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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

46º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – PUC-Minas – 4 a 8/9/2023

Fórmulas e expressões das imagens de horror:


Considerações a partir da obra Midsommar, de Ari Aster1

Ana Carolina Martins NUNES2


Eli BORGES JUNIOR3
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

RESUMO EXPANDIDO

Um grande desafio na história das imagens tem sido o de compreender a origem e os


fundamentos a partir dos quais podem elas nos sensibilizar. De fato, se é possível identificar
na dimensão do conteúdo boa parte dessas possibilidades de fruição, é possível também
reconhecer, na dimensão de suas formas, estratégias potentes de mobilização do público,
sobretudo quando recorremos à história particular das tecnologias de comunicação – e em
especial aquela do cinema – e a um de seus conhecidos formatos: o cinema de horror.

A fim de refletir acerca das interações entre humano e imagem e problematizar


aspectos relacionados ao exercício de fruição, selecionaremos como objeto de pesquisa a obra
cinematográfica Midsommar: o mal não espera a noite (2019), do realizador estadunidense
Ari Aster, debruçando-nos sobre a utilização de efeitos visuais e sonoros que parecem
ressignificar o conceito de horror no cinema. Midsommar conta a história de Dani,
personagem de uma jovem que perde, de maneira particularmente trágica, todos os seus
familiares próximos. Sem perspectivas claras sobre a retomada de sua vida, a estudante
universitária embarca, junto ao namorado e alguns amigos, em uma jornada até a Suécia, onde
viverá uma experiência inesperada e excêntrica junto à comunidade alternativa de Hårga,
conhecida por professar uma antiga religião nórdica.

Para além de novos mecanismos de interação afetiva com o espectador, Midsommar


parece também representar a criação de novos significados da imagem a partir da ordem de

1
Trabalho apresentado no Intercom Júnior – IJ04 "Comunicação Audiovisual" do 46º Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação, realizado de 4 a 8 de setembro de 2023.
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Estudante de graduação, 5º período do Bacharelado de Rádio, TV e Internet da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF) e bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET FACOM. E-mail:
ana.martins@estudante.ufjf.br
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Orientador do trabalho. Professor Adjunto da Faculdade de Comunicação Social da UFJF. E-mail:
ridolfi.eli@gmail.com

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aparecimento de seus quadros e cenas. Um primeiro eixo teórico em que pretendemos ler a
obra de Aster, nesse sentido, atravessa a noção de "atmosfera fílmica" (GIL, 2005), espécie de
composição geral de elementos sonoros, visuais e contextuais que cria uma ambiência
particular de fruição junto ao espectador. Segundo a professora, “a atmosfera nasce a partir da
realidade afetiva dos indivíduos que a projetam no seu espaço, acabando por caracterizar a sua
relação com o mundo” (GIL in BINSWANGER, 1994, p.142). Nesse diapasão, buscaremos
compreender a maneira pela qual a atmosfera interfere na relação entre o público e a obra,
gerando efeitos de horror.

Considerando-se a importância do tema da fruição da imagem fílmica nos dias de


hoje, sobretudo ao tratarmos das novas modalidades de horror psicológico, a pesquisa torna-se
necessária para uma compreensão mais aprofundada sobre o desenvolvimento desse tipo de
produção cinematográfica, bem como o que teria essa a oferecer, de modo singular e original,
junto à prática da recepção no cinema. Além de ser uma obra que parece inovar no processo
de criação do cinema do horror, por conta das diferentes maneiras de se trabalhar o
desconhecido e explorar o mistério e o desconforto de situações cotidianas, Midsommar
sugere fugir dos formatos hollywoodianos, encontrando novos meios de interagir com o
público em que se destacam técnicas de manipulação da imagem e de criação de um clima de
tensão e desconforto em efeitos visuais e sonoros.

Além disso, pretendemos, por meio das linhas teóricas de Georges Didi-Huberman – e
sua dialética do ver – e Aby Warburg – e seu conceito de pathosformel, como uma expressão
dos sentimentos humanos primários –, investigar as formas pelas quais o público parece ser
afetado pelo filme. Nesse sentido, buscaremos compreender as razões pelas quais o cinema se
vale de determinados efeitos visuais e sonoros a fim de conquistar a atenção dos espectadores.

