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Epidemiologia

e Serviços de Saúde
REVISTA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE DO BRASIL

| Vol u me 25 - No 3 - julho/setembro de 2016 |


ISSN 1679-4974
ISSN online 2237-9622

A revista Epidemiologia e Serviços de Saúde está disponível gratuitamente


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ISSN online 2237-9622
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Ficha Catalográfica
Epidemiologia e Serviços de Saúde / Secretaria de Vigilância em Saúde. − v. 12, n. 1 (jan./mar. 2003). − Brasília:
Ministério da Saúde, 2003-

Trimestral
ISSN 1679-4974, ISSN online 2237-9622

Continuação de: Informe Epidemiológico do SUS


ISSN 0104-1673

1. Epidemiologia. 2. Serviços de Saúde. I. Secretaria de Vigilância em Saúde.


CDU 616-036.22
Catalogação na fonte – Coordenação-Geral de Documentação e Informação – Editora MS – OS 2016/0495
Sumário
EDITORIAL
451 A magnitude invisível da violência contra a mulher
The invisible magnitude of violence against women
Leila Posenato Garcia

ARTIGO ORIGINAL

455 Método de projeção de indicadores das metas do Plano de Ações Estratégicas para o
Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis no Brasil segundo capitais dos estados e
Distrito Federal
Method for projecting indicators for the goals of the Strategic Action Plan for Tackling Chronic Non-Communicable
Diseases in Brazil according to Capitals and the Federal District
Regina Tomie Ivata Bernal, Deborah Carvalho Malta, Betine Pinto Moehlecke Iser e Rosane Aparecida Monteiro

467 Análise espacial e temporal dos casos de aids no Brasil em 1996-2011: áreas de risco aumentado
ao longo do tempo
Spatial and temporal analysis of Aids cases in Brazil, 1996-2011: increased risk areas over time
Artur Iuri Alves de Sousa e Vitor Laerte Pinto Júnior

477 Tendência da mortalidade por aids segundo características sociodemográficas no Rio Grande do
Sul e em Porto Alegre: 2000-2011
Aids mortality trends according to sociodemographic characteristics in Rio Grande do Sul State and Porto Alegre City,
Brazil: 2000-2011
Ana Paula da Cunha, Marly Marques da Cruz e Raquel Maria Cardoso Torres

487 Descrição dos registros repetidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2008-2009
Description of duplicate records held on the Notifiable Diseases Information System, Brazil, 2008-2009
Sérgio Henrique Almeida da Silva Júnior, Jurema Corrêa da Mota, Raulino Sabino da Silva, Mônica Rodrigues Campos e Joyce Mendes de Andrade Schramm

499 Copa do Mundo FIFA Brasil 2014: vigilância ativa e perfil dos atendimentos de saúde na cidade-
sede de Fortaleza, Ceará
2014 FIFA World Cup Brazil: active surveillance and profile of health care in the host city of Fortaleza, Ceará, Brazil
Márcio Henrique de Oliveira Garcia, Francisco José de Paula Júnior, Jakeline Ribeiro Barbosa, Geziel dos Santos de Sousa, Alexandre José
Mont'Alverne Silva e Lilian Alves Amorim Beltrão

511 Perfil da profilaxia antirrábica humana pré-exposição no estado do Rio Grande do Sul, 2007-2014
Healthcare profile of rabies pre-exposure prophylaxis in the state of Rio Grande do Sul, Brazil, 2007-2014
Roberta Silva Silveira da Mota, Luiz Filipe Damé Schuch, Dóris Gómez Marcos Schuch, Christieli Prestes Osmari e Tássia Gomes Guimarães

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3): jul-set 2016


519 Estudo transversal da letalidade da hantavirose no estado de Goiás, 2007-2013
Cross-sectional study on case fatality rate due to hantavirus infection in Goiás State, Brazil, 2007-2013
Hélio Ranes de Menezes Filho, Marcos Lázaro Moreli, Ana Luiza Lima Sousa e Vivaldo Gomes da Costa

531 Surtos de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010


Yellow fever outbreaks in São Paulo State, Brazil, 2000-2010
Leila Del Castillo Saad e Rita Barradas Barata

541 Tendência temporal da mortalidade por doenças infecciosas intestinais em crianças menores de
cinco anos de idade, no estado de São Paulo, 2000-2012
Time trends in mortality from intestinal infectious diseases among children under five years old, in São Paulo State,
Brazil, 2000-2012
Renata Soares Martins, Maria Bernadete de Paula Eduardo e Andréia de Fátima Nascimento

553 Atraso do diagnóstico da tuberculose em adultos em um município paulista em 2009: estudo transversal
Delay in tuberculosis diagnosis in adults in a city of São Paulo State, Brazil, in 2009: a cross-sectional study
Maria Amélia Zanon Ponce, Anneliese Domingues Wysocki, Tiemi Arakawa, Rubia Laine de Paula Andrade, Silvia Helena Figueiredo Vendramini,
Reinaldo Antônio da Silva Sobrinho, Aline Aparecida Monroe, Antonio Ruffino Netto e Tereza Cristina Scatena Villa

563 Avaliação de estratégia de organização de serviços de saúde para prevenção e controle da


leishmaniose visceral
Evaluation of the organization of health services as a strategy for the prevention and control of visceral leishmaniasis
Miriam Nogueira Barbosa, Eliete Albano Azevedo Guimarães e Zélia Maria Profeta da Luz

575 Caracterização de materiais educativos impressos sobre esquistossomose, utilizados para


educação em saúde em áreas endêmicas no Brasil
Characterization of printed educational materials about schistosomiasis used in health education in endemic areas in Brazil
Cristiano Lara Massara, Felipe Leão Gomes Murta, Martin Johannes Enk, Amanda Domingues de Araújo, Celina Maria Modena e Omar dos Santos Carvalho

585 Painel de Monitoramento Municipal: bases para a construção de um instrumento de gestão dos
serviços de saúde
Municipal Monitoring Panel: Bases for building a health service management tool
Sylvia Christina de Andrade Grimm e Oswaldo Yoshimi Tanaka

595 Avaliação da implantação dos Serviços de Verificação de Óbito em Pernambuco, 2012: estudo de
casos múltiplos
Assessment of Service to verify the cause of death implementation in Pernambuco State, Brazil, 2012: multiple case study
Barbara Araújo Silva de Azevedo, Lygia Carmen de Moraes Vanderlei, Roberto José Vieira de Mello e Paulo Germano de Frias

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3): jul-set 2016


607 Estudo descritivo do perfil das vítimas com ferimentos por projéteis de arma de fogo e dos custos
assistenciais em um hospital da Rede Viva Sentinela
Descriptive study of the profiles of victims of firearm projectile injuries and healthcare costs in a hospital in the Viva
Sentinela Network
Paulo Roberto Maciel, Marta Rovery de Souza e Claci Fátima Weirich Rosso

617 Morbidade materna grave identificada no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único
de Saúde, no estado do Paraná, 2010
Severe maternal morbidity identified in the Hospital Information System of the Brazilian National Health System in
Paraná State, Brazil, 2010
Thaíse Castanho da Silva, Patrícia Louise Rodrigues Varela, Rosana Rosseto de Oliveira e Thais Aidar de Freitas Mathias

ARTIGO DE OPINIÃO

629 Sem bala mágica: cidadania e participação social no controle de Aedes aegypti
No magic bullet: citizenship and social participation in the control of Aedes aegypti
Denise Valle

633 Aleitamento materno e o risco de cárie dentária


Breastfeeding and the risk of dental caries
Bianca Zimmermann Santos, Patrícia Pasquali Dotto e Renata Saraiva Guedes

FERRAMENTAS PARA A GESTÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE

637 Método para estimação de indicadores de mortalidade infantil e baixo peso ao nascer para
municípios do Brasil, 2012
Method for estimating infant mortality and low birth weight indicators for Brazilian municipalities, 2012
Alicia Matijasevich, Juan José Cortez-Escalante, Dacio Rabello Neto, Roberto Men Fernandes e Cesar Gomes Victora

NOTA DE PESQUISA

647 Adesão ao tratamento farmacológico de pacientes hipertensos entre participantes do Programa


Remédio em Casa
Adherence to medication among hypertensive patients participating in the Medicine at Home Program
Samir Nicola Mansour, Camila Nascimento Monteiro e Olinda do Carmo Luiz

655 Fatores associados ao conhecimento sobre a toxoplasmose entre gestantes atendidas na rede
pública de saúde do município de Niterói, Rio de Janeiro, 2013-2015
Factors associated to toxoplasmosis-related knowledge among pregnant women attending public health services in the
municipality of Niterói, Rio de Janeiro, Brazil, 2013-2015
Fernanda Loureiro de Moura, Patrícia Riddell Millar Goulart, Ana Paula Pereira de Moura, Thais Silva de Souza, Ana Beatriz Monteiro Fonseca e
Maria Regina Reis Amendoeira

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AVALIAÇÃO ECONÔMICA

663 Desfechos em estudos de avaliação econômica em saúde


Outcomes in health economic evaluation studies
Marcus Tolentino Silva, Everton Nunes da Silva e Maurício Gomes Pereira

667 ERRATA

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3): jul-set 2016


Editorial
A magnitude invisível da violência contra a mulher
doi: 10.5123/S1679-49742016000300001

The invisible magnitude of violence against women

N o Brasil, os registros de violências revelam, de maneira geral, o predomínio dos homens, tanto como
vítimas, quanto como perpetradores. Em 2013, o risco de morte de homens por agressões foi 11,3 vezes
superior ao das mulheres, e 83,5% do total de internações por agressões no Sistema Único de Saúde
(SUS) foram de homens.1 Na população jovem (20-29 anos), na qual as agressões são a principal causa de
morte (54,6% no período 2000-2012),2 evidenciam-se diferenças marcantes entre os sexos quanto ao perfil
das violências. Estudo realizado com dados do inquérito do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes
(Viva), realizado pelo Ministério da Saúde, em 2011, com jovens vítimas de violências atendidos em serviços
de urgência e emergência do SUS, revelou que os homens foram as principais vítimas (75,1%) e agressores
(83,1% e 69,7% dos casos de violência perpetrada contra vítimas do sexo masculino e feminino, respecti-
vamente). Entre os homens, predominaram agressões em via pública perpetradas por desconhecidos, com
maior proporção de lesões mais graves e óbitos nas primeiras 24 horas. Por seu turno, entre as vítimas do
sexo feminino, predominaram ocorrências no domicílio, perpetradas por companheiros, ex-companheiros,
familiares ou conhecidos.3
O fato é que os homens são as principais vítimas de formas de violência que resultam em maior número de
registros nos sistemas de informação da saúde, da segurança pública e da justiça. Por sua vez, a violência contra
a mulher é caracterizada por sua invisibilidade, tendo em vista que ocorre principalmente no âmbito privado e é,
em grande parte, perpetrada por familiares e conhecidos.3-5 Por estas características, grande parte das ocorrências
não geram atendimentos e não são captadas pelos sistemas de informação, o que resulta em subenumeração dos
eventos, e contribui para reforçar a invisibilidade da violência contra a mulher.
Lamentavelmente, este tipo de violência ganha visibilidade somente quando ocorrem casos extremos, que
demandam ações do Estado, a exemplo dos estupros coletivos ocorridos no estado do Piauí e na cidade do Rio
de Janeiro, entre maio e junho de 2016,6,7e dos feminicídios, crimes tipificados pela Lei nº 13.104/2015.8 A re-
percussão que alguns casos têm na mídia e nas redes sociais, a qual contribui para trazer à tona inúmeros relatos
de casos semelhantes, desvela a falsa impressão de que a violência contra a mulher é um fenômeno de menor
magnitude do que a violência que vitimiza os homens.
As estatísticas sobre estupros são um exemplo do subdimensionamento da magnitude da violência contra a
mulher. Segundo o Anuário de Segurança Pública, em 2014 foram registrados 47.646 estupros no País, com
subnotificação estimada em 35%.9 Por sua vez, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do
Ministério da Saúde, registrou 17.781 atendimentos a mulheres vítimas de estupro em 2015, o que corresponde
a uma média de 49 atendimentos por dia, ou mais de dois por hora. Entretanto, 40% dos municípios brasileiros
ainda não notificavam ao Sinan os atendimentos a vítimas de violências. Além disso, nos municípios onde é realizada
a notificação, nem todas as vítimas de estupro chegam a ser atendidas nos serviços de saúde, e também existe
subnotificação do agravo entre aquelas que são atendidas.10 Supondo que os casos notificados correspondam a
10% das ocorrências, o número estimado de estupros por ano no Brasil seria de aproximadamente 500 por dia,
ou mais de 20 a cada hora. De fato, o número de ocorrências de estupro no Brasil não é conhecido, e muito
embora subestimada, sua magnitude impressiona.
No Brasil, em pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2014), 90% das mulheres
entrevistadas responderam que tinham medo de serem vítimas de agressão sexual.9 Esse temor não é infundado.
O risco de uma mulher ser estuprada no Rio de Janeiro, no período dos Jogos Olímpicos de 2016, foi estimado
em 3,5/10 mil. Este risco é semelhante àquele de um homem ser assassinado por arma de fogo (3,8/10 mil),

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):451-454, jul-set 2016 451


Editorial

maior que o risco de infecção por dengue (5/10 mil) e quase 12 vezes maior que o risco de infecção pelo vírus
Zika (3/100 mil).11-13
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),5 35% das mulheres no mundo já sofreram violência física e/
ou sexual perpetrada por parceiro íntimo ou violência sexual perpetrada por não parceiro. Ou seja, mais de uma
a cada três mulheres no mundo já foi vítima de pelo menos um episódio desses tipos de violência, embora ainda
existam muitas outras formas de violência contra a mulher, que abrangem um amplo espectro, desde a agressão
verbal e outras formas de abuso emocional, passando pela violência física ou sexual, e que tem como expressão
máxima o feminicídio.
É evidente que as estatísticas sobre violência contra a mulher no Brasil revelam somente uma pequena fração
da ocorrência das diversas formas de violência às quais as mulheres são cotidianamente submetidas. Diante
disto, evidencia-se a necessidade de aprimoramento dos sistemas de informação, no sentido de se ampliar sua
cobertura e melhorar sua qualidade. Entre os sistemas gerenciados pelo Ministério da Saúde, destacam-se o
Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de
Saúde (SIH-SUS) e o Sistema Viva. Este sistema foi implantado em 2006 e está estruturado em dois componentes:
(i) o inquérito realizado em serviços sentinela de atendimento de urgência e emergência; e (ii) o componente
de vigilância contínua, incorporado ao Sinan em 2009.14 Cabe ressaltar que todos os casos de violência contra a
mulher são agravos de notificação compulsória ao Sinan. Outros sistemas de informação também merecem ser
explorados e integrados, como aqueles gerenciados pelo Ministério da Previdência; pelo Ministério da Justiça; pelas
Secretarias de Segurança Pública dos estados e do Distrito Federal; pelo Ministério Publico; e pelo Poder Judiciário.
Não obstante a relevância dos dados dos sistemas de informação, estes apresentam limitações. Portanto, in-
quéritos com dados primários, coletados com a utilização de instrumentos validados, também são necessários
para conhecer a realidade da violência contra a mulher.15,16
Os serviços de saúde também têm um papel fundamental na resposta à violência contra as mulheres, pois
muitas vezes são o primeiro local onde as vítimas buscam atendimento. É importante que estes serviços estejam
disponíveis nos dias e períodos de maior ocorrência da violência contra a mulher – finais de semana, noites e
madrugadas – e que os profissionais dos serviços estejam capacitados para o atendimento adequado às vítimas e
a notificação dos casos de violência.4,17-19
A violência contra a mulher é um problema de saúde pública de proporções epidêmicas no Brasil, embora
sua magnitude seja em grande parte invisível. Este problema não pode ser tratado como se fora restrito a alguns
segmentos, uma vez que permeia toda a sociedade brasileira. A prevenção e o enfrentamento da violência contra
a mulher passam necessariamente pela redução das desigualdades de gênero e requerem o engajamento de di-
ferentes setores da sociedade, para se garantir que todas as mulheres e meninas tenham acesso ao direito básico
de viver sem violência.

Leila Posenato Garcia1

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Diretoria de Estudos e Políticas Sociais, Brasília-DF, Brasil
1

452 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):451-454, jul-set 2016


Leila Posenato Garcia

Referências

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Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não
Transmissíveis e Promoção da Saúde. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas.
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6. Sena Y. Polícia apura terceiro estupro coletivo no Piauí em pouco mais de um ano [Internet]. São Paulo: Folha de São
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apura-terceiro-estupro-coletivo-no-piaui-em-pouco-mais-de-um-ano.shtml
7. Paiva G. Garota presta depoimento à polícia após queixa de estupro coletivo no Rio [Internet]. São Paulo: Folha de
São Paulo; 2016 [citado 2016 jun 21]. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/05/1775312-garota-presta-
depoimento-a-policia-apos-queixa-de-estupro-coletivo-no-rio.shtml
8. Brasil. Lei 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -
Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei
no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2015 mar 10; Seção 1:1.
9. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário brasileiro de segurança pública 2015 [Internet]. São Paulo: Fórum
Brasileiro de Segurança Pública; 2015[citado 2016 jun 21]. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/
storage/download//anuario_2015.retificado_.pdf
10. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não
Transmissíveis e Promoção da Saúde. Coordenação Geral de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da
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13. Escobar H. Risco de pegar zika nas Olimpíadas é menor que o de estupro, diz professor da USP [Internet]. São Paulo:
Estadão; 2016 [citado 2016 jun 21]. Disponível em: http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/risco-de-
pegar-zika-nas-olimpiadas-e-menor-que-o-de-estupro-diz-professor-da-usp/
14. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não
Transmissíveis e Promoção da Saúde. Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva): 2009, 2010 e 2011
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Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):451-454, jul-set 2016 453


Editorial

16. Rodrigo MLJ, Pérez IR. Medición de la violencia contra la mujer: catálogo de instrumentos. Granada: Escuela Andaluza
de Salud Publica; 2008. 196 p.
17. Garbin CAS, Rovida TAS, Costa AA, Garbin AJI. Percepção e atitude do cirurgião-dentista servidor público frente à
violência intrafamiliar em 24 municípios do interior do estado São Paulo, 2013-2014. Epidemiol Serv Saude. 2016
jan-mar;25(1):179-86.
18. Kury CMH, Kury MMH, Pereira CCR, Oliveira FA, Oliveira FC, Silva RMH, et al. Implantação de um centro na área das
violências doméstica e sexual em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, 2009-2012. Epidemiol Serv Saude. 2015
out-dez;24(4):771-6.
19. Costa MS, Serafim MLF, Nascimento ARS. Violência contra a mulher: descrição das denúncias em um Centro
de Referência de Atendimento à Mulher de Cajazeiras, Paraíba, 2010 a 2012. Epidemiol Serv Saude. 2015 jul-
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454 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):451-454, jul-set 2016


Artigo
original Método de projeção de indicadores das metas do
Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das
Doenças Crônicas não Transmissíveis no Brasil segundo
capitais dos estados e Distrito Federal
doi: 10.5123/S1679-49742016000300002

Method for projecting indicators for the goals of the Strategic Action Plan for Tackling
Chronic Non-Communicable Diseases in Brazil according to Capitals and the Federal District

Regina Tomie Ivata Bernal1


Deborah Carvalho Malta2
Betine Pinto Moehlecke Iser3
Rosane Aparecida Monteiro4

1
Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, São Paulo-SP, Brasil
2
Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento Materno-Infantil e de Saúde Pública, Belo Horizonte-MG, Brasil
3
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Porto Alegre-RS, Brasil
4
Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto-SP, Brasil

Resumo
Objetivo: descrever o método de projeção dos indicadores de fatores de risco ou proteção do Plano de Ações Estratégicas
para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis no Brasil, nas capitais dos estados e no Distrito Federal, 2012-
2022. Métodos: utilizou-se regressão linear simples para as projeções dos indicadores com dados do Sistema de Vigilância de
Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel). Resultados: na maioria das capitais,
houve crescimento da prevalência de obesidade (variação anual: 0,36%;1,29%), excesso de peso (variação anual: 1,11%;2,00%),
consumo de frutas, legumes e verduras recomendado (variação anual: 1,45%;2,66%) e regular (variação anual 0,45%;1,46%),
decréscimo do tabagismo (variação anual: -1,34%;-0,20%) e estabilidade da inatividade física, consumo abusivo de álcool e
realização de mamografia e do exame de Papanicolau. Conclusão: a maioria das metas foi factível; contudo, são necessárias
ações efetivas, especialmente para enfrentamento do excesso de peso e consumo abusivo de álcool.
Palavras-chave: Doença Crônica; Entrevista por Telefone; Inquéritos Epidemiológicos; Modelos Lineares; Projeções e Predições.

Abstract
Objective: to present the indicators’ projection method of the Strategic Action Plan for Tackling Chronic Non-
Communicable Diseases (NCDs) in Brazilian State capitals and the Federal District, 2012-2022. Methods: simple
linear regression model was used to calculate the indicators’ projections with data from the Surveillance System of Risk
and Protective Factors for Chronic Diseases by Telephone Survey (Vigitel). Results: in most of the capitals, there was
an increase in the prevalence of obesity (annual change: 0.36%;1.29%), overweight (annual change: 1.11%;2.00%),
recommended (annual change: 1.45%;2.66%) and regular (annual change: 0.45%;1.46%) consumption of fruits and
vegetables; smoking presented a decreasing trend (annual change: -1.34%;-0.20%); whereas physical inactivity, heavy
drinking and mammography and Pap smears examinations were stable. Conclusion: most of the goals are possible;
however, effective actions are necessary, especially for tackling overweight and heavy drinking.
Key words: Chronic Disease; Interview; Health Surveys; Linear Models; Forecasting.

Endereço para correspondência:


Regina Tomie Ivata Bernal – Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Departamento de Nutrição, Núcleo de
Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, Av. Dr. Arnaldo, no 715, Cerqueira Cesar, São Paulo-SP, Brasil. CEP: 01246-904
E-mail: rbernal@usp.br

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Método de projeção de indicadores de metas do Plano de DCNT

Introdução Os métodos estatísticos utilizados nas estimativas


dessas metas, a partir de uma série temporal cons-
Entre as doenças crônicas não transmissíveis truída com dados secundários, além de permitirem o
(DCNT), as doenças cardiovasculares, as respiratórias monitoramento das metas pactuadas para as capitais
crônicas, câncer e diabetes representam a maior parte brasileiras, constituem uma ferramenta de apoio ao
da carga de doenças. Tais doenças estão associadas monitoramento de metas pactuadas para outras loca-
aos efeitos negativos da globalização e urbanização lidades, o país e a realidade global.4,5,8
acelerada. Os quatro principais fatores de risco para
DCNT são: comportamento sedentário, tanto nas ati- Com o objetivo de ampliar o
vidades laborais quanto no tempo livre; alimentação comprometimento do Brasil na
com alto teor calórico; tabagismo; e consumo abusivo luta contra as DCNT foi lançado o
de bebidas alcoólicas.1
Reconhecendo o grande impacto das DCNT sobre
Plano de Ações Estratégicas para o
os sistemas de saúde, qualidade de vida individual e Enfrentamento das Doenças Crônicas
coletiva, e o aumento dessas doenças em populações não Transmissíveis (DCNT) no Brasil –
desfavorecidas economicamente (o que aumentaria as 2011-2022.
iniquidades e empobreceria ainda mais os portadores
de DCNT), a Organização das Nações Unidas (ONU) O objetivo deste trabalho foi descrever o método
realizou em setembro de 2011 uma Reunião de Alto de projeção dos indicadores de fatores de risco ou
Nível sobre as DCNT, com a participação de chefes de proteção prioritários do plano para enfrentamento das
Estado.2,3 Naquela reunião, foi produzida uma Declaração DCNT, desagregados por capitais dos estados e Distrito
Política estabelecendo compromissos para os países Federal, no período de 2012 a 2022.
membros enfrentarem as DCNT com ações de prevenção
de seus principais fatores de risco e de garantia de uma Métodos
atenção à saúde adequada. A Organização Mundial da
Saúde (OMS) e seus países membros aprovaram um O monitoramento dos indicadores do Plano de DCNT
Plano de Ação Global, apoiado em um conjunto de e sua avaliação quanto ao cumprimento ou não das
metas e indicadores para o monitoramento dos avanços metas definidas implica a necessidade do emprego de
no enfrentamento às DCNT.4,5 métodos de análise de séries temporais.
No Brasil, as DCNT lideram como causa de mortalidade. Uma série temporal, por definição, é qualquer conjunto de
Elas representaram 72% do total de mortes no ano de observações (Zt) ordenadas no tempo (t).9 A representação
2007, embora tenha ocorrido uma redução de 20% nas gráfica considerada adequada para a série temporal é o
taxas de mortalidade por DCNT entre 1996 e 2007.6,7 gráfico de linhas, quando há interesse em usar a análise
Com o objetivo de ampliar o comprometimento do de séries temporais para identificar os componentes da
Brasil na luta contra as DCNT, após amplo processo série, tais como tendência e sazonalidade e, ainda, fazer
de consulta a diversos setores, Secretarias Municipais previsões de valores futuros ( Ẑ h) em determinado período
e de Estado de Saúde e sociedade civil, o Ministério (no curto, no médio ou no longo prazo).10
da Saúde lançou o Plano de Ações Estratégicas para o Para obtenção de projeções de indicadores, diver-
Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis sos métodos estatísticos podem ser empregados. No
(DCNT) no Brasil – 2011-2022. Este Plano, que define e monitoramento dos indicadores de fatores de risco ou
prioriza ações e investimentos necessários para enfrentar proteção que compõem as metas do plano de DCNT,
e deter as DCNT e seus fatores de risco no prazo de dez optou-se por utilizar a regressão linear simples, tendo
anos,8 apresenta as projeções dos principais indicadores em vista sua simplicidade conceitual e operacional e,
para o monitoramento dessas doenças, com base em consequentemente, seu uso mais amplo pelos pro-
sua série histórica. Em seguida ao plano federal, foram fissionais da vigilância epidemiológica lotados nas
elaborados planos estaduais e específicos das capitais, Secretarias Municipais e de Estado de Saúde.
contendo metas de redução dos fatores de risco para A regressão linear simples é o modelo mais utilizado
DCNT acordes com as séries temporais locais. para identificar a tendência temporal.11 Esse método

