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A CASA TOMBADA

FACONNECT – FACULDADE CONECTADA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO-SENSU
O LIVRO PARA A INFÂNCIA:
PROCESSOS CONTEMPORÂNEOS DE CRIAÇÃO, CIRCULAÇÃO E MEDIAÇÃO

LITERATURA, FRUIÇÃO, ESCRITA


AS NARRATIVAS COMO CAMINHO PARA INFINITUDE

SHEILA CONTINENTINO ALEGRIA

Trabalho de conclusão do curso de Pós-Graduação Lato Sensu – O


Livro para a Infância: Processos Contemporâneos de Criação,
Circulação e Mediação. Orientadora: Profª: Cristiane Rogerio.

São Paulo
2023
RESUMO:

Este trabalho de conclusão de Curso, conta sobre a idealização de um antigo Projeto, pensado a
partir de vivências pessoais com a morte e o morrer e a minha experiência com a literatura.
Através dele, proponho a leitura e mediação como fruição, para levar à escrita como processo de
infinitude. O decurso de escrita deste Projeto, que intitulo As Narrativas como Processo de
Infinitude, que estava esquecido, adormecido nas gavetas e na memória, foi acontecendo no
decorrer do processo da pós-graduação n’A Casa Tombada - O Livro para a Infância: Processos
Contemporâneos de Criação, Circulação e Mediação. Durante esse percurso, as diversas vozes,
pesquisas, propostas de exercícios, fizeram-no vir à tona e pude resgatá-lo. Permitiu, também, um
olhar mais atento aos livros para a Infância como possível recurso para o resgate de sentimentos,
abrindo possibilidades de relações, emoções, memórias, acreditando que eles são livros para
todas as idades.

Palavras-chave: Biblioterapia; morte; memória; infinitude; livro para a infância; escrita.


In memorian a meus tios Dalva e Sylmário por me apresentarem ao universo dos
livros e por me incentivarem no mundo das palavras; à minha mãe por ser a razão
desta escrita e ao meu avô Alegria pela sua dedicação à literatura.
AGRADECIMENTOS

A Cristiane Rogerio pelo apoio, orientação e tantas palavras de estímulo.

Aos professores deste curso, pelas aulas incríveis e encantadoramente mágicas.

As minhas filhas, Ana Cecília e Clarisse, por torcerem e vibrarem com as minhas conquistas.

A Cristiana Seixas pelas dicas bibliográficas e por torcer pela realização deste Projeto.
SUMÁRIO

Literatura, Fruição, Escrita


As Narrativas como Caminho para Infinitude

1– Introdução: Como Tudo Começou…………………………………………………………….5


Imagens dos livros…………………………………………………………………………….7
Imagens dos poemas…………………………………………………………………………..9
Fotos de família………………………………………………………………………………13
Livro Palavra Vida…………………………………………………………………………...16
2 – O Projeto……………………………………………………………………………………..18
3 – Biblioterapia e Mediação de Leitura…………………………………………………………20
4 – O Critério de Seleção dos Livros…………………………………………………………….22
5 – Resenhas dos livros…………………………………………………………………………..24
6 – A Escrita como Infinitude……………………………………………………………………28
7 - Devir………………………………………………………………………………………….31
Bibliografia…………………………………………………………………………………...32
Literatura, Fruição, Escrita – As Narrativas como Caminho para Infinitude

1 - Introdução:

Como tudo começou:

O meu vínculo com os temas “morte e literatura” estão intimamente ligados em virtude da minha
história de vida, por este motivo, acho relevante trazê-la como parte inicial deste trabalho de conclusão do
curso de pós-graduação O Livro para a Infância: Processos Contemporâneos de Criação, Circulação e
Mediação.
O encanto pelos livros teve início na minha infância. Com a morte da minha mãe, aos 10 anos, fui
morar com meus tios. Donos de uma vasta biblioteca e apaixonados por literatura, meu tio Sylmário e minha
tia Dalva me apresentaram aos grandes “Clássicos”: Conheci Cecília Meireles, Monteiro Lobato, Mark
Twain, Maurice Druon. Mais tarde, Machado de Assis, José de Alencar, Bernardo Guimarães, Aluísio
Azevedo, J.G. de Araújo Jorge, dentre outros. Cresci com todos eles povoando o meu imaginário e foram de
grande auxílio na passagem do meu luto. Encontrei, na literatura, ferramentas de acolhimento e consolo.
Impregnada com essas leituras e incentivada por meus tios, resolvi escrever. Escrevia para exorcizar
os fantasmas da morte, para compreender a vida, para dar sentido à vida. Escrevia, criando uma
comunicação das minhas histórias reais com histórias imaginárias, tecendo uma trama entre o factual e o
fictício, dando asas à imaginação. Na escrita, dá-se corpo a uma ideia, a um sentimento. Faz-se a catarse.
Roland Barthes acredita que “escrever é abalar o sentido do mundo." (BARTHES, 1987, Pág.5). E assim fiz.
Até hoje, a escrita permanece em minha vida. Não com a intenção de mostrar pra alguém, mas, sim, para
falar de mim; para marcar minha presença no mundo; para registrar minha história; para criar memórias;
para ser eterna. E eu não era a única a escrever naquela casa. Meu tio escrevia, era um poeta. Escreveu odes
à vida, ao lugar que ele amava, Iguaba Grande, município do interior fluminense; escreveu poemas de amor
à minha tia e até poemas satíricos, tendo alguns membros da família como inspiração. E o que ele escreveu
ficou eterno. Esses textos foram recolhidos e selecionados por minha tia Dalva, dividindo-os em três livros:
“Fluindo Emoções”; “Aprendiz de Emoções” e “Crítica em Família”. As artes das capas também foram
feitas, artesanalmente, por ela. Nesta mesma época, ela fez o mesmo com os poemas do seu pai, Aldemar
Alegria, meu Vô Alegria, que também escrevia. Então, duas pessoas que tiveram grande importância em
minha vida, foram eternizadas através da literatura. E assim, pude apresentá-los aos meus netos.

