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As estatísticas oficiais e

o interesse público
Carmem Feijó*
Elvio Valente**

Resumo Abstract

O objetivo deste texto é de discutir, no contexto das sociedades The aim of this paper is to discuss special attributes of official
modernas, atributos especiais das estatísticas oficiais e dos statistics and official producers of statistics. Statistics are
produtores oficias de estatística. Estatísticas são convenções understood as social conventions, built up according to a
sociais, construídas a partir de certo modo de se apreender a special way of comprehending social reality. Official statistics
realidade. As estatísticas oficiais são construídas por Sistemas are organized in a National Statistical System, having the State
Estatísticos Nacionais, tendo o Estado como gestor do Sistema. as the administrator of the System. The recognition of the
A aceitação das estatísticas oficiais depende, por sua vez, da official statistics by society depends on the credibility of
credibilidade dos modelos teóricos, da reputação do produtor e theoretical models to which they refer to, the good reputation of
da confiança atribuída pelo usuário. the producer and the trust of the user.

Palavras-chave: estatísticas oficiais, sistema estatístico, Key words: official statistics, statistical system, credibility,
credibilidade, confiança, reputação. trust, reputation.

I believe that having access to official statistics which à revolução na informática e nas telecomunicações,
we can all trust is essential in any healthy society...
têm colocado a informação no centro da atenção em
For official statistics to play [that] role effectively in
democracy we need to have confidence in the figures todo o mundo, em função do papel crucial que o co-
themselves. (Tony Blair, 1999). nhecimento passou a ter como base do desenvolvi-
mento e da hegemonia mundial.
Assim, os principais elementos de agregação de
INTRODUÇÃO: o papel da informação na valor não são mais os fatores tradicionais de produ-
sociedade contemporânea ção (mão-de-obra, matérias-primas ou capital), mas,
sim, o conhecimento. Portanto, a característica bási-
As transformações que se processam no mundo ca do novo paradigma produtivo é a de buscar a cria-
contemporâneo, especialmente aquelas associadas ção de riquezas mais na força da mente do que na
força dos músculos ou na eficiência das máquinas, e
a sua dependência de uma instantânea produção e
* Professora Adjunta da UFF. cfeijo@terra.com.br
** Economista do IBGE e Professor da Universidade Estácio de Sá.
disseminação de dados, informações, conhecimen-
elvio@ibge.gov.br tos, idéias.

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As tecnologias que processam informações afe- deias globais de valor adicionado, baseadas em me-
tam significativamente as sociedades que as utili- nores custos, com maiores especializações.
zam. Por mais de mil anos a Igreja Católica dominou Portanto, a construção e uso das infra-estruturas de
a Europa, através do controle das informações. A in- informações é uma necessidade competitiva. A informa-
venção da imprensa, por Gutenberg, revolucionou o ção reduz a incerteza, é um produto com o qual se fa-
mundo, ao permitir a reprodução mais barata e rápi- zem e se perdem fortunas. Muitos países já possuem a
da dos livros e, logo, o acesso de milhões de pesso- maior parte de sua força de trabalho engajada em ocu-
as às informações; no século XIX, a invenção do pações voltadas principalmente para o processamento
telégrafo viabilizou as transações comerciais entre das informações.
pontos fisicamente distantes; o tele- Vale destacar, ainda, que a impor-
fone veio aperfeiçoar esse processo, No mundo moderno, a tância da informação independe, inclu-
pois a comunicação passou a ser informação, disseminada sive, do grau de presença do Estado
pessoal e imediata; o jornal, o rádio de forma instantânea e na sociedade. Se este se faz mais
e a televisão, foram necessários incontrolável pelos presente, o sistema de informações é
para anunciar os produtos à venda; modernos meios de um importante elemento para orientar
e as máquinas de calcular facilita- comunicação é, antes de e avaliar as medidas de intervenção.
vam as operações econômicas. tudo, fonte de poder e Se prevalecer o liberalismo, o acesso
Mais recentemente, com o compu- riqueza às informações é imprescindível para
tador, multiplicou-se a capacidade de gravar e trans- que os mercados funcionem em sua plenitude. O fato é
mitir informações, conhecimento. que, nas sociedades modernas, a informação se consti-
Nesse novo modelo, a informação assume papel tui, primordialmente, no elemento básico para a tomada
de destaque, dado que é a base para o conhecimen- de decisões.
to. O domínio na produção, tratamento, armazenagem Com esse pano de fundo em mente, discutiremos,
e disseminação de informações (conhecimento), por- neste texto, as características de um tipo especial de in-
tanto, determinarão as potências hegemônicas no fu- formação: as estatísticas oficiais que são produzidas por
turo. No mundo moderno, a informação, disseminada órgãos públicos e que orientam decisões públicas e priva-
de forma instantânea e incontrolável pelos modernos das. Interessa, em particular, discutir quais os atributos
meios de comunicação é, antes de tudo, fonte de que tornam as estatísticas oficiais um produto estatístico
poder e riqueza. especial e quais atributos devem ser considerados quan-
O desenvolvimento e a rápida difusão de novas do se trata da produção de estatísticas oficiais.
tecnologias, baseadas na microeletrônica, em Dividimos este trabalho nas seguintes seções, além
informática e nas telecomunicações, desde o início da desta: na seção 2 discute-se o que seja um sistema ofici-
década de 1980, contribuíram para mudar a dinâmica al de estatísticas; na seção 3 é apresentado um breve
da competição global e também para a aceleração da retrospecto sobre como é organizado institucionalmente
globalização. A interconexão on-line, abrangente e o sistema estatístico brasileiro; na seção 4 são definidos
acessível em qualquer parte do globo, deveu-se ao os conceitos relevantes para o entendimento dos atribu-
notável progresso das telecomunicações via satélite tos das estatísticas oficiais, e que os produtores oficiais
e à avassaladora capacidade de processamento, de estatística devem observar; finalmente, a última seção
armazenamento e transmissão de informações, resume nossas ponderações e apresenta sugestões
viabilizada pela veloz difusão dos equipamentos de para a modernização da institucionalidade do sistema es-
computação, que permite a qualquer pequeno agen- tatístico nacional.
te operar, direta ou indiretamente, nos diversos mer-
cados mundiais. ESTATÍSTICAS OFICIAIS E O SISTEMA
Assim, graças às facilidades de comunicação, ESTATÍSTICO NACIONAL (SEN)
as distâncias estão desaparecendo como fator de li-
mitação nos negócios. As atividades econômicas O levantamento de dados estatísticos para o conheci-
estão sendo relocalizadas e reconfiguradas em ca- mento da realidade socioeconômico-demográfica, para o