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Regina Tomie Ivata Bernal e colaboradoras

consiste em ajustar uma função linear do tempo, por - exame de Papanicolau em mulheres de 25 a 69 anos
um modelo simples e de fácil aplicação, para o cálculo de idade;
das previsões de valores futuros. Esse modelo está - inatividade física (menos de 150 minutos na semana);
disponível em todos os pacotes estatísticos comerciais - excesso de peso (índice de massa corporal [IMC]
(SAS, Stata e SPSS) e nos programas open source Epi maior ou igual a 25);
Info, assim como no módulo de análise de dados do - obesidade (IMC maior ou igual a 30);
aplicativo Excel. - consumo abusivo de álcool (medido pelo percentual
Todavia, cabe ressaltar que a regressão linear simples de indivíduos que, nos últimos 30 dias, consumiram
não deve ser usada como padrão em estudos de series a seguinte dosagem de bebida alcoólica em uma
temporais. O método, na maioria das vezes, não seria mesma ocasião: quatro ou mais doses, para mulheres;
adequado para compensar a autocorrelação serial, cinco ou mais doses, para homens, considerando-se
ainda que fosse feita a centralização da variável tempo. como dose de bebida alcoólica uma dose de bebida
A autocorrelação serial é definida como a dependência destilada, uma lata de cerveja ou uma taça de vinho);
de um valor da série aos demais valores, em diferentes - tabagismo (percentual de adultos que referiram fumar,
pontos no tempo. Para se evitar a correlação serial entre independentemente da frequência e intensidade do
os termos da equação de regressão, recomenda-se em- hábito); e
pregar modelos mais adequados, como modelos lineares - consumo regular (≥5dias/semana) e recomendado
generalizados, modelos autorregressivos integrados de (5 porções ao dia em ≥5 dias/semana) de frutas,
médias móveis (ARIMA) ou o modelo de Prais-Winsten.10 legumes e verduras.
Contudo, esses modelos são mais complexos, requerem Para a compreensão em detalhes do método utiliza-
maior conhecimento estatístico e computacional. do, apresentou-se o procedimento passo a passo para
As series temporais dos indicadores das metas do a construção da série temporal de cada indicador (Zt)
plano de DCNT foram construídas com dados do Sis- extraído do Vigitel, como se encontra no anexo da versão
tema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para eletrônica deste artigo (disponível no portal SciELO).
Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel).12 O referido anexo descreve a utilização do método de
Utilizaram-se dados referentes ao período de 2006 a regressão linear da saída no programa Excel, buscando
2011, para calcular as projeções sobre a população chamar a atenção do leitor para a interpretação e utilização
com 18 e mais anos de idade, residente nas capitais de cada resultado da saída, seja no Excel, seja em outro
dos estados brasileiros e no Distrito Federal durante pacote estatístico. Cumpre advertir: dada a facilidade
o período de vigência do Plano, ou seja, a década de de processar dados e obter resultados, é possível que o
2012 a 2022. usuário cometa erros estatísticos ao desprezar ou não
O Vigitel utiliza amostras probabilísticas da população considerar alguns resultados relevantes.
estudada a partir do cadastro das linhas de telefone fixo Após a construção da serie temporal, deve ser
residencial das cidades. As estimativas das prevalên- feita a modelagem da série (Zt) para identificar seu
cias dos indicadores foram obtidas mediante uso dos comportamento, ou tendência. Neste estudo, foi ado-
pesos de pós-estratificação, com o objetivo de corrigir tado o modelo de regressão linear simples dado pela
as estimativas para a população adulta residente nas seguinte expressão:
capitais. Todos os anos, o Vigitel disponibiliza dados
Zt= α+β*t+at
para a composição de indicadores de monitoramento
do Plano de DCNT.13 Cabe esclarecer que o Vigitel utiliza Sendo:
a técnica “hot deck” para imputar os dados faltantes Zt = valor da prevalência no tempo t
de peso e altura (para maiores detalhes, consultar o α = intercepto
relatório do Vigitel).13 β = coeficiente angular, também conhecido como
Foram construídas as series temporais dos seguin- coeficiente de regressão.
tes indicadores, com o auxilio do software Microsoft t = variação temporal de 2006 a 2011
Excel 2010: at = resíduo (que detecta erro aleatório)
- mamografia em mulheres de 50 a 69 anos de idade Quando o coeficiente de regressão é positivo e o p-valor
nos últimos 2 anos; é ≤0,05, significa que há tendência de aumento; quando

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Método de projeção de indicadores de metas do Plano de DCNT

é negativo e p≤0,05, a tendência é de declínio; e quando O estudo utilizou apenas dados secundários, sem
é igual a zero, indica estabilidade da série (p>0,05). identificação dos sujeitos, e foi realizado em confor-
Para avaliar a adequação do modelo, foram rea- midade com os princípios éticos da Resolução do
lizados os seguintes testes estatísticos: Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de
- Análise de variância (ANOVA) dezembro de 2012.
Detecta se a função ajustada pelo modelo linear (Zt=
α+β*t+at) diminui a variância residual, quando com- Resultados
parada a um modelo simples (Zt= µ+at), no qual se
testa a hipótese de que Ho: β=0 (ou seja, a hipótese Os resultados do modelo de regressão linear usados
de que não existe variação deve apresentar valor igual para identificar a tendência de cada indicador em cada
a zero; valores negativos ou positivos demonstram capital são apresentados na Tabela 1. Observa-se que a
tendência de não estabilidade do indicador), com nível série temporal da cobertura de mamografia realizada
de significância de 5%. SQregressão nos últimos dois anos, entre as mulheres de 50 a 69
- Calculo do coeficiente de determinação ( SQtotal ) anos de idade, em algumas capitais (Belém, Curitiba,
Mede a força da correlação entre o indicador e o tempo. Goiânia, Palmas, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo),
- Análise de resíduos mostrou tendência crescente, embora a maioria das
Expressa pela diferença entre a prevalência real (Zt) capitais apresentasse estabilidade para esse indicador. A
e ajustada ( Ẑ t), indicando a qualidade do ajuste: os série temporal de exame de Papanicolau em mulheres
resíduos padronizados entre -2 e 2 revelam que não há de 25 a 69 anos de idade manteve-se estável em todas
presença de valores atípicos, com poder de subestimar as capitais. A maioria das capitais apresentou tendência
ou superestimar a tendência. crescente nos dois indicadores de consumo de frutas,
- p-valor dos coeficientes legumes e verduras: recomendado e regular. Quanto à
α (intercepto ou interseção) e β (coeficiente de regressão). prevalência de tabagismo, houve tendência decrescente
Os critérios adotados foram nível de significância da na maioria das capitais. Já os indicadores de obesidade
ANOVA menor que 5% e R2 maior ou igual a 70%, para e excesso de peso apresentaram tendência crescente,
considerar a tendência da série significativa. O pressuposto em todas as capitais. Os indicadores de inatividade
da projeção a partir da análise de séries temporais é de física e consumo abusivo de álcool foram estáveis, na
que o que aconteceu no passado se repetirá no futuro.11 maioria das capitais; São Luís e São Paulo destacaram-se
Foram definidas metas de redução ou aumento, por uma tendência decrescente na inatividade física; e
conforme o indicador pactuado, em função do Plano de especialmente em São Paulo, observou-se tendência
Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças de aumento do consumo abusivo de álcool (Tabela 1).
Crônicas não Transmissíveis no Brasil – 2011-20228 e do As Tabelas 2 e 3 apresentam os valores projetados
Plano de Ação Global.5 As metas pactuadas nacionalmente de acordo com o modelo ajustado para os fatores de
para 2022 foram: risco prioritários e a variação, em percentuais, para
a) alcançar 70% de cobertura para mamografia e 85% se atingir a meta de 2022. Em João Pessoa e Macapá, a
para exame de Papanicolau; continuar a tendência decrescente de fumantes observada
b) reduzir em 10% a inatividade física; no período analisado, no ano de 2022, a prevalência
c) estabilizar a obesidade e o excesso de peso nos será reduzida para 6,7% e 6,6%, respectivamente. Com
níveis de 2010; exceção de Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Porto
d) reduzir em 10% o consumo abusivo do álcool; Velho e São Paulo, as demais capitais apresentaram
e) reduzir em 30% o tabagismo; e tendência de redução da prevalência de fumantes
f) aumentar em 10% o consumo regular e recomendado para menos de 10% até 2022. Curitiba necessita uma
de frutas, legumes e verduras.8 redução de 0,51% ao ano, Porto Alegre 0,61% ao ano
Os indicadores com tendência significativa tiveram seus e São Paulo 0,54% ao ano. Para o excesso de peso, os
valores projetados de acordo com o modelo ajustado; valores apresentados em 2011, em todas as capitais,
caso contrário, foram calculados os percentuais de incre- ficaram bem acima da meta estabelecida para 2022,
mento ou decréscimo médio anual por capital e Distrito com necessidade de uma redução da ordem de 0,16 a
Federal, a fim de atingir a meta estabelecida para 2022. 0,66% ao ano. Para deter o crescimento da prevalência

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Tabela 1 – Tendências dos indicadores (β)a do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) e níveis descritivos
(p-valor) estimados pelo modelo de regressão linear simples, por capital de estado e Distrito Federal, Brasil, 2012-2022

Indicador
Capital Medida Exame de a FLV c
Mamografia Inatividade física Obesidade Excesso de peso b Álcool Abusivo Fumante FLV c regular
Papanicolau recomendado
Tendência 1,56 -0,29 -0,94 0,75 1,53 0,50 -0,60 1,50 0,66
Aracaju
p-valor 0,18 0,70 0,31 0,01 d <0,01 d 0,28 0,06 0,18 0,09
Tendência 2,83 -0,05 0,12 0,36 1,43 -0,08 -0,92 1,54 1,24
Belém
p-valor 0,02 d 0,93 0,72 0,02 d <0,01 d 0,85 0,01 d 0,02 d 0,01 d
Tendência 0,97 0,40 0,20 0,64 1,24 0,26 -0,43 2,58 1,21
Belo Horizonte
p-valor 0,12 0,35 0,58 <0,01 d <0,01 d 0,42 0,06 0,02 d 0,01 d
Tendência 2,89 -0,24 -0,74 0,62 1,18 -0,10 -1,22 1,98 1,89
Boa Vista
p-valor 0,05 0,62 0,27 0,01 d <0,01 d 0,83 <0,01 d 0,06 <0,01 d
Tendência 0,35 -0,17 0,41 0,87 1,65 0,10 -0,62 1,97 1,01
Campo Grande
p-valor 0,47 0,59 0,62 <0,01 d <0,01 d 0,83 0,04 d 0,03 d 0,02 d
Tendência 0,48 -0,22 -0,52 1,29 1,29 0,27 -0,51 2,14 1,46
Cuiabá
p-valor 0,41 0,21 0,15 <0,01 d 0,00 d 0,11 0,05 0,03 d 0,01 d
Tendência 1,71 0,09 0,07 0,71 1,36 0,27 -0,74 2,09 0,77
Curitiba
p-valor 0,01 d 0,79 0,87 <0,01 d <0,01 d 0,18 0,07 0,04 d 0,03 d
Tendência 0,49 <0,01 -0,48 0,84 1,11 0,43 -0,75 2,55 0,48
Florianópolis
p-valor 0,09 1,00 0,19 <0,01 d <0,01 d 0,22 0,04 d 0,05 d 0,23
Tendência 2,52 0,26 0,30 0,99 1,67 -0,07 -1,13 1,47 0,26
Fortaleza
p-valor 0,05 0,67 0,06 <0,01 d <0,01 d 0,80 0,01 d 0,04 d 0,36
Tendência 0,81 -0,53 -1,12 0,76 1,51 0,31 -0,55 1,89 1,09
Goiânia

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):455-466, jul-set 2016


p-valor <0,01 d 0,07 0,05 <0,01 d <0,01 d 0,22 0,01 d 0,01 d 0,00 d
Tendência 0,43 0,45 -0,54 0,69 1,22 0,02 -0,69 1,69 1,09
João Pessoa
p-valor 0,52 0,51 0,58 0,03 d <0,01 d 0,94 0,03 a,d 0,13 0,03 d
Tendência 2,32 -0,75 -0,37 0,62 1,57 -0,09 -1,34 1,26 1,15
Macapá
p-valor 0,16 0,35 0,66 <0,01 d <0,01 d 0,79 0,01 d 0,07 0,05
Tendência 0,34 0,21 -1,04 0,99 2,00 0,25 -0,78 1,86 1,03
Maceió
p-valor 0,25 0,84 0,08 <0,01 d <0,01 d 0,38 0,02 d 0,06 0,03 d
Continua

459
Regina Tomie Ivata Bernal e colaboradoras
Tabela 1 –Continuação

460
Indicador
Capital Medida Exame de FLV c
Mamografia Inatividade física Obesidade a Excesso de peso b Álcool Abusivo Fumante FLV c regular
Papanicolau recomendado
Tendência 1,05 -0,68 -0,20 0,94 1,59 -0,48 -0,85 1,33 0,88
Manaus
p-valor 0,09 0,29 0,83 <0,01 d <0,01 d 0,17 0,01 d 0,09 0,04 d
Tendência 0,79 -0,66 -0,37 0,87 1,45 0,26 -0,64 2,19 0,86
Natal
p-valor 0,34 0,23 0,45 0,02 d <0,01 d 0,37 <0,01 d 0,05 d 0,07
Tendência 3,44 -0,03 -0,42 1,07 1,59 0,25 -0,56 2,66 1,42
Palmas
p-valor 0,02 d 0,93 0,53 <0,01 d <0,01 d 0,31 0,02 d 0,02 d 0,03 d
Tendência 0,47 -0,08 0,33 0,83 1,25 0,20 -0,20 1,62 -0,13
Porto Alegre
p-valor 0,21 0,86 0,11 <0,01 d <0,01 d 0,50 0,40 0,04 d 0,73
Tendência 0,73 -0,26 -0,19 0,67 1,62 0,30 -0,83 1,45 0,77
Porto Velho
p-valor 0,47 0,58 0,63 0,02 d <0,01 d 0,20 0,04 d 0,05 d 0,07
Tendência 0,94 -0,42 -0,30 0,80 1,32 0,12 -0,45 1,42 1,08
Recife
p-valor 0,14 0,30 0,55 <0,01 d <0,01 d 0,75 0,11 0,20 0,14
Tendência 1,15 0,72 -0,59 0,94 1,51 -0,40 -0,79 1,58 1,53
Método de projeção de indicadores de metas do Plano de DCNT

Rio Branco
p-valor 0,16 0,10 0,45 <0,01 d <0,01 d 0,06 0,07 0,02 d <0,01 d
Tendência 1,48 -0,07 -1,38 1,08 1,00 0,14 -0,46 1,18 0,45
Rio de Janeiro
p-valor 0,04 d 0,86 0,25 <0,01 d <0,01 d 0,59 0,05 0,08 0,02 d
Tendência 0,99 -0,63 0,02 0,37 0,98 0,72 -0,57 1,18 0,39
Salvador
p-valor 0,04 d 0,21 0,96 0,02 d <0,01 d 0,05 0,01 d 0,15 0,34
Tendência 1,29 -0,65 -1,57 0,60 1,15 0,13 -0,60 1,13 0,37
São Luís
p-valor 0,14 0,20 0,01 d <0,01 d <0,01 d 0,71 0,04 d 0,06 0,17
Tendência 1,33 0,18 -0,73 0,86 1,24 0,75 -0,29 1,46 0,43
São Paulo
p-valor 0,03 d 0,45 0,01 d <0,01 d <0,01 d <0,01 d 0,19 0,04 d 0,06

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):455-466, jul-set 2016


Tendência 0,57 0,44 -0,73 0,77 1,79 0,27 -0,61 1,64 0,92
Teresina
p-valor 0,11 0,66 0,39 <0,01 d <0,01 d 0,24 0,02 d 0,04 d 0,02 d
Tendência 1,14 -0,05 -0,50 0,83 1,24 0,31 -0,88 2,35 0,95
Vitória
p-valor 0,08 0,93 0,37 <0,01 d <0,01 d 0,14 <0,01 d 0,04 d 0,04 d
Tendência 1,44 0,64 -0,37 0,69 1,29 0,43 -0,86 2,36 0,91
Distrito Federal
p-valor 0,13 0,32 0,27 0,04 d 0,02 d 0,34 0,02 d 0,05 d 0,19
a) β = coeficiente de regressão
b) Imputação de dados faltantes de peso e altura, pela técnica “hot deck“ (vide página 26 do Relatório Vigitel Brasil 2012).
c) FLV: frutas, legumes e verduras.
d) Série com tendência significativa, estimada pelo modelo de regressão linear.
Regina Tomie Ivata Bernal e colaboradoras

de obesidade, será necessária uma redução entre 0,13 ou estabilização nos próximos anos, tal a gravidade da
e 0,19% ao ano, situação semelhante à verificada para “epidemia de obesidade” global, em curso.16,17 Mesmo
a prevalência de inativos fisicamente. As projeções das assim, foram estabelecidos compromissos para deter
séries históricas de obesidade, nas capitais como Campo seu crescimento, buscando promover agendas e mo-
Grande, Cuiabá, Fortaleza, Macapá, Maceió, Manaus, bilizar ações e soluções para esse grave problema de
Porto Alegre e Rio Branco, apontam que em 2022 a Saúde Pública. Portanto, as metas definidas para os dois
prevalência será superior a 15%. Para o consumo de indicadores devem ser observadas e poderão resultar
bebidas alcoólicas, a situação é ainda mais crítica, com em futuros ajustes.2,18
capitais como Salvador necessitando uma redução de Existem evidências de que é possível mudar o curso
0,22% ao ano para chegar a 2022 com uma prevalência e inverter as tendências dos indicadores observados.
de 20,2% (Tabela 2). O tabaco é um bom exemplo de como isso é possível.
Aracaju e Fortaleza apresentaram cobertura de Medidas como a proibição de propaganda, controle de
realização de exame de Papanicolau de 80% e 81,9%, ambientes livres e aumento de impostos têm impactado
respectivamente, enquanto Curitiba, Florianópolis, Porto na redução da prevalência de tabagismo.18-21 É reco-
Alegre e São Paulo já alcançaram coberturas acima mendável que medidas semelhantes sejam empregadas
de 90% em 2011. Em relação ao consumo regular e para alcançar a redução do consumo abusivo de álcool.
recomendado de frutas, legumes e verduras, todas as A inatividade física é um importante fator de risco para
capitais necessitam de aumento – entre 0,14 e 0,42% as doenças não transmissíveis, e uma das principais causas
ao ano – para atingir a meta (Tabela 3). de morte no mundo.22 Os dados do Vigitel apontaram que
em São Luís e São Paulo, as séries de inatividade física estão
Discussão em queda, enquanto nas demais capitais, mantiveram-se
estáveis. Devem-se articular ações intersetoriais visando
As projeções apontam que já foram atingidas as melhorar os espaços urbanos, adequando-os, quando
metas de cobertura de mamografia em todas as capitais, possível, à prática e ações que promovam a vida ativa,
e de exame de Papanicolau na maioria das capitais. de forma a avançar no alcance das metas de redução
As projeções apontaram tendência crescente da de inatividade física. Em 2011, o Ministério da Saúde
obesidade e do excesso de peso em todas as capitais: criou o programa Academia da Saúde com o objetivo de
dificilmente as cidades conseguirão estabilizar as incentivar a prática de exercícios físicos e esportes, de
prevalências de obesidade e excesso de peso, dados forma a buscar o alcance dessa meta.23
esses resultados, semelhantes aos encontrados nos A meta de aumento de cobertura do exame de Papa-
Estados Unidos da América e na Austrália.14,15 As metas nicolau tem sido progressivamente alcançada. Trata-se
de redução do tabagismo e da inatividade física e o de um exame realizado pelas equipes de Atenção Básica
aumento do consumo de FLV podem ser consideradas de Saúde. No Brasil são realizados, anualmente, mais
factíveis. Houve estabilidade do consumo abusivo de 12 milhões desses exames.24 Nos últimos dez anos,
de álcool, evidenciando a necessidade de ações e o país universalizou o Papanicolau para quase todos os
políticas públicas mais efetivas para o enfrentamento municípios, com uma cobertura de 87% nas capitais
do problema. dos estados.13 Em 2011, foi ampliada a faixa etária
O movimento de definição de compromisso e metas de rastreamento para mulheres nas idades de 25 a 64
dos países baseia-se na Declaração de Alto Nível das anos.8 A continuar assim, essa meta deve ser ampla-
Nações Unidas e espera contar com o comprometi- mente atingida, possibilitando também a redução das
mento dos diversos atores para o alcance das metas desigualdades regionais e socioeconômicas.
estabelecidas.3,4 Algumas metas foram definidas em A cobertura de mamografia aumentou no país,
função de compromissos globais que, por sua vez, especialmente entre mulheres de baixa renda, embora
fundamentaram-se em estudos internacionais,1,5 os ainda tenham sido encontradas diferenças regionais em
quais não são automaticamente aplicáveis à realidade pesquisa de abrangência nacional realizada em 2008.25
nacional e estadual. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
No caso do excesso de peso e da obesidade, os dados Domicílios (PNAD)/IBGE, no mesmo ano de 2008, eram
e evidências atuais não permitem estabelecer sua redução realizados, anualmente, mais de quatro milhões desses

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):455-466, jul-set 2016 461


Tabela 2 – Indicadores de tabagismo, excesso de peso, obesidade, inatividade física e consumo abusivo de bebida alcoólica em 2011 e projeção para 2022 nas

462
capitais dos estados brasileiros e no Distrito Federal

Consumo abusivo de bebida


Fumante Excesso de peso a Obesidade a Inatividade física alcoólica
Capital Ação de Ação de Ação de Ação de Ação de
Meta Meta Meta Meta Meta
2011 redução 2011 redução 2011 redução 2011 redução 2011 redução
2022 2022 2022 2022 2022
(% a.a.b) (% a.a.b) (% a.a.b) (% a.a.b) (% a.a.b)
Aracaju 8,5 6,0 -0,26 45,6 44,0 -0,16 16,0 14,4 -0,16 19,5 17,5 -0,19 18,2 16,4 -0,18
Belém 11,4 8,0 -0,34 47,6 44,4 -0,31 14,4 13,0 -0,14 16,0 14,4 -0,16 16,8 15,1 -0,17
Belo Horizonte 14,6 10,2 -0,44 45,6 42,8 -0,29 14,1 12,7 -0,14 14,9 13,4 -0,15 19,4 17,5 -0,19
Boa Vista 11,2 7,9 -0,34 50,0 45,7 -0,43 15,6 14,0 -0,16 13,2 11,9 -0,13 15,4 13,9 -0,15
Campo Grande 12,6 8,8 -0,38 51,4 47,9 -0,35 18,4 16,5 -0,18 16,5 14,8 -0,16 12,7 11,4 -0,13
Cuiabá 12,9 9,0 -0,39 51,0 48,0 -0,30 18,2 16,4 -0,18 15,1 13,5 -0,15 20,0 18,0 -0,20
Curitiba 16,8 11,8 -0,51 50,6 46,8 -0,38 16,1 14,5 -0,16 11,8 10,6 -0,12 14,0 12,6 -0,14
Florianópolis 13,3 9,3 -0,40 47,3 44,2 -0,31 15,5 13,9 -0,15 11,9 10,7 -0,12 16,7 15,0 -0,17
Fortaleza 9,5 6,7 -0,29 51,7 46,9 -0,48 18,6 16,7 -0,19 16,5 14,8 -0,16 16,3 14,7 -0,16
Goiânia 10,2 7,1 -0,31 46,4 42,5 -0,39 13,8 12,4 -0,14 12,4 11,2 -0,12 15,5 14,0 -0,16
Método de projeção de indicadores de metas do Plano de DCNT

João Pessoa 9,6 6,7 -0,29 50,5 46,0 -0,45 17,0 15,3 -0,17 19,0 17,1 -0,19 17,2 15,5 -0,17
Macapá 9,5 6,6 -0,28 51,4 46,1 -0,53 18,8 17,0 -0,19 17,5 15,7 -0,17 18,4 16,5 -0,18
Maceió 7,9 5,5 -0,24 51,5 44,9 -0,66 17,8 16,0 -0,18 18,3 16,5 -0,18 18,4 16,5 -0,18
Manaus 10,9 7,6 -0,33 52,5 46,9 -0,57 19,3 17,4 -0,19 15,7 14,1 -0,16 14,6 13,2 -0,15
Natal 9,9 6,9 -0,30 51,9 47,0 -0,50 17,0 15,3 -0,17 16,9 15,2 -0,17 17,0 15,3 -0,17
Palmas 11,3 7,9 -0,34 40,4 38,6 -0,18 13,3 11,9 -0,13 15,1 13,6 -0,15 19,2 17,3 -0,19
Porto Alegre 20,4 14,3 -0,61 54,1 49,3 -0,48 18,2 16,4 -0,18 14,5 13,1 -0,15 13,5 12,1 -0,13
Porto Velho 14,9 10,4 -0,45 48,5 46,4 -0,21 17,1 15,4 -0,17 14,4 12,9 -0,14 17,8 16,1 -0,18
Recife 10,8 7,6 -0,32 49,3 46,5 -0,28 15,9 14,3 -0,16 19,4 17,5 -0,19 19,3 17,4 -0,19
Rio Branco 14,0 9,8 -0,42 51,6 47,8 -0,38 18,3 16,5 -0,18 17,5 15,7 -0,17 13,3 12,0 -0,13

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):455-466, jul-set 2016


Rio de Janeiro 12,6 8,8 -0,38 50,7 48,5 -0,22 17,4 15,7 -0,17 13,3 12,0 -0,13 18,0 16,2 -0,18
Salvador 7,5 5,2 -0,22 45,5 42,9 -0,27 14,7 13,3 -0,15 14,9 13,4 -0,15 22,4 20,2 -0,22
São Luís 10,6 7,4 -0,32 41,0 38,6 -0,24 12,8 11,5 -0,13 16,0 14,4 -0,16 19,7 17,7 -0,20
São Paulo 18,1 12,6 -0,54 47,8 46,2 -0,16 15,5 13,9 -0,15 14,6 13,1 -0,15 13,9 12,5 -0,14
Teresina 12,3 8,6 -0,37 45,7 40,6 -0,51 13,3 12,0 -0,13 16,9 15,2 -0,17 21,9 19,7 -0,22
Vitória 9,8 6,9 -0,29 46,7 44,0 -0,28 14,5 13,1 -0,15 12,8 11,5 -0,13 19,3 17,4 -0,19
Distrito Federal 10,3 7,2 -0,31 49,0 42,4 -0,66 14,2 12,8 -0,14 13,3 12,0 -0,13 14,5 13,0 -0,14
Nota:
a) Foi realizada imputação de dados faltantes de peso e altura, pela técnica hot deck (vide página 26 do Relatório Vigitel Brasil 2012).
b) % a.a.: variação percentual ao ano
Regina Tomie Ivata Bernal e colaboradoras

Tabela 3 – Indicadores de realização do exame de Papanicolau e de consumo regular e recomendado de frutas,


legumes e verduras (FLV) em 2011 e projeção para 2022 nas capitais dos estados brasileiros e no
Distrito Federal