5
A partir daí, comecei a pensar sobre o que eu poderia ter conhecido de minha mãe se tivesse algum
registro dela, o mínimo que fosse. O que trago dela, apenas, são pequenos flashes de memórias da infância,
algumas fabricadas pelo inconsciente, creio eu, ou pela enorme vontade de tê-la comigo por mais tempo.
Este foi, então, o ponto de partida, o desejo e a idealização de um projeto literário que chamo de As
Narrativas como Processo de Infinitude -, onde a morte não representa ou não está relacionada a ideia de fim
e sim um resgate de memórias, vivências, narrativas de uma vida, e a infinitude através dela. O local pensado
para a realização deste Projeto é um hospital, em uma ala de cuidados paliativos, onde se lida diariamente
com a morte. Tem a fruição como premissa, processo ativo de produção de sentidos, que se constitui na
relação dinâmica e constante entre o leitor, o texto e o mediador. Implica afeto, imaginação e também
intelecto. Conforme Barthes, o sujeito chega à fruição pela coabitação das linguagens, que trabalham lado
a lado: o texto de prazer é Babel feliz. (BARTHES, 1987, Pág.8) E como resultado, a escrita e a infinitude
através dela. Cada produção, história real ou inventada, prosa ou verso, enfim, será o produto final - um
livro, e que ele seja o lugar de fala, de memória, dos sonhos de muitas pessoas, eternizadas para sempre.
Este Projeto estava adormecido, guardado, esquecido, mas, durante os caminhos trilhados neste curso,
aos poucos, ele veio à tona, e comecei a falar mais sobre ele. Com a experiência da criação do Livro de
Artista1, surgiu um texto, que, assustadoramente, o revelou. Nas palavras de Marilda Castanha2, Luiza
Christov3 e Ângela Castelo Branco4, reconheci o que me impulsionou a escrevê-lo. Enfim… Conforme a fala
de André Neves em nosso penúltimo dia de aula, em dezembro de 2022: “Tem coisas que tem que acontecer
na época que tem que acontecer.”

1
Exercício proposto pela professora Camila Feltre a partir da aula de Edith Derdyk, artista plástica e escritora, em maio de
2022, no Encontro - Entre ser um e ser mil - o objeto livro e suas poéticas. Para saber mais sobre o livro de artista -
http://cargocollective.com/edithderdyk/Livros-de-Artista.
2
“Nós somos narradores, feitos de narrativas. Nós somos fabuladores. Nós somos um registro de memórias. O que a gente
está vivendo aqui agora, amanhã é memória. Nós somos feitos de memórias.”- Módulo 10 - Encontro 5 - 15/06/22 - Modos de
ver - Criação de Imagens, Criação de livros - Metáforas Visuais (ou em busca de uma imagem feita de perguntas.
3
“No escrever você se constrói e desconstrói.” “Você não parte do nada quando você escreve, você tem suas bagagens.”
“Somos seres de pensamento, de linguagem, de dizer.”- Módulo 13 - Encontro 1 - 24/08/22 - A Pesquisa Acadêmica e a Escrita
de Si.
4
Citando um texto de Elias Canetti - A Consciência da Palavra - “Falando sobre a prática de escrever diários - A gente se
engana quando a gente pensa que ela é menos importante porque a gente está escrevendo pra gente mesmo, ninguém vai
ler. A gente se engana, pois estamos em risco com algo muito cruel que é um interlocutor, uma interlocutora muito cruel, que
somos nós mesmos.” - Fez referência a uma frase do filósofo francês Jacques Rancière no livro Políticas da Escrita - “A escrita,
o gesto de colocar alguma coisa no papel liberta o texto. Libera aquilo que foi produzido da tutela da intenção mental. À
medida que a gente coloca palavras num outro suporte, num livro, num papel, a gente já não precisa do corpo referente
daquele que escreveu. E o texto assim, ele pode viajar, pode se proliferar. Ninguém segura a proliferação de um texto que
está escrito.” - Módulo 16 - Encontro 1 - 19/10/22 - Acerca do mal-estar na escrita.

