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PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA

Portal Educação

CURSO DE

ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO

Aluno:
EaD - Educação a Distância Portal Educação

AN02FREV001/REV 4.0

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CURSO DE

ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO

MÓDULO I

Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este
Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do
mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são
dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas.

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SUMÁRIO

MÓDULO I
1. INTRODUÇÃO
2. ÉTICA E MORAL
3. ÉTICA E DIRETO
3.1 MORAL E DIREITO
3.2 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ÉTICA E DO DIREITO
3.3 DEFININDO ÉTICA

MÓDULO II
4. ÉTICA E POLÍTICA
5. ÉTICA E DEMOCRACIA
5.1 DEFININDO DEMOCRACIA
5.2 PROBLEMATIZANDO ÉTICA, DEMOCRACIA E DESIGUALDADE SOCIAL
5.3 AS EXPECTATIVAS IRREALISTAS SOBRE A DEMOCRACIA
5.4 UMA PROPOSTA DE DEMOCRACIA MAIS ÉTICA
6 ÉTICA PROFISSIONAL
6.1 A ÉTICA PROFISSIONAL NO SETOR PÚBLICO

MÓDULO III
7. ÉTICA NA HISTÓRIA POLÍTICA BRASILEIRA
7.1 A PRIMEIRA REPÚBLICA
7.2 O PRIMEIRO PERÍODO VARGAS
7.3 A REFORMA DE ESTADO
8. ÉTICA NO SETOR PÚBLICO
8.1 DEFININDO O SETOR PÚBLICO
8.2 A LEI 8.112/1990

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8.3 OS PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO
9. ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO DE MATERIAIS
9.1 A INTRUÇÃO NORMATIVA 04/2009
9.2 INSTRUÇÃO NORMATIVA 03/2008

MÓDULO IV
10. OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
11. DECRETO FEDERAL Nº 1171/94
12. DECRETO FEDERAL Nº 6029/07
12.1 O DECRETO DE 26 DE MAIO DE 1999 E A CEP
12.2 AS COMISSÕES DE ÉTICA
12.3 O CÓDIGO DE CONDUTA DA ALTA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL
13. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MÓDULO I

1 INTRODUÇÃO

Seja bem-vindo ao curso de Ética no Serviço Público!

O tema que vamos discutir aqui é bastante polêmico e demanda reflexão


crítica e conhecimento científico sobre os conceitos que serão estudados para que
não fiquemos no senso comum. Trata-se de uma discussão sobre a ética no âmbito
estatal, no que chamamos de serviço público.

Talvez você esteja se perguntando: diante de tantos escândalos de


corrupção e dá má qualidade das políticas sociais, é possível afirmar que existe
ética no serviço público brasileiro? Será que vivemos uma crise ética no serviço
público?

Provavelmente você esteja pensando que essas perguntas não são difíceis
de responder. Mas há um conjunto de pressupostos teóricos e históricos que
precisam ser levados em conta para respondê-las sem cair no senso comum e no
subjetivismo. É isso que estudaremos nesse curso.

Assim, este curso foi dividido em quatro módulos, que possibilitarão


abordagens distintas sobre a ética. No Módulo I vamos distinguir moral, ética e
direito, mostrando as diferenças inerentes a cada um desses conceitos. Embora
sejam três conceitos que estejam no âmbito normativo, essa normatividade
repercute de maneiras distintas.

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No Módulo II vamos estudar os entrelaçamentos entre ética e política e ética
e democracia. Por meio da leitura desse módulo você vai entender a crise ética da
política brasileira e poderá compreender como a democracia pode se consolidar de
forma ética no País. Também nesse módulo vamos conhecer um pouco dos estudos
da ética aplicada ao mundo do trabalho e ao profissional.

Já no Módulo III, vamos nos focar em entender como ao longo da histórica


política republicana brasileira o fenômeno da ética se apresentou. Somos o
resultado do nosso passado e podemos entender a crise de legitimidade da política
brasileira olhando para esse passado histórico. Ainda nesse módulo, vamos estudar
a ética no serviço público por meio da Lei 8.112/1990; e fecharemos os estudos do
Módulo III com uma análise específica sobre a ética aplicada na administração de
material, focando na legislação sobre isso.

Finalmente, no Módulo IV, este curso vai mostrar como a questão da ética
está alinhada com os princípios constitucionais da Administração Pública.
Apresentaremos cada um deles para compreendê-los de forma aplicada.
Fecharemos nossos estudos com dois decretos fundamentais para entender a ética
no serviço público: o Decreto Federal nº 1171/94 e o Decreto Federal nº 6029/07.