Exame de Papanicolau FLV regular FLV recomendado


Capital Ação de Ação de
2011 Meta 2022 2011 Meta 2022 aumento 2011 Meta 2022 aumento
(% a.a.a) (% a.a.a)
Aracaju 80,0 85,0 34,0 41,1 0,34 18,1 19,9 0,18
Belém 80,4 85,0 24,0 36,9 0,24 15,8 17,4 0,16
Belo Horizonte 89,0 –b 40,8 55,1 0,41 26,9 29,6 0,27
Boa Vista 85,4 –b 29,0 47,7 0,29 19,6 21,6 0,20
Campo Grande 88,3 –b 33,3 44,5 0,33 20,6 22,6 0,21
Cuiabá 88,1 –b 31,5 47,6 0,31 20,2 22,3 0,20
Curitiba 93,9 –b 40,7 49,2 0,41 24,2 26,7 0,24
Florianópolis 95,6 –b 42,1 49,4 0,42 26,9 29,6 0,27
Fortaleza 81,9 85,0 27,8 30,4 0,28 16,5 18,2 0,17
Goiânia 86,0 –b 35,8 48,3 0,36 23,5 25,9 0,24
João Pessoa 79,0 85,0 39,4 50,7 0,39 20,7 22,8 0,21
Macapá 81,4 85,0 22,2 35,1 0,22 14,6 16,1 0,15
Maceió 78,9 85,0 31,4 43,0 0,31 19,1 21,0 0,19
Manaus 82,5 85,0 24,9 34,7 0,25 15,8 17,3 0,16
Natal 80,2 85,0 39,1 46,5 0,39 21,5 23,6 0,21
Palmas 89,3 –b 36,0 48,6 0,36 24,1 26,5 0,24
Porto Alegre 94,3 –b 41,5 38,9 0,42 25,2 27,7 0,25
Porto Velho 86,9 –b 25,7 33,9 0,26 15,8 17,3 0,16
Recife 83,8 85,0 33,7 47,7 0,34 18,7 20,6 0,19
Rio Branco 86,5 –b 23,8 41,4 0,24 13,9 15,2 0,14
Rio de Janeiro 84,4 85,0 33,1 37,3 0,33 21,5 23,6 0,21
Salvador 81,1 85,0 26,5 30,8 0,26 16,7 18,4 0,17
São Luís 81,9 85,0 26,2 28,7 0,26 17,9 19,7 0,18
São Paulo 96,5 –b 35,4 39,3 0,35 25,4 27,9 0,25
Teresina 77,4 85,0 30,0 37,8 0,30 18,7 20,6 0,19
Vitória 89,0 –b 39,6 49,9 0,40 25,6 28,2 0,26
Distrito Federal 83,8 85,0 38,5 50,5 0,38 26,5 29,1 0,26
a) % a.a.: variação percentual ao ano
b) Nestas cidades, a meta pactuada para exame de Papanicolau foi a manutenção da prevalência de 2011, uma vez que já atingiram a meta pactuada nacionalmente para 2022, qual seja, 85% de
cobertura alcançada.
Nota: Para mamografia, não foram feitas projeções porque a meta para 2022 –70% de cobertura – já foi alcançada em todas as capitais de estados e no Distrito Federal em 2011.

exames.25 A cobertura de mamografia nas capitais au- as bebidas alcoólicas mais caras e menos disponíveis,
mentou de 71,1% em 2007 para 77,4% em 2012.13 Em (ii) investir na fiscalização de sua venda não permitida a
2012, o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional menores de idade, (iii) proibir a propaganda do álcool1
de Qualidade em Mamografia,26 e o país tem feito um e, especialmente no Brasil, (iv) avançar na regulamenta-
grande investimento em estrutura, com aquisição de ção do consumo da cerveja. A possibilidade da redução
mamógrafos, e em programas de gestão da qualidade dos do consumo abusivo de álcool em 10% depende das
exames para que essa meta seja atingida, possibilitando, medidas de regulação adotadas, do apoio e adesão da
também, a redução das iniquidades. população a essas medidas, além do enfrentamento do
O consumo de álcool tem sido monitorado pelo Vigitel poder das indústrias de álcool e associados.19 O Brasil
e os níveis populacionais de consumo abusivo no país tem sido líder global no tema de proibição de álcool
mostram-se elevados.13 Para sua redução, tornam-se associado à condução de veículos, evidência da efetividade
necessárias intervenções populacionais como (i) tornar de medidas regulatórias implementadas no país.27,28

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):455-466, jul-set 2016 463


Método de projeção de indicadores de metas do Plano de DCNT

O tema da alimentação saudável é de igual complexi- estimar tendências e fazer previsões9,12 e o modelo
dade. Aumentar o consumo de frutas, legumes e verduras possa se ajustar – bem – ao conjunto de observações,
depende de ações educativas nas escolas, orientação extrapolações futuras no horizonte de dez anos podem
dos profissionais de saúde aos pais e à população geral, ser falhas, devido ao curto período da série histórica
formação de hábitos alimentares; e de medidas regulató- utilizada (2006-2011). Essas previsões precisam ser
rias, como a proibição de propaganda de alimentos para monitoradas e atualizadas, à medida que o Vigitel gere
crianças, aumento de impostos sobre a comercialização novas informações. Ressalta-se que outras funções, como
de alimentos não saudáveis e concessão de subsídios regressão polinomial de segundo grau, foram avaliadas;
para alimentos saudáveis. Muitas vezes, essas ações, na porém, as projeções resultantes apresentaram valores
grande maioria intersetoriais, dependem de legislação atípicos, decorrentes da quantidade da série histórica de
específica, bem como da adesão da população para seis anos. As tendências históricas foram tomadas com
impulsionar as mudanças propostas, já que incidem base na premissa de que ocorrerão ações afirmativas,
sobre setores importantes da indústria.1,8 capazes de conduzir a mudanças nas tendências.
O monitoramento das metas do Plano de DCNT Cabe ressaltar, ademais, que o presente estudo incluiu
deverá contemplar ampla divulgação dos resultados, apenas as metas que utilizam dados do Vigitel. Outras
facilitando o advocacy, o acompanhamento, a parti- fontes de dados, componentes da linha de base para o
cipação e o controle social das doenças crônicas não monitoramento do Plano de Ações Estratégicas para o
transmissíveis no país. Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis
A Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Minis- no Brasil – 2011-2022, não foram incluídas neste estudo
tério da Saúde, com base na Portaria MS/GM no 23, de por não haver possibilidade de construção de séries
9 de agosto de 2012,29 promoveu repasses financeiros históricas e utilização de um único ponto de corte na
de R$12,8 milhões aos estados e municípios visando a classificação do estado nutricional de adultos e idosos.
implementação e fortalecimento das ações de vigilância Apesar de o Vigitel disponibilizar dados da população
e prevenção para o enfrentamento das doenças crônicas residente nas capitais dos estados e no Distrito Federal,
não transmissíveis no Brasil. A medida foi aprovada pela onde se dispõe de telefonia fixa, são utilizados pesos de
Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e resultou na pós-estratificação para corrigir a cobertura de cadastros
definição de planos estaduais e de municípios-capitais de telefones residenciais e ajustar as prevalências o
para enfrentamento das DCNT, alinhados com o plano mais próximo possível das estimativas populacionais.
federal e ao mesmo tempo, pautados na definição de O monitoramento local das metas é importante para
metas especificas.30 manter o compromisso da agenda sobre DCNT no nível
Da mesma forma que o plano nacional, os planos municipal, contribuindo para o fortalecimento da promoção
locais abordaram os quatro principais grupos de doen- da saúde, prevenção e controle de DCNT nas três esferas
ças (cardiovasculares, câncer, respiratórias crônicas e do governo. O esforço do Brasil nesse sentido fortalece
diabetes) e seus fatores de risco em comum modificáveis a posição regional e o comprometimento global com o
(tabagismo, consumo abusivo de álcool, inatividade enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis.
física, alimentação inadequada e obesidade), definindo
diretrizes e ações para seu cumprimento: vigilância, Contribuição das autoras
informação, avaliação e monitoramento; promoção
da saúde; e cuidado integral. Os planos estaduais e Bernal RTI foi responsável pelo desenvolvimento
municipais também estabeleceram metas para esses dos modelos lineares e interpretação dos resultados.
fatores de risco, semelhantes às metas nacionais. Como Malta DC, Monteiro RA e Iser BPM participaram
as prevalências foram distintas entre os entes federados, da interpretação dos dados, teste e revisão do manual
os resultados serão distintos, considerando os pontos de de análise.
partida e os compromissos assumidos para o controle Todos os autores participaram da concepção do
das DCNT e seus fatores de risco.8 estudo, redação, revisão crítica relevante do conteúdo
Como limitações do presente estudo, cabe citar intelectual e aprovação da versão final do manuscrito, e
aquelas relacionadas ao modelo empregado. Embora assumem responsabilidade por todos os aspectos do tra-
a regressão linear seja amplamente utilizada para balho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

464 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):455-466, jul-set 2016


Regina Tomie Ivata Bernal e colaboradoras

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Método de projeção de indicadores de metas do Plano de DCNT

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466 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):455-466, jul-set 2016


Artigo
original Análise espacial e temporal dos casos de aids no Brasil em
1996-2011: áreas de risco aumentado ao longo do tempo *
doi: 10.5123/S1679-49742016000300003

Spatial and temporal analysis of Aids cases in Brazil, 1996-2011:


increased risk areas over time

Artur Iuri Alves de Sousa1


Vitor Laerte Pinto Júnior2

Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical, Brasília-DF, Brasil


1

Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Diretoria Regional de Brasília, Brasília-DF, Brasil


2

Resumo
Objetivo: identificar áreas com maior risco de transmissão de aids no Brasil. Métodos: estudo ecológico, com
georreferenciamento das taxas de incidência e coeficientes de prevalência e da densidade de casos nos municípios pelo
método Kernel, nos períodos de 1996-1999, 2000-2003, 2004-2007 e 2008-2011. Resultados: no período de 1996-2011,
foram registrados 633.512 casos de aids; no período de 2008-2011, observou-se aumento do risco de transmissão de aids
no eixo Recife-João Pessoa, surgimento de áreas com densidade média nas regiões de Belém, São Luís, Maceió, Aracaju e
Salvador, e um declínio da intensidade desse risco em São Paulo, Campinas e Ribeirão Preto; o coeficiente de prevalência
apresentou maior concentração nas macrorregiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Conclusão: em geral, a incidência de aids
no Brasil apresentou sucessivos aumentos nos períodos analisados; a prevalência de casos aponta conglomerados no espaço,
com altas concentrações nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
Palavras-chave: Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Risco; Indicadores; Análise Espacial; Estudos Ecológicos.

Abstract
Objective: to identify areas with greater risk of AIDS transmission in Brazil. Methods: this is an ecological study involving
georeference of AIDS cases incidence, prevalence and density in Brazilian municipalities using the Kernel method for the
periods 1996-1999, 2000-2003, 2004-2007 and 2008-2011. Results: 633,512 AIDS cases were reported between 1996-2011;
between 2008-2011, there was increased risk of AIDS transmission in Recife-João Pessoa region, the emergence of areas
with average density in the regions of Belém, São Luís, Maceió, Aracaju and Salvador, and a decline in the intensity of risk
in São Paulo, Campinas and Ribeirão Preto; prevalence rates were most concentrated in the Southeast, South and Midwest
regions of the country. Conclusion: overall, AIDS incidence in Brazil showed successive increases in the periods analyzed;
case prevalence indicates spatial conglomerations, with high concentrations in the Southeast, South and Midwest regions.
Key words: Acquired Immunodeficiency Syndrome; Risk; Indicators; Spatial Analysis; Ecological Studies.

*Manuscrito baseado em dissertação de Mestrado do autor Artur Iuri Alves de Sousa, defendida junto ao Programa de Pós-
Graduação em Medicina Tropical do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília em 2014. Ao autor principal, foi
concedida bolsa de estudos pelo Programa de Demanda Social de Mestrado, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior – Fundação Capes/Ministério da Educação (código: 53001010015P0).

Endereço para correspondência:


Artur Iuri Alves de Sousa – Universidade de Brasília, Faculdade de Medicina, Núcleo de Medicina Tropical, Campus Universitário
Darcy Ribeiro, S/N, Asa Norte, Brasília-DF, Brasil. CEP: 70904-970
E-mail: aia.desousa@gmail.com

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):467-476, jul-set 2016 467


Áreas com risco aumentado de aids no Brasil

Introdução A distribuição geográfica dos casos de aids no


Brasil é heterogênea, tanto em função da amplitude
A síndrome da imunodeficiência humana adquirida do território como pela concentração de casos em
(aids) é uma retrovirose transmitida principalmente determinadas regiões. Na década de 2000, houve
por via sexual e parenteral e que, no decorrer de expansão dos casos nas regiões Norte e Nordeste,
sua história natural, causa depleção de linfócitos enquanto as demais macrorregiões do país aponta-
T CD4+ com consequente queda da imunidade e ram estabilidade.9 A maior concentração de casos
predisposição para doenças oportunistas graves. ocorre nos grandes centros urbanos, como capitais
Desde a década de 1990, avanços consideráveis e regiões metropolitanas, e cidades com maior fluxo
foram obtidos na assistência aos pacientes de aids, sociodemográfico e socioeconômico, como as cida-
sendo a descoberta e o aperfeiçoamento da terapia des costeiras.10,11 Nas diversas regiões geográficas
antirretroviral potente (HAART) os fatores que mais nacionais, observa-se flutuação no número de casos
tiveram impacto no prognóstico e na epidemiologia em municípios de menor porte, não homogênea
da doença.1,2 entre municípios com características semelhantes,
A aids é uma doença de notificação compulsória localizados em diferentes regiões.12
no Brasil. Os dados sobre aids no país são regis-
trados por diferentes sistemas de informações, A distribuição geográfica dos casos
sendo o mais importante o banco de dados de de aids no Brasil é heterogênea, tanto
vigilância proveniente do Sistema de Informação
de Agravos de Notificação (Sinan). Outros sis- em função da amplitude do território
temas envolvidos na vigilância da aids incluem como pela concentração de casos em
o Sistema de Controle de Exames Laboratoriais determinadas regiões.
da Rede Nacional de Contagem de Linfócitos T
CD4+/T CD8+ e Carga Viral (Siscel), o Sistema de A utilização do geoprocessamento e análise
Controle Logístico de Medicamentos (Siclom) e o espacial de dados sobre casos de aids pode pro-
Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). porcionar aos gestores de Saúde Pública um me-
A epidemiologia da doença também é monitorada lhor entendimento sobre a epidemia no país.10,12
por estudos descritivos realizados regularmente, Compreender a distribuição espacial dos casos de
como os estudos de parturientes3 e conscritos,4 e aids pode auxiliar a identificação de áreas geográ-
aqueles sobre comportamento, atitude e prática ficas sob maior pressão epidemiológica. 13 O uso
em estratos populacionais específicos.5 de técnicas de geoprocessamento – i.e., sistemas
Estima-se que em 2014, havia cerca de 730 mil in- de informações geográficas (SIG) – que têm em
divíduos vivendo com HIV no Brasil, e uma prevalência sua concepção o uso de informações geográficas,
da infecção entre 0,4 e 0,7% da população.6 De 2008 ao referir a localização (posição geográfica) de
a 2013, a incidência média de aids no país foi de 40 ocorrência do evento, fornece informações de
mil casos/ano, com uma taxa de incidência média de forma a subsidiar a implementação de intervenções,
21 casos por 100 mil habitantes. A mortalidade por complementando o rol de estratégias adotadas pela
aids, no mesmo período, apresentou a taxa padroni- vigilância em saúde no enfrentamento do HIV/aids.
zada de cerca de seis por 100 mil habitantes ao ano A crescente complexidade e as mudanças de com-
(aproximadamente 12 mil óbitos ao ano).7 portamento epidemiológico da infecção pelo HIV
A vigilância de aids sofreu alterações desde o início requerem o uso de indicadores diferenciados de
da pandemia, como por exemplo, decorrentes das re- outras doenças infecciosas. A utilização de técni-
visões de definições e implementação de novas práticas cas de análise espacial, com o objetivo de auxiliar
de prevenção de casos.8 Nesse contexto, a informação nesse monitoramento, pode contribuir para o
epidemiológica adquiriu um papel principal na definição melhor conhecimento dos riscos de transmissão da
e condução das ações de vigilância, contribuindo para doença.14-16 O presente trabalho teve como objetivo
a implementação de novos protocolos de tratamento identificar áreas com maior risco de transmissão
e prevenção. de aids no Brasil.

468 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):467-476, jul-set 2016


Artur Iuri Alves de Sousa e Vitor Laerte Pinto Júnior

Métodos mesmo período; logo, dividiu-se o valor encontrado


pelo total da população residente no respectivo ano. Em
Foi realizado um estudo ecológico com análise ambos indicadores, multiplicou-se o valor resultante
espacial de 633.512 casos de aids, segundo a defi- pela constante ‘100 mil’. Definiu-se quatro períodos
nição de caso brasileira: indivíduos que apresentam – ou intervalos de tempo – para o cálculo das taxas
células T CD4+ abaixo de 350 células/mm³, ou médias de incidência de aids, incidência cumulativa
com diagnóstico de doença oportunista, ou por e coeficiente de prevalência: 1996-1999, 2000-2003,
excepcional óbito.17 2004-2007 e 2008-2011.
Para obter a base de dados com os casos de aids, O tamanho da população residente dos municí-
foram relacionados os dados de diferentes sistemas pios foi obtido dos censos demográficos e projeções
de informações: Sistema de Informação de Agravo de intercensitárias produzidos pela Fundação Instituto
Notificação – Sinan –, Sistema de Controle de Exames Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), junto à
Laboratoriais da Rede Nacional de Contagem de Linfócitos qual também foram obtidas as coordenadas geográ-
T CD4+/T CD8+ e Carga Viral – Siscel – e Sistema de ficas dos municípios brasileiros para construção dos
Informações sobre Mortalidade – SIM. Para relacionar mapas temáticos.18
as três bases de dados, foram adotados procedimentos A análise espacial foi realizada com as médias da
probabilísticos, com o uso do aplicativo RecLink®, taxa de incidência e casos prevalentes, de forma a
versão 3.0, utilizando-se como variáveis-chave de identificar os padrões de densidade da doença. Para
comparação o nome e data de nascimento do paciente tanto, utilizou-se o método de Kernel, com raio de
e o nome da mãe do paciente. Os registros do Siscel influência adaptativo, ou seja, capaz de descrever o
e do SIM em que esses campos estavam incompletos quanto a densidade em um ponto pode influenciar em
ou em branco foram excluídos da análise. sua vizinhança – no caso deste estudo, nos municípios
As informações da data do diagnóstico e município vizinhos, considerando-se as diferentes áreas geográficas
de residência dos indivíduos foram ajustadas, de forma de influência dos municípios brasileiros.19,20 Esse método
a obter a mesma informação em uma única base de permite estimar a probabilidade de ocorrência de um
dados. Do Sinan, foi utilizada a data do diagnóstico evento em cada célula de uma grade regular, sendo
e município de residência. Dos casos oriundos do cada célula dessa grade ponderada de forma a que os
Siscel e do SIM, a data da coleta do material biológico eventos mais próximos recebam maiores pesos, e os
para exame (do Siscel) foi utilizada como proxy da mais distantes, menores pesos, sendo o decréscimo
data de diagnóstico. Do SIM, foi levantada a data do dos pesos definido de forma gradual.19,20
óbito. Quanto à informação sobre o município de Para a avaliação descritiva dos dados, utilizou-se o
residência, foram utilizadas os próprios dados de programa Statistical Package for the Social Sciences
cada um dos sistemas. (SPSS®) da International Business Machines (IBM®),
Após o relacionamento das bases, foram obtidos versão 18.0; para análise dos dados espaciais, foi utili-
os números de casos de aids em cada um dos 5.565 zado o programa TerraView®, versão 4.2.2; e para o
municípios brasileiros, sendo identificado pelo menos linkage dos bancos de dados, o programa RecLink®
um caso em 5.123 (92,1%) municípios. Em seguida, versão 3.0.
foram calculadas a taxa de incidência e o coeficiente Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em
de prevalência de aids. Para a taxa de incidência, foram Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde da Univer-
utilizados como numerador os casos novos de aids iden- sidade de Brasília (CEP/FS-UnB) em 30 de agosto de
tificados em cada ano: dividiu-se os casos identificados 2013, sob o Parecer nº 379.170, e pelo Departamento
no ano pela população residente do mesmo ano, para de DST, Aids e Hepatites Virais (DDAHV) da Secretaria
cada um dos anos observados, de 1996 a 2011. Para o de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde.
cálculo da prevalência de aids, considerou-se os anos de
1999, 2003, 2007 e 2011, calculando-se para cada um Resultados
desses anos o total de casos de aids acumulado desde
1980, ano do primeiro caso identificado no Brasil, até A incidência de aids no Brasil apresentou sucessivos
o ano especificado, descontadas as mortes dentro do aumentos nos períodos analisados. O risco de contrair

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):467-476, jul-set 2016 469


Áreas com risco aumentado de aids no Brasil

Tabela 1 – Indicadores de incidência e prevalência de aids, Brasil, 1996-2011

Número de casos Número de casos Número de casos


Média da taxa de novos no período novos acumulados prevalentes Coeficiente de
Períodos incidência prevalência
(por 100 mil hab.) (por 100 mil hab.) a
(N) (N) (N) a

1996-1999 16,5 210.383b 210.383b 94.530b 57,7 b

2000-2003 18,6 129.154 333.189 184.544 104,3

2004-2007 19,2 141.800 474.989 283.379 149,7

2008-2011 20,7 158.523 633.512 389.589 202,5

a) Ao final do período
b) Desde 1980

aids, representado pela média da taxa de incidência, país (Figura 2). No mesmo período, dentro des-
também apresentou o mesmo padrão, assim como a sas regiões, observou-se maior densidade no eixo
prevalência de casos, que mostrou aumento constante Curitiba-Vale do Itajaí-Florianópolis-Porto Alegre,
durante todos os períodos (Tabela 1). e nas regiões das cidades de São Paulo, Campinas e
Observou-se que, em 1996-1999 e 2000-2003, as Ribeirão Preto (Figura 2B). Para o mesmo período,
regiões Sudeste e Sul apresentaram as maiores taxas foi possível observar outras regiões com risco au-
médias de incidência: 25,2 e 25,1 por 100 mil hab. mentado e densidade moderada, como a da cidade
na região Sudeste, e 19,9 e 29,7 por 100 mil hab. na de Belo Horizonte, o estado de Rio de Janeiro e o
Sul, respectivamente (Figuras 1A e 1B). Nos períodos eixo Recife-João Pessoa (Figura 2B).
subsequentes, especialmente em 2008-2011, os esta- No período de 2004-2007, houve uma redução
dos das regiões Norte e Centro-Oeste atingiram níveis na intensidade e no raio de influência das cidades
semelhantes de incidência média, na comparação com de São Paulo, Campinas e Ribeirão Preto, e em
aqueles das regiões Sul e Sudeste, sendo de 21,0 por suas respectivas vizinhanças, na comparação com
100 mil hab. para o Norte e de 16,9 por 100 mil hab. o período de 2000-2003 (Figura 2). Entretanto,
para o Centro-Oeste (2008-2011). Houve aumento das observou-se o surgimento de áreas com densidade
taxas médias de incidência em todas as macrorregiões, média no meio-oeste do estado de São Paulo e no eixo
com manutenção de taxas médias elevadas no Sudeste Curitiba-Vale do Itajaí-Florianópolis, que em 2000-
e no Sul: 21,4 por 100 mil hab. e 31,0 por 100 mil 2003 mostraram alta densidade, e em 2004-2007,
hab. (2008-2011), respectivamente. uma intensidade reduzida. No mesmo período de
No período de 1996-1999, as maiores taxas de 2004-2007, nas regiões das cidades de Porto Alegre
incidência médias por município (Figura 1) foram e Rio de Janeiro, observou-se a manutenção do alto
observadas nas cidades do estado de São Paulo (Fi- nível de intensidade, com um pequeno aumento no
gura 1A). A partir desse período, o aumento de casos raio de influência (Figura 2C).
foi observado em todo o país, com maiores taxas de No período de 2008-2011, houve tendência persis-
incidência – além do estado de São Paulo – nas cidades tente de declínio na intensidade de risco nas cidades
dos estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e de São Paulo, Campinas e Ribeirão Preto. Ao mesmo
Mato Grosso, e na Região Sul (Figura 1D). tempo, observou-se o surgimento de áreas com den-
Quanto ao estimador Kernel das taxas médias de sidade média nas regiões de Belém, São Luís, Maceió,
incidência para os anos de 2000-2003, observou-se Aracaju e Salvador, e aumento da intensidade no eixo
densidade moderada nas regiões Sudeste e Sul do Recife-João Pessoa. Observa-se, também, o surgimento

470 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):467-476, jul-set 2016


Artur Iuri Alves de Sousa e Vitor Laerte Pinto Júnior

(A) 1996-1999 (B) 2000-2003


N

0 ~ 0,1
0,1 ~ 9,3
9,3 ~ 15,5
15,5 ~ 21,8
(C) 2004-2007 (D) 2008-2011 21,8 ~ 34,3
34,3 ~ 40,6
40,6 ~ 160

0 1000 2000 3000


Quilômetros

Figura 1 – Taxas médias de incidência de aids (por 100 mil habitantes) segundo município de residência, Brasil, 1996-2011

(A) 1996-1999 (B) 2000-2003 N

Menor

(C) 2004-2007 (D) 2008-2011


Maior

0 1000 2000 3000


Quilômetros

Figura 2 – Superfície de densidade das taxas médias de incidência de aids (por 100 mil habitantes) pelo método Kernel,
Brasil, 1996-2011

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):467-476, jul-set 2016 471


Áreas com risco aumentado de aids no Brasil

de intensidade média no norte do Paraná e no centro- Discussão


-leste de Santa Catarina (Figura 2D).
Considerando-se a distribuição do coeficiente de A distribuição acumulada dos casos de aids não
prevalência de casos de aids por município ao longo é uniformemente distribuída sobre o território
dos anos (Figura 3), observou-se um espalhamento mais brasileiro. A maior concentração de casos ocorre
acelerado e concentrado dos casos quando comparado nos grandes centros urbanos e cidades com maior
com a distribuição da média da taxa de incidência. A fluxo sociodemográfico e socioeconômico, achado
maior concentração foi observada nas regiões Sudeste, consistente com os de estudos prévios.10,11 Neste
Sul e Centro-Oeste (Figura 3D). trabalho, as diferenças geográficas observadas ao
A estimativa das áreas com os mais elevados co- longo dos períodos avaliados mostraram um risco
eficientes de prevalência de casos de aids, com base crescente, de forma acelerada nos estados do Rio
na aplicação do método Kernel, mostrou a existência de Janeiro e São Paulo, e no eixo Curitiba-Porto
de conglomerados no espaço (Figura 4). Houve um Alegre. Também foi notado o surgimento de áreas
rápido crescimento em 2011, mostrando altas con- de densidade moderada em todas as cidades da
centrações de casos da doença nos estados do Rio de costa do Nordeste, com alta densidade na região
Janeiro e São Paulo e no eixo Curitiba-Porto Alegre. de Recife, capital do estado de Pernambuco. O
Nesse período, também se observou o desenvolvimento aumento da densidade nas cidades do Nordeste está
de áreas com densidade média em todas as cidades associado à expansão da aids nas regiões Norte e
da costa do Nordeste, e alta densidade na região de Nordeste, observada nos últimos anos.9 Nessas áreas,
Recife (Figura 4D). a implementação de estratégias de intervenções