6
Fluindo Emoções - Sylmário - 1997

Aprendiz de Emoções - Sylmário - 1991

7
Crítica em Família - Sylmário - 1992

Antologia Poética - Aldemar Alegria - 1992

8
“Meu farol” - Sylmário - poema dedicado à sua esposa.

9
“Meus Netinhos”- Sylmário - Poema dedicado aos seus netos.

10
“Uma Tarde Sobrinhada” - Sylmário - Poema dedicado aos seus sobrinhos.

11
“Elza” - Aldemar Alegria - Poema dedicado à sua esposa.

12
Arquivo pessoal:(da esquerda para a direita - os adultos) Minha mãe Jaira, tia Kyldia, vovó
Elza, vovô Alegria, tia Dalva e meu pai Antônio. (As crianças) Minha prima Beth, eu, meu
primo Marcos Almir, minha irmã Sônia, minha prima Leila e minha irmã Silma.

13
Arquivo pessoal: Minha mãe, (da esquerda para a direita), eu, minha irmã caçula Silma e irmã
mais velha Sônia.

14
Arquivo pessoal: Vovô Alegria

Arquivo pessoal: Tio Sylmário e tia Dalva

15
Livro de Artista - Palavra Vida - Sheila

16
Carta ao escritor João Anzanello Carrascoza
Contando sobre o exercício do Livro de Artista.

17
2 - O Projeto:

“Houve um tempo em que nosso poder perante a morte era muito pequeno.
E, por isso, os homens e as mulheres dedicavam-se a ouvir a sua voz e
podiam tornar-se sábios na arte de viver”.
Rubem Alves – A Morte como Conselheira

Somos programados para fugir da morte, mas morrer faz parte da vida. Diante de tantas
dúvidas sobre a morte e o morrer, não seriam os saudáveis que pensam mais em como querem morrer
e os doentes em como querem viver? Que questões realmente importam a maioria dos pacientes, se
não as que se referem à vida?
Este Projeto tem como objetivo tornar a escrita veículo para a infinitude humana, aplicando a
biblioterapia como ponto de partida, como mediação, como condutora para acessar as memórias,
como reverberações nas palavras dos livros lidos. E o que simplesmente era texto lido, se transforma
em palavra escrita e esta palavra vem acompanhada de vida, marcando sua existência, tornando-as
eternas, imortalizando o sujeito através de suas produções, num pequeno livro, feito artesanalmente e
entregue às famílias. E essa vida pode se perpetuar através das palavras, através da linguagem.
Toni Morrison, primeira escritora negra a receber o Prêmio Nobel de Literatura em 1993,
compara a língua a um pássaro em nossas mãos: se ele está vivo ou morto, ele estará preso ou livre
para voar, depende de nós.

“O trabalho com as palavras é sublime porque é gerativo; ele produz sentido que
garante a nossa diferença, nossa diferença humana, a maneira como somos como
nenhuma outra vida.” (Discurso de Toni Morrison - prêmio Nobel de Literatura -
1993).

E fala da linguagem como algo que perpetua na nossa vida e que os escritos alçam voos:

“Nós morremos. Esse pode ser o sentido da vida. Mas nós temos a linguagem. Esse
pode ser o compasso das nossas vidas.” (Discurso de Toni Morrison - prêmio Nobel
de Literatura - 1993).

Segundo Elizabeth Kübler-Ross, psiquiatra, ensaísta e escritora, no livro Sobre a Morte e o


Morrer (1998, p. 25), em relação aos doentes em cuidados paliativos diz que podemos ajudá-los a

18
morrer, tentando ajudá-los a viver, em vez de deixar que vegetem de forma desumana. Paciência,
familiares, alimentação poderiam ser substitutos de um frasco de soro intravenoso ministrado pelo
simples fato de atender às necessidades do corpo sem envolver muitas pessoas e/ou cuidados
particulares de enfermagem. Incluo aqui, a biblioterapia e a mediação de leitura como alento e
bem-estar durante este processo.