Para Didi-Huberman, a imagem não é um simples objeto a ser observado


passivamente, porém um espaço em que ocorre um encontro entre observador, imagem em si
e o contexto em que ela é visualizada. O filósofo destaca a existência da distância entre o
sujeito e a obra, distância essa que cria uma tensão entre ambas as partes, permitindo a
reflexão sobre o que é visto, questionamento a partir de sua própria interpretação e a
atribuição de significados à imagem, que surgem a partir de uma separação espacial e
temporal. Ademais, a distância desafiaria o observador a considerar a influência de sua

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própria subjetividade, conhecimento e experiência na apreensão da imagem. Segundo o autor,


"com efeito, é impossível falar da distância e do futuro sem se refletir simultaneamente à
proximidade e ao presente. (...) A distância é assim claramente a forma espaço-temporal do
sentir” (DIDI-HUBERMAN in STRAUSS, 2000, p. 162).

Midsommar parece mobilizar a dimensão sensorial e emotiva do observador, expor a


afetividade a partir do ponto de vista do coletivo e fomentar novas perspectivas sobre a
relação humana: a imagem insinua comover o espectador, propor um tipo de diálogo e
estabelecer uma proximidade entre obra e público. Além do processo de ressignificação do
cinema de horror, o longa-metragem também sugere reforçar a potencialidade do conceito de
“distância” de Didi-Huberman, criando uma tensão e exigindo uma reflexão dela decorrente.

Por fim, adicionaremos como referencial teórico aspectos da obra do historiador da


arte Aby Warburg com o objetivo de compreender as principais relações da imagem com o
observador, as energias configuradoras como formas de expressão do ser do homem, da
paixão e do destino humano, ou seja, em nosso caso, as sensações primárias que estão
diretamente ligadas à fruição do filme. Didi-Huberman, em A imagem sobrevivente: história
da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg, ressalta que o olhar de Warburg para a
imagem não repousava primeiramente nas obras de arte: com efeito, Warburg sentia e
enxergava aquilo que não estava escrito, impresso ou figurado nas imagens que analisava.

Em suma, articulando os estudos de Gil, Didi-Huberman e Warburg, este trabalho


pretende levantar questionamentos que expandem a discussão sobre a interação entre imagem
e espectador, oferecendo novas perspectivas sobre a fruição do horror psicológico, tema ainda
em desenvolvimento no cinema atual. Ademais, busca somar reflexões ao debate sobre a
criação da atmosfera fílmica por meio de efeitos visuais e sonoros e capaz de influenciar a
percepção do público.

Em certa medida, poderíamos aventar, por último, que o filme representaria, a seu
modo, uma forma de resistência à tradição imposta pela indústria hollywoodiana, oferecendo
outras possibilidades de leitura da noção de horror e, de certa maneira, surpreendendo as
expectativas da audiência por meio de sua narrativa pouco previsível e do modo ascético, e ao
mesmo tempo impactante, a partir do qual constrói sua fotografia.

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PALAVRAS-CHAVE: fruição; pathosformel; Aby Warburg; horror psicológico; Ari Aster.

BREVE NOTA DE ESCLARECIMENTO

Este texto decorre de uma pesquisa realizada no âmbito do Programa de Educação Tutorial
(PET) do Ministério da Educação, vinculado à Faculdade de Comunicação Social da
Universidade Federal de Juiz de Fora. Ressaltamos que se trata, nesse contexto, de um
trabalho em progresso e que, por conta disso, o referido resumo expandido não pretende, de
modo algum, esgotar as questões problematizadas.

REFERÊNCIAS

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998.

DIDI-HUBERMAN, Georges. The surviving image: Phantoms of Time and Time of Phantoms, Aby
Warburg’s History of Art. Pennsylvania: The Pennsylvania State University: 2017 [2002].

GIL, Inês. A atmosfera como figura fílmica. ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II
IBÉRICO, vol. 1, n. 1, pp. 141-146, 2005.

SCHANKWEILER, Kerstin; WÜSCHNER, Philipp. Affective Societies: Key Concepts. Londres:


Routledge, 2019.

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