(A) 1999 (B) 2003 N

-150 ~ 1
1 ~ 30
30 ~ 50
50 ~ 70
70 ~ 100
(C) 2007 (D) 2011
100 ~ 200
200 ~ 1100

0 1000 2000 3000


Quilômetros

Figura 3 – Coeficiente de prevalência de aids (por 100 mil habitantes) segundo município de residência, Brasil, 1999,
2003, 2007 e 2011

472 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):467-476, jul-set 2016


Artur Iuri Alves de Sousa e Vitor Laerte Pinto Júnior

N
(A) 1999 (B) 2003

Menor

(C) 2007 (D) 2011

Maior

0 1000 2000 3000


Quilômetros

Figura 4 – Superfície de densidade do coeficiente de prevalência de aids (por 100 mil habitantes) pelo método Kernel,
Brasil, 1999, 2003, 2007 e 2011

combinadas pode ser eficaz na prevenção do HIV.21 e um novo aumento da incidência no ano de 2007;9
Os resultados do presente estudo apontam para ademais, com uso de SIG, foi possível demonstrar
a necessidade de ampliar a análise integrada das que nessas regiões houve manutenção dos casos em
informações de vigilância, dados geográficos e níveis elevados.
atenção à saúde, recomendações indicadas por A prevalência de aids apresentou um aumento
Goswami et al. em 2012.22 persistente durante todo o período de estudo, de
A utilização de sistema de informação geográfica 1996 a 2011. A análise instrumentada pelo SIG
– SIG – para análise da incidência e da prevalência revelou a formação e estabelecimento de novas
da aids mostrou-se apropriada na identificação de áreas de transmissão continuada, em todo o país. A
áreas sob maior risco e poderia ser bastante útil no identificação dessas áreas é de extrema importância
monitoramento da doença. Contudo, o método é para o planejamento e implementação de ações
pouco explorado no Brasil.23 estratégicas de prevenção da transmissão do HIV,
Durante o primeiro período analisado (1996-1999), podendo contribuir para o melhor direcionamento
houve aumento da incidência de aids, e nos demais de ações. Principalmente quando tais ações
períodos, certa estabilidade, possivelmente explicada dependem de limitados recursos destinados para
pela dispensação universal de HAART e pelas políticas intervenções de Saúde Pública, 25 a exemplo da
públicas para o controle da transmissão do HIV.24 A estratégia de aumento da cobertura do tratamento
avaliação da incidência de aids aponta declínio nas com o objetivo de baixar a carga viral comunitária
regiões Sudeste e Sul, no período de 2003 e 2006, do HIV.26

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):467-476, jul-set 2016 473


Áreas com risco aumentado de aids no Brasil

O uso de técnicas de geoprocessamento, de forma o agravo HIV à lista de notificação compulsória,


a fornecer uma visão geral dos determinantes sociais independentemente da fase imunológica ou clínica,
do processo saúde-doença, ainda é incipiente na permitindo avaliações de risco para o HIV/aids mais
análise de indicadores de saúde.23 Neste estudo, foi precisas em um futuro próximo. Outra limitação
possível demonstrar que técnicas de geoprocessamento refere-se à relação com a ocorrência de eventos no
com o uso de mapas podem ser úteis à identificação município vizinho, o que poderia explicar melhor a
das áreas com maior necessidade de ampliação de dinâmica da doença no município onde o caso foi
programas, como aqueles dirigidos ao tratamento identificado. Alguns autores sugerem que a distância
e ampliação da atenção à saúde.27 Essas técnicas entre as cidades seja um fator explicativo do aumento
contribuem para a identificação de "áreas quentes", dos casos de aids.30 Uma terceira e última limitação
ou seja, com maior densidade de casos de aids encontra-se no fato de a análise do estimador de
(destacadas nas cores mais escuras nos mapas), Kernel ser subjetiva: não há um conjunto padronizado
onde o risco de transmissão do HIV é mais intenso em de parâmetros que classifiquem a intensidade da
função dos casos prevalentes. Nessas áreas, deve-se ocorrência do agravo (áreas com maior densidade
priorizar a investigação e monitoramento dos fatores versus com menores densidade), dependendo,
de risco para a infecção pelo HIV, com o propósito principalmente, do conhecimento a priori sobre o
de implementar programas de prevenção e controle tema estudado.28
adequados.28 Outrossim, a informação epidemiológica O uso de técnicas para auxiliar a vigilância
geoprocessada pode ser útil à alocação eficiente dos epidemiológica, como georreferenciamento de dados,
recursos da Saúde Pública.22 pode trazer um importante ganho aos instrumentos e
Considerando-se a dinâmica de transmissão indicadores já utilizados em estudos epidemiológicos.12
de aids,29 que não se limita às fronteiras político- O presente estudo mostrou que a identificação de
administrativas, a avaliação do risco utilizando áreas sob maior risco – por conterem mais casos de
ferramentas geográficas pode indicar áreas de maior aids – pode subsidiar o planejamento de políticas de
densidade de casos, mediante um continuum de prevenção e controle com base no risco de transmissão
diferentes camadas, mais além dos limites, divisas da doença.
e fronteiras geográficas. A distribuição espacial da
ocorrência dos casos e a distribuição da prevalência Contribuição dos autores
analisadas pelo método de Kernel mostram áreas
com maior potencial de transmissão, ao passo que o Sousa AIA participou da concepção e delineamento
volume de casos influencia diretamente na ocorrência do estudo, análise e interpretação dos dados, redação
de novos casos (transmissão pessoa a pessoa). e revisão crítica do conteúdo intelectual do manuscrito.
A principal limitação do estudo refere-se ao uso de Pinto Jr. VL participou da concepção e delineamento
bases de dados de vigilância do Ministério da Saúde, do estudo, interpretação dos dados, redação e revisão
que considerava somente os casos avançados da doença crítica do conteúdo intelectual do manuscrito.
para fins de notificação, podendo subdimensionar o Ambos os autores aprovaram a versão final do
risco de infecção pelo HIV/aids. manuscrito e declaram serem responsáveis por todos
Essa limitação tende a ser superada, desde que os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão
no ano de 2014, o Ministério da Saúde adicionou e integridade.

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476 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):467-476, jul-set 2016


Artigo
original Tendência da mortalidade por aids segundo
características sociodemográficas no Rio Grande do Sul e
em Porto Alegre: 2000-2011*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300004

Aids mortality trends according to sociodemographic characteristics


in Rio Grande do Sul State and Porto Alegre City, Brazil: 2000-2011

Ana Paula da Cunha1


Marly Marques da Cruz1
Raquel Maria Cardoso Torres1

Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
1

Resumo
Objetivo: analisar a tendência da mortalidade por aids no Rio Grande do Sul (RS) e em Porto Alegre (POA) segundo
características sociodemográficas, no período 2000-2011. Métodos: estudo ecológico de série temporal, sobre taxas de
mortalidade por aids; utilizou-se o modelo de Prais-Winsten. Resultados: a taxa padronizada de mortalidade por aids
apresentou tendência estacionária no RS (1,3%; IC95% -0,6;6,7) e em POA (-0,3%; IC95% -5,1;3,9); houve tendência crescente
entre as mulheres no RS (4,1%; IC95% 3,0;5,3) e em POA (2,7%; IC95% 1,8;3,5), na raça/cor parda no RS (4,5%; IC95% 1,9;7,2)
e em POA (4,6%; IC95% 1,5;7,9), e nas faixas etárias de 40-49 no RS (4,0%; IC95% 1,3;6,7), 50-59 no RS (5,8%; IC95% 1,9;9,9)
e em POA (6,0%; IC95% 2,1;9,9), e >60 anos no RS (4,0%; IC95% 1,1;6,9). Conclusão: no RS e em POA, a mortalidade por
aids aumentou nas mulheres, entre indivíduos de raça/cor parda e nas idades mais avançadas.
Palavras-chave: Mortalidade; Aids; Vigilância Epidemiológica; Estudos de Séries Temporais.

Abstract
Objective: to analyze AIDS mortality trends in Rio Grande do Sul State (RS) and Porto Alegre City (POA) according
to sociodemographic characteristics, in the period 2000 - 2011. Methods: this was an ecological time series study of
AIDS mortality rates; Prais-Winsten regression model was used. Results: the standardized mortality AIDS rate presented
stationary trend in RS (1,3%; 95%CI -0,6;6,7) and in POA (-0,3%; 95%CI -5,1;3,9); the tendency was increase among
women in RS (4,1%; 95%CI 3,0;5,3) and POA (2,7%; 95%CI 1,8;3,5), in the brown race in RS (4,5%; 95%CI 1,9;7,2)
and POA(4,6%; 95%CI 1,5;7,9), and in the age groups of 40-49 in RS (4,0%; 95%CI 1,3;6,7), 50-59 in RS (5,8%; 95%CI
1,9;9,9) and in POA (6,0%; 95%CI 2,1;9,9), and >60 age in RS (4,0%; 95%CI 1,1;6,9). Conclusion: AIDS mortality
increased among women, individuals with brown skin colour and older age groups in RS and POA.
Key words: Mortality; AIDS; Epidemiological Surveillance; Time Series Studies.

* Este estudo foi realizado com apoio do Programa de Iniciação Científica (PIBIC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), junto à Escola Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca (ENSP)/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz): Processo no 129212/2012-1.

Endereço para correspondência:


Ana Paula da Cunha – Av. Geremário Dantas, no 580, bloco 2, ap. 308, Pechincha, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. CEP: 22740-010
E-mail: cunhaenf2010@gmail.com

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):477-486, jul-set 2016 477


Mortalidade por aids no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre

Introdução dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade


(SIM), sistema gerenciado pelo Ministério da Saúde
Estima-se que em 2014, em todo o mundo, 36,9 (MS). As unidades de análise foram o estado do Rio
milhões de pessoas estivessem vivendo com o vírus Grande do Sul (RS) e sua capital, o município de
da imunodeficiência humana (HIV), agente infeccioso Porto Alegre (POA). Foram incluídos todos os óbitos
causador da síndrome da imunodeficiência adquirida por aids ocorridos no estado e na capital, no período
(aids). Este resultado é muito influenciado pelo ex- de 2000 a 2011.
pressivo número de usuários da terapia antirretroviral
(TARV), o que contribui para o aumento da sobrevida O Brasil foi pioneiro na implementação
de portadores de HIV/aids. Entretanto, é importante
ressaltar que a epidemia permanece em patamares da distribuição gratuita e universal da
elevados em determinadas regiões, o que representa terapia antirretroviral, pelo Sistema
gastos substanciais em saúde. Observa-se que 80% das Único de Saúde (SUS), em 1996.
pessoas vivendo com HIV se concentram em apenas 20
países, dos quais um é o Brasil. Em relação à incidência O estado do Rio Grande do Sul (RS) localiza-se na
de aids no mundo, evidenciou-se uma queda de 35% região Sul do Brasil, possui 281.730,223 km2 e 497
entre 2000 e 2014; não obstante, o Brasil registrou municípios. No ano de 2010, o RS apresentava uma
aumento de casos novos no mesmo período.1 população de 10.693.929 habitantes e uma densidade
Desde o início da epidemia de HIV/aids no país, demográfica de 39,8 habitantes/km2. 5 Quanto à
ocorreram 238.306 óbitos pela doença. Ao se com- escolaridade, 55% da população do estado com mais
parar as taxas de mortalidade por aids no Brasil entre de 15 anos de idade apresentava o 2º ciclo do Ensino
2004 e 2013, mostrou-se evidente a queda de 6,6% no Fundamental completo ou mais anos de estudo, e a
risco de morte: em 2004, o coeficiente de mortalidade renda per capita média era de R$ 729,40. No que
foi de 6,1 óbitos/100 mil habitantes, e em 2013, de corresponde à raça/cor, 86,5% da população do estado
5,7/100 mil hab.2 havia se declarado branca.5
Cabe salientar que o Brasil foi pioneiro na im- A capital do estado, o município de Porto Alegre
plementação da distribuição gratuita e universal da (POA), possuía uma área de 496,682 km2, densidade
terapia antirretroviral, pelo Sistema Único de Saúde demográfica de 2.837,52 habitantes/km2 e população
(SUS), em 1996.3 Esse tratamento contribuiu para de 1.409.351 habitantes em 2010, o que, naquele ano,
a redução da mortalidade, aumento da sobrevida, correspondia a 13,2% da população do RS.6 Em POA,
queda da carga viral e prevenção da transmissão 72,9% da população com mais de 15 anos possuía o
vertical da doença.4 2º ciclo do Ensino Fundamental completo ou mais anos
Apesar da redução na mortalidade por aids no de estudo. A renda per capita média de POA era de
país, algumas regiões evidenciaram número elevado R$ 1.722,37. Quanto à raça/cor, 79,2% da população
de óbitos pela doença. O estado do Rio Grande do Sul declarou-se branca.6
(RS) tem apresentado, desde 2001, as maiores taxas Para o cálculo das taxas de mortalidade por 100
de mortalidade pela doença, e sua capital, Porto Alegre mil habitantes, foram considerados todos os óbitos
(POA), um coeficiente mais elevado que o do próprio registrados com os códigos da Classificação Estatística
estado e quatro vezes maior que o do país.2 Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
O presente estudo teve por objetivo analisar a Saúde – 10ª Revisão (CID-10) referentes à aids: B20
tendência da mortalidade por aids no Rio Grande do a B24. Foram calculadas taxas brutas de mortalidade
Sul e em Porto Alegre, segundo características socio- segundo sexo, faixa etária e raça/cor. O cálculo das
demográficas, no período de 2000 a 2011. taxas de mortalidade por aids padronizadas foi realiza-
do por idade, em todos os anos do período estudado,
Métodos utilizando-se o método direto e considerando-se a po-
pulação do Brasil referente ao ano 2010 como padrão.
Trata-se de um estudo ecológico de série temporal As informações sobre população residente utiliza-
das taxas de mortalidade por aids, realizado com das no cálculo das taxas de mortalidade segundo sexo

478 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):477-486, jul-set 2016


Ana Paula da Cunha e colaboradoras

e faixa etária correspondem aos dados estimados pelo há a indicação da existência de uma máxima autocor-
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relação positiva, enquanto se o valor de Durbin-Watson
divulgados no sítio eletrônico do Departamento de é próximo a 4, a autocorrelação serial é negativa. Por
Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). sua vez, quando o valor do teste é próximo a 2, não
Porém, para as taxas de mortalidade segundo raça/ existe autocorrelação serial.8
cor a população foi estimada por meio do modelo Para a aplicação do modelo, foi utilizado o
geométrico para os anos para os quais o IBGE não método sugerido por Antunes e Cardoso.8 Em um
disponibilizou as informações de raça/cor, visto que o primeiro momento, foi realizada a transformação
órgão divulgou esses dados apenas para os anos 2000 e logarítimica dos valores de Y, seguida da aplicação
2010. Logo, para a estimativa da população dos demais do modelo autoregressivo de Prais-Winsten, para
anos (2001 a 2009; e 2011), foi realizado o cálculo que fossem estimados os valores de b1 das taxas de
da taxa de crescimento da população a partir de dois mortalidade brutas e padronizadas, assim como das
pontos identificados, a saber, os anos 2000 e 2010.7 taxas de mortalidade segundo sexo, faixa etária e
Ao se utilizar esse modelo, assume-se que a taxa de raça/cor. Posteriormente, os valores de b1 corres-
crescimento é constante, sendo essa taxa identificada pondentes a cada uma das taxas foram aplicados
a partir da fórmula abaixo:7 à seguinte fórmula, em vista da identificação das
taxas de variação:
√ P (0) -1
P(t)
r= t
APC=[-1+eb1 ]*100%
Onde: A partir da análise da taxa de variação, pode-se
r é a taxa de crescimento da população; dizer que uma tendência é (i) crescente, quando a
P(t) é a população final para se identificar a taxa de taxa de variação é positiva, (ii) decrescente, quando a
crescimento, ou seja, corresponde à população do taxa de variação é negativa, e (iii) estacionária, quando
ano de 2010; não existe diferença significativa entre seu valor e zero.
P(0) é a população inicial para se identificar a taxa A etapa final da modelagem consistiu no cálculo dos
de crescimento, ou seja, corresponde ao ano 2000; e intervalos de confiança (IC) das medidas do estudo,
t é o tempo transcorrido entre a mensuração da po- mediante a aplicação da seguinte fórmula:
pulação inicial e final, ou seja, 2010-2000, período
IC95% = [-1+10bmínimo]*100%;[-1+10bmáximo ]*100%
equivalente a dez anos.
Os dados foram analisados segundo as variáveis Os valores de b mínimo e b máximo são captados
sociodemográficas: sexo (masculino; feminino), no intervalo de confiança (IC) gerado pelo programa
faixa etária (em anos: 0-19; 20-29; 30-39; 40-49; de análise estatística e são aplicados na fórmula, sendo
50-59; e ≥60); e raça/cor da pele (branca; preta; o valor de b mínimo correspondente ao ponto mínimo
parda; e negra, esta correspondendo à soma das do IC e o valor de b máximo correspondente ao ponto
raças preta e parda). As categorias de raça/cor máximo do IC.
amarela e indígena foram excluídas, devido ao baixo Neste estudo, o nível de significância considerado
número de óbitos. foi de 5% e o processamento e análise dos dados foi
Para a análise de tendência, foi utilizado o modelo realizado pelo programa Statistical Package for the
de análise linear generalizada de Prais-Winsten, em Social Sciences 20.0 (SPSS).
que as variáveis independentes (X) foram os anos de O projeto da pesquisa foi submetido ao Comitê de
ocorrência dos óbitos e as taxas de mortalidade foram Ética e Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública
consideradas variáveis dependentes (Y). O modelo Sérgio Arouca (ESNP)/Fundação Oswaldo Cruz (Fio-
de Prais-Winsten é indicado para corrigir a autocor- cruz) e aprovado: Parecer nº 15/2012.
relação serial em séries temporais. Para se verificar a
existência de autocorrelação da série, foi aplicado o Resultados
teste de Durbin-Watson, cuja interpretação é operacio-
nalizada pelo valor do teste em uma escala de medida No período de 2000 a 2011, foram registrados
que varia de 0 a 4. Quando o valor é próximo a zero, no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):477-486, jul-set 2016 479


Mortalidade por aids no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre

16.804 óbitos por aids no RS, sendo que 35,8% dessas de crescimento nas faixas etárias mais avançadas, para as
mortes ocorreram em POA, o que corresponde a 5.765 quais foram observadas as seguintes taxas de variação:
óbitos neste município. 4,0% na faixa de 40-49 (IC95% 1,3;6,7), 5,8% na faixa
Nas Tabelas 1 e 2, observa-se que, no RS, as taxas de 50-59 (IC95% 1,9;9,9) e 4,0% na faixa de ≥60 anos
brutas de mortalidade por aids apresentaram tendência de idade (IC95% 1,1;6,9) (Tabelas 2 e 4).
a crescimento, enquanto que as taxas padronizadas Em POA, as faixas etárias de 0-19 e 20-29 anos também
tiveram tendência estacionária, com uma taxa de apresentaram uma tendência decrescente na mortalidade
variação de 1,8% (IC95% 0,7;3,0) para as taxas brutas por aids, com taxas de variação de -12,4% (IC95% -17,0;-
e 1,3% para as padronizadas (IC95% -0,6;6,7). Quanto 7,5) e -5,7% (IC95% -7,8;-3,6), respectivamente. Foi
ao município, as taxas brutas e padronizadas de mor- evidenciada tendência estacionária nas faixas etárias de
talidade por aids foram mais elevadas que as do RS em 30-39 (taxa de variação de -1,3%; IC95% -3,1;0,6), 40-49
todos os anos da série histórica e tiveram tendência (taxa de variação de 2,2%; IC95% -1,3;5,8) e na população
estacionária, com uma taxa de variação de 0,4% (IC95% com 60 anos ou mais (taxa de variação de 5,0%; IC95%
-1,3;2,1) e -0,3% (IC95% -5,1;3,9) para as taxas brutas -0,4;10,7). Apenas para a faixa de 50-59 anos de idade
e padronizadas, respectivamente. verificou-se uma tendência crescente, com uma taxa de
A evolução temporal da mortalidade por aids no variação de 6,0% (IC95% 2,1;9,9) (Tabelas 2 e 4).
RS e em POA evidenciou taxas estacionárias entre os No RS, houve crescimento da mortalidade por aids
homens, com uma variação de 0,7% (IC95% -0,5;1,8) nas populações branca e parda, com variação de 1,6%
no estado e de 0,5% no município (IC95% -2,8;1,9). Na (IC95% 0,1;3,0) e 4,5% (IC95% 1,9;7,2), respectivamente.
população feminina, houve expressivo aumento das As raças preta e negra mostraram tendência estacionária,
taxas de mortalidade por aids de 2000 a 2011, com com variação de 2,3% (IC95% -0,4;5,0) e 2,2% ( IC95%
tendência crescente tanto no RS como em POA, com -0,6;5,2), respectivamente. No município de Porto Alegre,
uma variação de 4,1% no estado (IC95% 3,0;5,3) e de tendências foram estacionárias para as raças branca, preta
2,7% no município (IC95% 1,8;3,5) (Tabelas 2 e 3). e negra. Todavia, a raça parda apresentou tendência cres-
Quanto às faixas etárias, no RS observou-se tendência cente e variação de 4,6% (IC95% 1,5;7,9) (Tabelas 2 e 5).
decrescente nas faixas de 0 a 19 anos, com taxa de varia-
ção de -8,4% (IC95% -11,1;-4,3), e de 20-29 anos, com Discussão
variação de -4,4% (IC95% -6,3;-2,5). Também se notou
tendência estacionária na taxa de mortalidade por aids No período de 2000 a 2011, a mortalidade por aids
na faixa de 30-39 anos, com uma taxa de variação de no RS e POA evidenciou tendência estacionária quan-
1,4% (IC95% -0,3;3,1). Entretanto, constatou-se tendência do analisadas as taxas de mortalidade padronizadas.

Tabela 1 – Taxas brutas e padronizadasa de mortalidade por aids (por 100 mil hab.), no Rio Grande do Sul e em
Porto Alegre, 2000-2011

Taxas de mortalidade por aids


2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Rio Grande do Sul

Taxa bruta 10,4 11,4 12,0 12,6 12,7 13,0 12,6 12,7 13,3 13,2 13,6 12,9

Taxa padronizadaa 10,6 11,7 12,3 12,9 13,0 13,3 12,8 12,6 13,1 12,9 13,1 12,4

Porto Alegre

Taxa bruta 30,6 31,7 34,3 32,8 38 36,5 37 34,7 33 33 34,4 32,3

Taxa padronizadaa 30,7 31,7 34,1 32,7 37,7 36,0 36,4 33,5 31,9 31,2 32,0 30,2

a) Taxas padronizadas por idade, pelo método direto.

480 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):477-486, jul-set 2016


Ana Paula da Cunha e colaboradoras

Tabela 2 – Variação e tendências das taxas de mortalidade por aids (por 100mil hab.) no Rio Grande do Sul e em
Porto Alegre, 2000-2011

Rio Grande do Sul Porto Alegre


Variação Intervalo de Variação Intervalo de
anual confiança de Valor de p a Tendência anual confiança de Valor de p a Tendência
(%) 95% (IC95%) (%) 95% (IC95%)
Total
Taxa bruta 1,8 (0,7;3,0) 0,005 Crescente 0,4 (-1,3;2,1) 0,653 Estacionária

Taxa padronizadab 1,3 (-0,6;6,7) 0,092 Estacionária -0,3 (-5,1;3,9) 0,734 Estacionária
Sexo
Masculino 0,7 (-0,5;1,8) 0,217 Estacionária 0,5 (-2,8;1,9) 0,649 Estacionária

Feminino 4,1 (3,0;5,3) <0,001 Crescente 2,7 (1,8;3,5) <0,001 Crescente


Faixa etária (em anos)
0-19 -8,4 (-11,1;-4,3) 0,001 Decrescente -12,4 (-17,0;-7,5) <0,001 Decrescente

20-29 -4,4 (-6,3;-2,5) 0,001 Decrescente -5,7 (-7,8;-3,6) <0,001 Decrescente

30-39 1,4 (-0,3;3,1) 0,093 Estacionária -1,3 (-3,1;0,6) 0,152 Estacionária

40-49 4,0 (1,3;6,7) 0,007 Crescente 2,2 (-1,3;5,8) 0,197 Estacionária

50-59 5,8 (1,9;9,9) 0,007 Crescente 6,0 (2,1;9,9) 0,006 Crescente

≥60 4,0 (1,1;6.9) 0,010 Crescente 5,0 (-0,4;10,7) 0,068 Estacionária


Raça/cor
Branca 1,6 (0,1;3,0) 0,035 Crescente 0,9 (-3,0;1,3) 0,378 Estacionária

Preta 2,3 (-0,4;5,0) 0,088 Estacionária 1,9 (-0,5;4,3) 0,106 Estacionária

Parda 4,5 (1,9;7,2) 0,003 Crescente 4,6 (1,5;7,9) 0,008 Crescente

Negra 2,2 (-0,6;5,2) 0,109 Estacionária 2,5 (-0,3;5,5) 0,075 Estacionária

a) Regressão de Prais-Winsten
b) Taxas padronizadas por idade, pelo método direto.