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3 - Biblioterapia e a Mediação de Leitura:

Biblioterapia é a terapia por meio de livros (OUAKNIN,1996). A palavra deriva do grego,


composta dos termos Biblion e Therapein. Biblion diz respeito à material bibliográfico e de leitura, já
Therapein significa tratamento, cura ou restabelecimento. Terapia é a arte de cuidar. É atitude de
ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento afetivo com o outro (BOFF,1999). Nessa
perspectiva, a biblioterapia é a arte de cuidar por meio das histórias, sejam elas escritas, faladas ou
dramatizadas.
Conforme diz Cristiana Seixas, psicóloga, biblioterapeuta, especialista em danças circulares e
consteladora familiar sistêmica, um encontro biblioterápico é o momento de inteireza e abertura para
desdobramentos e sensações, como se as narrativas ganhassem caixa de ressonância para espalhar
raízes pelo corpo e além dele. Espaço continente, porto de chegadas e partidas. O que torna uma
leitura biblioterápica é sua capacidade de mobilizar o sujeito, ou seja, uma leitura que gere
estranhamento, uma perspectiva ainda não imaginada, que evoque uma emoção. É um provador de
sensações e de efeitos que despertam a sensibilidade do imaginário. A biblioterapia contempla não
apenas a leitura, mas também os comentários que lhe são adicionais. A prática biblioterápica é vivida
no diálogo em torno do texto (OUAKNIN, 1996). Os livros são iscas para esse diálogo, permitindo
que explore pensamentos, desejos, motivações. O que se busca é o resgate das subjetividades, a
verbalização dos medos, lembranças, vivências. Ativa a percepção da energia das palavras. Diz
Bachelard: “Quando nos tornamos hipersensíveis às palavras, veremos que ela constitui uma adesão
a uma amplitude feliz.” (BACHELARD, 2008, pág. 196).
É importante ressaltar que não se trata de qualquer história, de qualquer livro. A questão
fundamental é selecionar o livro, a história, o texto que dialogue com o contexto e o público
envolvido. Os livros são como moradias temporárias, que nos ajudam a reconstruir a casa perdida.
Proporcionam trégua da brutalidade do contexto para construir espaço de intimidade, favorável à
criação de vínculos tanto com os personagens como com os autores.
Inspirada pelas vivências atravessadas e pelas pesquisas, Cristiana Seixas concebe a
biblioterapia como:

20
“Cultivo do sopro vital, em custódia das palavras (escritas ou orais), por meio de
encontros de cuidado para intercambiar narrativas. O processo parte da criação de
espaço para disponibilidade para o outro, com atenção às linguagens, incluindo as
não verbais. Segue na curadoria de trechos de livros, poemas, histórias ou imagens
que possam provocar acolhimento, encantamento, bem-estar, devaneio, desassossego
ou coragem para rupturas e ousadias. O Processo fomenta respiro, oralidade,
diversidade, repertório e autoria. É experiência estética, afetiva, lúdica, reflexiva e
formativa.” (SEIXAS, 2020, pág. 44)

Sobre mediação de leitura, no artigo Possibilidades de Leitura, Leitura como Possibilidades,


Camila Feltre, educadora, doutora em Arte Educação pela UNESP e graduada em Artes Visuais pelas
Belas Artes, discute sobre as relações que se estabelecem durante esses momentos. Segundo a autora,
a relação com a leitura vai se constituindo a partir da maneira como é feito o convite pelo mediador.

“O diálogo é muito importante quando acontece durante uma mediação de leitura.


Afinal, lemos para conhecer uma história, uma forma de pensar, descobrir um
mundo novo, e - por que não? - para refletir sobre o nosso próprio mundo, sobre a
vida.” (FELTRE, 2018, pág.38)

Um livro pode gerar muitas interpretações, dependendo de como a história reverbera em cada
um. O mediador tem a intenção de afetar.

“Para se ter intimidade, não há como se medir o tempo, nem os recursos. Basta uma
leitura atenta e deixar-se afetar pelo que ela te provoca, e, a partir de então, a cada
mediação de leitura (...) a relação entre mediador e livro se afina cada vez mais, de
diferentes e variadas formas. (FELTRE, 2018, pág.39)

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4 - O Critério de Seleção dos Livros:

“Toda aula é um convite ao nó. Reatar o que estava demasiadamente frouxo em nós.”
Angela Castelo Branco Teixeira5

O percurso da pós-graduação n’A Casa Tombada me abriu caminhos e permitiu um olhar


mais atento aos Livros para a Infância. Em cada aula, com professores/autores/colegas, através de
leituras, pesquisas, questionamentos, durante toda essa trajetória, promovendo reflexão e troca de
saberes, propiciou a escolha destes livros como recurso para o resgate de sentimentos, abrindo
possibilidades de relações, emoções, memórias.
No encontro com André Neves, em 07/12/22, o autor diferencia o Livro Infantil do Livro para
a Infância, classificando o Livro Infantil como sendo aquele destinado só para o prazer da criança e
que o leitor adulto nunca o tiraria da estante para sua leitura pessoal. Em contraponto, o Livro para a
Infância são livros para todas as idades, que fazem resgatar memórias, emocionam, sensibilizam.
No livro “Por Uma Literatura sem Adjetivos”, Maria Teresa Andruetto expõe o problema de
se rotular a literatura classificando alguns livros como infantil. Para ela, isso atende mais a uma
necessidade do mercado editorial do que propriamente a experiência com a leitura.

