuldades que a Alpha
identificar as percepções dos entrevistados enfrentou para a gestão de qualidade e
sobre a gestão da qualidade e as barreiras quais os facilitadores. O quadro 2 apresen-
encontradas para aplicar as práticas de ta o resumo das barreiras e facilitadores
qualidade na organização. Ao todo, cerca encontrados.
de 150 fragmentos de texto (quotations)
foram codificados. Barreiras na Implementação de
Qualidade.
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS Foi possível identificar oito barreiras na
Os resultados serão apresentados nesta implementação de GQ no caso estudado:
seção. Primeiro, descreve-se o caso estuda- 1) centralização; 2) complexidade do ser-
do, em seguida, as barreiras e facilitadores viço; 3) mudança da equipe (tournover); 4)
encontrados. falta de treinamento; 5) falta de qualificação
das pessoas; 6) falta de Recursos Financei-
Gestão da qualidade no caso ros; 7) Resistência; 8) construção da cultu-
estudado ra de qualidade. Os entrevistados aponta-
A organização estudada tem quarenta e ram a resistência sendo uma das maiores
oito anos de existência e é referência em dificuldades encontradas para a gestão da
medicina de grupo. Visa promover preven- qualidade, seguido pela complexidade do
ção e mudança de atitudes, melhores há- setor de serviço. Segundo eles, a gestão da
bitos, saúde sustentável e garantir a quali- qualidade em organização de serviço é di-
dade em seus serviços prestados. Ela tem ferente da indústria, onde os conceitos e
mais de 900 empresas parceiras. práticas já são disseminados há anos. Parti-
Entre seus valores se destacam as me- cularmente o seguimento de saúde possui
lhores práticas, qualidade, agilidade, melho- complexidades, como a regulamentação, o
rias contínuas, excelência no atendimento tipo de atendimento, os processos inter-
e atuação com foco na satisfação de seus nos, o profissional especializado na saúde
clientes. A Alpha alcançou altos índices (médicos e enfermeiros), que traz desafios

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QUADRO 3 – Barreiras e facilitadores para GQ em uma organização de serviço


1 - Complexidade do serviço
2 - Estrutura de gestão de qualidade centralizada
3 - Mudança da equipe (tournover)
4 - Falta de treinamento
Barreiras
5 - Falta de capacitação em qualidade
6 - Falta de recursos financeiros
7 - Resistência a mudanças e inovações
8 - Construção da cultura de qualidade
1 - Envolvimento da alta gestão/gestores
2 - Inclusão de qualidade nas rotinas das áreas;
3 - Multiplicadores de conhecimento/treinamentos;
Facilitadores 4 - Criação de processos, rotinas, padronização;
5 - Alinhamento da qualidade como estratégia da empresa;
6 - Implantação de sistema/tecnologia/software;
7 - Trabalho em equipe/construir junto/envolver pessoas.
Fonte: os autores
Estes fatores serão detalhados a seguir.

para implementar e disseminar a qualidade muito grande” (Entrevistado 3) e “Muito di-


como um todo. fícil adaptar as pessoas a uma nova realida-
Um dos maiores obstáculos citados foi a de. Muitos colaboradores tentam boicotar
resistência às mudanças e inovações, como as novas diretrizes.” (Entrevistado 5).
se pode observar na fala de um dos entrevis- Outra barreira encontrada foi a com-
tados:“É muito difícil as pessoas aceitarem as plexidade do negócio de serviço, indicada
melhorias, elas podem até fazer, são funcio- como recorrente entre os entrevistados.
nários das instituições e vão fazer, mas eles O serviço de saúde possui características
não compram a ideia.” (Entrevistado 5). Mui- únicas, específicas, que o diferencia de uma
tas vezes, os colaboradores têm dificuldade indústria. Há especificações e regulamen-
em se adaptar e não conseguem perceber os tações a serem seguidas. A percepção de
resultados que as iniciativas da qualidade irão qualidade é diferente da agregada a um
proporcionar para a empresa como um todo. produto e a comunicação com o cliente é
Entrevistado 7: “gente teve um pouco de mais complexa. Isto acaba afetando a im-
resistência no começo.[...] Quando você é plantação de gestão da qualidade:
acostumado com aquela rotina e de repente Entrevistado 1: “o que acaba dificultando
muda, ah vamos fazer assim, vamos implantar é como ramo de negócio de operadora de
isso, vai ter que ser feito assim, no primeiro saúde é muito específico. [...] o meu serviço
momento a gente tem uma negatividade, ah ele é complexo e vai envolver várias pes-
isso não vai dar certo, pode esperar dois ou soas, e o meu cliente vai ter interface com
três meses que não vai dar certo.” várias pessoas [...] Estou falando de enfer-
Esta resistência pode levar alguns fun- meiras, de médicos, administradores (tudo
cionários a recusar ou tentar impedir que bem tiveram contato com isso na faculda-
as iniciativas evoluam. Alguns entrevistados de), estou falando de TI estou falando com o
mencionaram a possibilidade de boicote, grupo, embora seja um grupo de gestão, não
como por exemplo nas falas: “o boicote é um grupo que mexe com isso toda hora”.
dos colaboradores em relação a um siste- Entrevistado 3: “Quando se fala de ser-
ma que não seja aquilo [que estão acostu- viço tem várias coisas, mas o meu específi-
mados]. A implementação disso [qualidade] co, de serviço que meche com a saúde, ele
é muito difícil, então tudo isso é um desafio tem características muito próprias.”