Tabela 3 – Taxas de mortalidade por aids (por 100 mil hab.) segundo sexo no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre,
2000-2011

Taxas de mortalidade por aids


Sexo
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Rio Grande do Sul

Masculino 15,1 16,4 16,7 17,9 17,9 18,2 17,6 16,7 17,8 17 18,1 16,7

Feminino 5,8 6,6 7,5 7,4 7,7 8,1 7,8 8,9 9,0 9,6 9,4 9,4

Porto Alegre

Masculino 46,6 48,9 50 51,3 56,5 54,7 56,3 50,8 47,4 44,9 47,1 44,9

Feminino 16,7 16,7 20,5 16,6 21,8 20,6 20,1 20,5 20,3 22,6 23,4 21,5

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Mortalidade por aids no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre

Tabela 4 – Taxas de mortalidade por aids (por 100 mil hab.) segundo faixa etária no Rio Grande do Sul e em Porto
Alegre, 2000-2011

Faixas etárias Taxas de mortalidade por aids


(em anos) 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Rio Grande do Sul
0-19 1,5 1,9 1,3 1,1 1,0 0,8 0,7 1,0 0,6 0,8 0,7 0,8
20-29 15,8 15,7 16,7 17,4 14,7 13,7 12,2 11,0 11,7 10,6 10,2 10,8
30-39 23,8 27,3 28,4 28,8 29,9 29,0 28,0 31,8 32,2 32,0 30,1 27,6
40-49 17,7 17,4 21,9 23,8 24,2 26,9 26,7 26,9 28,5 25,8 28,1 26,8
50-59 8,5 11,3 11,0 13,0 15,9 18,3 18,3 13,4 16,0 17,4 19,8 16,4
≥60 4,0 5,8 5,3 4,9 6,3 6,9 7,2 5,3 5,4 7,1 6,9 8,0
Porto Alegre
0-19 4,1 5,0 2,9 1,8 2,4 1,5 1,7 2,9 0,7 1,0 1,4 1,1
20-29 41,3 38,8 41,9 45,0 39,2 33,1 35,3 23,7 28,0 23,9 24,6 26,1
30-39 77,9 74,3 84,1 75,0 91,7 86,0 80,8 81,4 74,4 74,2 72,2 65,5
40-49 50,4 51,5 64,9 60,9 72,5 74,3 72,1 81,4 76,9 59,3 67,8 64,5
50-59 22,2 34,1 28,6 29,8 45,9 44,4 54,1 35,4 38,9 56,8 56,0 39,9
≥60 10,0 14,2 12,3 14,0 16,3 20,8 21,8 14,8 11,6 16,6 15,6 25,0

Tabela 5 – Taxas de mortalidade por aids (por 100 mil hab.) segundo raça/cor no Rio Grande do Sul e em Porto
Alegre, 2000-2011

Taxas de mortalidade por aids


Raça/cor
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Rio Grande do Sul
Branca 9,3 10,1 10,8 11,4 11,3 11,5 11,4 11,6 12,1 11,5 11,9 11,2
Preta 26,4 32,1 36,6 34,7 39,8 46,0 37,0 43,1 36,7 41,4 39,3 35,7
Parda 6,4 9,0 8,7 9,8 10,6 11,9 12,4 10,2 11,5 11,8 12,2 11,7
Negra 14,6 18,2 19,7 19,4 21,7 24,66 21,4 22,05 20,4 22,1 21,4 19,7
Porto Alegre
Branca 26,1 26,1 29,1 27,3 32,0 29,5 30,9 28,1 26,0 25,2 25,8 23,9
Preta 65,8 80,4 83,9 81,6 96,7 103,6 85,1 105,2 91,7 95,9 91,4 82,9
Parda 21,6 25,5 30,2 31,1 30,2 38,4 46,9 32,5 36,1 35,1 39,8 38,7
Negra 44,8 54,2 58,1 57,3 64,5 71,9 66,4 69,5 64,2 65,7 65,7 60,7

Ao se considerar que em POA as taxas foram mais de 1990 a 2002, apontou que, após a inserção da
elevadas que as do próprio estado, essa tendência terapia antirretroviral no Brasil, houve redução das
estacionária revela que as taxas de mortalidade por taxas de mortalidade.9 De acordo com dados do
aids no município têm se mantido elevadas durante Boletim Epidemiológico de HIV/Aids, entre 2004 e
um período considerável. 2013, as taxas de mortalidade declinaram no país.2
Pesquisa que avaliou o risco de morte pela doença, Entretanto, estudo que investigou a mortalidade pelo
assim como a incidência do agravo no período agravo no período de 1999 a 2007 destacou que as

482 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):477-486, jul-set 2016


Ana Paula da Cunha e colaboradoras

taxas foram estáveis no país, mas, ao se observar este a tendência da mortalidade por aids foi crescente.
indicador regionalmente, identificou-se a existência de Tais resultados acompanham o padrão nacional de
disparidades nas taxas de mortalidade pela doença.10 aumento da mortalidade por aids entre as mulheres
Cabe destacar que as altas taxas de mortalidade no e de estabilização entre os homens.2 O aumento da
RS e em POA podem estar atreladas à desigualdade na mortalidade por aids entre mulheres é denominado
distribuição de serviços assistenciais. Investigação que feminização da epidemia, e tem sido evidenciado desde
avaliou a magnitude e tendência da epidemia do HIV/ a década de 1990.13
aids de 2002 a 2006 destacou que as desigualdades Estudos têm discutido os fatores que contribuem
de acesso a serviços para a resposta ao HIV/aids foram para a vulnerabilidade das mulheres à aids. Alguns
expressivas em centros urbanos do Sul e Sudeste que autores pontuam que esta situação pode estar re-
possuem epidemias sob maior controle, quando com- lacionada a questões socioeconômicas e de baixa
parados a outras regiões de médio porte que possuem percepção de risco.14 Salienta-se que pesquisa que
epidemias com perfil de crescimento e capacidade de analisou as diferenças existentes entre os sexos nas
resposta reduzida.11 práticas associadas à infecção por HIV no Brasil
Num cenário de disponibilização universal e gra- evidenciou a dificuldade de negociação do uso de
tuita, desde 1996, de uma terapia que contribui para preservativo com o parceiro, o que diminui o seu
a queda da mortalidade e o aumento da expectativa de uso entre as mulheres.15
vida de pessoas que vivem com HIV/aids, é preocupante Em relação à idade, no RS foi identificado que as
se observarem taxas de mortalidade pela doença ainda faixas de 0-19 anos e 20-29 anos tenderam à queda,
em patamares elevados e com tendência crescente e enquanto nas faixas de 30-39 anos a tendência foi
estacionária no RS e em POA, respectivamente. Segun- estacionária, e nas faixas de 40-49 anos, 50-59 anos
do Veras e colaboradores,12 a mortalidade por aids no e 60 ou mais anos houve tendência de aumento. Em
Brasil permanece expressiva, e ainda existe desigualda- POA as tendências foram decrescentes nas faixas
de no acesso a serviços de saúde. Além disso, o início de 0-19 anos e 20-29 anos. Evidenciou-se estacio-
tardio da terapia antirretrovial influencia no sucesso nariedade nas faixas de 30-39 anos, 40-49 anos e
do tratamento, visto que, quando ocorre o diagnóstico 60 ou mais anos. Apenas a faixa de 50-59 anos teve
precoce do paciente, aumentam as possibilidades de tendência crescente. O perfil supracitado acompanha
o tratamento ser satisfatório. o padrão nacional de mortalidade de acordo com a
Estudo desenvolvido no Reino Unido analisou o idade,2,13 assim como corresponde ao perfil mundial,
efeito do diagnóstico tardio na expectativa de vida em segundo o qual a aids é a quinta principal causa de
uma população de homens que fazem sexo com ho- morte entre aqueles que se encontram na fase adulta
mens (HSH) diagnosticados em 2010, e identificou-se do ciclo de vida.16 Entretanto, é importante destacar
que houve aumento na expectativa de vida onde existe que, nas faixas de 50-59 anos e 60 anos ou mais,
amplo acesso a serviços e medicamentos antirretro- houve perceptível aumento. A atual situação da aids
virais e que o diagnóstico tardio se caracteriza como em idades mais avançadas é uma realidade que tam-
principal fator associado ao óbito em pessoas que bém foi identificada em pesquisa que avaliou a aids
vivem com HIV/aids.4 no Ceará no período de 2001 a 2011.17 Além disso,
A orientação atual do Ministério da Saúde para o investigação que analisou a epidemia de aids entre
controle do HIV/aids é baseada na prevenção para idosos no Distrito Federal apontou que o crescimento
indivíduos que não foram infectados, assim como no do agravo entre a população com 60 anos ou mais foi
diagnóstico e início da TARV precocemente para as oscilante, com tendência à estabilidade, no decorrer
pessoas que vivem com HIV/aids.2 dos anos da série de 1999 a 2009, atribuindo assim
Esta investigação revelou que, entre os homens do novo padrão à epidemia.18
RS e de POA, as taxas de mortalidade por aids foram No que tange à queda da mortalidade por aids
mais elevadas que entre as mulheres. Entretanto, a em populações inclusas na faixa de 0 a 19 anos, esta
tendência de mortalidade por aids entre os homens pode ser reflexo da implementação da prevenção à
foi estacionária em ambas as unidades de análise. transmissão vertical do HIV/aids, que se caracteriza
Quanto ao sexo feminino, tanto no RS quanto em POA, pela disponibilização de teste anti-HIV no momento do

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):477-486, jul-set 2016 483


Mortalidade por aids no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre

pré-natal, assim como da testagem rápida no parto e variação em sua qualidade e cobertura, de acordo
terapia antirretroviral para o recém-nascido.19,20 com as regiões.23 A melhoria na qualidade dos da-
Em relação à cor da pele ou raça, os dados desta dos do SIM também pode ser atribuída à redução
pesquisa revelaram que, no estado, houve tendência do registro de óbitos por causas mal definidas,
a aumento das taxas de mortalidade por aids tanto o que também resulta no aumento das taxas de
na raça/cor branca quanto na parda, e tendência mortalidade específicas nas regiões que apresentam
estacionária com relação às raças preta e negra. No elevado registro de óbitos por causas mal definidas,
município, a mortalidade por aids segundo raça/cor como é o caso das regiões Norte e Nordeste. Padrão
teve tendência crescente nas raças parda e negra e esta- distinto é identificado nas regiões Sudeste e Sul, que
cionária nas raças branca e preta. Cabe salientar que as possuem um número menor de registros de óbitos
taxas de mortalidade pela doença foram mais elevadas por causas mal definidas.24 A partir desta informação,
nas raças preta e negra, tanto no RS quanto em POA. é importante destacar que existe a possibilidade de
Outro ponto importante para ser abordado na variável subestimação das taxas no início do período deste
raça/cor se relaciona à discrepância existente entre o estudo, o que pode fazer com que as tendências de
numerador e o denominador para o cálculo das taxas crescimento possam ser atribuídas, em parte ou
de mortalidade segundo raça/cor, caracterizando-se totalmente, à melhoria da qualidade e da cobertura
como uma limitação no cálculo da taxa de mortalidade dos dados de óbito.
segundo raça/cor, pois o numerador é proveniente do Por fim, faz-se importante frisar que, de acordo com
SIM, sendo o registro de raça/cor determinado por este estudo, o município de Porto Alegre apresentou,
quem preenche a Declaração de Óbito (DO). Quanto em todo o período analisado, taxas de mortalidade
ao denominador, este é captado a partir das projeções mais elevadas que as apresentadas pelo próprio estado,
referentes aos anos censitários, o que pode se refletir o que indica a necessidade de atenção por parte dos
em uma superestimação ou subestimação das taxas, gestores municipais, tendo em vista o fortalecimento
pois, ao se considerar que o crescimento de uma po- das práticas de promoção, prevenção e assistência
pulação é constante, pode ocorrer a não identificação ao HIV/aids.
de padrões de queda ou crescimento da mesma. Este Ademais, para maior compreensão da mortalidade
fator pode influenciar na análise de tendências – ao se por aids nas unidades de análise em questão, também
superestimar uma população, as taxas caem, e quando é fundamental o desenvolvimento de estudos que in-
se subestima, há aumento das taxas –, ou seja, pode vestiguem certas características, como as condições de
apontar para uma tendência equivocada. vida da população e o acesso aos serviços de testagem
Cabe destacar que a elevada taxa de mortalidade por e tratamento de HIV/aids. De fato, apenas o conheci-
aids na população preta, parda e negra no RS e em POA mento do perfil da população acometida pela doença
pode estar relacionada à exclusão desta população no não é suficiente, apesar de contribuir para as práticas
decorrer da história do país.21 de gestão do cuidado e direcionamento de estratégias
Para Barata, 22 pertencer a uma população de para mudanças nos indicadores de incidência e mor-
determinada raça/cor diz sobre ter acesso ou não talidade pelo agravo.
aos serviços de saúde, assim como impacta sobre
as condições de saúde. E, no que corresponde à Contribuição das autoras
população de raça/cor preta, esta se caracteriza por
se concentrar em locais com escassez de recursos, Cunha AP contribuiu na concepção e delineamento
marcados pela deficiência de condições de sanea- do estudo, análise e interpretação dos resultados e
mento básico adequado, assim como de educação redação do manuscrito.
e trabalho, o que contribui para a vulnerabilidade Cruz MM e Torres RMC contribuíram na concepção,
desse grupo. delineamento do estudo e revisão crítica do conteúdo
Salienta-se como limitação deste estudo o uso de do manuscrito.
dados secundários do Sistema de Informações sobre Todas as autoras aprovaram a versão final do ma-
Mortalidade (SIM), pois, apesar das melhorias que nuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do
ocorreram ao longo no tempo neste sistema, há trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

484 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):477-486, jul-set 2016


Ana Paula da Cunha e colaboradoras

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486 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):477-486, jul-set 2016


Artigo
original Descrição dos registros repetidos no Sistema de
Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2008-2009*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300005

Description of duplicate records held on the Notifiable


Diseases Information System, Brazil, 2008-2009

Sérgio Henrique Almeida da Silva Júnior1


Jurema Corrêa da Mota2
Raulino Sabino da Silva2
Mônica Rodrigues Campos2
Joyce Mendes de Andrade Schramm2

Instituto Benjamin Constant, Rio de Janeiro-RJ, Brasil


1

Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
2

Resumo
Objetivo: descrever a proporção de registros repetidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Brasil,
em 2008 e 2009. Métodos: para identificação de registros repetidos de casos de dengue, hanseníase, leishmaniose visceral
(LV) e leishmaniose tegumentar americana (LTA), meningites e tuberculose, utilizou-se o aplicativo Reclink III®; calculou-
se a proporção dos registros repetidos segundo macrorregiões, Unidades da Federação e categorias de porte populacional
do município. Resultados: LV e meningites apresentaram maiores proporções de registros repetidos (5,3% e 3,6%,
respectivamente) e hanseníase a menor (0,7%); proporções mais elevadas foram observadas no Rio Grande do Norte (6,8%
para LV; 5,1% para hanseníase), Rio de Janeiro (2,5% para tuberculose; 4,9% para meningites) e Goiás (2,0% para dengue;
7,2% para meningites). Conclusão: a macrorregião Nordeste concentrou maior proporção de registros repetidos para
quatro das seis doenças estudadas; à exceção da dengue, o percentual de repetição foi menor nos municipios mais populosos.
Palavras-chave: Sistemas de Informação; Notificação de Doenças; Doenças Transmissíveis; Registros de Doenças.

Abstract
Objective: to describe the proportion of duplicate records held on the Brazilian Notifiable Diseases Information
System, 2008-2009. Methods: identification of duplicate records of dengue, leprosy, visceral leishmaniasis and cutaneous
leishmaniasis, meningitis and tuberculosis was conducted using Reclink III®; the proportion of duplicate records was
calculated by geographical region, state and municipal population size categories. Results: visceral leishmaniasis (VL)
and meningitis had higher proportions of duplicate notification (5.3% and 3.6%, respectively) whilst leprosy had the
lowest (0.7%); the states with highest repetitions were Rio Grande do Norte (VL 6.8% and leprosy 5.1%), Rio de Janeiro
(tuberculosis 2.5% and meningitis 4.9%) and Goiás (dengue 2.0% and meningitis 7.2%). Conclusion: the Northeast
region had the highest proportion of duplicate records for four of the six diseases analyzed; with the exception of dengue,
percentage repetition was lower in municipalities with larger population size.
Key words: Information Systems; Disease Notification; Communicable Diseases; Diseases Registries.

* Este artigo faz parte do estudo ‘Carga de Doença no Brasil, 2008’, financiado pelo Ministério da Saúde, por intermédio de seu
Departamento de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos (Decit/MS) sob o seguinte número do projeto: PRES – 004 – LIV – 10-2-2.

Endereço para correspondência:


Sérgio Henrique Almeida da Silva Junior – Núcleo de Pesquisa em Métodos Aplicados aos Estudos de Carga Global de Doença,
Av. Brasil, no 4036, sala 904, Manguinhos, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. CEP: 21040-361
E-mail: sergio.edfisica@gmail.com

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Registros repetidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação

Introdução SIS depende diretamente da qualidade dos dados,


característica que pode ser comprometida quando os
O Sistema de Informação de Agravos de Notificação formulários não são adequadamente preenchidos ou
(Sinan) foi implantado no Brasil em 1993 e regulamen- há lacunas em sua produção e gerenciamento.
tado em 1998, tornando-se obrigatória a alimentação As dimensões da qualidade de um SIS compreendem
regular da base de dados nacional pelos municípios, sua acessibilidade, clareza metodológica, cobertu-
estados e Distrito Federal.1 ra, completitude, confiabilidade, consistência, não
O Sinan, principal base para o funcionamento do duplicidade, oportunidade e validade.6 Duplicidade,
sistema de vigilância epidemiológica de doenças trans- cobertura, completitude e confiabilidade são atributos
missíveis, foi concebido para dimensionar a magnitude relacionados à acurácia das informações.7 Especifi-
de uma determinada doença, detectar surtos e epidemias camente sobre registros repetidos (nomeados como
e elaborar hipóteses epidemiológicas a serem testadas duplicidades), a falta de correção é um obstáculo à
em estudos epidemiológicos específicos e, ademais, qualidade dos dados de notificação, podendo gerar
ser utilizado como um importante instrumento para superestimação dos coeficientes de incidência e de
o planejamento das ações de saúde.1 prevalência da doença. A replicação indevida de
Entretanto, o Sinan possui uma característica que o registros (duplicidade) em um SIS acontece quando
diferencia dos demais sistemas de informações em saúde (i) o mesmo indivíduo foi notificado mais de uma vez
(SIS): a notificação do agravo deve ser remetida o mais pela mesma unidade ou outro estabelecimento de
breve possível, seguindo um processo dinâmico, variável saúde, para o mesmo agravo – caso de agravo agudo
em função do perfil epidemiológico, ações de controle e –, no mesmo período de tempo entre os primeiros
geração de conhecimento científico e tecnológico.2 Críticas sintomas e o início dos sinais/sintomas servidos de
à qualidade dos dados são realizadas durante análise de base do diagnóstico estabelecido, ou quando (ii) o
rotina de qualidade, efetuada nos diversos níveis, diferen- mesmo paciente foi notificado mais de uma vez pela
temente dos demais SIS, em que essas críticas ocorrem mesma unidade de saúde durante seu tratamento –
antes do envio a qualquer nível governamental.2 caso de doença crônica.8
Mesmo que os registros repetidos afetem a quali-
A qualidade de um SIS depende dade de um sistema de informações em saúde, o tema
diretamente da qualidade dos ainda carece de maior atenção na literatura nacional e
dados, característica que pode ser internacional, evidenciando-se uma lacuna na pesquisa
sobre a qualidade desses sistemas. O objetivo deste
comprometida quando os formulários estudo foi descrever a proporção de registros repetidos
não são adequadamente preenchidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação
ou há lacunas em sua produção – Sinan – no Brasil, em 2008 e 2009.
e gerenciamento.
Métodos
Mesmo com versões aprimoradas, a natureza
dinâmica das notificações no Sinan permite que o Foi realizado estudo ecológico descritivo, incluindo-
sistema apresente recorrentes problemas de quali- se todos os casos de dengue, hanseníase, leishmaniose
dade dos dados. Os fatores que contribuem para tal visceral (LV) e leishmaniose tegumentar americana (LTA),
cenário referem-se a falhas na coleta de dados pelos meningites e tuberculose notificados ao Sinan, no Brasil,
profissionais responsáveis, provocando ausência de no período de janeiro de 2008 a dezembro de 2009.
dados epidemiológicos e clínicos, volume expressivo O Sinan nacional possui uma lista de 45 doenças
de campos a serem preenchidos, além da ausência de de notificação compulsória.9 O sistema permite que
retroalimentação do sistema, com redistribuição dos um mesmo indivíduo seja notificado mais de uma
casos segundo o local de residência dos pacientes.2-4 vez naquelas doenças que não conferem imunidade
Sistemas de informações padronizados e confiáveis permanente. Por essa razão, neste estudo, a presença
são essenciais para o monitoramento de qualidade e do termo ‘duplicidade indevida’ refere a notificação
cobertura de serviços de saúde.5 A qualidade de um de ‘caso novo/confirmado’ de um mesmo indivíduo no

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Sérgio Henrique Almeida da Silva Júnior e colaboradores

período de acompanhamento do episódio específico do plicidade foi repetida em cinco passos, utilizando-se
agravo e/ou antes do encerramento do caso, seja por de combinações diferentes dos campos, a saber: (1)
óbito, transferência, recidiva, reingresso ou descarte. PBLOCO, UBLOCO e sexo; (2) PBLOCO e sexo; (3)
A seleção das doenças circunscreveu-se às in- UBLOCO e sexo; (4) PBLOCO e UBLOCO; (5) data de
fecciosas e parasitárias consideradas na estimação nascimento e sexo.11 Para cada passo, o Reclink III gerou
dos Anos de Vida Perdidos Ajustados à Incapacidade uma variável chamada ‘único’, campo de sequência
(Disability-Adjusted Life Year [DALY]) realizada numérica que permite identificar as repetições. Em
pelo projeto de pesquisa ‘Carga de Doença no cada etapa, esse campo único foi associado ao banco
Brasil, 2008’,10 que classificou os agravos em três de dados original.
grandes grupos: I – Doenças infecciosas e parasitá- Com o banco de dados original, já com a indexação
rias, condições maternas, perinatais e deficiências do campo único, foi realizada inspeção manual dos
nutricionais; II – Doenças não transmissíveis; e registros utilizando-se o nome do paciente, nome da
III – Causas externas. mãe, data de nascimento, sexo, município de residência,
Os critérios de seleção dos casos acompanharam os datas de diagnóstico e sintomas, datas de notificação
critérios do Ministério da Saúde:8 para LTA, tuberculose e de tratamento.
e hanseníase, consideraram-se os casos novos, e para Foram considerados os seguintes parâmetros:11
LV, os casos novos e confirmados; para as meningites, nome completo do paciente com probabilidade de
foram considerados os casos confirmados; e para par verdadeiro positivo = 98,0%, probabilidade de
dengue, abarcou-se as notificações de dengue hemor- par falso positivo = 1,0% e limiar = 85,0%; nome
rágica, clássica, dengue com complicações e síndrome completo da mãe do paciente com probabilidade de
de choque da dengue, classificação vigente à época do par verdadeiro positivo de 74,0%, probabilidade de
estudo. Portanto, excluíram-se os casos descartados, par falso positivo = 4,0% e limiar = 85,0%; e data
as recidivas, os reingressos e as transferências. de nascimento do paciente com probabilidade de par
Previamente à identificação de registros repetidos, verdadeiro positivo = 98,0%, probabilidade de par
foi feita a checagem da incompletude de variáveis sobre falso positivo = 2,0% e limiar = 65,0%. Em todos os
as quais se julgaram a replicação ou não dos registros. 5 passos, o escore mínimo utilizado foi de 9,6 – valor
Dada a importância do ‘nome do paciente’, realizou-se indicado por ser bastante específico.12
análise de qualidade do preenchimento desse campo Os percentuais de registros repetidos foram
quanto ao aspecto de legibilidade, e posterior correção, calculados segundo estados e macrorregiões. Com
se necessária, com base no campo ‘fonética’ (referente o propósito de investigar o impacto do porte popu-
ao primeiro e ao último nome do paciente). lacional na geração de registros repetidos, os muni-
A identificação de registros repetidos foi realizada cípios foram divididos em três categorias: pequeno
pelo aplicativo Reclink III, para cada agravo separa- porte (menos de 50.000 hab.), porte intermediário
damente. Todos os procedimentos basearam-se no (50.000 a 99.999 hab.) e grande porte (100.000 hab.
método proposto por Camargo Jr. e Coeli.11 As etapas e mais). Verificou-se a associação entre a proporção
seguiram a eliminação de (a) caracteres especiais dos registros repetidos e o porte populacional por
(()/',.;:-¤\°`!@#$%&*+/?\=[]"_^<>), (b) espaços meio do teste do qui-quadrado de Pearson, com nível
duplos e (c) todos os acentos. Foram transformados de significância de 5,0%.
todos os caracteres para letras maiúsculas e criadas Os softwares utilizados foram o Reclink III, para
novas variáveis, denominadas PBLOCO e UBLOCO, identificação dos registros repetidos, o SPSS 17.0, para
caracterizadas como campos de blocagem, constituí- inspeção manual dos registros, correção do nome do
das, respectivamente, com o primeiro e último nome paciente e aplicação da metodologia de Camargo Jr e
do paciente. Coeli,11 e o R 3.0.2, para elaboração de um gráfico de
Após a padronização, o banco de dados foi reduzido tipo mosaic plot.
aos campos necessários para análise dos registros Os dados foram obtidos na Gerência Nacional do
repetidos: nome do paciente; nome da mãe; data de Sinan, da Secretaria de Vigilância em Saúde, Departa-
nascimento; sexo; município de residência; PBLOCO mento de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde,
e UBLOCO. Nesse banco de dados, a pesquisa de du- após assinatura do Termo de Concessão e Confidencia-

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Registros repetidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação

lidade pela coordenação do projeto do estudo ‘Carga sem possibilidade de correção, correspondente a
de Doença no Brasil, 2008’ e subsequente aprovação 0,9% dos casos desse agravo.
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de A distribuição dos percentuais de casos repetidos
Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP)/Fundação Instituto – por estado e macrorregião – está apresentada na
Oswaldo Cruz (Fiocruz) – CAAE: 0054.0.031.000-11 Tabela 2. No Brasil, as maiores proporções desses
–, nos termos da Resolução do Conselho Nacional de casos foram para LV (5,3%) e meningites (3,6%).
Saúde (CNS) nº 196, de 10 de outubro de 1996, em Nas macrorregiões Norte e Nordeste, as meningites
vigor à época do estudo. atingiram proporções (5,2% e 5,7%, respectivamente)
similares à encontrada para LV. Na observância por
Resultados estados, aquele que apresentou maior proporção de
casos de LV repetidos, na comparação com a média
Os casos notificados no Sinan, para cada agravo, e nacional, foi o Pará (10,7%); para LTA, o Mato Gros-
seus critérios de seleção encontram-se na Figura 1. A so do Sul (4,4%); para tuberculose, o Piauí (4,1%);
leishmaniose visceral – LV – teve a menor participação para dengue, Espírito Santo (2,4%); para meningites,
proporcional de casos (42%), seguida da dengue (48%), Rondônia (9,6%); e para hanseníase, o Rio Grande
enquanto as maiores proporções corresponderam à do Norte (5,1%).
leishmaniose tegumentar americana – LTV – (94%) Quanto à variabilidade na proporção de repetições
e à tuberculose (83%). O agravo com maior número por doença segundo macrorregiões, verificou-se maior
absoluto de notificações foi a dengue (1.522.530). A concentração no Nordeste, para hanseníase (56,6%)
LV teve o menor número de casos (18.541). (mosaic plot da Figura 2). Em relação à LTA, as maiores
A Tabela 1 apresenta os percentuais de incom- proporções corresponderam ao Norte (46,4%), e em
pletude dos campos utilizados na pesquisa de re- relação à dengue, ao Sudeste (37,0%). No Sul essa
gistros repetidos e de correção no preenchimento proporção, quando mais elevada, foi encontrada para
do nome do paciente. De modo geral, os campos a tuberculose (17,1%). O Centro-Oeste apresentou
apresentaram excelente completitude, à exceção 24,6% de notificações indevidas para dengue.
do nome da mãe do paciente de dengue (11,8%) A Tabela 3 apresenta a distribuição proporcional
e do nome do bairro de residência dos casos de dos registros repetidos segundo o porte populacional
LTA (33,8%). Ressalta-se a importante estratégia do município. À exceção da dengue, observou-se
utilizada para a correção do nome do paciente, de um gradiente na proporção de registros repetidos
recorrer à fonética, permitindo a recuperação de inversamente proporcional ao porte populacional:
13,5% de casos para LV, a despeito de ter perma- municípios com maior concentração populacional
necido um pequeno percentual de nomes ilegíveis, apresentaram menor percentual de notificação repetida,

Agravos Total de casos Casos selecionados Critério de seleção

Leishmaniose visceral 18.541 7.805 (42,1%) Caso novo e confirmado

Leishmaniose 47.096 44.044 (93,5%) Caso novo


tegumentar americana

Tuberculose 180.497 150.130 (83,2%) Caso novo

Inclui dengue clássica e com complicações, dengue


Dengue 1.522.530 726.214 (47,7%) hemorrágica e síndrome de choque da dengue;
exclui-se descartados e sem código.