A tendência a considerar a literatura infantil e/ou juvenil basicamente pelo


que tem de infantil ou de juvenil é um perigo, uma vez que parte de ideias
preconcebidas sobre o que é uma criança e um jovem e contribui para formar um
gueto de autores reconhecidos, às vezes até mesmo consagrados, que não têm valor
suficiente para serem lidos por leitores tão somente. Se a obra de um escritor não
coincide com a imagem do infantil ou do juvenil no mercado, das editoras, dos
meios audiovisuais, da escola ou de quem quer que seja, deduz-se (imediatamente)
dessa divergência a inutilidade do escritor para que possa ser oferecido a esse campo
de potenciais leitores. Assim, à literatura para adultos ficam reservados os temas e as
formas que são considerados de seu pertencimento, e a literatura infantil/juvenil é,
com demasiada frequência, relacionada ao funcional e ao utilitário, convertendo o
infantil/juvenil e o funcional em dois aspectos de um mesmo fenômeno.
(ANDRUETTO, 2012, pág. 60 e 61)

5
Frase de Angela Castelo Branco Teixeira - retirada do site d’A Casa Tombada.

22
O grande perigo que espreita a literatura infantil e a literatura juvenil no que
diz respeito a sua categorização como literatura é justamente de se apresentar, a
priori, como infantil ou como juvenil. O que pode haver de “para crianças” ou “para
jovens” numa obra deve ser secundário e vir como acréscimo, porque a dificuldade
de um texto capaz de agradar a leitores crianças ou jovens não provém tanto de sua
adaptabilidade a um destinatário, mas, sobretudo, de sua qualidade, e porque quando
falamos de escrita de qualquer tema ou gênero o substantivo é sempre mais
importante que o adjetivo. De tudo o que tem a ver com a escrita, a especificidade de
destino é o que mais exige um olhar alerta, pois é justamente ali que mais facilmente
se aninham razões morais, políticas e de mercado. (ANDRUETTO, 2012, Pág.61)

Livros, como por exemplo, Guilherme Augusto Araújo Fernandes de Mem Fox e Julie Vivas
com tradução de Gilda de Aquino, da Editora Brinque-Book; A Quatro Mãos de Marilda Castanha,
da Companhia das Letrinhas; Pedro e Lua de Odilon Moraes, pela Editora Jujuba e O Pato, a Morte e
a Tulipa de Wolf Erlbruch com tradução de José Marcos Macedo, pela Companhia das Letrinhas, nos
convidam a habitar outros espaços, a formar moradias provisórias, a restaurar a esperança. Através
dessas páginas, nossas histórias podem ser narradas de maneira indireta. “(...) dentro das letras estão
as vozes. Cada página é uma caixa infinita de vozes. Ao lermos não somos o olho, somos o ouvido.”
(COUTO, 2015, p. 229).
A curadoria funciona como um resgate dos livros e narrativas que, de certa forma,
mobilizaram-me, fizeram sentido em minha vida, afetaram-me, “cuidaram” de mim, e assim, pude
criar intimidade com eles.

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5 - Resenhas:

Guilherme Augusto Araújo Fernandes


De Mem Fox, com ilustrações de Julie Vivas
Tradução de Gilda Aquino
Editora Brinque-Book - 2002

Este livro é um clássico de Mem Fox. Através de uma narrativa poética, a autora conta sobre
a relação de amizade entre um menino e uma senhora, moradora de um asilo que fica ao lado de sua
casa. O menino de nome Guilherme Augusto Araújo Fernandes, que nem era tão velho assim, ajuda
Dona Antônia, a pessoa que ele mais gostava, a recuperar suas memórias. Através de objetos
significativos recolhidos por ele, Dona Antônia é capaz de recontar sua própria história. As
belíssimas ilustrações de Julie Vivas nos emocionam para além do texto. Um livro que fala, de forma
delicada, sobre velhice e memória. Por si só nos convida a recordar nossas próprias histórias.
Remexer em nossas infâncias e memórias. Um livro que me toca, pela relação que tenho com o meu
avô e seu universo com os livros.