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planejamento e para a tomada de decisões, remonta a nômico-social. Cabe, assim, ao serviço nacional de esta-
séculos, sendo a estatística, desde sua origem, uma tísticas, disseminar as informações para a comunidade,
ciência do Estado. Tendo se iniciado com as contagens para ajudá-la a tomar suas próprias decisões e propiciar
populacionais realizadas antes da era cristã, no século oportunidades para iluminar a discussão dos problemas
XVI, ganharam expressão pelas primeiras medidas de ri- nacionais.
queza, voltadas para fins tributários, e para os esforços A despeito do relevante papel das estatísticas oficiais
de guerra. No século XX da era moderna, a intervenção nas sociedades contemporâneas, a sua produção não é
do Estado na economia, com o intuito de amenizar as fundamentada por uma base teórica firme ou por um mo-
flutuações econômicas, bem como para planejar a pró- delo teórico a ser seguido (PLATEK; SARNDAL, 2001, p.
pria economia, levaram a constituição 1-2). Mesmo assim, a construção de
dos sistemas de Contas Nacionais e, Tem sido atribuída aos uma capacidade de produzir sistema-
mais tarde, quando da agudização governos a tarefa de ticamente estatísticas relevantes,
das questões sociais, aos sistemas manter os sistemas atuais, confiáveis, abrangentes e
de indicadores sociais. estatísticos, por ser o comparáveis1 é um desafio presente
De uma maneira geral, tem sido Estado o seu principal para todos os países. Nesse contex-
atribuída aos governos a tarefa de usuário, por ser a to, as instituições envolvidas com a
manter os sistemas estatísticos, por estatística oficial um bem produção de estatísticas devem se
ser o Estado o seu principal usuário, público e porque o custo apoiar em preceitos e procedimentos
por ser a estatística oficial um bem de coletar e compilar que legitimem sua atividade. Esse é o
público e porque o custo de coletar informações estatísticas é sentido dos dez “Princípios Funda-
e compilar informações estatísti- muito alto mentais” (ver Quadro 1) que as Na-
cas é muito alto. ções Unidas estabeleceram em 19942 e que servem de
O desenvolvimento econômico e social, bem como guia para orientar o funcionamento de um Sistema Naci-
as necessidades de melhorar os métodos de planeja- onal de Estatística.
mento e gestão, implicou uma crescente demanda de Pode-se definir o conjunto de práticas e de institui-
estatísticas, ao propiciarem os elementos indispensá- ções envolvidas com a produção e disseminação de es-
veis para a elaboração de programas de desenvolvimento tatísticas como compondo o Sistema Estatístico
socioeconômico, para supervisionar a execução desses Nacional (SEN). Segundo Guimarães (1990), o conceito
programas e para tomar ações corretivas. Além disso, as de SEN envolve duas acepções relacionadas, mas dis-
estatísticas servem para guiar a ação no curto prazo, o tintas:
que é mais explícito no caso da política econômica. Go- A primeira acepção refere-se ao conjunto de informações esta-
vernos modernos requerem grande e crescente montan- tísticas relativas à realidade econômica e social do país,
te de informação para embasar a tomada de decisões no estruturadas segundo regras e critérios próprios. A segunda, de
natureza institucional, refere-se ao conjunto de entidades pro-
dia-a-dia em todos os ramos da política pública.
dutoras de estatísticas e está preocupada com a coordenação
Portanto, um serviço nacional de estatística provê os e articulação entre essas entidades, de forma a garantir uma
políticos e os tomadores de decisões com as informa- atuação eficiente.
ções necessárias para os propósitos de política e plane-
jamento. Elas permitem ao governo saber a posição da O desenvolvimento eficiente de um SEN requer que a
economia e sua tendência, e as características corren- política geral do governo, com respeito às atividades
tes e tendências da situação social. São usadas para
decidir sobre gastos públicos e para alocar fundos fede-
1
Segundo o Human Development Report, de 2000 (UNDP, 2001, p.90), a
rais, para monitorar a economia, para avaliar performance publicação estatística deve: a) ter relevância política; b) ser confiável; c)
de programas, selecionar entre opções de políticas alter- ter credibilidade; d) apresentar medidas consistentes ao longo do tempo;
e) ser possível de ser desagregada para ser representativas do que está
nativas e formar expectativas em relação ao futuro. sendo mensurado; e f) ser planejada para permitir, quando necessário,
A estatística exerce, também, um importante papel que se separe o monitor do monitorado.
2
Em 2004, na sua Conferência anual de Estatística, as Nações Unidas
social e educacional, oferecendo informações (positivas reafirmaram a relevância e a atualidade do Fundamental Principles of
ou negativas) sobre os vários aspectos da realidade eco- Official Statistics.