Meningites 67.707 45.816 (67,7%) Caso confirmado

Hanseníase 92.899 80.618 (86,8%) Caso novo

Figura 1 – Critérios de seleção dos casos de agravos selecionados a partir do Sistema de Informação de Agravos
de Notificação (Sinan), Brasil, 2008-2009

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Sérgio Henrique Almeida da Silva Júnior e colaboradores

Tabela 1 – Percentual de incompletude dos campos utilizados para a pesquisa de registros repetidos e
percentual de correção do nome do paciente no Sistema de Informação de Agravos de Notificação
(Sinan), Brasil, 2008-2009

Leishmaniose Leishmaniose
Campos Tegumentar Tuberculose Dengue Meningites Hanseníase
Visceral Americana
Percentual de incompletude
Nome do paciente – – – – – –

Data de notificação – – – – – –

Data do diagnóstico x – – x x x

Data de início do tratamento x 4,2 1,3 x x –

Data dos primeiros sintomas – x x – – x

Data de nascimento 1,4 2,5 1,6 5,5 1,6 1,1

Sexo – – – – – –

Nome da mãe do paciente 2,8 2,2 1,5 11,8 3,0 1,0

Bairro de residência 22,1 33,8 31,4 10,0 6,5 15,1

Município de residência – 0,4 0,1 – – –


Percentual de correção do nome do paciente
Nome legível 85,5 87,8 93,5 99,3 92,4 93,3

Nome ilegível corrigido a


13,5 11,4 5,8 0,5 7,3 4,8

Nome ilegível sem correção 0,9 0,8 0,6 0,2 0,2 1,9
Casos selecionados 7.805 44.044 150.130 726.214 45.816 80.618
a) Correção com base na fonética do nome
Nota:
x = variáveis não incluídas no banco de dados da doença

enquanto municípios com menor porte apresentaram Discussão


maior percentual de notificação repetida. A amplitude
de variação da proporção de registros repetidos por Em uma breve síntese dos principais resultados
porte populacional alcançou valores desde 7,1% do presente estudo, destacam-se a leishmaniose e
para LV em municípios com menos de 50.000 hab. as meningites com as maiores proporções de noti-
até 2,9% para meningites em municípios com mais ficações repetidas, e a hanseníase como o agravo
de 100.000 hab. com menor proporção de duplicidade. Os estados
A diferença entre as proporções de registros repe- que apresentaram as maiores proporções de repe-
tidos e portes populacionais dos municípios só não tições, para mais de uma doença, foram Rio Grande
apresentou resultado significativo para LTA: p-valor = do Norte, Rio de Janeiro e Goiás. A macrorregião
0,070 (Tabela 3). Nordeste teve a maior concentração de proporção
Afinal, o percentual de notificações repetidas de LV, de registros repetidos, em quatro das seis doenças
tuberculose, meningites e hanseníase foi significativamente analisadas. À exceção da dengue, observou-se que os
menor nos municipios de maior porte populacional. municípios com maior concentração populacional
Para dengue, com já foi dito, observou-se o inverso: apresentaram menor percentual de notificação repe-
maiores proporções de notificações repetidas nos tida, e municípios de menor porte, maior percentual
municipios de maior porte. dessas repetições.

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Registros repetidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação

Tabela 2 – Distribuição dos valores absolutos e percentuaisa de casos repetidos no Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan) segundo unidades da federação e macrorregiões. Brasil, 2008-2009

Leishmaniose Leishmaniose
Tegumentar Tuberculose Dengue Meningites Hanseníase
Visceral Americana
Rondônia – 32 (1,5) 9 (0,8) 225 (1,2) 16 (9,6) 10 (0,4)
Acre – 35 (1,7) 4 (0,6) 228 (1,1) 2 (3,6) 5 (0,9)
Amazonas – 125 (3,6) 42 (0,8) 71 (0,7) 10 (2,6) 6 (0,3)
Roraima – 26 (3,1) 1 (0,3) 98 (1,4) – 6 (1,6)
Pará 81 (10,7) 133 (1,8) 105 (1,4) 165 (0,8) 68 (6,2) 57 (0,6)
Amapá – 48 (4,1) 13 (2,8) 23 (0,9) – 1 (0,2)
Tocantins 26 (2,8) 22 (2,1) 8 (1,9) 66 (0,4) 4 (2,3) 9 (0,3)
Norte 107 (6,3) 421 (2,3) 182 (1,2) 876 (0,9) 100 (5,2) 94 (0,5)
Maranhão 64 (6,1) 65 (1,9) 92 (2,0) 63 (1,0) 60 (8,9) 45 (0,5)
Piauí 26 (5,7) 6 (3,1) 71 (4,1) 71 (1,2) 129 (9,2) 43 (1,2)
Ceará 70 (5,7) 41 (2,2) 182 (2,3) 849 (1,4) 43 (3,7) 77 (1,5)
Rio Grande do Norte 13 (6,8) 2 (3,0) 51 (2,4) 199 (1,3) 38 (12,1) 31 (5,1)
Paraíba 2 (3,2) 5 (2,8) 39 (1,7) 39 (0,7) 1 (0,3) 8 (0,5)
Pernambuco 9 (5,8) 16 (1,6) 273 (3,2) 151 (0,8) 124 (3,2) 29 (0,4)
Alagoas 3 (4,7) 5 (2,8) 35 (1,4) 178 (1,4) 4 (1,2) 7 (0,8)
Sergipe 4 (5,1) – 17 (1,4) 529 (2,0) 12 (10,6) 7 (0,7)
Bahia 28 (4,9) 127 (1,8) 337 (2,8) 1.048 (1,2) 234 (7,3) 82 (1,3)
Nordeste 219 (5,7) 267 (1,9) 1.097 (2,6) 3.127 (1,3) 645 (5,7) 329 (0,9)
Minas Gerais 44 (4,0) 34 (1,4) 92 (1,0) 659 (0,7) 81 (3,1) 13 (0,3)
Espírito Santo 1 (9,0) 6 (3,1) 20 (0,7) 1.323 (2,4) 15 (3,2) 4 (0,1)
Rio de Janeiro – 11 (6,1) 593 (2,5) 1.789 (1,6) 116 (4,9) 18 (0,4)
São Paulo 12 (2,3) 13 (1,6) 148 (0,4) 91 (0,5) 400 (2,3) 20 (0,4)
Sudeste 57 (3,5) 64 (1,8) 853 (1,2) 3.862 (1,4) 612 (2,7) 55 (0,3)
Paraná – 14 (1,4) 59 (1,1) 11 (0,5) 79 (2,3) 3 (0,1)
Santa Catarina – – 45 (1,3) – 43 (2,6) 2 (0,4)
Rio Grande do Sul – – 352 (3,4) – 97 (2,7) 6 (1,6)
Sul – 14 (1,2) 456 (2,4) 11 (0,4) 219 (2,5) 11 (0,3)
Mato Grosso do Sul 17 (3,9) 11 (4,4) 18 (0,9) 218 (1,5) 17 (4,1) 7 (0,5)
Mato Grosso 12 (8,6) 110 (1,6) 24 (1,1) 967 (1,7) 18 (3,8) 31 (0,5)
Goiás 7 (8,9) 18 (2,1) 31 (1,7) 1.373 (2,0) 64 (7,2) 50 (0,9)
Distrito Federal 1 (4,0) 2 (4,1) 11 (1,6) 12 (1,1) 15 (4,1) 4 (0,7)
Centro-Oeste 37 (5,5) 141 (1,8) 84 (1,2) 2.570 (1,9) 114 (5,3) 92 (0,7)
Brasil 420 (5,3) 907 (2,0) 2.672 (1,7) 10.446 (1,4) 1.690 (3,6) 581 (0,7)
duplicados
Brasil 7.805 (100,0) 44.044 (100,0) 150.130 (100,0) 726.214 (100,0) 45.816 (100,0) 80.618 (100,0)
selecionados
a) Percentual em relação ao total de casos na unidade da federação

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Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Dengue

Hanseníase

Leishmaniose Tegumentar

Leishmaniose Visceral

Meningite

Tuberculose

 
Figura 2 – Distribuição percentual de casos repetidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação
(Sinan) por macrorregião, Brasil, 2008-2009

Tabela 3 – Distribuição proporcional de registros repetidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação


(Sinan) segundo porte populacional dos municípios, Brasil, 2008-2009

Porte populacional dos municípios


Doenças Brasil p-valor a
<50.000 hab. 50.000 a 99.999 hab. ≥ 100.000 hab.
(%) (%) (%)

Leishmaniose visceral 7,1 6,8 3,3 5,3 <0,001

Leishmaniose tegumentar americana 2,1 1,7 2,2 2,0 0,070

Tuberculose 2,3 1,8 1,6 1,7 <0,001

Dengue 1,2 1,3 1,6 1,4 <0,001

Meningites 6,5 5,0 2,9 3,6 <0,001

Hanseníase 1,1 0,7 0,4 0,7 <0,001

a) Teste do qui-quadrado de Pearson

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Registros repetidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação

Para todos os agravos analisados, alguns campos A qualidade da informação sobre dengue no
utilizados na avaliação de registros repetidos apre- Sinan foi motivo de um estudo sobre confiabilidade
sentaram alta completude, principalmente quanto do diagnóstico final na epidemia de 2001-2002, no
ao nome do paciente, data de notificação, data de município do Rio de Janeiro.18 Entre seus achados,
diagnóstico, data dos primeiros sintomas, sexo e observou-se a presença de altos percentuais de
município de residência. Entretanto, a avaliação da registros ignorados em grande parte dos campos
qualidade de preenchimento do nome do paciente de preenchimento, inclusive aqueles relativos ao
mostrou que esse campo foi corrigido para todos os diagnóstico da doença.
agravos, evidenciando o comprometimento da qua- Aperfeiçoamentos promovidos entre as versões Sinan-
lidade das informações disponibilizadas ao usuário -Windows e Sinan-Net contribuíram para a melhoria da
dessa base de dados. qualidade das notificações de dengue, principalmente
Dentre as doenças analisadas, a hanseníase foi a que nos campos de identificação do paciente;19 contudo,
apresentou maior percentual de impossibilidade de acesso o percentual de 1,4% de duplicidades encontrado no
à informação sobre o nome do paciente. Problemas rela- estudo em tela evidencia a persistência de problemas
tivos à qualidade da informação de dados demográficos e na qualidade da informação.
socioeconômicos desse agravo também foram ressaltados Bierrenbach e colaboradores,20 ao avaliarem o impacto
por estudo realizado em Pernambuco.13 de registros repetidos nas estimativas de prevalência
No presente estudo, a LV foi identificada como a de tuberculose, observaram 22,7% de notificações
doença com menor qualidade de preenchimento do duplicadas no período de 2001 a 2007; ao excluí-las,
nome do paciente: praticamente 14,0% dos casos não a taxa de incidência viu-se reduzida em 4,0% (2001)
tinha o nome legível. Questões relacionadas à qualidade e 5,5% (2007). No presente trabalho, a incidência de
da informação do Sinan para LV foram abordadas por tuberculose apresentou 1,7% dos registros repetidos.
um estudo sobre subnotificação do agravo14 e, ainda Certamente, cabe aqui ressaltar as diferenças meto-
que a duplicidade não tenha sido o foco principal da dológicas entre ambos estudos: Bierrenbach e cols.20
referida pesquisa, seus resultados apontaram a neces- analisaram casos prevalentes, ao passo que neste estu-
sidade de melhorias na qualidade das notificações: do, foram considerados somente os casos incidentes.
alguns casos não foram avaliados devido a registros A existência de registros repetidos para tuberculose
sem preenchimento ou ignorados. sugere que as rotinas de análise de duplicidades ainda
Concernente à LTA, o percentual de 2,0% encontrado não são realizadas adequadamente.21
aqui foi inferior ao de 3,7% reportado para Mato Grosso A meningite foi o segundo agravo com maior per-
do Sul, segundo estudo de Piovesan.15 centual de duplicidades: 3,6%. Um estudo avaliativo
Uma avaliação da qualidade de informação no Sinan do Sinan para meningite, realizado no município de
relativa à dengue,16 de 2010, encontrou completude São Paulo de 2006 a 2008, encontrou percentuais
excelente nos campos de preenchimento obrigatório, de duplicidades da ordem de 5,7% (2006) e 5,9%
embora não avaliasse a qualidade do preenchimento (2008).22 Em contrapartida, outro estudo, este para
dos dados. No tocante à duplicidade, o mesmo es- avaliar a confiabilidade do diagnóstico final das me-
tudo não encontrou registros repetidos, em função, ningites em Belém no ano de 2009, não encontrou
provavelmente, de a análise ter-se restringido a um duplicidades de registros no Sinan.23 Ressalta-se,
único município. porém, que este último trabalho analisou apenas
Outra pesquisa cujo objetivo foi avaliar a qualidade casos cuja notificação ocorreu no mesmo município
e oportunidade da notificação de dengue no Sinan, esta de residência do paciente.
desenvolvida no Paraná entre 2011 e 2013, encontrou A literatura sobre impactos na remoção de registros
registros duplicados na ordem de 0,3% no período repetidos é incipiente, provavelmente devido ao fato
2011-2012 e de 0,6% no período 2012-2013.17 Entre de a etapa de remoção caracterizar-se mais como um
as possíveis explicações para valores, apontou-se item de processo que de resultados em si. Lima e cols.6
uma epidemia ocorrida nos anos estudados, além de apontaram que a dimensão ‘não duplicidade’ somente
deficiências na rotina de trabalho dos profissionais foi contemplada em 4,0% dos estudos de análise de
responsáveis pelas notificações. qualidade da informação.

494 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):487-498, jul-set 2016


Sérgio Henrique Almeida da Silva Júnior e colaboradores

Os estudos supracitados pressupõem que o nível A avaliação dos municípios por porte populacional
de agregação das bases de dados (Brasil, estados ou foi realizada para verificar a hipótese de a ocorrência
município) pode influenciar os registros repetidos das duplicidades ser maior nos municípios de menor
no Sinan. As rotinas de verificação de duplicidades porte, supostamente com insuficiência de recursos
encontram-se implementadas no sistema; porém, o fato humanos capacitados e equipamentos compatíveis para
de ainda existir duplicidades na base nacional eviden- conduzir a implementação e gerenciar os sistemas de
cia que as medidas corretivas, visando à exclusão dos informações em saúde. Os resultados apresentados
registros nos níveis municipal e estadual, podem não confirmaram essa hipótese: encontrou-se um gradien-
estar a ser devidamente aplicadas; ou não há capacitação te inversamente progressivo, entre a concentração
profissional para essa tarefa.20 populacional dos municípios e seu percentual de
Mesmo que o Sinan seja objeto de constante aperfei- notificação repetida.
çoamento, as deficiências observadas na qualidade dos Dengue foi a única doença cuja proporção de
dados, decorrentes de lacunas no processo de preenchi- registros repetidos aumentou conforme o cresci-
mento das informações, nos recursos computacionais mento do porte populacional. Este cenário pode,
e na capacitação profissional, permanecem como um em parte, ser explicado pela ordem de grandeza do
desafio para gestores e usuários.4,24,25 agravo em termos endêmicos – cerca de 1 milhão
Destaca-se, ademais a ausência de orientação e meio de notificações entre 2008 e 2009 –, como
técnica para operacionalização do procedimento também pela maior proporção de casos notificados
nas situações de notificação de um caso por um em municípios de grande porte do país: em 2008,
município e investigação/confirmação por outro que cerca de 33,0% do total de notificações deu-se em
já o notificara – o que se passa a nomear aqui como municípios com até 50.000 hab., 12,0% em municípios
‘invasão de território’. Nesse sentido, compete à União, de 50.000 a 100.000 mil hab. e 55,0% naqueles com
estados e municípios: mais de 100.000 hab.28 Em São Paulo, no período
[...] avaliar regularidade, completude, consis- de 2007-2008, a proporção de municípios com
tência e integridade dos dados e duplicidade dengue aumentou progressivamente, acompanhando
de registros, efetuando os procedimentos o porte populacional.15 Outrossim, municípios de
definidos como de responsabilidade do seu grande porte não dispõem de estrutura adequada a
nível, para a manutenção da qualidade da seu tamanho populacional para combate ao vetor;
base de dados.1 esta situação relaciona-se, também, ao sistema de
A exclusão de registro deve ser efetuada no primeiro vigilância epidemiológica da dengue, não integrado
nível informatizado, ou seja, onde a ficha foi inicial- ao sistema de vigilância entomológica.19
mente digitada. Têm-se empreendido esforços pela constante
Percebe-se que o problema de ‘invasão de ter- melhoria da qualidade do Sinan, principalmente
ritório’ persiste, mesmo após a implementação na questão de registros repetidos. O chamado
do Sinan-NET. A instância autorizada a corrigir os Fluxo de Retorno, criado em 2007 e reformulado
registros repetidos não tem acesso à informação recentemente, foi desenvolvido como uma funciona-
de ‘invasão de território’, detectada apenas em lidade do Sinan, com a intenção de complementar
um nível superior de agregação do dado (estado; o processo de apoio à investigação e análise da
União) que não tem autorização para corrigi-lo na vigilância epidemiológica.29 O objetivo principal do
fonte que o originou.13 Fluxo de Retorno é enviar dados sobre notificações
Vê-se a existência de um problema de fluxo entre de pacientes fora do seu município de residência,
esferas de gestão, ainda não solucionado, aliado à fazendo com que as unidades notificantes investi-
deficiência de recursos humanos qualificados, o que guem o caso e o encaminhem ao banco de dados
pode justificar, parcialmente, a existência de registros nacional como um único registro.
repetidos encontrada por este estudo. É possível Deve-se considerar uma importante limitação do
que os registros repetidos decorram desses fatores método aplicado nesta análise: a possibilidade de que
relacionados ao gerenciamento e operacionalização registros repetidos não tenham sido detectados pelo
do Sinan.26,27 aplicativo RecLink III. Observou-se baixa qualidade

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):487-498, jul-set 2016 495


Registros repetidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação

na informação dos campos referentes ao nome da mãe para avaliar a gravidade de uma doença ou agravo, o
do paciente (não corrigido) e datas, evidenciada em retardo na detecção de casos e, consequentemente,
caracteres incompreensíveis e dados faltantes. no início do tratamento, acarretando possível prejuízo
Também é mister citar outros fatores limitantes, para sua efetividade.
capazes de comprometer as estimativas de parâme-
tros clínico-epidemiológicos: a subnotificação dos Contribuição dos autores
pacientes que sequer chegam a acessar o serviço
de saúde, o sub-registro dos que o acessam, bem Silva Júnior SHA participou da concepção, deline-
como a falta de completude dos campos daqueles amento e análise dos dados.
que são registrados. Mota JC e Campos MR participaram da análise
A avaliação da qualidade da informação em saúde dos dados.
é um importante item de subsídio ao planejamento e Silva RS participou da concepção e revisão do artigo.
gestão de recursos, além de fundamentar medidas de Schramm JMA participou da concepção do artigo.
proteção e promoção da saúde. Assim, faz-se neces- Todos os autores participaram da redação e revi-
sário o preenchimento das lacunas existentes quanto são do artigo e assumem responsabilidade por todos
à qualidade dos registros. O não monitoramento do os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua
processo de notificação configura perda de oportunidade precisão e integridade.

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Registros repetidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação

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498 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):487-498, jul-set 2016


Artigo
original Copa do Mundo FIFA Brasil 2014: vigilância ativa e
perfil dos atendimentos de saúde na cidade-sede de
Fortaleza, Ceará*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300006

2014 FIFA World Cup Brazil: active surveillance and profile


of health care in the host city of Fortaleza, Ceará, Brazil

Márcio Henrique de Oliveira Garcia1


Francisco José de Paula Júnior2
Jakeline Ribeiro Barbosa3
Geziel dos Santos de Sousa4
Alexandre José Mont'Alverne Silva1
Lilian Alves Amorim Beltrão1

1
Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil
2
Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Brasília-DF, Brasil
3
Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
4
Universidade Estadual do Ceará, Doutorado em Saúde Coletiva, Fortaleza-CE, Brasil

Resumo
Objetivo: descrever a estratégia de vigilância ativa em tempo real e o perfil dos atendimentos de saúde realizados no
período da 20ª Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 (CMFB), na cidade-sede de Fortaleza, Ceará, Brasil. Método: estudo
descritivo com dados das fichas de atendimento relacionados à Copa, entre 8/6 e 13/7/2014, nas unidades de saúde pré-
selecionadas. Resultados: foram 2.570 atendimentos relacionados à CMFB, 56% de indivíduos do sexo masculino, 35% de 20
a 29 anos de idade, 68% foram atendimentos clínicos, 64% de torcedores/espectadores; 94% dos atendidos foram liberados,
3% removidos, 3% internados e 0,2% idos a óbito; os postos médicos avançados responderam por 79% dos atendimentos,
principalmente nos dias de jogos. Conclusão: não foram identificados eventos de Saúde Pública de grande relevância; a
estratégia de vigilância ativa possibilitou monitorar a situação de saúde dos envolvidos no evento.
Palavras-chave: Vigilância em Saúde Pública; Futebol; Epidemiologia Descritiva.

Abstract
Objective: to describe the real-time active surveillance strategy and the profile of health care provided during the 20th
FIFA World Cup Brazil 2014 (FWCB), in the host city of Fortaleza, Ceará, Brazil. Methods: this was a descriptive study with
data collected from medical records during the FWCB, between June 8 and July 13, 2014, in pre-selected health care units.
Results: there were 2,570 medical assistances related to the FWCB; 56% of the patients were male, 35% were between
20 and 29 years old; 68% were clinical care, and 64% of the individuals were fans/spectators; 94% of the patients were
discharged, 3% were referred, 3% were hospitalized and 0.2% died; the advanced medical units were responsible for 79%
of the assistances, mainly on game days. Conclusion: no public health event of great importance was identified; the active
surveillance strategy enabled the monitoring of health situation of those individuals involved in the event.
Key words: Public Health Surveillance; Soccer; Epidemiology, Descriptive.

* O trabalho teve o apoio das seguintes instituições: Ministério da Saúde, no custeio de diárias e passagens do assessor técnico;
Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, no apoio logístico para o deslocamento e na cessão de espaço físico para a equipe de
trabalho; e Centers for Disease Controland Prevention (CDC)/Atlanta-GA/EUA, mediante a Training Programs in Epidemiology and
Public Health Interventions Network (TEPHINET) como marco do acordo de cooperação do CDC com a América Latina via Rede
Sulamericana de Epidemiologia de Campo (REDSUR), para o desenvolvimento da tecnologia de armazenamento de dados em nuvem
e dos dispositivos móveis.

Endereço para correspondência:


Márcio Henrique de Oliveira Garcia – Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, Coordenação de Promoção e Proteção à Saúde,
Av. Almirante Barroso, no 600, Praia de Iracema, Fortaleza-CE, Brasil. CEP: 60060-440
E-mail: marciogarcia.saude@gmail.com

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):499-510, jul-set 2016 499


Atendimentos de saúde na Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, Fortaleza-CE

Introdução Na cidade-sede de Fortaleza foram disputadas seis


partidas de futebol, nos dias 14, 17, 21, 24 e 29 de junho
Um evento de massa pode ser entendido como e 4 de julho de 2014, com média de público na Arena
qualquer evento que envolva grande número de Castelão de 59.483; os dias de 17/6 e 4/7 reuniram maio-
pessoas, reunidas por localização, período e motivos res públicos, com mais de 60 mil espectadores presentes
específicos, seja ele de caráter esportivo, cultural ou no estádio. Houve intensa mobilização face à necessidade
religioso. A aglomeração de pessoas pode apresentar de promover um evento de massa seguro para todos os
situações de introdução e disseminação de doenças, visitantes que circulavam pelo país durante a CMFB.7,9,10
com possível aumento da demanda por serviços de O objetivo deste artigo foi descrever a estratégia de
saúde, sendo fundamental o planejamento de ações vigilância ativa em tempo real e o perfil dos atendimen-
responsáveis do sistema de saúde.1-4 tos de saúde realizados no período da 20ª Copa do
A Copa do Mundo da Federação Internacional de Mundo da FIFA Brasil 2014 – CMFB –, na cidade-sede
Futebol Associado (FIFA) é o segundo maior evento de Fortaleza, estado do Ceará.
esportivo do planeta. A disputa entre as melhores sele-
ções de futebol do mundo acontece a cada quatro anos Métodos
e mobiliza bilhões de pessoas de todos os continentes
e culturas. As últimas edições do evento aconteceram Trata-se de estudo descritivo. Para a descrição da
na Alemanha (2006) e na África do Sul (2010).5,6 A 20a estratégia de vigilância ativa em tempo real, foram
edição da Copa do Mundo da FIFA (CMFB) aconteceu utilizados dados dos relatórios produzidos pela equipe
no Brasil, no ano de 2014, sendo essa a segunda vez de supervisores da Secretaria da Saúde do Estado do
em que o país abrigou o evento; a primeira Copa no Ceará e do Ministério da Saúde. Para identificação
Brasil aconteceu em 1950.7 A competição ocorreu de possíveis mudanças no padrão epidemiológico de
entre 12 de junho e 13 de julho de 2014, com a parti- doenças e agravos à saúde, foram utilizados dados se-
cipação de 32 seleções. Os jogos foram realizados em cundários coletados pela estratégia de vigilância ativa.
doze cidades-sede: Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Em 2014, Fortaleza abrigava 2.571.896 habitantes
Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, e era a 5ª capital mais populosa do Brasil, segundo
Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.8 estimativas da Fundação Instituto Brasileiro de Ge-
ografia e Estatística (IBGE).11 O município acolheu
A aglomeração de pessoas pode eventos da CMFB no período de 8 de junho a 13 de
apresentar situações de introdução julho de 2014.
e disseminação de doenças, com A Secretaria da Saúde do Estado do Ceará e a Secreta-
ria Municipal de Saúde de Fortaleza instalaram o Centro
possível aumento da demanda por Integrado de Operações Conjuntas da Saúde (CIOCS/CE),
serviços de saúde, sendo fundamental com o objetivo de centralizar o comando e monitoramen-
o planejamento de ações responsáveis to das ações entre 8 de junho e 25 de julho de 2014. O
do sistema de saúde. CIOCS/CE contou com membros de ambas secretarias
de saúde, representados pelas áreas de Atenção à Saú-
A CMFB colocou desafios específicos para o país, de, Promoção da Saúde, Vigilância em Saúde, Saúde do
dado seu tamanho e diversidade de participantes. Foi Trabalhador, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
um evento com potencial para a disseminação de do- (SAMU), Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen/
enças transmissíveis, possíveis ameaças de acidentes CE) e Assessoria de Comunicação, além de contar com
com múltiplas vítimas, atentados com produtos quími- o apoio de técnicos de informação e logística.
cos, biológicos, radiológicos, nucleares e explosivos O CIOCS/CE funcionou como uma sala de situação
(QBRNE), casos isolados ou surtos. Os desafios não se e garantiu o fluxo de informação estratégica entre
limitavam à tomada de medidas de controle, incluíam a os diversos setores locais e o Centro Integrado de
detecção oportuna e o manejo de doenças infecciosas Comando e Controle Nacional (CICCN) do Governo
na população local e nos viajantes que retornavam a Federal.7 As ações proporcionaram o registro e a
seus países de origem.3,4,7,8 obtenção de dados.