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Pela natureza do negócio de serviço, tão vai se ter todo um tempo para treinar
mais especificamente no seguimento de essa pessoa, claro que atrapalha.”
saúde, que envolve atendimento direcio- A capacitação foi colocada como uma
nado, várias pessoas envolvidas nesse pro- barreira. Especialmente no setor de servi-
cesso, de regulamentação própria etc., tem ços de saúde, há pouca formação relaciona-
uma barreira que precisa ser considerada. da à qualidade e gestão. Isso pode dificultar
A Estrutura de Gestão de qualidade na implantação de processo e controles e
centralizada foi citada como um obstáculo até mesmo gerar a resistência. De acordo
na gestão de qualidade. Isto significa que a com alguns entrevistados, a formação da
qualidade e os processos não podem ficar área de saúde não cobre as necessidades
centralizados em uma pessoa ou departa- que as organizações precisam:
mento, devem ser compartilhados. Pode- A capacitação da área de saúde não é
mos perceber isso nas seguintes falas: “per- voltada para a área de controle e de pro-
cebi que quanto mais centralizado, quanto cessos, ela é voltada para a assistência. Se
mais caracterizado a qualidade tivesse em ela é voltada para a assistência, logo, quan-
uma única pessoa, menos ela funciona”. do você vai se deparar com números e
(Entrevistado 1). indicadores, você não consegue vivenciar
Outro fator que gera dificuldades na isso. Então uma das barreiras, que acho im-
gestão de qualidade é a mudança da equipe portante é que a formação, realmente, a ca-
(turnover). Segundo os entrevistados quan- pacitação dos profissionais e dos médicos
do há muita rotatividade existe a propen- nas áreas de saúde e nas faculdades deixa a
são de ocorrer mais falhas nos processos. desejar. Colocam no mercado profissionais
Estas saídas devem ser administradas para que saíram de dentro da faculdade e eles
que não haja retrabalho. Há dificuldade que não sabem o que é um procedimento, eles
envolve o treinamento e alinhamento dos não sabem o que é uma tabela de valores.”
novos funcionários. Além disso, é preciso (Entrevistado 3)
gerenciar o conhecimento, para que não se A falta de aplicação de recursos finan-
perca com a saída das pessoas. ceiros pode ser um agravante para a GQ.
Entrevistado 5: “Por exemplo, tem um É necessário recursos financeiros para ter
funcionário que está aqui há um ano, já trei- processos eficientes e proporcionar uma
nou ele, está a par, já sabe como funciona a experiência positiva aos clientes. Um dos
rotina, já sabe como funciona (pois somos entrevistados discorre sobre os altos in-
uma instituição privada nós buscamos um vestimentos necessários para as empresas
nível de excelência, os nossos beneficiários não estagnarem ou retrocederem sob os
também querem receber essa excelência aspectos de qualidade.
no atendimento). Aí a pessoa pede a conta Por fim, tem-se a construção da cultura
e você contrata um do zero. Aí você tem de qualidade como um fator importante,
toda aquela escada, todos os degraus para essencial e desafiador para a implantação
subir com essa pessoa, ensinar tudo, toda de GQ. É crucial que a qualidade passe a
parte técnica que a pessoa tem que apren- fazer parte da vida das pessoas dentro da
der, toda parte operacional, toda a parte de empresa. Percebemos isso na fala dos en-
gestão, de manuais para os processos. En- trevistados: “fazer com que todo mundo