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básicas – coleta, compilação, disseminação e inter- política de desenvolvimento econômico-industrial, as-


pretação de informação estatística – para todas as sociado aos processos de integração nacional e mo-
estatísticas, estejam regulamentadas por lei. No dernização institucional, resultou na montagem de
caso brasileiro, é a Lei 5.534, de 14/11/1968, regula- órgãos e mecanismos destinados ao controle sobre
mentada pelo Decreto-Lei 73.177, de 20/11/1973, co- as esferas estratégicas da economia e na criação de
nhecida como a Lei do Sigilo, que disciplina a inúmeros órgãos administrativos de caráter regula-
atividade de produção das estatísticas do Instituto dor, atingindo os mais diferentes setores da socieda-
Brasileiro de Geografia e Estatística, órgão oficial de.
produtor de estatística no Brasil. No que se refere ao Sistema Estatístico, a organi-
zação federal contava, até 1930, com a Diretoria Ge-
BREVE HISTÓRICO DA EXPERIÊNCIA ral de Estatística, criada nos tempos do Império e
BRASILEIRA: o papel do IBGE como órgão responsável pelos recenseamentos de 1890, 1900 e
produtor e coordenador da produção estatística 1920. Paralelamente, alguns ministérios mantinham
nacional3 seus serviços próprios de levantamento de informa-
ções e os Estados, principalmente os mais desenvol-
O abrangente processo de centralização que se vidos, dispunham de órgãos mais modernos de
deu no país a partir da década de 30, em função da informação estatística. A partir de 1932, iniciou-se

3
Para uma discussão mais detalhada, ver Valente, 1996.

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um movimento de renovação da estatística nacional, condições de vida da população, gerou não apenas
em termos de ampliação e de modernização do ór- uma maior demanda por informações econômicas e
gão federal. Assim, foram criados o Conselho Brasilei- sociais de natureza estrutural e conjuntural, mas,
ro de Geografia, já com atribuições de coordenação também, a necessidade de desenvolvimento de ins-
dos serviços de estatísticas, em 1933, e o Instituto trumentos mais sofisticados de mensuração da reali-
Nacional de Estatística, em 1934. Finalmente, em dade nacional.
1938, o Instituto Nacional de Estatística foi transfor- Para atender as novas exigências criou-se uma
mado no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti- nova estrutura organizacional, reformularam-se os in-
ca, centralizando, na área federal, a coordenação quéritos e estabeleceram-se interdisciplinaridades en-
dos serviços de informação e estu- tre as equipes de levantamento de
dos de natureza estatística, geográ- A criação do IBGE, em informações (estatísticas primárias)
fica, geodésica e cartográfica, e 1938, refletiu, de forma e de análises e estudos (estatísti-
controlando os serviços estaduais e significativa, o papel que cas derivadas). Abriram-se novas
municipais através de convênios. os levantamentos áreas de trabalho voltadas para o de-
Dessa forma, a criação do IBGE, estatísticos e a pesquisa senvolvimento de sistemas-síntese.
em 1938, refletiu, de forma significati- geográfica poderiam Estabeleceram-se integrações com
va, o papel que os levantamentos es- desempenhar no tocante à novas outras instituições, bem como
tatísticos e a pesquisa geográfica administração do imenso promoveu-se a reflexão conceitual e
poderiam desempenhar no tocante à território brasileiro, em metodológica. Esse movimento im-
administração do imenso território vias de integração plicou a transferência, em 1986, da
brasileiro, em vias de integração. Assim, definiu-se responsabilidade do IBGE em construir as Contas Na-
como prioridade governamental um plano para o terri- cionais, importante decisão para melhoria na produ-
tório nacional, cabendo ao IBGE a tarefa de formulá-lo ção das estatísticas primárias e derivadas.
e executá-lo. Respeitando-se a estrutura administra- A Constituição de 1988 preserva o espírito da lei
tiva federalizada, oriunda do regime anterior, porém que estabelece o Sistema Estatístico Nacional e o
submetendo-a à orientação central, a atuação do IBGE como seu Órgão Central e Coordenador. Com
IBGE foi norteada para o levantamento e sistematiza- efeito, no capítulo II (Da União) em seu Artigo 21, item
ção de um conjunto de informações, a fim de atender XV, estabelece que compete à União organizar e
a administração pública em seus aspectos jurídicos manter os serviços oficiais de estatística de âmbito
(legislação); tributário (impostos, controle orçamen- nacional e, em seu Artigo 22, item XVIII, que também
tário de verbas públicas); pleitos eleitorais e expan- compete à União legislar sobre o Sistema Estatístico.
são de riquezas públicas federais (demarcação de Isso não impede que os estados possam criar e/
terras devolutas pertencentes à União, mensuração ou manter órgãos estatísticos. Na verdade, o Artigo
das riquezas naturais e construção de equipamentos 25, parágrafo 1o, diz que são reservadas aos estados
diversos como estradas, aeroportos, minas e usi- as competências que não lhes são vedadas pela
nas). Constituição, assim como o Artigo 22, parágrafo úni-
No início dos anos 70, quando, sob o regime mili- co, estabelece que uma Lei Complementar poderá
tar-tecnocrático, o Brasil passou por mais um ciclo autorizar os estados a legislar sobre questões “espe-
de industrialização e urbanização, foram exigidos cíficas” das matérias relacionadas no referido artigo.
novos ritmos e rumos na investigação estatística. Mas não são apenas os estados e municípios, por
Assim, o IBGE teve que se renovar tecnicamente, de assumirem, teoricamente, maiores responsabilidades e
maneira a poder fornecer, em tempo hábil, informa- recursos, que podem desempenhar papéis mais desta-
ções confiáveis e concernentes a variáveis e atributos cados, tanto como produtores diretos ou conveniados,
de interesse para a administração do novo quadro quanto como usuários de informações estatísticas. Isso
econômico, demográfico e social. A diversificação da é valido também para os órgãos de estatística dos Mi-
economia brasileira, assim como a evidência do nistérios, bem como para algumas Fundações,
descompasso entre crescimento econômico e as Autarquias, Conselhos, empresas públicas etc.