Embora atualmente ética e serviço público pareçam a nós como domínios


tão distintos da vida humana, eles não o são. O Estado e a ética são, ambos,
âmbitos que devem propiciar a convivência pacífica da sociedade.

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2 ÉTICA E MORAL

No senso comum, os conceitos de ética e moral são geralmente


apresentados como sinônimos. E, de fato, ambos são normativos, ou seja,
estabelecem regras para a conduta humana. Mas essa normatividade é diferente. É
fundamental, portanto, que você entenda que não é correto apresentar ética e moral
como se fosse a mesma coisa. Ética e moral são conceitos distintos.

Vamos entender cada um desses conceitos separadamente para,


posteriormente, aplicá-los ao serviço público.

 A moral

O pressuposto mais importante de toda moral é que ela é histórica e cultural.

Afirmar que a moral é histórica significa dizer que ela muda no tempo e que
é distinta em cada sociedade. A moral não é a mesma em uma tribo indígena pré-
colombiana e na sociedade brasileira capitalista do século XXI.

É comum ouvir falar que os indivíduos já nascem com a capacidade de


distinguir entre o bem e o mal, ou seja, pressupõe-se que o indivíduo já nasça com
conhecimentos morais. Mas se o bem e o mal são diferentes em cada sociedade,
como é possível que já tenhamos nascido conhecendo-os?

Não! Não nascemos com padrões morais pré-definidos, conforme explica


Rouanet (2013, p. 64): “Podemos definir como agir moralmente seguir certos
padrões de conduta estabelecidos pela sociedade, internalizados pelo indivíduo e
aceitos por este, de forma autônoma.”

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Veja, portanto, que há dois momentos: o da criação da norma moral pela
sociedade e o momento em que o indivíduo incorpora subjetivamente essa norma.
E, quando o faz, a ressignifica, conforme for seu interesse.

Vamos exemplificar para que você entenda melhor. Hoje a antropofagia –


comer carne humana – é inconcebível. Um ato como esse seria certamente
entendido como imoral. Mas Fernandes (1970) estudou as sociedades tupinambás,
verificando que essa era uma prática rotineira, considerada como perfeitamente
moral.

Podemos também comparar o papel do gênero feminino nas sociedades


ocidentais com as sociedades de religião mulçumana. Enquanto nas primeiras a
mulher independente e autônoma é respeitada e admirada, o mesmo não ocorre em
alguns países árabes, onde elas são elogiadas se submetem ao domínio masculino.

Não há uma moral universal, que seja a mesma no tempo e no espaço,


justamente porque a moral é histórica.

Vaz (2004, p. 227) define história como: “[...] criação e recriação contínuas
no tempo do mundo humano da Cultura”. Assim, para entender a moral como
produto histórico, é também preciso entender a moral como produto da cultura.

A cultura é um conjunto de práticas de determinada sociedade, que incluem


tradições, costumes, regras, religião, Estado, formas de parentesco, língua, entre
outros. Então a forma como você come com garfo e faca é uma regra cultural tanto
quanto a igreja que você frequenta, como a forma como você cria seus filhos. Tudo
isso é determinado pela cultura.

Vaz (2004, p. 218) define o conceito de cultura da seguinte forma:

É sabido que o evento da cultura representa o evento decisivo que, sem


separar o ser humano da natureza, cria um novo e original espaço para o
ser estar-aí no mundo que o envolve. Nesse espaço propriamente humano
vêm exercer-se a criatividade da sua razão e as iniciativas da sua liberdade,
suprassumindo a repetição do tempo na invenção da história.

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Assim, a forma como definidos o correto e o incorreto, bem como todos os
nossos valores, são construções culturais.

Portanto, a moral nada mais é do que um conjunto de ideias culturalmente


produzidas que definem como os seres humanos devem pensar e agir, baseadas
em valores que definem o correto e o errado.

A moral tem, portanto, um componente axiológico. Então vamos definir com


maior clareza o que é esse componente axiológico. Aquilo que é axiológico é algo ao
qual foi atribuído algum valor. Se digo que determinada pessoa é bondosa estou
fazendo um julgamento axiológico sobre ela, atribuindo-lhe um valor. Assim, a moral
é um sistema axiológico: ela atribui valor à forma como nos comportamos e até
como pensamos.

Vamos avaliar essa afirmação: “Aquele homem é imoral e cruel, pois não
deu dinheiro à criança que pedia esmolas na rua esta tarde.”