24
A Quatro Mãos
Texto e Ilustrações de Marilda Castanha
Editora Companhia das Letrinhas - 2017

Este livro fala sobre o tempo, da vida de um pai e de uma filha. De como a passagem pela
vida se torna mais fácil quando estamos amparados por pessoas que amamos, tornando essa
caminhada segura e carregada de boas memórias. Através das belíssimas ilustrações de Marilda
Castanha, tomamos conhecimento de uma vida simples no campo e da partida de seu pai. Comovente
e poético é impossível lê-lo sem se emocionar e mexer com os nossos mais íntimos sentimentos,
ativando, assim, nossas lembranças e vivências de nossa infância, tornando um facilitador para a
escrita e registro de nós mesmos. Faz reverberar em mim as longas tardes no quintal de casa, dando
milho às galinhas, brincando no chão de terra.

25
Pedro e Lua
De Odilon Moraes
Jujuba Editora - 2004

Esta é a história de um menino, Pedro, cujo nome quer dizer pedra, mas a cabeça vive na lua,
e sua tartaruga, chamada Lua, mas, que parecia uma pedra.
Com um traço simples e genuíno, Odilon Moraes retrata uma história que fala de amizade, saudade,
morte e despedida. A escolha deste livro nos permite tratar de um tema tão difícil, sofrido e
inevitável quanto a morte. A partir da linguagem poética, criada pelo autor, entre texto e imagem, é
possível ressignificar e ter um outro olhar sobre a morte, convidando-nos para falar sobre ela de
forma mais leve.
Editado inicialmente pela Editora Cosac Naify em 2004, recebeu o prêmio de melhor livro de 2005
da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Ganhou nova edição pela Editora Jujuba. Um livro
para todas as idades.

26
O Pato, a Morte e a Tulipa
Texto e Ilustração de Wolf Erlbruch
Editora Companhia das Letrinhas - 2023

Wolf Erlbruch aborda de maneira leve, poética e metafórica um tema tão temido por todos, a morte.
A relação entre o Pato e a Morte apresentada no texto e nas ilustrações sugere que o fim da vida está
por vir, mas, com o diálogo e a relação entre eles, esta vida parece ganhar mais tempo. Apesar de a
Morte ser representada por uma caveira, o autor a retrata com traços ternos, usando como vestimenta
uma túnica xadrez e, ao invés de uma foice, uma tulipa, apresentando uma imagem mais afetuosa e
humanizada da morte. Existe forma mais bela para retratá-la? Não seria essa a maneira mais leve de
falarmos sobre ela, através de uma literatura de qualidade? Sem dúvida, esse livro é um convite à
reflexão. Ao final, a ilustração da Raposa correndo atrás da Lebre, aos pés da Morte, pode constatar
que o ciclo da vida continua.
Este livro teve sua primeira edição lançada pela Editora Cosac & Naify em agosto de 2009.
Relançado, este ano, pela Editora Companhia das Letrinhas.

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6 - A Escrita como Infinitude:

“Todo mundo que aprendeu a ler e a escrever tem uma certa vontade de
escrever. É legítimo: todo ser tem algo a dizer. Mas é preciso mais do que
vontade de escrever. Ângela diz, como milhares de pessoas dizem (e com
razão): “Minha vida é um verdadeiro romance, se eu escrevesse contando
ninguém acreditaria”. É verdade. A vida de cada pessoa é passível de um
aprofundamento doloroso e a vida de cada pessoa é “inacreditável.” O que
devem fazer essas pessoas? O que Ângela faz: escreve sem nenhum
compromisso. Às vezes uma só linha basta para salvar o próprio coração.”
(Clarice Lispector - Um Sopro de Vida)

E para que escrever? Escrever para falar de si; escrever para marcar sua presença no mundo;
para registrar sua história, memórias; para se manter viva; para ser eterno. Cristiana Seixas considera
a escrita como culminância do cuidado biblioterapêutico. “O propósito é contribuir para libertar de
e para. (…) convido à escrita como catarse.” (SEIXAS, pág. 86 - 2022).
A escrita de si não é solitária. Ela está carregada de experiências, vivências, lembranças,
acontecimentos, amores, desventuras, pessoas… Conforme Luiza Helena da Silva Christov, você não
parte de nada quando você escreve, você tem suas bagagens, experiências. Na escrita, você se
constrói e desconstrói. “Narrar é transformar experiências em palavras.” (CHRISTOV, pág. 122 -
2012).
No Módulo 10 - Encontro 5 em 15/06/22 da pós-graduação - Metáforas Visuais (ou em busca
de uma imagem feita de perguntas) a ilustradora mineira Marilda Castanha disse: “Nós somos
narradores feitos de narrativas. Nós somos fabuladores. Somos um registro de memórias. O que
estamos vivendo aqui e agora, amanhã é memória. Nós somos feitos de memórias. Memórias
inventadas.”
Na escrita do Livro A Quatro Mãos, editado pela Editora Companhia das Letrinhas, a autora
faz uma homenagem ao seu pai, transformando o luto em um livro. Em uma entrevista ao Bondelê
em 07/02/20, Marilda fala que através do livro ela pôde lhe dar essa presença continuada na vida.
Eternizá-lo.
No Módulo 16 - Encontro 1 em 19/10/22 - Acerca do Mal Estar na Escrita, Ângela Castelo
Branco, citando Alberto Manguel, escritor argentino, disse que a escrita foi a maior desobediência do