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QUESTÕES DE ORDEM TEÓRICA, ção; o que pressupõe, portanto, um dado arcabouço


CONCEITUAL E METODOLÓGICA teórico.
Estatísticas são convenções, ou seja, são uma
Nosso objetivo, nesta seção, é trabalhar defini- forma institucionalizada de prover conhecimento so-
ções e conceitos, para avançarmos na identificação bre a realidade e propiciar instrumentos de interven-
dos atributos que tornam as estatísticas oficiais um ção. São instituições sociais, aceitas em função da
produto singular em sociedades modernas e, a sua confiança nesse arcabouço teórico que as infor-
produção, uma atividade com características especi- mam, na manutenção das normas sociais e na re-
ais, pelo impacto que as informações públicas de- putação do órgão produtor.
sempenham nos processos de tomada de decisão Afora isso, normalmente se negligencia o fato de
modernos. que os dados são obtidos com base em informações
ou com base em informantes. Além da presunção de
O que é uma estatística boa-fé do declarante, é necessário que ele seja capaz
de traduzir apropriadamente os conceitos envolvidos.
Em primeiro lugar, deve-se entender o que torna Assim, não pode haver cifras absolutamente exatas:
uma observação quantitativa sobre a realidade, uma elas provêm de observações que, por sua vez, reque-
estatística. Dados que representam os fatos econô- rem observadores e informantes, igualmente falíveis.
micos e sociais, só têm significância, ou seja, só se Muitas vezes o informante se esquiva de fornecer as
transformam em informação, se ordenados, siste- informações: no passado, a fuga diante dos antigos re-
matizados, encaixados em esquemas de classifica- censeamentos provinha de suas conseqüências fis-
ção, em conceitos teóricos ou outros padrões. Só cais e militares; as resistências atuais correspondem
assim, se constituem em base para o conhecimento, a uma proteção da vida privada.
que resulta da submissão das informações a proces- As estatísticas são o resultado da observação,
sos mais refinados de análise para sua transformação sendo a observação um processo de definição do obje-
em afirmações mais gerais, leis etc. Tais conceitos, to. Elas são, assim, como uma aproximação dos dife-
pelos quais se apreende o mundo, são aproximações rentes aspectos da realidade: não refletem a
da realidade. Assim, por trás das informações produzi- realidade, refletem uma certa maneira de perceber a
das se encontra um modelo conceitual, por meio do realidade. Mas a força dos números, numa sociedade
qual a realidade é filtrada. que procura quantificar tudo, pressiona para que se
Portanto, todo levantamento de dados pressu- aceite as estatísticas como realidade.
põe uma codificação prévia (implícita ou explícita), Isso não impede que o uso das estatísticas provo-
ou seja, uma classificação (ou nomenclatura) que que efeitos reais que não se pode ignorar. Os dados
produza um esquema por meio do qual a realidade são obtidos, tratados em diferentes níveis, e utilizados
possa ser percebida e quantificada. para tomar decisões, cujos efeitos modificam os da-
As categorias estatísticas expressam certos “a dos. Estimativas incorretas de população, por exem-
priori” (ou hipóteses) a respeito da realidade econô- plo, implicam distorções na alocação dos recursos
mica, social, cultural etc. Por exemplo: excluir a ati- federais aos municípios (Fundo de Participação dos
vidade doméstica no cálculo do PIB; definir uma Municípios – FPM); índices de preços distorcidos le-
linha de pobreza a partir de certo nível mínimo de vam a políticas de reajustes salariais equivocadas;
rendimento; classificar a população em brancos, dados precários sobre percentual de pobres na popu-
negros e pardos, apenas; definir estado civil segun- lação ocasionam erros na distribuição de recursos
do a tradição (casado, divorciado, solteiro ou viúvo), públicos etc.
desconsiderando outras formas de vínculo estável
sem registro; tipificar os delitos sociais segundo de- A dinâmica das estatísticas oficiais
terminados critérios etc. Portanto, são as leis, as
normas sociais e as hipóteses, entre outros, que É importante ter presente que, toda vez que o
fornecem ao estatístico seus quadros de observa- referencial teórico, conceitual ou a norma social muda,