Perceba que nessa afirmação fica explícito que é considerado moral – ou


seja, correto, justo – ajudar crianças que passam fome e pedem esmolas na rua.
Quando digo que determinado indivíduo é imoral ou cruel por não fazê-lo, estou
utilizando um componente axiológico, atribuindo valores à ação dessa pessoa.

Apesar do meu julgamento axiológico, apesar da sociedade reprovar a ação


do indivíduo que não ajudou a criança que passava fome, ainda assim não há
sanções estatais para a atitude desse homem. Esse homem não será julgado, nem
preso, nem pagará uma indenização por sua atividade. A única sanção que ele
receberá é a reprovação social e, caso posteriormente se arrependa, sentirá culpa.

Isso ocorre porque a moral não tem caráter normativo ou jurídico e, portanto,
não há sanção estatal para comportamentos considerados imorais. A sanção é
exclusivamente subjetiva, da sociedade para com sujeito e do sujeito para com ele
mesmo.

Sobre isso, Faria (2001, p. 31) afirma: “O transgressor de norma moral sofre
a sanção do grupo ou dele próprio, por imposição natural, sem consequência
patrimonial ou de restrição da liberdade”.

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Mas, note que isso não diminui a importância da moral. Pelo contrário, a
moral exerce uma importância sem precedentes na nossa sociedade, promovendo,
inclusive, laços de solidariedade e cooperação.

A moral pode ser entendida a partir do pensamento de Durkheim (2008)


como um fato social. Não vamos entender esse conceito no senso comum, como
“tudo que acontece na sociedade”. Trata-se de um conceito mais complexo,
conforme Durkheim (2008, p. 47). Esses tipos de conduta ou de pensamento não
são apenas exteriores ao indivíduo, são também dotados de um poder imperativo e
coercitivo, em virtude do qual se lhe impõem, quer queira, quer não.

De acordo com Durkheim (2008), o fato social tem três características. Veja
na figura a seguir.

FIGURA 1 - O FATO SOCIAL E SUAS CARACTERÍSTICAS

generalizado • O fato social se impõe a toda a sociedade.

• Antes do nascimento do indivíduo, fato social


exterior já existia e exerce sua força independemente
da vontade ou interesse do indivíduo.

• O fato social é imperativo e, se não cumprido,


coercitivo há sanções de caráter social.

FONTE: DURKHEIM, E; RODRIGUES, J. A. (Org.). Sociologia. São Paulo: Ática, 2008.

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A moral é um fato social porque apresenta essas três características. Para
entender, vamos tomar como exemplo a ação do neto que cuida integralmente do
seu avô bastante idoso e acamado. Na nossa sociedade essa ação é considerada
de grande valor e é altamente moral.

Quando esse neto nasceu, já era considerado adequado que os familiares


cuidassem dos parentes mais velhos e doentes. Não há como, isoladamente, esse
indivíduo mudar esse valor, pois ele é assim para todos. Essa é a generalidade
desse fato social.

Esse mesmo neto não escolheu que sua sociedade considerasse de alto
valor moral o cuidado com parentes mais velhos e doentes. Independentemente de
sua vontade, interesses e preferências, a sociedade vê dessa forma essa situação.
Esse é o caráter de exterioridade dos fatos sociais.

E o que poderia ocorrer se esse neto deixasse seu avô em um asilo, sem
jamais visitá-lo ou sequer telefonar? Ele seria considerado insensível e cruel pela
sociedade! Temos aí o caráter coercitivo do fato social: o julgamento axiológico da
sociedade para com o indivíduo.

Note que a ação de deixar o avô em um asilo não significa que o indivíduo
terá uma sanção legal. A sanção é puramente social.

Vamos fechar o estudo sobre a moral com uma definição bastante coerente
e clara desse conceito. Faria (2001, p. 31):

A norma moral decorre da faculdade de agir, assegurada ao homem para


escolher, entre várias condutas possíveis, a que julgar mais conveniente. A
norma moral, então, parte do interior do indivíduo impondo a ele próprio a
conduta que deve praticar na relação com os outros indivíduos, integrantes
de determinado grupo social. Ela não tem, por isso mesmo, o poder da
coercibilidade, característica da norma jurídica.

Fica claro, portanto, que ética e moral não são sinônimos. Eles não são
conceitos equivalentes. Mas o que diferencia ética e moral?