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compra aquela cultura é um mega desa- dos entrevistados: “se não tiver a alta ges-
fio”. (Entrevistado 1). Ou ainda: “é muito tão comprometida de tal forma que seja
difícil porque é uma mudança cultural, eles uma exigência que isso aconteça, ela por
têm que mudar o jeito que eles pensavam vontade própria ela não anda, muito difícil
de um dia para o outro” (entrevistado 5). você fazer uma padronização ou certifica-
Dessa forma, essa cultura deve ser cons- ção se não tiver envolvimento da alta dire-
truída gradativamente, com flexibilidade, toria”. (Entrevistado 3).
de maneira que todos os colaboradores Outro facilitador é a inclusão da quali-
venham incorporar e absorver totalmen- dade nas rotinas das áreas. Criar processos
te essa cultura e aceitar a qualidade como e padronização em cada área de trabalho
algo que agregue valor para a organização sem grandes dificuldades para os funcio-
e gere resultados visíveis na resolução de nários, levando-os a perceber que os be-
problemas rotineiros. nefícios e resultados alcançados por meio
dessas práticas de qualidade em suas roti-
Facilitadores na Implementação nas pode facilitar a implantação e a criação
de Qualidade da cultura de qualidade. Podemos obser-
Foi possível identificar seis facilitadores var isso na seguinte fala: “Então incutia ali
à GQ a partir do caso estudado: 1) Envolvi- na rotina, o dia a dia sem eles perceberem
mento da alta gestão/gestores; 2) Inclusão metodologia ferramenta de qualidade sem
da qualidade nas rotinas das áreas; 3) Multi- eles perceber. Então eles acabam seguindo
plicadores de conhecimento/treinamentos; [...] Eles não sabiam muito bem, mas eles
4) Criação de processos, rotinas, padroni- gostavam da ideia e viam o resultado” (En-
zação; 5) Alinhamento da qualidade como trevistado 1).
estratégia da empresa; 6) Implantação de Para alcançar o resultado desejado, mul-
sistema/tecnologia; 7) Trabalho em equipe/ tiplicadores de conhecimento/treinamento
construir junto/envolver pessoas. possuem um papel importante. Para alcan-
É primordial o envolvimento da alta ges- çar a melhoria contínua, é necessário realizar
tão da organização para o sucesso de im- treinamentos constantes e uma estratégia é
plementação de qualidade: “o principal da capacitar um grupo que possa transmitir o
qualidade do sistema de gestão de quali- conhecimento aos demais colaboradores.
dade é ter o nosso envolvimento da nossa Para a efetividade deste fator, é importante
Diretoria e da nossa presidência, sem isso investir no treinamento principal e escolher
não adianta” (Entrevistado 2). Por serem as pessoas certas para tal função.
revestidos de autoridade, eles têm poder Entrevistado 4: “a gente trabalha muito
de influência e a responsabilidade de lide- com multiplicadores. Então, a gente inves-
rar, gerenciar e medir o desempenho de te num grupo que tem esse conhecimento
seus colaboradores visando o desenvol- e facilidade nisso e depois repassar para a
vimento e alcance de índices pretendidos equipe como um todo é através de mul-
pela organização. O comprometimento da tiplicadores. [...] Os multiplicadores fazem
alta gestão com a GQ impulsiona o com- com que eu consiga levar a informação
prometimento de toda a organização. Po- para 100% da empresa, nos melhores horá-
demos perceber isso nas seguintes falas rios sem prejudicar o atendimento.”