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ou seja, quando fronteiras bem definidas dão lugar a os questionários e as nomenclaturas. Em nível
situações intermediárias, há que se definir novamente mais formalizado, a Contabilidade Nacional é um
a fronteira, o que implica uma ruptura da série históri- dos campos nos quais o trabalho de harmonização é
ca. Portanto, mudando as regras, as convenções ou, mais avançado e mais completo. Em compensa-
mesmo, somente os procedimentos (estatísticos ou ção, as estatísticas sociais são, ainda hoje, me-
contábeis), modificam-se as condições de registro es- nos estandardizadas que os agregados econômicos
tatístico. Recentemente, por exemplo, a mudança no calculados pelas Contas Nacionais. As proposições
conceito de desemprego, alterou as taxas oficiais de de sistemas de indicadores sociais, elaborados
desemprego divulgadas pelo IBGE. nos anos 70 por diversos organismos internacio-
As transformações que se pro- nais, não tiveram o mesmo suces-
cessam continuamente na realida- Por trás das informações so, devendo-se registrar, no entanto,
de econômica e social colocam, produzidas se encontra os avanços metodológicos obtidos
portanto, permanentemente em um modelo conceitual, por com a construção dos indicado-
cheque pelo menos uma parte das meio do qual a realidade é res sintéticos, como o Índice de
estatísticas. Atualmente, a deman- filtrada Desenvolvimento Humano.
da de informações se torna cada vez mais urgente e A Figura 1 sintetiza, de forma esquemática,
diversificada e sua satisfação mais difícil, porque, por nossas ponderações até aqui. No primeiro quadro
um lado, há uma modificação dos próprios quadros do diagrama temos os fatos que, organizados à
de observação estatística. Muitas categorias tradici- luz de hipóteses teóricas, sobre relações técnicas
onais se tornam fluidas (profissão, domicílio, estado e de comportamento que os conecte, permite
civil etc.), ou seja, a estabilidade conceitual das cate- construir os sistemas de informações estatísti-
gorias não está mais assegurada. Por outro lado, há cas. Essas informações, por sua vez, alimentam
as exigências das políticas públicas. Por exemplo, a os processos de decisão públicas e privadas, têm
questão da cor da população para efeito de cotas nas impacto sobre a realidade. Finalmente, esses pro-
universidades, a definição de pobreza ou subnutrição cessos de transformação da realidade social,
para programas de transferência de renda etc. quando captados pelo sistema de informação, per-
Têm sido grandes os esforços dos estatísticos mitem o avanço da teoria e a forma de se perceber
para harmonizarem internacionalmente os métodos, os fatos.

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Credibilidade e reputação nas estatísticas4 bre o seu uso.


Em suma, a credibilidade de uma estatística, no
A idéia de credibilidade da estatística, na literatura sentido que estamos atribuindo neste texto, não se
econômica, está associada às expectativas dos agen- define no âmbito da produção da estatística, mas no
tes econômicos quanto ao sucesso das medidas de âmbito da discussão teórica. A qualidade da produ-
política. Aqui, considera-se que um requisito importan- ção, por outro lado, depende das práticas dos produto-
te a dar credibilidade a uma estatística, ou seja, o que res de estatística, que irão determinar sua reputação.
influi na sua aceitação como medida de referência à O segundo Princípio Fundamental das Estatísticas
tomada de decisões, é a interpretação que se pode Oficiais, indicado no Quadro 1, sintetiza bem a res-
extrair a partir de um modelo teórico (implícito ou explí- ponsabilidade do produtor oficial.
cito). Assim, os agregados macroeconômicos, por
exemplo, são as referências para a descrição da eco- A confiança nas estatísticas
nomia e têm, como base teórica, o modelo de deman-
da agregada keynesiano. Outro exemplo, tomando por Como a produção de informações estatísticas é
base a teoria microeconômica, são os índices de pre- dominada pelos produtores, seus usuários, normal-
ço, que têm como referência a teoria do consumidor. mente, não têm como verificar diretamente sua qua-
Não estamos sugerindo que toda a estatística seja lidade. O homem comum freqüentemente tem a
uma tradução ideal de conceitos teóricos abstratos, impressão de que as cifras são falsas: em parte por-
mas somente que tão maior é a aceitação de uma es- que não vê adequação entre a estatística e sua rea-
tatística quanto mais consolidada a teoria a qual se re- lidade pessoal e, em parte, porque acredita que o
fere. governo manipula as informações. Muitas críticas
Outro ponto a ser considerado é que a credibilidade às estatísticas provêm de um desconhecimento de
das estatísticas oficiais não deve ser vista indepen- sua natureza, como, por exemplo, de que não repre-
dentemente da imagem pública de quem as produz. sentam as situações individuais, mas a média des-
Assim, a credibilidade das estatísticas oficiais diz sas situações. É preciso agregar os dados individuais
respeito tanto ao seu conteúdo analítico, derivado de para que a informação tenha uma significação, mas
conceitos e modelos teóricos aos quais se refere, ao se fazer isso, a informação torna-se inútil e
quanto à reputação da instituição produtora. inverificável em nível individual.
Há várias implicações práticas dessa distinção Diante do volume e complexidade das estatísti-
entre a credibilidade e a reputação para produtores cas divulgadas, e privado de conhecimento sobre as
oficiais. A principal é que, ao reconhecê-la, delineia- mesmas, o público oscila entre a credulidade e a
se mais claramente a responsabilidade dos produto- desconfiança. Assim, o grau de confiança que os
res da estatística na busca pela imagem de usuários atribuem ao produto acaba sendo uma fun-
qualidade. Essa busca deve observar tanto os con- ção direta de sua confiança no produtor.
ceitos teóricos (aspecto da credibilidade) como os Outra questão a considerar é que a inserção dos
procedimentos a serem seguidos na produção da in- produtores de estatística nas administrações públi-
formação (a observação das “boas práticas” que cas os expõe às pressões oriundas dos contextos
constroem a reputação). Assim, o produtor oficial econômico e social: o problema da confiança se
deve estar em contato com os avanços no âmbito da agrava com as manipulações, reais ou presumíveis.
teoria para saber interpretar os avanços no debate Daí a importância do órgão produtor ter independên-
teórico à luz da produção de informação. Da mesma cia suficiente para resistir a pressões políticas e
forma, seguindo normas de boas práticas, o produtor preservar sua virtude. De fato, a preservação da re-
oficial deve orientar o uso da informação que produz, putação, apoiada na credibilidade das informações
ou seja, dar transparência à forma como a estatística produzidas, exige a independência e a imparcialida-
é produzida, mas não deve influenciar a decisão so- de em relação aos contextos políticos: a informação
divulgada pelo órgão produtor oficial deve ser consi-
4
Para uma discussão mais detalhada, ver Feijó, 2002. derada livre de manipulação. Dessa crença depen-