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Vamos começar entendendo o que a ética e a moral têm em comum. Ambas
são constituídas a partir de um conjunto de valores e normas de conduta definidas
culturalmente. Além disso, ambas são históricas. Mas a diferença acaba aí, pois a
moral possui um componente subjetivo e individual que a ética não tem.

A ética é um pensamento racional sobre a moral. Na ética não há lugar para


os julgamentos de valor que são típicos da moral, pois a ética demanda um
pensamento mais lógico e mais racional. Há um âmbito axiológico na ética, sem
dúvidas, mas ele deve ser justificado racionalmente. No âmbito da moral são
cabíveis argumentos como esse “fazemos isso porque é assim que funciona”. No
âmbito da ética cada regra de comportamento precisa de um argumento racional,
como “o servidor público não deve danificar patrimônio público, pois ele foi
comprado por meio dos tributos arrecadados dos cidadãos”.

Mas não é só essa a diferença. Enquanto a moral apresenta-se generalizada


em toda a sociedade, a ética aplicada institucionaliza-se dentro de organizações
específicas. Por exemplo, há uma ética médica, uma ética da Ordem dos Advogados
do Brasil, uma ética esportiva, uma ética do setor público etc.

Além disso, de maneira geral, a ética materializa-se em códigos escritos,


enquanto a ética mantém-se apenas pela tradição oral. Ou seja, a moral é reforçada
pelas primeiras instituições às quais o indivíduo tem acesso, como família, escola e
igreja. Assim, o processo de sociabilização do indivíduo, desde a infância, é o
momento propício para ensinamentos de ordem moral. Não é assim com a ética.
Cortina e Martinez (2005, p. 9) explicam:

A Ética [...] remonta à reflexão sobre as diferentes morais e as diferentes


maneiras de justificar racionalmente a vida moral, de modo que sua maneira
de orientar a ação é indireta: no máximo, pode indicar qual concepção moral
é mais razoável para que, a partir dela, possa orientar nossos
comportamentos.

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3 ÉTICA E DIREITO

3.1 MORAL E DIREITO

A principal característica do Direito é seu caráter coercitivo. Isso significa


que o descumprimento de alguma norma de Direito leva à imposição de alguma
sanção. Mas note que não se trata de qualquer sanção, não se trata do mero
julgamento axiológico da sociedade, como ocorre no caso do descumprimento de
uma norma moral. No caso do descumprimento de uma norma de Direito, a sanção
é de caráter jurídico e é imposta pelo Estado.

Weber afirma (2000) que o Estado possui o monopólio sobre a violência


legítima. Isso significa que nenhuma outra instituição ou indivíduo pode utilizar da
violência sem sofrer as consequências legais por isso. A autotutela é proibida.

É justamente por meio do monopólio sobre a violência legítima que o Estado


tem a prerrogativa de punir aqueles que violam as normas de Direito imposta por ele
mesmo. E, da mesma forma que o Direito vincula toda a sociedade, vincula também
aqueles que o formularam, ou seja, vincula o próprio governo e legisladores.

No que concerne às normas de caráter moral, não há nada que o Estado


possa fazer contra aqueles que as violaram. Mas o Estado é a constituição por
excelência para punir aqueles que descumprem as normas de Direito. Ele pode
privar de liberdade, obrigar a indenizar e impor diversas outras sanções, utilizando
para isso os trâmites processuais adequados e dando ao réu o direito à ampla
defesa.

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Lembre-se, contudo, que as normas de Direito emanam dos próprios
interesses da sociedade. Por isso, é comum haver certa compatibilidade entre as
normas de Direito e as normas morais. Veja, por exemplo, o Artigo 121 do Código
Penal: “Art. 121. Matar alguém:/Pena – reclusão, de seis a vinte anos.”

Note que essa norma de Direito Penal também é uma norma moral. Nossa
sociedade tem como valor fundamental a preservação da vida humana. Portanto, o
Direito se apropriou de uma regra moral, transformando-a em norma legal.

Veja agora o Artigo 1.513 do Código Civil: “Art. 1.513. É defeso a qualquer
pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela
família.”

Note que esse artigo do nosso Código Civil está protegendo a família contra
ações de terceiros que venham a prejudicá-la. Ora, esse artigo vem proteger uma
das instituições consideradas de mais alto valor moral pela nossa sociedade, que é
a família. Assim, o Direito está protegendo uma instituição que a moral também
protege.

Assim, podemos afirmar que Direito e moral não são sinônimos, mas não
podemos ignorar que a moral sem dúvidas inspira nossos legisladores na
elaboração de nossas leis.