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homem. Algo que ultrapassa tanto o tempo quanto o espaço e é tão perigosa, pois é capaz de
desobedecer a infinitude humana.
As palavras têm força e, através da escrita, há um processo de liberação, para desembaraçar
sentimentos, pensamentos, para expurgar raivas, mágoas e medos. É catarse. “Eu creio no poder das
palavras, na força das palavras, em que fazemos coisas com as palavras e também que as palavras
fazem coisas conosco.” (LARROSA, pág. 152 - 2004).
No ensaio, Falando em Línguas: Uma Carta Para Mulheres Escritoras do Terceiro Mundo,
Gloria Anzaldúa diz que o ato de escrever é um ato de criar alma, é alquimia. É a busca de um eu.
Questionando-se sobre o que a leva a escrever a autora responde para si mesma:

Porque a escrita me salva da complacência que me amedronta. Porque não


tenho escolha. Porque devo manter vivo o espírito de minha revolta e a mim
mesma também. Porque o mundo que crio na escrita compensa o que o
mundo real não me dá. No escrever coloco ordem no mundo, coloco nele uma
alça para poder segurá-lo. Escrevo porque a vida não aplaca meus apetites e
minha fome. Escrevo para registrar o que os outros apagam quando falo, para
reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você. Para me tornar
mais íntima comigo mesma e consigo. Para me descobrir, preservar-me,
construir-me, alcançar autonomia. Para desfazer os mitos de que sou uma
profetisa louca ou uma pobre alma sofredora. Para me convencer de que
tenho valor e que o que tenho para dizer não é um monte de merda. Para
mostrar que eu posso e que eu escreverei, sem me importar com as
advertências contrárias. Escreverei sobre o não dito, sem me importar com o
suspiro de ultraje do censor e da audiência. Finalmente, escrevo porque tenho
medo de escrever, mas tenho um medo maior de não escrever.
(ANZALDÚA, pág. 229 - 2000)

O veículo para a infinitude é a escrita. A escrita como forma de não morrer. Dar forma às
experiências vividas através das palavras, tornando-as eternas, e, assim, como fez minha tia,
imortalizar o sujeito através de um livro, feito artesanalmente e entregue às famílias.
Nessas minhas andanças de pesquisa sobre a escrita, conheci um livro chamado “Todo Mundo
Tem Uma História para Contar”. São histórias de vida que fazem parte do acervo do Museu da
Pessoa, um museu virtual de histórias de vida aberto a toda e qualquer pessoa da sociedade. As
histórias deste livro foram escolhidas de um acervo de mais de 15 mil depoimentos, construído ao
longo de 20 anos. Para apresentar essas histórias, um grupo de cronistas, amigos e apoiadores do
Museu, como por exemplo, Luiz Ruffato, Martha Medeiros, Heloisa Buarque de Hollanda, Eliane
Brum, entre muitos outros, foram convidados a interpretar o universo sugestivo desses personagens

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da vida real. Cada história de vida é, de fato, uma nova janela que abrimos para conhecer o mundo.
Cada pessoa tem seu olhar, sua emoção, sua trajetória, e tem algo para nos ensinar.
Foi através deste livro, que conheci o site do Museu da Pessoa, www.museudapessoa.org.
Além de vídeos com os relatos, textos, escritos pela própria pessoa, contam sua história de vida,
eternizando-os.

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7 - Devir:

“A escrita chega como o vento, é nua, é de tinta, é a escrita, e passa como


nada mais passa na vida, nada mais, exceto ela, a vida.”

(Marguerite Duras, em Escrever - pág.64 - 2021)

Durante muitos anos este Projeto ficou adormecido e sempre me perguntei o porquê de nunca
conseguir escrevê-lo. A possibilidade de colocá-lo em prática já existia, a convite de duas
profissionais do Instituto Nacional do Câncer - INCA, após conhecer a minha proposta - Escreva!,
disseram. E, assim como Thiago de Mello escreveu no poema A Boca da Noite, O que não fiz ficou
vivo pelo avesso. Nas aulas da pós-graduação n’A Casa Tombada com a Profª Luiza Helena da Silva
Christov, doutora em Psicologia da Educação (PUC-SP) e mestre em Educação: História, Política,
Sociedade (PUC-SP) percebi que esse bloqueio partia da dificuldade de escrever um texto técnico
sem revelar os percursos que me motivaram escrevê-lo, sem que eu revelasse os territórios, os chãos
de onde surgiram tais inquietações. E como escrever um Projeto, que é um convite à escrita para falar
de si, a escrita como catarse, para marcar sua presença no mundo, sem estar contaminada de suas
próprias experiências? Tais leituras e discussões sobre o tema foram essenciais para que eu me
permitisse arriscar e conseguisse concluir a escrita do meu projeto.