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de, em parte, o sucesso das ações decorrentes das formam opiniões. Mas as cifras divulgadas são o ex-
decisões de políticas públicas. Reputação é difícil de tremo de toda uma cadeia de procedimentos: no co-
conseguir e fácil de perder, portanto, o rigor intelectu- meço há uma teoria, um conceito, uma norma social;
al e a neutralidade política são valores fundamentais. depois o questionário que fixa o esquema de observa-
Numa sociedade democrática, o serviço público deve ção e, de certa forma, pré-estabelece a resposta; se-
estar a serviço do público e, não, do poder governante: guem-se os condicionantes técnicos, associados à
os órgãos estatísticos devem desenvolver uma ima- própria coleta do dado e ao tratamento da informação
gem de importância pública e de legitimidade. bruta; posteriormente, a seleção feita pelo órgão pro-
Para ganhar a confiança do usuário, o produtor dutor para a publicação; e, finalmente, a escolha,
oficial de estatísticas deve, portan- pela imprensa, de algumas cifras
to, dentre outras coisas, agir com Um Sistema Estatístico que causem impactos. O usuário
profissionalismo, objetividade e Nacional deve ser capaz deve, então, proceder a análise,
consciência de qualidade; explicitar de criar uma para extrair o sentido dos dados
as metodologias e as limitações da institucionalidade para as dos quais dispõe.5
informação; interagir com a acade- estatísticas oficiais, onde Assim, um Sistema Estatístico
mia e procurar convencer o público a interação com o público, Nacional deve ser capaz de criar
leigo da importância da estatística para formar a agenda de uma institucionalidade para as es-
(criação de uma cultura estatísti- pesquisa e torná-la crível, tatísticas oficiais, onde a interação
ca), cultivando os usuários e indo é peça-chave com o público, para formar a agen-
ao encontro de suas necessidades, para satisfazê- da de pesquisa e torná-la crível, é peça-chave. A con-
los mais efetivamente; e esclarecer os comentaris- fiança será construída através de um processo
tas que escrevem regularmente sobre problemas interativo, combinando interesses privados e públi-
econômicos e sociais, refutando os relatos engana- cos. Segundo Locke (Building trust, s/d), “A confiança
dores da mídia, porque é através dela que a maioria pode ser construída através de um processo
das pessoas obtém o grosso de sua informação ge- seqüencial, que mistura elementos de auto-interesse,
ral. intervenção governamental e o desenvolvimento de me-
Na sociedade da informação, onde tudo repercute canismos para auto-governança e monitoramento pe-
muito rápida e amplificadamente, nenhuma informa- los atores”.
ção é inofensiva. Uma vez produzidas, as estatísti- A Figura 2 mostra o esquema das ligações entre os
cas ganham vida própria, circulam pela mídia e conceitos tratados nesta subseção. A confiança é um

5
Para uma discussão mais detalhada, ver Besson, 1992.

BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 15, n. 1, p. 43-54, jun. 2005 51