3.2 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ÉTICA E DO DIREITO

O Direito, materializado pelas leis que compõem o ordenamento jurídico,


institucionaliza-se mediante a atividade legislativa dos políticos eleitos para exercer
tal função. Ao final desse processo temos um conjunto de códigos ou leis esparsas,
que permitem a convivência harmoniosa em sociedade. De maneira geral, as leis
vinculam toda a sociedade.

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Não é assim com a ética. Não há, na Constituição, um artigo que define
como os códigos devem ser elaborados. Não há pessoas eleitas pelo voto universal,
em eleições previstas constitucionalmente, que criam regras de comportamento
ético. Isso porque a ética institucionaliza-se de forma diferencia do Direito positivado.

No Brasil, a ética institucionaliza-se em diversas instituições, que com fins


específicos criam seu código de ética. Esses códigos apenas vinculam aquelas
pessoas que, por algum motivo, estão ligadas a essas instituições. Por exemplo, o
Código de Ética do Conselho Federal de Psicologia apenas vincula os psicólogos
inscritos em seus quadros.

Dessa forma, um mesmo indivíduo pode operar dentro de inúmeros sistemas


éticos. Esse indivíduo pode estar submetido dentro do código ético de sua profissão,
de seu partido político, de seu time de futebol. E, assim, ele transita dentro delas e,
conforme afirma Gianotti (1992, p. 241): “[...] um ser humano está sempre
participando de vários sistemas de normas, aceitando uns e rejeitando outros [...]”.

A afirmação de Gianotti (1992) pode ser melhor entendida quando


lembramos que a ética não é Direito e, portanto, não há sanções jurídicas
associadas a ela. Talvez o indivíduo que não cumpra com o Código de Ética de sua
empresa possa ser demitido, mas se a norma é apenas ética não sofrerá punições
estatais.

3.3 DEFININDO ÉTICA

Na figura a seguir apresentamos as principais diferenças entre os conceitos


de moral, Direito e ética. É fundamental conhecer muito bem essa diversidade
conceitual para que possamos passar a análises mais profundas do conceito de
ética.

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FIGURA 2 - CONCEITUANDO MORAL, DIREITO E ÉTICA

MORAL Construída culturalmente. Passa de geração a


geração.
• Conjunto de valores próprios de determinada sociedade. Seguir ou
não as normas éticas é escolha pessoal. A sanção é unicamente da
sociedade sobre o indivíduo e do indivíduo sobre si mesmo.

DIREITO Elaborado por um corpo de indivíduos escolhidos


com o propósito de elaborar as regras de Direito.
• No Brasil, é elaborado pelos poderes representativos (Poderes
Executivo e Legislativo). Tem caráter normativo e estabelece sanções
estatais. O não cumprimento tem consequências para o indivíduo.

ÉTICA Construída culturalmente. Institucionalizada em


organizações sociais.
• É o processo de racionalização da moral. A ética aplicada é a ética
utilizada no serviço público, pois é institucionalizada em Códigos de
Conduta Ética.

FONTE: Adriana Duarte de Souza Carvalho, 2014.

Aprendemos, portanto, que a ética não é moral e que a ética não é Direito.
Então o que é ética? Talvez haja tantas definições de ética quanto o número de
confusões que existem sobre esse conceito. Aqui, vamos estudar algumas
definições, não pretendendo esgotá-las, mas sim apresentar um caminho conceitual.

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A primeira definição que estudaremos é a de Vaz (2004, p. 15-16): “[...] é o
ethos enquanto realidade histórico-cultural manifestada na práxis social e individual
ordenada a fins que são valores nele presentes”.

Vamos verificar os conceitos componentes dessa definição:

1) a ética é um conjunto de hábitos cultuais (ethos);


2) a ética é histórica;
3) a ética é cultural;
4) a ética é prática cotidiana (práxis);
5) a ética tem objetivos;
6) a ética é valorativa.

Veja outra definição a seguir, conforme Comparato (2006, p. 23):

O sistema ético em vigor na sociedade exerce sempre a função de


organizar ou ordenar a sociedade, em vista de uma finalidade geral. Não
existe ordem social desvinculada de um objetivo último, pois é justamente
em função dele que se pode dizer se o grupo humano é ordenado ou
desordenado.

Note que enquanto a definição de Vaz (2004) enfatizava o caráter axiológico


e cultural da ética, a definição de Comparato (2006) privilegia o caráter ordenador da
vida em sociedade da ética.