500 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):499-510, jul-set 2016


Márcio Henrique de Oliveira Garcia e colaboradores

Considerou-se a definição de atendimento: indi- na rede de assistência à saúde do município. Foram


víduo que estivesse em uma das unidades de saúde montados dois PMA no espaço da arena FFF, que
pré-determinadas, para receber qualquer tipo de funcionaram de 8 a 13 de julho de 2014, durante os
atendimento de saúde relacionado ao evento. shows e as transmissões dos jogos. Outros dois PMA
As variáveis estudadas foram: sexo (masculino ou foram adaptados em duas unidades básicas de saúde
feminino); data do atendimento; faixa etária (em anos: próximas à Arena Castelão; e nesta, foram instalados
≤1; 1 a 4; 5 a 9; 10 a 14; 15 a 19; 20 a 29; 30 a 39; 40 a mais dois PMA para atendimento somente nos dias de
49; 50 a 59; 60 a 69; 70 a 79; ≥80; idade ignorada); tipo jogos. Todos os PMA contavam com duas ambulâncias
do serviço de atendimento (público ou privado); relação (uma básica e uma avançada) do SAMU. O PMA da
com o evento (espectador; trabalhador FIFA; contratado área externa da Arena Castelão também contou com
ou voluntario; imprensa; policial/segurança; manifes- uma ambulância básica envelopada, para atendimento
tante; outros); tipo de atendimento (trauma [acidente a vítimas de agentes QBRNE.
e violência] ou clínico); evolução (liberado; removido; Foram selecionadas três UPA estrategicamente
internado; óbito); país de residência; e abordagem sin- localizadas: uma na Praia do Futuro e duas próximas
drômica (diarreica; respiratória; exantemática). à Arena Castelão.
A classificação de risco, quando realizada, ocorria Das 20 unidades selecionadas e equipadas para
na admissão e baseava-se no Protocolo de Manchester, coleta dos dados, 10 utilizaram dispositivos móveis
caracterizado por trabalhar com algoritmos associados (tablets) online (conectados, em tempo real); destas
ao tempo de espera e simbolizado por uma escala de 10 unidades, 3 eram PMA, 3 UPA e 4 hospitais (2
cores. Para o evento, as cores foram padronizadas em públicos e 2 privados), responsáveis por um total de
relação ao risco: verde (baixo risco); amarelo (risco 1.479 (57,6%) registros. As outras 10 unidades, das
moderado); vermelho (alto risco); e preto (óbito). quais 9 eram hospitais públicos, coletaram os dados
A resolubilidade dos atendimentos foi calculada dos atendimentos de forma convencional, utilizando-
pela proporção de atendidos não removidos em re- se de computadores de mesa ou notebooks para
lação ao total de atendimentos realizados nas arenas 161 (6,3%) registros, além do PMA interno da Arena
Castelão e FIFA Fan Fest (FFF). A taxa de atendimento Castelão, que tinha seus dados digitados no CIOCS/CE
foi calculada pelo número de atendimentos dividido e contabilizou 930 (36,2%) registros.
pelo público estimado e multiplicado por mil, para Nas unidades que utilizaram tablets, os dados
ambas arenas. foram digitados por 13 coletadores voluntários: 10
O presente estudo foi realizado com dados secun- fixos e 3 substitutos para os dias de folga. Os dados
dários, disponibilizados pela Secretaria da Saúde do desses dispositivos eram enviados online para a base
Estado, coletados e analisados na rotina das atividades de dados centralizada no CIOCS/CE. Nas unidades que
de vigilância epidemiológica, garantindo a confidencia- utilizavam o modo de registro convencional, os dados
lidade e anonimato dos indivíduos, em conformidade foram digitados por servidores estaduais ou municipais
com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde(CNS) e enviados por lotes, via e-mail, para serem adiciona-
nº 466, de 12 de dezembro de 2012. dos à base de dados no CIOCS/CE.
Os atendimentos realizados na Arena Castelão ado-
Resultados taram uma estratégia diferente devido ao impedimento,
pela entidade organizadora do evento, da entrada na
Estratégia de vigilância ativa Arena Castelão com os tablets. Como solução, ao final
Para os atendimentos relacionados à CMFB na dos jogos, as fichas eram digitadas por técnicos de
cidade de Fortaleza, foram selecionadas 20 unidades plantão na sede do CIOCS/CE.
de saúde: 11 hospitais, 3 unidades de pronto atendi- O monitoramento em tempo real foi realizado por
mento (UPA) e 6 postos médicos avançados (PMA), uma equipe multiprofissional e interinstitucional, com-
totalizando 17 unidades públicas (12 municipais e 5 posta por profissionais de tecnologia da informação,
estaduais) e 3 privadas. epidemiologista, médico, enfermeiro, pessoal de apoio
Os PMA eram estruturas provisórias, equipadas administrativo e supervisores de campo. A supervisão
para atender a demanda da CMFB e evitar sobrecarga ficou responsável por monitorar a alimentação dos

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):499-510, jul-set 2016 501


Atendimentos de saúde na Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, Fortaleza-CE

dados, acompanhar a equipe de coletadores, dar su- b) Respiratória – Pacientes atendidos com exantema,
porte técnico aos equipamentos e ao envio dos dados. A febre, cefaleia e tosse; ou de forma mais sensível,
estratégia contou com o apoio do Ministério da Saúde, com exantema, febre e cefaleia.
dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) c) Exantemática – Pacientes atendidos com febre, tosse
dos Estados Unidos da América e da Rede Sulamericana e dor de garganta; ou de forma mais sensível, com
de Epidemiologia de Campo (REDSUR), por meio dos febre e tosse ou dor de garganta.
Training Programs in Epidemiology and Public Health
Interventions Network (TEPHINET). Perfil dos atendimentos
Todos os dispositivos móveis utilizados no trabalho No período de 8 de junho a 13 de julho de 2014,
funcionaram de forma satisfatória, sem apresentar foram realizados 2.570 atendimentos relacionados
grandes problemas para a execução das atividades. à CMFB em Fortaleza. Desses atendimentos, 55,5%
No período, foram utilizados 2.341 Mbytes dos paco- foram de indivíduos do sexo masculino e 35,1% na
tes de dados móveis dos dispositivos, para envio dos faixa etária de 20 a 29 anos; 68,4% foram atendimentos
dados pelo aplicativo do Epi Info™ desenvolvido em clínicos – incluídos os atendimentos por ingestão de
plataforma Android. bebida alcoólica – e os restantes 31,6% por trauma
Todos os dados foram processados no CIOCS/CE, (Tabela 1).
utilizando-se os softwares Microsoft Office Excel 2003, Entre os 812 registros de traumas, 19,6% foram
Epi Info™ versão 7.1.3.10, para tabulação e análises devidos a quedas, 10,6% por agressões, 10,5% por
de dados, além do SQL Server Management Studio, para acidentes de transporte e 8,0% por queimaduras; além
exportação e manipulação da base de dados. dos registros de traumas, 51,3% dos atendimentos
Para complementar a estratégia de vigilância ativa resultaram de outros acidentes/violências (Tabela 1).
e o monitoramento em tempo real dos atendimentos Segundo o risco implicado nos atendimentos,
de saúde na CMFB, o CIOCS/CE utilizou a estratégia 78,2% foram classificados como verde, 14,7% ama-
de análise por painéis, possibilitando o monitora- relo, 1,7% vermelho e 0,1% preto; 3,3% dos atendi-
mento e a tomada de decisões pelos gestores de mentos não utilizaram classificação de risco e 2,0%
forma mais rápida. não preencheram essa variável (Tabela 1).
Foram construídos três painéis pelo Epi Info™, Quanto à relação com o evento, 64,4% eram torce-
com análises pré-tabeladas e atualizadas a partir dores/espectadores e 33,6% trabalhadores. A maioria
da inserção de novos dados, sendo dois painéis dos atendimentos foram a brasileiros(84,3%), 3,4% a
específicos para as ações de rotina e um para mexicanos, 1,6% a estadunidenses, 1,5% a alemães,
abordagem sindrômica. 0,9% a uruguaios, 0,8% a colombianos e 0,8% a
Entre os painéis específicos, um foi denominado franceses (Tabela 1).
TOTAL, demonstrando 10 análises com a descrição Quanto à evolução dos atendimentos, 94,1% dos
dos atendimentos por país de residência, outros países, indivíduos foram liberados, 3,2% removidos, 2,5%
unidade notificante, curva epidêmica, faixa etária, tipo internados e 0,2% foram a óbito. Houve maiores re-
de atendimento, tipo de acidente/violência, relação gistros de atendimentos nos dias de jogos em Fortaleza
com o evento, evolução e classificação de risco; e o (Figura 1).
outro painel específico, denominado DIÁRIO, filtrado Entre os 2.540 atendimentos com pelo menos
para a data do dia, apresentava todas as análises do uma queixa clínica, 19,7% relataram cefaleia, 7,7%
painel TOTAL exceto a curva epidêmica. mal-estar, 6,7% náusea, 5,7% dor abdominal e 4,6%
Outra forma de monitoramento foi a abordagem vômito (Tabela 1).
sindrômica, montada a partir das seguintes defini- Quanto à distribuição dos atendimentos por tipo de
ções de casos para síndrome diarreica, respiratória unidade de saúde, 79,0% foram registrados nos PMA,
e exantemática: 15,3% nos hospitais e 5,7% nas UPA.
a) Diarreica – Pacientes atendidos com diarreia + Ao se comparar o número de internações hos-
náusea + vômito; ou de forma mais sensível, com pitalares nos meses de junho e julho de 2014 com
diarreia mais um dos seguintes sintomas, náusea, o número de internações realizadas no período de
vômito ou febre. 2010 a 2014, não se observou grande alteração do

502 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):499-510, jul-set 2016


Márcio Henrique de Oliveira Garcia e colaboradores

Tabela 1 –Perfil dos atendimentos realizados durante a 20ª Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 no município-sede
de Fortaleza-CE, junho-julho de 2014

Local de atendimento

Variáveis Rede de urgência e Arena Arena Castelão Total de atendimentos


emergência FIFAa Fan Fest
N=540 % N=901 % N=1.129 % N=2.570 %
Sexo
Masculino 395 73,2 455 50,5 576 51,0 1.426 55,5
Feminino 145 26,8 446 49,5 553 49,0 1.144 44,5
Faixa etária(em anos)
≤1 1 0,2 – – 1 0,1 2 0,1
1-4 7 1,3 5 0,6 5 0,4 17 0,7
5-9 9 1,7 12 1,3 17 1,5 38 1,5
10-14 21 3,9 28 3,1 21 1,9 70 2,7
15-19 55 10,2 137 15,2 73 6,5 265 10,3
20-29 180 33,3 321 35,6 402 35,6 903 35,1
30-39 123 22,8 198 22,0 296 26,2 617 24,0
40-49 83 15,4 114 12,7 158 14,0 355 13,8
50-59 34 6,3 51 5,6 68 6,0 153 6,0
60-69 16 2,9 24 2,7 42 3,7 82 3,2
70-79 8 1,5 4 0,4 8 0,7 20 0,8
≥80 3 0,5 2 0,2 1 0,1 6 0,2
Idade ignorada – – 5 0,6 37 3,3 42 1,6
Relação com o evento
Torcedor/espectador 498 92,2 567 62,9 589 52,2 1.654 64,4
Trabalhador 14 2,6 325 36,1 525 46,5 864 33,6
Outros 28 5,2 9 1,0 15 1,3 52 2,0
Classificação de risco
Verde 117 21,7 833 92,5 1.061 94 2.011 78,2
Amarelo 247 45,7 66 7,3 64 5,7 377 14,7
Vermelho 38 7,0 2 0,2 4 0,3 44 1,7
Preto 2 0,4 – – – – 2 0,1
Sem classificação de risco 85 15,7 – – – – 85 3,3
Sem preenchimento 51 9,4 – – – – 51 2,0
País de residência
Brasil 415 76,9 806 89,5 946 83,8 2.167 84,3
México 32 5,9 26 2,9 29 2,6 87 3,4
Estados Unidos da América 13 2,4 10 1,1 18 1,6 41 1,6
Alemanha 16 3,0 7 0,8 16 1,4 39 1,5
Uruguai 5 0,9 6 0,7 12 1,1 23 0,9
Colômbia 6 1,1 5 0,6 9 0,8 20 0,8
França 3 0,5 2 0,2 15 1,3 20 0,8
Inglaterra 2 0,4 5 0,6 6 0,5 13 0,5
Austrália 5 0,9 4 0,4 3 0,3 12 0,5
Holanda 2 0,4 2 0,2 7 0,6 11 0,4
Outrosb 29 5,4 25 2,8 34 3,0 88 3,4
Não informado 12 2,2 3 0,3 34 3,0 49 1,9
Continua

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):499-510, jul-set 2016 503


Atendimentos de saúde na Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, Fortaleza-CE

Tabela 1 – Continuação

Local de atendimento
Rede de urgência e Arena
Variáveis Arena Castelão Total de atendimentos
emergência FIFAa Fan Fest
N=540 % N=901 % N=1.129 % N=2.570 %
Evolução
Liberado 442 81,9 869 96,5 1.106 98 2.417 94,1
Removido 28 5,2 32 3,6 23 2,0 83 3,2
Internado 64 11,9 – – – – 64 2,5
Óbito 6 1,1 – – – – 6 0,2
Achados clínicos
Cefaleia 36 6,7 163 18,1 308 27,3 507 19,7
Cólica – – 21 2,3 29 2,6 50 1,9
Diarreia 24 4,4 17 1,9 35 3,1 76 3,0
Dispneia 8 1,5 29 3,2 19 1,7 56 2,2
Dor abdominal 25 4,6 53 5,9 69 6,1 147 5,7
Dor de garganta 28 5,2 26 2,9 31 2,7 85 3,3
Dor torácica 8 1,5 9 1,0 17 1,5 34 1,3
Febre 38 7,0 12 1,3 34 3,0 84 3,3
Hipertensão 5 0,9 39 4,3 42 3,7 86 3,3
Mal-estar 36 6,7 87 9,7 75 6,6 198 7,7
Mialgia 18 3,3 8 0,9 29 2,6 55 2,1
Náusea 14 2,6 54 6,0 105 9,3 173 6,7
Tontura 4 0,7 23 2,6 29 2,6 56 2,2
Tosse 21 3,9 8 0,9 17 1,5 46 1,8
Vômito 34 6,3 26 2,9 59 5,2 119 4,6
Tipo de atendimento
Clínico 217 40,2 703 78,0 865 76,4 1.758 68,4
Trauma 323 59,8 198 22,0 264 23,6 785 31,6
Tipo de acidente com traumas N = 323 N = 198 N= 264 N = 785
Queda 81 25,1 40 20,2 38 14,4 159 19,6
Agressões 50 15,5 29 14,6 7 2,6 86 10,6
Queimaduras 38 11,8 6 3,0 21 8,0 65 8,0
Acidente de transporte 75 23,2 6 3,0 4 1,5 85 10,5
Outros 79 24,4 117 59,1 194 73,5 390 51,3
a) FIFA: Federação Internacional de Futebol Associado
b) Outros: Noruega, Chile, Canadá, Costa Rica, Itália, Suíça, Argentina, Gana, Peru, Bélgica, Espanha, Portugal, Finlândia, Guatemala, Suriname, Tailândia, Coreia do Sul, Costa do Marfim, Grécia, Japão,
Áustria, Bolívia, Cabo Verde, Curaçao, El Salvador, Escócia, Irlanda, Israel, Letônia, Nova Zelândia, Reino Unido, Suécia, Tunísia.

padrão (Figura 2). Embora julho de 2014 tenha traumas atendidos,14,4% foram por quedas, 2,6%
ultrapassado a média de internações, o mesmo fato por agressões, 8,0% por queimaduras e 1,5% por
pôde ser observado em julho de 2013, durante a acidente de transporte, sendo os demais 73,5% por
realização da Copa das Confederações. outros acidentes/violências (Tabela 1).
Foram registrados 1.129 atendimentos na Arena Quanto à relação com o evento, dos atendidos
Castelão, entre os quatro PMA. Desses, 51,0% atendi- exclusivamente na Arena Castelão, 52,2% eram tor-
mentos foram a indivíduos do sexo masculino, 35,6% cedores/espectadores, 46,5% trabalhadores e 1,3%
da faixa etária de 20 a 29 anos, tendo 76,4% recebido outros. Como classificação de risco, 94,0% foram
atendimentos clínicos e 23,6% por trauma. Dos 264 classificados como verde, 5,7% amarelo, 0,3% verme-

504 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):499-510, jul-set 2016


Total de atendimentos Atendimentos Arena Castelão

N= 2.570 N= 1.129
400 250
350
200
300
250 150
200
150 100

100

Número de atendimentos
Número de atendimentos
50
50
0 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
0 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Junho Julho Junho Julho
Data de atendimento Data de atendimento

Atendimentos Arena FIFA Fan Fest Atendimentos Rede de Urgência/Emergência


N= 901 N= 540
100 70
90
60
80
70 50
60 40
50
40 30

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):499-510, jul-set 2016


30 20

Número de atendimentos
Número de atendimentos

20
10
10
0 0
8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Junho Julho Junho Julho
Data de atendimento Data de atendimento
Sem jogos na cidade-sede de Fortaleza Com jogos na cidade-sede de Fortaleza

Figura 1 – Número de atendimentos realizados durante a 20ª Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 no município-sede de Fortaleza-CE, junho-julho de 2014
Márcio Henrique de Oliveira Garcia e colaboradores

505
Atendimentos de saúde na Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, Fortaleza-CE

20.000 20.000

15.881
18.072

16.451
17.879
18.000 18.000

15.943
16.775
16.201
15.940

16.712
15.250
16.000 16.000

14.000 14.000
Número de internações

12.000 12.000

10.000 10.000

8.000 8.000

6.000 6.000

4.000 4.000

2.000 2.000

0 0
2010 2011 2012 2013 2014
Ano da internação

Junho e Julho

Figura 2 – Número mensal de internações hospitalares, com destaque para os meses de junho e julho, no
município de Fortaleza-CE, 2010-2014
lho; nenhum óbito foi registrado. Outrossim, entre os apresentando proporção de resolubilidade de aten-
atendidos, 83,8% eram brasileiros, 2,6% mexicanos dimento de 96,0% (Tabela 1).
e 1,6% estadunidense (EUA). Como evolução, dos A data com maior número de atendimentos na FFF
pacientes atendidos na Arena Castelão, 98,0% foram foi 28 de junho, com transmissão do jogo entre Brasil x
liberados e 2,0% removidos, o que representa uma Chile, ocorrida em Belo Horizonte-MG. Após a partida,
taxa de resolubilidade de 98,0% (Tabela 1). houve apresentação de bandas musicais, resultando
Para os PMA instalados na FIFA Fan Fest, foram em um público estimado de 75.979 pessoas e 89
registrados 901 atendimentos. Destes, 50,5% a pes- atendimentos somente nesse dia(Tabela 2).
soas do sexo masculino, 35,6% pertenciam à faixa Na estratificação dos dados envolvendo somente
etária de 20 a 29 anos, tendo 78,0% recebido aten- as unidades de saúde da rede hospitalar de urgência
dimentos clínicos e 22,0% por trauma. Entre os 198 e emergência, foram registrados 540 atendimentos,
traumas, 20,2% foram atendidos por quedas, 14,6% dos quais 73,2% do sexo masculino e 33,3% da faixa
por agressões, 3,0% por queimaduras e outros 3,0% etária de 20 a 29. Entre os tipos de atendimentos,
por acidente de transporte, além de 59,1% por outros 59,8% deveram-se a traumas (acidente/violência)
acidentes/violências (Tabela 1). e 40,2% foram clínicos. Quanto aos tipos de aci-
Na FFF, foram registrados 62,9% torcedores/ dentes, dos 323 traumas, 25,1% foram por quedas,
espectadores, 36,1% trabalhadores e 1,0% outros. 23,2% por acidente de transporte, 15,5% motivados
Quanto à classificação de risco, 92,5% foram classi- por agressões e 11,8% por queimaduras, a que se
ficados como verde, 7,3% amarelo, 0,2% vermelho e somaram os restantes 24,4% por outros acidentes/
nenhum preto. Quanto à nacionalidade, 89,5% eram violências (Tabela 1).
brasileiros, 2,9% mexicanos e 1,1% estadunidense. Em relação ao perfil dos atendidos, 92,2% eram
Como evolução dos pacientes, 96,5% foram libera- torcedores/espectadores, 2,6% trabalhadores e 5,2%
dos e 3,6% removidos, e nenhum óbito registrado, outros. No que se refere à nacionalidade, 76,9% eram

506 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):499-510, jul-set 2016


Márcio Henrique de Oliveira Garcia e colaboradores

brasileiros, 5,9% mexicanos, 3,0% alemães e 2,4% exantemática. Não foi possível identificar resultados
estadunidenses. Quando à classificação de risco dos laboratoriais desses casos, a despeito do trabalho
pacientes, 21,7% era verde, 45,7% amarelo, 7,0% integrado com o Laboratório Central de Saúde Pública
vermelho, 0,4% preto, 15,7% sem classificação de do estado do Ceará – Lacen/CE.
risco e 9,4% sem essa informação (Tabela 1).
Como evolução do atendimento, 81,9% dos atendi- Discussão
dos foram liberados e 5,2% removidos, com uma taxa
de resolubilidade de 82,0%; 11,9% foram internados A estratégia de vigilância ativa possibilitou monito-
e 1,1% evoluíram a óbito (Tabela 1). rar a situação de saúde dos envolvidos no evento. Foi
A estratégia de vigilância sindrômica só foi iniciada instalado o CIOCS/CE com plantões diários e a coleta
a partir da segunda fase dos jogos da Copa, dia 28 de dos dados com dispositivos móveis, proporcionando
junho, favorecendo a perda de oportunidade para a maior agilidade e oportunidade na coleta de dados,
detecção precoce de possíveis surtos relacionados às produção de informação e monitoramento constante,
síndromes diarreica, respiratória e exantemática, não além de rapidez na tomada de decisões para as situ-
sendo identificado evento de grande relevância para ações de saúde.
a Saúde Pública. Contudo, foi possível identificar 49 A estratégia mostrou-se compatível com o que se
atendimentos que cumpriam as definições de síndro- propôs. Foi possível monitorar os casos mediante abor-
me diarreica, sendo 44,9% com diarreia+vômito. Na dagem sindrômica, identificar os atendimentos gerais
síndrome respiratória, 40 atendimentos seguiram as e por traumas de forma célere e possibilitar o acesso
definições, sendo 42,5% com febre+tosse+dor de aos dados imediatamente, senão com um atraso de
garganta e outros 42,5% com febre+tosse (Tabela algumas horas. Não foi identificado qualquer evento de
3). Nenhum paciente foi reconhecido pela síndrome importância para a Saúde Pública, mesmo sob grande

Tabela 2– Taxa de atendimento e resolubilidade das unidades de saúde que assistiram o público das Arenas
Castelão e FIFAa Fan Fest durante a 20ª Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 no município-sede de
Fortaleza-CE, junho-julho de 2014

Atendimentos Atendimentos Total de Público do Taxa de


Resolubilidade Atendimentos Atendimento
Dia de Jogo com remoção sem remoção evento
(por 1000
N N (%) N N participantes)
Arena Castelão Trauma Clínico Trauma Clínico
14/6/2014: Uruguai x Costa Rica 1 4 17 74 94,8 96 58.679 1,6
17/6/2014: Brasil x México 0 2 36 117 98,7 155 60.342 2,6
21/6/2014: Alemanha x Gana 0 0 37 119 100,0 156 59.621 2,6
24/6/2014: Grécia x Costa do Marfim 3 3 41 107 96,1 154 59.095 2,6
29/6/2014: Holanda x México 3 1 34 138 97,7 176 58.817 3,0
4/7/2014: Brasil x Colômbia 2 2 47 166 98,2 217 60.342 3,6
Total 9 12 212 721 97,8 954 356.896 2,7
Arena FIFA FanFest Trauma Clínico Trauma Clínico
14/6/2014: Uruguai x Costa Rica 1 0 4 22 96,3 27 18.890 1,4
17/6/2014: Brasil x México 3 0 20 41 95,3 64 44.000 1,5
21/6/2014: Alemanha x Gana 0 1 5 27 97,0 33 38.026 0,9
24/6/2014: Grécia x Costa do Marfim 0 3 7 19 89,7 29 18.421 1,6
29/6/2014: Holanda x México 2 1 14 30 93,6 47 34.225 1,4
4/7/2014: Brasil x Colômbia 0 1 9 59 98,6 69 68.167 1,0
Total 6 6 59 198 95,5 269 221.729 1,2
a) FIFA: Federação Internacional de Futebol Associado

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):499-510, jul-set 2016 507


Atendimentos de saúde na Copa do Mundo FIFA Brasil 2014, Fortaleza-CE

Tabela 3 – Casos segundo abordagens sindrômicas atendidos durante a 20ª Copa do Mundo da FIFAa no município-
sede de Fortaleza-CE, junho-julho de 2014