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Foi observado, também, que o alinha- Por fim, uma das maneiras mais eficien-
mento da qualidade como estratégia da em- tes de se conseguir incutir processos de
presa é uma maneira de obter resultados, qualidade na organização é por meio do
eficiência e competitividade. “A empresa trabalho em equipe/construir junto/ envol-
coloca lá na nossa missão, visão e valores e ver pessoas. Quando as pessoas participam
toda nossa missão e valores tem que estar ativamente da implementação de proces-
alinhado com os processos, indicadores e sos e mudanças, podendo contribuir com
com as metas. Antes a gente não tinha isso suas opiniões, conhecimento e habilidades,
e hoje a gente tem.” (Entrevistado 2). Com elas se sentem parte do processo. Isso aju-
isso, a empresa passa a se comprometer da a diminuir a resistência e a criar a cultu-
com a qualidade, pois é uma diretriz. ra da qualidade na organização. O trabalho
A implantação de um sistema/tecnologia se torna colaborativo: “você chama as pes-
contribuiu de forma significativa para o de- soas para construir juntos, isso faz toda a
senvolvimento de qualidade, pois, por meio diferença, aí a construção é em conjunto”
do software há uma maior padronização das (Entrevistado 1).
atividades, workflow de tarefas, organização
e armazenamento de dados. Podemos ob- CONSIDERAÇÕES FINAIS
servar na fala: “o sistema é comunicativo, O objetivo dessa pesquisa foi identificar
interativo. Ele informa quando algo está os facilitadores e as barreiras para a imple-
acontecendo ou precisa acontecer” (En- mentação de gestão de qualidade nas orga-
trevistado 2). nizações de serviço, mais especificamente
Do ponto de vista da tecnologia, os sof- no setor de saúde. Os dados revelaram oito
twares podem agregar valor às rotinas de barreiras (complexidade do serviço; cen-
qualidade e facilitar o processo. Quando se tralização; mudança da equipe (tournover);
emprega a tecnologia, o controle sobre as falta de treinamento; falta de capacitação
informações torna-se maior e há também em qualidade; falta de recursos financeiros;
uma maior visibilidade das atividades rea- resistência; construção da cultura de qua-
lizadas. Além disso, podem-se incluir neste lidade) e sete facilitadores (envolvimento
sistema todas as tarefas e responsabilida- da alta gestão/gestores; inclusão da quali-
des necessárias para realizar determinado dade nas rotinas das áreas; multiplicadores
procedimento. Criar rotinas de trabalho de conhecimento/treinamentos; criação de
e ainda indicadores de desempenho. Com processos, rotinas, padronização; alinha-
isso, as informações tornam-se mais segu- mento da qualidade como estratégia da
ras e visíveis para quem for necessária, agi- empresa; implantação de sistema/tecnolo-
lizando o processo. gia; e trabalho em equipe/construir junto/
“Hoje o sistema de gestão de qualidade envolver pessoas).
é essencial, ele não é mais um diferencial, Entre as barreiras houve destaque para
que você podia ou não ter, hoje não é um a resistência das pessoas em relação a mu-
diferencial. Ele é uma necessidade e essa danças, inovações e processos de imple-
necessidade faz com que você seja diferen- mentação de qualidade, o que reforça acha-
te sim e o modelo de gestão de qualidade dos anteriores (TAMIMI; SABASTIANELLI,
só traz benefícios” (Entrevistado 4). 1998; TALIB et al., 2015). No entanto, a

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complexidade do setor de serviço é uma cas e teóricas. Avança nos estudos de bar-
barreira específica elucidada pelo caso. O reiras e fatores de sucesso na implantação
setor de serviço possui características que de GQ, especificamente de serviço, onde
o diferencia de uma indústria e o segmento os estudos dominantes são da indústria.
de saúde tem particularidades que aumen- Revela algumas particularidades como a
tam o desafio de implementar GQ. Além complexidade, a tecnologia e a capacitação
disso, aponta a necessidade de capacitação que são indícios das especificidades do se-
dos profissionais, que é algo bem específico tor de serviços. O trabalho contribui, na
da área investigada. prática, para que gestores de organizações
Os achados também reforçam a literatu- de serviço possam melhor administrar as
ra de fatores críticos de sucesso para GQ iniciativas de qualidade, para que tenham
(AHIRE et al., 1996; DILBER et al., 2005; resultados mais satisfatórios.
SALAHELSIN et al., 2015) ao apontar o en- O setor de serviços, mais especificamen-
volvimento da gestão de topo e o envol- te o de saúde, é complexo e possui poucos
vimento dos colaboradores como cruciais modelos de gestão de qualidade, portan-
para os resultados de GQ. Porém, inclui a do é uma área ampla de grande viabilidade
tecnologia como um fator importante na para futuras pesquisas. Futuras pesquisas
gestão dos processos. podem, também, se debruçar em estudos
Esta pesquisa possui implicações práti- comparativos, ampliando o estudo.

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