A aderência da sociedade à ética permite uma convivência


predominantemente pacífica, coesa e equilibrada. Cria-se, inclusive, certa
estabilidade, porque já espera-se que o indivíduo aja de determinado modo. Dentro
das instituições, os códigos de ética possibilitam que seus membros tenham ações
equivalentes diante de determinadas situações.

Há ainda uma concepção de ética que a entende como uma disciplina, que
propiciaria um olhar científico sobre a moral. Assim é o entendimento de Vásquez
(2003, p. 23), que postula:

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A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em
sociedade. Ou seja, é uma ciência de uma forma específica de
comportamento humano [...]. A ética é a ciência da moral, isto é, de uma
esfera do comportamento humano. Não se deve confundir aqui a teoria com
o seu objeto: o mundo moral.

Todas as definições são fundamentais, mas a que mais importa para o


serviço público e para seu entrelaçamento com a ética, é sua definição normativa,
afinal, estamos falando de uma ética intrínseca ao Estado que demanda essa
normatividade para ser legítimo. Assim, veja como Grenz e Smith (2005, p. 64)
definem ética normativa:

Como a palavra norma sugere, a ética normativa é a divisão da ética


filosófica ou ética geral que tem como objetivo a formulação de padrões ou
princípios para a conduta humana, isto é, normas éticas. A ética normativa
estabelece juízos a respeito do que é correto, bom ou obrigatório, e oferece
razões para tais juízos.

Veremos que as normas de conduta ética do serviço público apresentam


alguns dos pressupostos do conceito apresentado: tem o caráter de obrigatoriedade
e são muito bem justificadas.

Outra importante concepção de ética, conforme apresentada por Pinheiro et


al. (2006) dentro do contexto da ética normativa, relaciona-se às prioridades de
escolha individual. Os autores mencionam que a sociedade capitalista e o modelo
neoliberal de política estatal no Brasil hoje coloca os indivíduos frente a uma escolha
fundamental, que é resumem da seguinte forma: Constatamos a valorização dos
bens materiais e da obtenção de recursos financeiros em detrimento de
solidariedade e do respeito ao outro (PINHEIRO et al., 2006, p. 117).

No âmbito do serviço público, a escolha deve ser feita no sentido da


solidariedade democrática, tendo como referências os princípios republicanos, de
participação de todos naquilo que é público. Os autores destacam ainda a
necessidade do acolhimento da diferença, das minorias historicamente
desprivilegiadas.

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Pinheiros et al. (2006) reconhecem ainda que, embora socialmente
construída, a ética acontece na subjetividade humana, como escolhas sobre quais
caminhos seguir, se os caminhos culturalmente justos, bons, solidários e inclusivos
ou caminhos culturalmente injustos, cruéis, indiferentes e exclusivistas.

Essa concepção de ética refere-se às práticas mais humanas de


atendimento ao cidadão, buscando a cordialidade e o respeito. Pinheiros et al.
(2006) afirmam que, contra todo individualismo, a ética propõe o posicionamento a
favor da solidariedade e da avaliação sobre os desdobramentos de todo ato e do
seu impacto sobre a comunidade. Assim, a postura do servidor público deve ser,
conforme afirmam Pinheiros et al. (2006, p.120), baseada em “[...] uma convivência
social mais qualificada em conjunto e com humanizada competência”.

Na figura a seguir sintetizamos as cinco concepções de ética apresentadas


aqui.

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FIGURA 3 - CINCO CONCEITOS DE ÉTICA

• Vaz (2004)
• A ética é uma práxis social em torno de valores.
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• Comparato (2006)
2 • A ética organiza a vida em sociedade.

• Vásquez (2003)
• Ética como ciência da moral.
3

• Grenz e Smith (2005)


• Ética normativa, estabelecendo regras para a conduta humana
4 nas organizações.

• Pinheiro (2006)
• Ética como escolha individual sobre a justiça social e
5 solidariedade.

FONTE: VAZ. H. C. L. Introdução à Ética Filosófica 2. São Paulo: Loyola, 2004.


COMPARATO, F. K. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno.
São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
VÁZQUEZ, A.S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
GRENS, S. J. e SMITH, J.T. Dicionário de Ética. São Paulo: Vida, 2005.
PINHEIRO, P. N. C; MARQUES, M.F. C. e BARROSO, M. G. T. Ética na formação profissional: uma
reflexão. Escola Anna Nery, Abr. 2006, v. 10, n. 1, p. 116-120. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
81452006000100015&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 25 maio 2014.

FIM DO MÓDULO I

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