AS ESTATÍSTICAS OFICIAIS E O INTERESSE PÚBLICO

atributo conquistado a partir da boa reputação dos selecionadas e alguns grandes agregados, dada a
produtores de estatística e da credibilidade das esta- característica de “bem público” importante que se re-
tísticas. veste o conjunto de informações básicas, até porque
o acesso à informação é um direito constitucional.
A TÍTULO DE CONCLUSÃO E SUGESTÕES Com efeito, a Constituição de 1988 estabelece
que “é assegurado a todos o acesso à informação e
Como vimos, no novo paradigma econômico- resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao
tecnológico, a informação é uma variável estratégica, exercício profissional” (Título II – Dos direitos e ga-
dado o seu papel crucial para o conhecimento. Por- rantias fundamentais – Capítulo I – Dos direitos e de-
tanto, a sociedade moderna precisa de informações veres individuais e coletivos – Art. 5 – XIV) e “todos
– e demanda informações a curto prazo – posto que têm direito a receber dos órgãos públicos informa-
a velocidade das mudanças tecnológicas e das es- ções de seu interesse particular, ou de interesse co-
truturas de mercado, impõem a necessidade de to- letivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei,
mada de decisões mais rápidas, resultado do sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas
processo de integração econômica regional e inter- cujo sigilo seja imprescindível à segurança da socie-
nacional (globalização) e da importância da informa- dade e do Estado” (Tit. II, Cap. I, art. 5 – XXXIII).
ção para as novas formas de gestão. Informação estatística, indicadores sociais, esta-
Também, a mudança do papel do Estado (menor tísticas econômicas, dados demográficos e proje-
intervenção na economia e maior ênfase nos meca- ções populacionais, por exemplo, constituem-se
nismos de mercado como alocador de recursos), re- bens públicos, para usufruto coletivo de agentes pú-
forçou a necessidade de informações rápidas. Por blicos, privados, universidades e sociedade civil or-
isso, somou-se, à necessidade de informações para ganizada. Essas informações se prestam a atender
planejamento global e políticas públicas, um cresci- a necessidade coletiva de monitoramento da situa-
mento da demanda por informações mais específi- ção social, econômica e demográfica e contribuir
cas (temática e setorial) para usuários individuais para garantir níveis crescentes de bem-estar à socie-
(cidadãos e empresas) e grupos de interesse diver- dade.
sos, e que estejam disponíveis rapidamente. Assim, Naturalmente, seja para produzir dados estatísti-
de uma atividade basicamente orientada para aten- cos de forma mais periódica e espacialmente mais
der ao governo, os órgãos centrais de estatística desagregados, seja para disponibilizá-los rapidamen-
passaram (sem prejuízo desse objetivo precípuo) a te e a baixo custo, as agências estatísticas precisam
atender, também, as necessidades de orientação de ter garantidos recursos orçamentários suficientes e
uma parcela cada vez maior da população. regulares, recursos esses que são, pela natureza de
Além disso, o crescimento do poder de computa- suas atividades, predominantemente públicos. Por
ção dos cidadãos implicou maior autonomia, a eles, ter que propiciar à sociedade esse tipo de informação
em termos de acesso às redes de comunicações e à básica e por ser ela seu maior consumidor, é que ain-
capacidade de processamento de dados, e na possi- da cabe ao Estado um papel importante no orçamen-
bilidade do uso de informações selecionadas (variá- to dos órgãos nacionais de estatística.
veis básicas), de interesse específico, diminuindo o É necessário, também, se pensar na descentralização
poder de monopólio dos órgãos centrais de estatísti- e/ou na maior cooperação com Ministérios, Secretarias
ca. Nacionais, estados e municípios, reforçando o papel
Por sua vez, o Estado não pode abrir mão da pro- principal de coordenação central do Sistema Estatísti-
dução de um conjunto básico de informações, indis- co Nacional: há que se delegar ao setor público (Esta-
pensáveis às políticas públicas (Contas Nacionais, dos e Ministérios) a produção das estatísticas regionais
planejamento econômico-social, índices de preços e temático-setorial. Com efeito, na produção centrali-
etc.). O Estado terá que manter, ainda, a responsa- zada de informações, o órgão central é coordenador e
bilidade sobre a produção e divulgação – “grátis” – principal produtor; num esquema descentralizado, o
para a sociedade, de algumas variáveis estruturais órgão central é coordenador e a produção é descentra-

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CARMEM FEIJÓ, ELVIO VALENTE

lizada. Enquanto processo, a instituição central de es- BLAIR, T.. Building trust in statistics, the white paper on
statistics. 1999
tatística deve privilegiar ações no sentido de interligar
bases de dados, descentralizar, terceirizar, dissemi- FEIJÓ, C. A.. Estatísticas oficiais: credibilidade, reputação e co-
nar, agilizar, cobrar e coordenar. ordenação. Economia Aplicada. [São Paulo], out./dez, p. 803-
817. 2002.
Assim, uma questão central, que deixamos em
aberto neste texto para futura reflexão, se reporta ao GUIMARÃES, E. A.. Produção de estatística e sistema estatísti-
problema da governança do sistema, vale dizer, entre co. Rio de Janeiro: IBGE, 1990. (Texto para Discussão, n. 26)..

outras coisas, aos mecanismos a serem adotados LOCKE, R. M. Building trust, M.I.T. s/d. (mimeo).
para a definição da agenda de pesquisas, a garantia à
PLATEK, R.; SARNDAL, Carl-Erik.. Can a statistician deliver?
qualidade e à transparência necessária às estatísti- Journal of Official Statistics. Suécia,. v. 17, n. 1, p. 1-20,. 2001.
cas, permitindo o pleno exercício da cidadania. Nesse
UNITED NATIONS. Fundamental Principles of Official Statistics.
aspecto, parece-nos oportuna a criação de uma Co-
Disponível em: <www.un.org>
missão ou Conselho Estatístico, composta por repre-
sentantes do governo e da sociedade civil, que atuaria UNDP.. Human Development Report. Nova York. 2001

como uma agência reguladora. Da mesma forma, uma UNDP.. The Global Research Framework of the Decentralized
Lei de Responsabilidade Estatística, a exemplo da Governance Program. May 1997. Disponível em: <http://
Lei de Responsabilidade Fiscal, propiciaria um instru- mirror.undp.org/magnet/Docs/dec/DECEN923/Casestud.htm>..