Toda escrita acadêmica é escrita de si, quando revela os percursos de


sua investigação, quando descreve os territórios, os chãos, de onde surgiram
as questões, a perplexidade que motivou as investigações. Quando revela
dificuldades da experiência de pesquisa, quando expõe as fragilidades diante
dos desafios e as possíveis superações. Quando expõe as surpresas e a
imponderabilidade do real. Toda escrita acadêmica é escrita de si por ser
gesto de um corpo, de uma mão, de um sistema de nervos emocionados. E
toda escrita de si é de muitos, porque um corpo carrega e é carregado pelos
contos herdados, pela língua herdada, por discursos alheios. E toda escrita
acadêmica, quando convida ao conhecimento e comove leitores, é de si para
todos, com todos. (CHRISTOV, Escrita de si e texto acadêmico: potência e
cuidados no convite ao conhecimento).

Com as palavras de João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas: “O que tem que ser,
tem muita força, tem uma força enorme.” E assim, ele ressurgiu. Na fala de cada professor, nas
histórias ouvidas, nos exercícios propostos. E agora, aqui terminado, tenho muita pressa. “Tenho
urgência de tudo o que deixei para amanhã.” (MEDEIROS, M. 1999).

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Bibliografia:

ANZALDÚA, Gloria - Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo.
Revista Estudos feministas. Ano 08. 1 sem/2000. p. 229.
Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/9880/9106
ALVES, Rubem – A Morte como conselheira. IN: CASSORLA, Roosevelt M. S. (Coord.). Da Morte:
Estudos Brasileiros. Campinas: Papirus, 1991. Pg 15
ANDRUETTO, Maria Teresa - Por uma Literatura sem Adjetivos - São Paulo - Editora Pulo do
Gato - 2012
BACHELARD, Gaston. - A Poética do Espaço - São Paulo - Martins Fontes - 2008.
BARTHES, Roland - Rancine - Porto Alegre, RS - L&PM, Série Especial - 1987.
BARTHES, Roland - O Prazer do Texto - São Paulo - Editora Perspectiva - 1987.
BOFF, Leonardo - Saber Cuidar: Ética do Humano - Compaixão pela Terra - Rio de Janeiro -
Editora Vozes - 1999.
CHRISTOV, Luiza Helena Silva (org.) - Narrativas de Educadores: Mistérios, Metáforas e Sentidos
- São Paulo - Porto de Ideias - 2012.
CHRISTOV, Luiza Helena Silva - Escrita de si e texto acadêmico: Potência e cuidados no convite
ao conhecimento.
COUTO, Mia - Mulheres de Cinzas - São Paulo - Companhia das Letras - 2015.
DURAS, Marguerite - Escrever - Tradução de Luciene Guimarães de Oliveira - Belo Horizonte,
MG - Relicário - 2021.
FELTRE, Camila - Possibilidades de Leitura, Leitura como Possibilidade. Belo Horizonte, MG -
Presença Pedagógica- 2018.
KÜBLER-ROSS, Elisabeth - Sobre a Morte e o Morrer. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
LARROSA, Jorge - Linguagem e Educação Depois de Babel - Belo Horizonte - Autêntica - 2004.
LISPECTOR, Clarice - Um Sopro de Vida - Rio de Janeiro - Rocco - Edição Comemorativa - 2020.
MEDEIROS, Martha - Poesia Reunida - Porto Alegre, RS - L&PM - 1999.
MELLO, Thiago de - Poemas Preferidos Pelo Autor e Seus Leitores - Bertrand do Brasil - 2001.
OUAKNIN, Marc-Alain - Biblioterapia - São Paulo - Edições Loyola - 1996.
ROSA, João Guimarães - Grande Sertão: Veredas - São Paulo - Companhia das Letras - 2019.

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SEIXAS, Cristiana - Quintais da Biblioterapia: Experiências na Poética do Cuidado. Niterói, RJ -
Nome Próprio - 2020.
SEIXAS, Cristiana - Biblioterapia - Cais de Sopros Vitais - Niterói, RJ - Cândido - 2022.
TEIXEIRA, Ângela Castelo Branco - Site d’A Casa Tombada - www.acasatombada.com.br
Bondelê #64 apresenta A quatro mãos, mais entrevista com a autora
www.museudapessoa.org.

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