mento de controle e cobrança da sociedade aos go- VALENTE, E. Transformações estruturais e sistemas estatísti-
vernos, sobre os assuntos pertinentes às estatísticas cos nacionais. Rio de Janeiro: IBGE, 1996. (Texto para discus-
públicas. Cremos que já é chegada a hora de se são, n. 82).

rediscutir a Lei Estatística atual, vigente há mais de


30 anos.
Embora não exista uma definição inequívoca de
“boa governança”, em geral se põe ênfase em deter-
minados aspectos que refletem valores, princípios,
normas e práticas que colocam o público como ele-
mento central. As características centrais de
governança, como o definido pelo Programa das Na-
ções Unidas para o Desenvolvimento - UNDP
(UNDP, 1997, em anexo) são claramente inter-relaci-
onadas e auto-reforçadoras, não podendo existir in-
dependentemente uma das outras. Por exemplo, a
acessibilidade à informação significa maior transpa-
rência, maior participação e tomada de decisões
mais eficiente. Uma maior participação contribui tan-
to para a troca de informações, necessária para a to-
mada de decisões efetivas, quanto para a legitimação
dessas decisões. Legitimidade, por sua vez, signifi-
ca implementação efetiva e reforço de participação
futura. E as instituições responsáveis devem ser
transparentes e funcionar de acordo com as regras
da lei, se desejam ser justas.

REFERÊNCIAS

BESSON, J. L. (Org.). A ilusão das estatísticas.[São Paulo]: Edi-


tora UNESP, 1992.

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AS ESTATÍSTICAS OFICIAIS E O INTERESSE PÚBLICO

ANEXO Responsabilidade: Tomadores de decisão no governo, no setor


privado e nas organizações da sociedade civil são responsá-
veis perante o público.
Segundo o UNDP (1997), não há uma única definição de boa
governança, mas pode-se indicar uma série de características Visão estratégica: Líderes e público compartilham uma ampla
que refletem valores, princípios, normas e práticas que derivam perspectiva de longo prazo sobre uma boa sociedade, boa
de se colocar a pessoa no centro e em primeiro lugar. governança e desenvolvimento humano, junto com um senso do
que é necessário para tal desenvolvimento.
São características de boa governança:
Legitimidade: A autoridade é legítima em termos do marco legal e
Participação: Todos os homens e mulheres têm voz no processo institucional estabelecido e decisões específicas em termos de
de tomada de decisão, ou de forma direta ou através de institui- critérios institucionais, processos e procedimentos aceitáveis.
ções legítimas que representem seus interesses. Tal participa-
ção ampla é construída baseada na liberdade de associação e Prudência com recursos: Recursos são administrados e empre-
manifestação, assim como nas habilidades de participar de for- gados com vistas a otimizar o bem-estar das pessoas ao longo
ma construtiva. de várias gerações, idealmente em perpetuidade, sem compro-
meter o futuro.
Regra legal: Marcos legais são justos e reforçam a imparcialida-
de, particularmente os direitos humanos, a segurança pública e Segurança ecológica: O meio ambiente é protegido e regenera-
a proteção em nível avançado. do para garantir sustentabilidade e autonomia.

Transparência: Transparência é construída através do fluxo li- Autorização e capacitação: Todos os atores na sociedade são
vre de informação. Processos, instituições e informação são di- permitidos a perseguir objetivos legítimos e ambientes são cria-
retamente acessíveis a todos aqueles envolvidos com eles, e dos para otimizar seu sucesso e a realização do bem-estar de
informação suficiente é fornecida para o entendimento e o todos.
monitoramento deles.
Parcerias: A governança é vista como um sistema global de res-
Receptividade: Instituições e processos servem a todos. ponsabilidade, que não pode ser conduzido efetivamente pelo
governo sozinho, mas envolve mecanismos institucionais e pro-
Orientação consensual: Interesses diferentes são mediados cessos para trabalho de parcerias públicas, privadas e atores
para se alcançar um amplo consenso, no melhor interesse do civis, conduzindo a governança dos negócios em todos os ní-
grupo, da organização, da comunidade ou do país, e, quando veis.
possível, em políticas e procedimentos.
Espacialmente radicado em comunidades: Os múltiplos aspec-
gualdade: Todos os homens e mulheres têm oportunidades para tos dos sistemas humanos, com princípios de auto-determina-
I
melhorar ou manter seu bem-estar e os vulneráveis e os exclu- ção e auto-organização incorporados nos vários níveis, é
ídos são alvo de políticas para prover segurança e bem-estar a reconhecido como a base para a governança, que coloca as
todos. pessoas no centro e as capacita para serem independentes,
aptas a se organizar e gerir, desenvolvendo a autonomia das
Eficácia e eficiência: Processos e instituições produzem resul- comunidades locais.
tados que atingem suas necessidades fazendo o melhor uso
dos recursos.

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