Síndrome Sintomas N %
Diarreia + vômito 22 44,9
Diarreia + náusea 14 28,6
Diarreica
Diarreia + náusea + vômito 7 14,3
Diarreia + febre 6 12,2
Febre + dor de garganta 17 42,5
Respiratória Febre + tosse 17 42,5
Febre + tosse + dor de garganta 6 15,0
Exantema + febre + cefaleia + tosse 0 0,0
Exantemática
Exantema+febre+cefaleia 0 0,0
a) FIFA: Federação Internacional de Futebol Associado

eminência de ocorrência devido às características de não sendo possível apresentá-los de forma separada
uma envolver pessoas vindas de várias partes do mundo. devido à inexistência de uma variável que permitisse
A caracterização dos atendimentos evidencia essa separação. Apesar disso, o fato de haver pacientes
que os brasileiros do sexo masculino foram os alcoolizados desperta atenção. O país conta com uma
mais atendidos, principalmente por constituírem lei proibindo a entrada e a venda de bebidas alcoó-
o público-alvo majoritário desse tipo de evento, licas nos locais de eventos esportivos;17 entretanto, a
diferentemente, por exemplo, do perfil observado regulamentação dessa lei é de responsabilidade da
em eventos religiosos.12 Houve um incremento no unidade da federação e, especificamente na ocasião da
número de atendidos nos dias de jogos na cidade, recente Copa do Mundo no Brasil, ela não foi aplicada
em maior proporção do tipo clínico, de baixo risco em razão do cumprimento de acordos comerciais entre
e pronta liberação, sem maiores complicações. Este as autoridades estaduais e os organizadores do evento.
padrão é semelhante ao descrito na literatura inter- Essa decisão favoreceu o aumento dos atendimentos
nacional,13 a qual demostra que entre 1,0 e 2,0% do por ingestão de álcool.
total de participantes necessitam de algum tipo de O baixo número de atendimentos a estrangeiros
atendimento de saúde, e entre esses atendimentos, pode ser explicado por sua menor presença propor-
99,5 a 99,8% são serviços de saúde disponíveis no cional, em relação ao público nacional, e pela procura
local e 0,2 a 0,5% necessitam de transferência para por serviços privados conveniados a seguros de saúde.
unidades de maior nível de complexidade. Trata-se os Por isso é importante ampliar o monitoramento desses
mesmos resultados observados para os atendimentos atendimentos para os demais hospitais, além dos dias
realizados em Fortaleza.6,9,13,14,15 de ocorrência do evento, até o retorno dos participan-
O perfil dos atendimentos analisados foi semelhante tes para suas residências de origem.18
ao de outros estudos sobre eventos esportivos de mas- Apesar de a vigilância sindrômica ter sido im-
sa,13,14,16 principalmente clínicos e não caracterizados plantada tardiamente em Fortaleza, cidade-sede da
como surto. Os principais sintomas registrados foram Copa de 2014, ainda foi possível captar alguns casos
cefaleia, náusea, vômito e tontura, na maioria das vezes sem a caracterização de surto. Para esses casos,
apresentados de forma isolada, possivelmente devidos deveriam ser desencadeadas ações de investigação
a exposição ao sol, desidratação, longas caminhadas epidemiológica com o objetivo de identificar prová-
até o local das partidas e especialmente ao uso de veis surtos e realizar exames laboratoriais; porém,
bebidas alcoólicas, diferentemente dos sintomas ob- não houve registro de resultados a indicar que essas
servados entre o público atendido durante a Copa da ações fossem ou não realizadas. É provável que a
Alemanha em 2006.5 rede de vigilância de rotina tivesse realizado essas
Os atendimentos aos pacientes com sintomas de ações, mas se o fizeram, as informações não foram
alcoolemia foram somados aos atendimentos gerais, repassadas ao CIOCS/CE, um possível problema a

508 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):499-510, jul-set 2016


Márcio Henrique de Oliveira Garcia e colaboradores

ser revisto para os próximos eventos de massa no porte traz para um país,4,20 fazem parte dos legados
estado do Ceará. deixados pela última Copa do Mundo para os pro-
O envolvimento dos profissionais de diversos cessos de atenção e vigilância da Saúde Pública em
setores e instituições foi fundamental para o bom Fortaleza e no Brasil.
andamento das atividades desenvolvidas, reforçando
a necessidade de maior integração entre todos os Agradecimentos
setores que executam as atividades de Saúde Pública.
A estratégia foi muito bem aceita pelos coletadores A Jonas Lotufo Brant, parceiro da Rede Sulamericana
voluntários: todos demonstraram bastante interesse e de Epidemiologia de Campo – REDSUR – e da Training
fácil entendimento sobre as atividades executadas, e Programs in Epidemiology and Public Health Interven-
seus relatos expressam seu orgulho e satisfação por tions Network – TEPHINET–, pelo incentivo e colabo-
terem participado dessa estratégia inovadora. ração na execução da vigilância ativa em tempo real.
Os dispositivos móveis (tablet) utilizados para A Wanderson Kleber de Oliveira, pela parceria com
a coleta de dados em tempo real mostraram-se o Ministério da Saúde e disponibilização de um profis-
bastante úteis e viáveis para adoção em outros sional para o apoio técnico de supervisão.
eventos de massa, ou noutras investigações que de-
mandem coleta de dado em campo. Contudo, existe Contribuição dos autores
a necessidade de algumas adaptações da tecnologia
da informação, para melhorar o desempenho do Garcia MHO contribuiu com a concepção, desenho
monitoramento em tempo real. Essas novas tecno- e revisão crítica do estudo.
logias têm sido utilizadas em diferentes eventos de Paula Júnior FJ colaborou no desenho do estudo,
massas, em outros países.19 análise dos dados e elaboração do artigo.
Em Fortaleza, a comparação dos dados dos atendi- Barbosa JR contribuiu com a interpretação dos
mentos realizados no período da 20ª Copa do Mundo dados e elaboração do artigo.
da FIFA Brasil 2014 com dados de outros períodos Sousa GS, colaborou na aquisição dos dados e
do município revelou que os esforços extraordi- revisão crítica do estudo.
nários, dedicados a esse evento de massa, podem Silva AJM e Beltrão LAA colaboraram na concepção
ser aproveitados no aperfeiçoamento da rotina do e revisão crítica do estudo.
sistema de vigilância local. A estratégia do CIOCS/CE Todos os autores aprovaram a versão final a ser
de parceria com as demais instituições e utilização publicada e são responsáveis por todos os aspectos
da vigilância ativa em tempo real, assim como outras deste trabalho, incluindo a garantia de sua precisão
oportunidades de experiência que um evento desse e integridade.

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510 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):499-510, jul-set 2016


Artigo
original Perfil da profilaxia antirrábica humana pré-exposição no
estado do Rio Grande do Sul, 2007-2014*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300007

Healthcare profile of rabies pre-exposure prophylaxis


in the state of Rio Grande do Sul, Brazil, 2007-2014

Roberta Silva Silveira da Mota1


Luiz Filipe Damé Schuch1
Dóris Gómez Marcos Schuch2
Christieli Prestes Osmari3
Tássia Gomes Guimarães1

1
Universidade Federal de Pelotas, Programa de Pós-Graduação em Veterinária, Pelotas-RS, Brasil
2
Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul, 3ª Regional de Saúde, Pelotas-RS, Brasil
3
Secretaria Municipal de Saúde, Centro de Controle de Zoonoses, Pelotas-RS, Brasil

Resumo
Objetivo: descrever o perfil dos atendimentos para profilaxia antirrábica pré-exposição (PArPE) humana realizados no
estado do Rio Grande do Sul, Brasil, de acordo com as Normas Técnicas de Profilaxia da Raiva Humana. Métodos: estudo
descritivo com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), referentes a atendimentos antirrábicos
notificados no período 2007-2014. Resultados: somente 2,4% dos atendimentos antirrábicos realizados corresponderam a
PArPE (5.721/239.245), sendo 42,5% deles referentes a estudantes e 10,3% a profissionais da área de medicina veterinária,
biologia e zootecnia; indivíduos entre 20 e 64 anos de idade representaram 71,8% dos imunizados e a frequência dessa
profilaxia foi de 53,5/100 mil habitantes no estado, com variação entre as regionais de saúde de 13,1 a 185,1/100 mil hab.
Conclusão: observou-se baixa frequência de PArPE, sugerindo que essa ferramenta de prevenção contra a raiva se encontra
negligenciada, colocando em risco ocupacional grande número de pessoas.
Palavras-chave: Raiva; Vacinas Antirrábicas, Saúde Ocupacional; Epidemiologia Descritiva.

Abstract
Objective: to describe the profile of healthcare provision regarding rabies pre-exposure prophylaxis (RPrEP) in
the state of Rio Grande do Sul, Brazil, as compared with the Technical Standards for Rabies Prophylaxis in Humans.
Methods: this was a descriptive study using Notifiable Disease Information System data on anti-rabies healthcare
provided between 2007 and 2014. Results: only 2.4% of anti-rabies healthcare related to RPrEP (5,721/239,245),
42.5% of these were veterinary, biology and zootechnics students and 10.3% were professionals from the same areas;
individuals aged 20 to 64 accounted for 71.8% of the total number of people vaccinated and the frequency of this form
of prophylaxis was 53.5/100,000 inhabitants for the state as a whole, varying between 13.1 to 185.1/100,000 inhabitants
in the state’s different health districts. Conclusion: RPrEP frequency was found to be low, suggesting that this rabies
prevention tool has been neglected, leaving a large number of people at occupational risk.
Key words: Rabies; Rabies Vaccines; Occupational Health; Epidemiology, Descriptive.

* Este manuscrito é parte integrante da tese de Doutorado da médica veterinária Roberta Silva Silveira da Mota, defendida junto
ao Programa de Pós-Graduação em Veterinária da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Pelotas em 2016.

Endereço para correspondência:


Roberta Silva Silveira da Mota – Secretaria Municipal de Saúde, Rua Póvoas Junior, no 299, Pelotas-RS, Brasil. CEP: 96055-680
E-mail: robertassmota@hotmail.com

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):511-518, jul-set 2016 511


Profilaxia antirrábica humana pré-exposição no Rio Grande do Sul

Introdução livre de raiva urbana’9 por não apresentar circulação


de variantes caninas e endemicidade para as variantes
A raiva é uma zoonose viral que causa encefalite 3 (D. rotundus) e 4 (T. brasiliensis).
aguda e afeta todos os mamíferos, apresentando leta- Os esquemas de profilaxia da raiva humana no
lidade de praticamente 100%. A raiva continua sendo Brasil seguem as normas técnicas preconizadas pelo
um grave problema de Saúde Pública, responsável, a Ministério da Saúde,2 pautadas nas recomendações da
cada ano, por milhares de mortes no mundo, tanto de OMS, e incluem o tratamento logo após a exposição ao
animais como de seres humanos, principalmente nos vírus – profilaxia antirrábica pós-exposição –, assim
países em desenvolvimento. A Organização Mundial como a vacinação – profilaxia antirrábica pré-exposição
da Saúde (OMS) estima que, anualmente, mais de 15 (PArPE) – de pessoas que, devido à natureza de suas
milhões de pessoas recebam profilaxia pós-exposição atividades, estão expostas ao risco.2-4,13 O país utiliza desde
para prevenir a doença.1 2003, em todo Sistema Único de Saúde (SUS), vacina de
Havendo suspeita de exposição humana ao vírus cultivo celular2,14 que confere resposta imunológica mais
rábico, é possível prevenir a infecção com a utilização precoce e mais duradoura, e menos eventos adversos
de um esquema de profilaxia, aplicado de maneira que a vacina Fuenzalida & Palácios utilizada até então.2
oportuna e correta, baseado no uso de imunobiológicos A PArPE é recomendada para veterinários, tratadores
(vacina, soro heterólogo, imunoglobulina antirrábica).1-4 de animais, biólogos de campo, espeleólogos, pesqui-
Entre os anos de 1990 e 2009, foram registrados sadores e técnicos de laboratório que tenham contato
no Brasil 574 casos de raiva humana, para os quais, com sangue animal ou humano porventura contaminado
até 2003, o principal transmissor foi o cão. A partir de com o vírus da raiva. Da mesma forma, pessoas que
2004, o morcego passou a disputar essa posição,2,5 tendo devam viajar para estados ou países com alta prevalên-
sido responsável por 22 casos em 2004 e 42 em 2005. cia de raiva e que, por algum motivo ou pela natureza
das atividades que desempenharão, estarão expostas
Havendo suspeita de exposição ao risco ocupacional de contrair a doença, devem ser
humana ao vírus rábico, é possível imunizadas.2-4,13 Essa forma de abordagem profilática, se
não elimina a necessidade de profilaxia após exposição
prevenir a infecção com a utilização de ao vírus, simplifica-a.2,3 A PArPE consiste na aplicação
um esquema de profilaxia. de três doses de vacina por via intradérmica (ID) ou
intramuscular (IM), nos dias zero, sete e 28.2-4,15 A OMS
No estado do Rio Grande do Sul, o último caso recomenda que todos os indivíduos pertencentes aos
registrado em humanos data de 1981.6 Em caninos, grupos de risco, que mantiverem contato permanente
o último caso diagnosticado, associado com variantes com o vírus da raiva, devam ser avaliados por meio da
do vírus endêmicas nessa espécie, ocorreu em 1988.7 titulação de anticorpos antirrábicos a cada seis meses,
Em 1990, houve um único caso isolado de raiva em e uma dose de reforço vacinal deverá ser administrada
um gato, cuja fonte de infecção não foi identificada. sempre que o título estiver abaixo de 0,5UI/ml.2,4
Posteriormente, ocorreram dois casos de infecção O presente trabalho teve por objetivo descrever o
com variantes do vírus prevalentes em morcegos, de perfil dos atendimentos para profilaxia antirrábica
um felino em 20017,8 e de um canino em 2007.7,9 Mais pré-exposição – PArPE – realizados no estado do Rio
recentemente, no ano de 2013, foi diagnosticado no Grande do Sul, Brasil, no período de 2007 a 2014.
estado um felino infectado com variante de Desmodus
rotundus no município de Passa Sete; e em janeiro de Métodos
2014, no município do Capão do Leão, outro caso de
raiva em felino, este causada por variante de morcego Foi realizado um estudo descritivo transversal com
insetívoro Tadarida brasiliensis. Em 2015, foi registrada dados secundários do Sistema Nacional de Agravos de
a única ocorrência no município de Rio Grande, onde um Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
gato foi diagnosticado com raiva causada por variante de Foram incluídas as notificações de atendimento
Tadarida brasiliensis.10,11,12 Apesar dessas ocorrências, antirrábico humano dos municípios do estado referentes
o Rio Grande do Sul permanece com status de ‘zona ao período 2007-2014, obtidas no Sinan-net. Os dados

512 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):511-518, jul-set 2016


Roberta Silva Silveira da Mota e colaboradores

encontrados nesse sistema são oriundos das fichas 19 regionais de saúde do Rio Grande do Sul. Os dados
de notificação e investigação do agravo ‘atendimento de população são os mesmos do censo demográfico de
antirrábico humano’. Os dados foram extraídos utilizando- 2010, disponibilizados pela Fundação Instituto Brasileiro
se a plataforma TabWin 32 e tabulados em planilha de Geografia e Estatística (IBGE) e obtidos na página
eletrônica do software Microsoft Office® Excell 2010. eletrônica do Departamento de Informática do Sistema
Foram consideradas as seguintes variáveis: sexo Único de Saúde (Datasus), do Ministério da Saúde.16
(masculino; feminino), idade (faixa etária gerada Com relação às categorias profissionais em risco (médicos
no TabWin 32 e designada pelo Sinan, em anos: <1; veterinários, biólogos e zootecnistas), efetuou-se o cálculo
1-4; 5-9; 10-14; 15-19; 20-34; 35-49; 50-64; 65-79; e da frequência esperada para esses profissionais, tendo
≥80), ocupação, regional de saúde (o estado possui como numerador o número de profissionais obtidos dos
19 regionais de saúde) e antecedentes de profilaxia conselhos regionais no ano de 2012 multiplicado por 0,8
antirrábica pré-exposição (sim; não). (que corresponde ao período dos oito anos analisados),
Em relação à classificação das ocupações dos indivíduos dividido pelo tempo médio de revacinação dos profissionais,
atendidos, o Sinan se baseia no Cadastro Brasileiro de estimado em dez anos.17 Para os estudantes, calculou-se a
Ocupações (CBO). Devido à diversidade de ocupações frequência esperada multiplicando-se o número anual de
encontradas, optou-se por classificá-las em seis grupos, ingressantes nas faculdades públicas pelo período focado
de acordo com o tipo de exposição a animais: Grupo 1 no estudo (oito anos). Em ambos, foi utilizado o mesmo
– Estudantes (todos os níveis), incluídos os estudantes denominador: a população total do estado do Rio Grande
de medicina veterinária, biologia e zootecnia não iden- do Sul de acordo com o censo demográfico de 2010.
tificados pela ficha de atendimento; Grupo 2 – Ocupa- O presente estudo foi realizado exclusivamente com
ções de qualquer nível de escolaridade sem exposição dados secundários, sem identificação dos sujeitos, de
ocupacional a animais, tais como advogado, sapateiro, modo que foi dispensado de apreciação por Comitê
secretária, corretor de imóveis, borracheiro, administrador de Ética em Pesquisa. O uso do banco de dados da
etc.; Grupo 3 – Ocupações de nível superior, incluindo base Sinan foi devidamente autorizado pela Secretaria
professor, com exposição ocupacional direta a animais, Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul, referente às
tais como médico veterinário, biólogo, zootecnista etc.; ‘notificações de atendimento antirrábico humano dos
Grupo 4 – Ocupações de nível médio, fundamental ou sem municípios do estado do Rio Grande do Sul’.
escolaridade com exposição ocupacional direta a animais
e/ou a produtos de origem animal, tais como abatedor, Resultados
adestrador de animais, açougueiro, inseminador, esteti-
cista de animais domésticos etc.; Grupo 5 – Ocupações Foram realizados 239.245 atendimentos antirrábicos
passíveis de exposição ocupacional a animais, tais como humanos pelos serviços do SUS no estado do Rio Grande
agente comunitário de saúde, carteiro, coletor de lixo, do Sul, entre 2007 e 2014. Desses atendimentos, 5.721
praça do exército, guarda civil municipal etc.; e Grupo (2,4%) corresponderam à PArPE, cuja frequência foi
6 – Ocupação ignorada. de 53,5/100 mil habitantes no período.
Para a estimativa de profissionais em risco laboral, Do total de usuários que receberam atendimento antirrá-
com indicação para PArPE, utilizou-se o quantitativo bico, 3.667 (1,5%) apresentaram antecedentes de profilaxia
desses profissionais em atividade nas ocupações antirrábica pré-exposição; 81% (194.452), não possuíam
de interesse. Esses dados foram obtidos junto aos antecedentes, enquanto 17% (41.126) foram classificados
respectivos conselhos profissionais (de Veterinária e como dados perdidos, seja pelo não preenchimento do
Biologia), mediante consulta formal realizada no ano campo relacionado na ficha de investigação, seja porque
de 2012 (dados de julho de 2012). Os dados referentes foram declarados como antecedente ‘ignorado’.
a estudantes foram obtidos dos editais de abertura para A distribuição dos atendimentos para PArPE conforme
seleção das respectivas faculdades públicas, na área grupos de ocupação é apresentada na Tabela 1. Verificou-
de abrangência do estudo (ano de obtenção: 2012). se atendimento para profilaxia antirrábica humana pré-
Para o cálculo da frequência de PArPe, utilizou-se como exposição em indivíduos com 212 diferentes ocupações
numerador o número de casos, e como denominador, autodeclaradas. Quase metade das PArPE (42,5%) foram
a população total ou a população das áreas adstritas às realizadas no Grupo 1, formado por estudantes: n=1.344,

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):511-518, jul-set 2016 513


Profilaxia antirrábica humana pré-exposição no Rio Grande do Sul

valor inferior aos 1.380 ingressantes nos cursos de medicina acompanhada pela idade de 35-49 anos, de 20%. Em
veterinária, biologia e zootecnia nas escolas públicas em um seguida, apresentaram-se as faixas etárias de 50-64 e 15-19
único ano, 2012, expondo a subutilização da ferramenta de anos, com percentuais de 11% e 10%, respectivamente.
prevenção. Da mesma forma, para o Grupo 3, ‘Ocupações A população total de risco laboral considerada no
de nível superior, incluindo professor, com exposição estudo foi constituída por 8.664 médicos veterinários,
ocupacional direta a animais’, em que estão incluídos os 6.256 biólogos e 475 zootecnistas, e 1.380 estudantes
profissionais da área de medicina veterinária, biologia ingressantes nos cursos de medicina veterinária, zootecnia
e zootecnia, foram realizados somente 327 esquemas e biologia de faculdades públicas do Rio Grande do Sul,
profiláticos. A estimativa do número de profissionais – dessas no ano de 2012. Assim, estimou-se em 125,5/100 mil o
profissões – em atuação no estado foi de 15.396. Ainda número de profissionais e em 103,2/100 mil o número
que se atendesse à expectativa de duração da imunidade de estudantes que deveriam receber a PArPE anualmente,
vacinal de dez anos, seriam necessárias, aproximadamente, no estado do Rio Grande do Sul. Somando-se ambas as
1.500 doses de reforço por ano. No Grupo 2, ‘Ocupações de frequências, estimou-se o valor de 228,7/100 mil como
qualquer nível de escolaridade sem exposição ocupacional frequência mínima esperada dentro das categorias de
a animais’, foram realizadas 702 (22,2%) PArPE, sugerindo risco para o período de oito anos.
indicação inadequada – resguardados os casos em que
atividades especificas dos indivíduos, não referidas na ficha Discussão
de atendimento, justificassem a aplicação desnecessária
de PArPE para esses grupos ocupacionais. O presente estudo encontrou uma baixa utilização da
Quanto ao sexo, 53% dos imunizados foram homens ferramenta de prevenção antirrábica, com frequência
e 47%, mulheres (Tabela 1). de PArPE de 53,5/100 mil habitantes no Rio Grande
A frequência da PArPE nas 19 regionais de saúde do do Sul, no período 2007-2014. Foi possível observar
Rio Grande do Sul, para o período considerado pelo a utilização desigual da PArPE nas diferentes regionais
estudo, pode ser visualizada na Tabela 2, revelando de saúde do estado, com variação de 13,1 a 185,1/100
ampla variação: de 13,1 a 185,1/100 mil habitantes. mil habitantes. Além disso, deve-se ressaltar o alto
A distribuição das PArPEs quanto à faixa etária está percentual de campos não preenchidos ou preenchidos
demonstrada na Figura 1. A idade de 20-34 anos cor- incorretamente, nas fichas de atendimento, bem como
respondeu a 41% do total de indivíduos imunizados, a indicação inadequada de PArPE, demonstrada por seu

Tabela 1 – Distribuição da profilaxia antirrábica humana pré-exposição (N=5.721) segundo grupos de ocupações e
sexo no estado do Rio Grande do Sul, 2007-2014

Grupos de ocupações N %
Grupo 1: Estudantes 1.344 42,5
Grupo 2: Ocupações de qualquer nível de escolaridade sem exposição ocupacional a animais 702 22,2
Grupo 3: Ocupações de nível superior, incluindo professor, com exposição ocupacional direta a animais 327 10,3
Grupo 4: Ocupações de nível médio, fundamental ou sem escolaridade com exposição ocupacional direta a animais 206 6,5
e/ou produtos de origem animal
Grupo 5: Ocupações passíveis de exposição ocupacional a animais 447 14,1
Grupo 6: Ocupação ignorada 137 4,3
Total 3.163 a
100,0
Sexo
Masculino 3.006 52,5
Feminino 2.713 47,4
Não informado 2 0,1
Total 5.721 100,0
a) Excluídos 2.558 atendimentos (44,7% do total de 5.721 atendimentos para profilaxia antirrábica pré-exposição) em razão de campos não preenchidos na ficha de notificação (dados perdidos).

514 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):511-518, jul-set 2016


Roberta Silva Silveira da Mota e colaboradores

Tabela 2 – Frequência de atendimento antirrábico humano pré-exposição (PArPE) por regional de saúde do estado
do Rio Grande do Sul, 2007-2014

Regional de saúde Cidade-sede População adstrita a (hab.) Frequência de ParPE (/100 mil hab.)
1ª Porto Alegre 1.686.231 47,8
2ª Porto Alegre 2.609.412 61,9
3ª Pelotas 845.135 60,3
4ª Santa Maria 541.247 185,1
5ª Caxias do Sul 1.079.601 26,3
6ª Passo Fundo 626.126 43,4
7ª Bagé 182.579 24,1
8ª Cachoeira do Sul 200.264 83,4
9ª Cruz Alta 152.070 65,7
10ª Alegrete 465.038 71,8
11ª Erechim 230.814 15,2
12ª Santo Ângelo 286.248 29,0
13ª Santa Cruz do Sul 327.158 13,1
14ª Santa Rosa 226.933 41,0
15ª Palmeira das Missões 161.508 22,3
16ª Lajeado 325.412 17,2
17ª Ijuí 222.771 35,5
18ª Osório 341.119 20,5
19ª Frederico Westphalen 187.063 38,5
a) Dados do Censo 2010/Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

2.500 2.343

2.000
Frequência (N)

1.500
1.121
1.000
643
581
500
210 277 229 188
81 47
0
<1 ano 1-4 5-9 10-14 15-19 20-34 35-49 50-64 65-79 80 e +
Faixas etárias (em anos)

Figura 1 – Distribuição da frequência do atendimento antirrábico humano pré-exposição por faixa etária (N=5.721)
no estado do Rio Grande do Sul, 2007-2014

uso expressivo em grupos ocupacionais ou faixas etárias da profilaxia, como por sua utilização em usuários sem
não considerados sob risco, sugerindo utilização da indicação, o que implica aumento dessa frequência.
ferramenta sem considerar o protocolo do programa. A PArPE é uma medida eficaz na proteção de pessoas
A frequência de PArPE neste estudo sofre influência do com alto risco ou risco ocupacional de contrair raiva.
uso inadequado da ferramenta, tanto por sua subutilização Ela é recomendada e sua importância salientada pela
naqueles considerados sob risco, o que reduz a frequência OMS, Centers for Disease Control and Prevention dos

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):511-518, jul-set 2016 515


Profilaxia antirrábica humana pré-exposição no Rio Grande do Sul

Estados Unidos da América (CDC/USA) e pesquisadores esperado: não foram incluídos estudantes de escolas
dedicados ao controle da raiva humana em todas as partes particulares, assim como outros profissionais, os quais,
do mundo.3,4,13,18 Casos de exposição ocupacional a saliva pela natureza de sua atividade, poder-se-iam encontrar
de herbívoros são relatados na bibliografia brasileira.14,19 sob risco elevado.
O risco ocupacional é evidente. No Brasil, a vacina é A falta de preenchimento do campo ‘ocupação’ das
disponibilizada gratuitamente pelo SUS, não havendo fichas de atendimento antirrábico sugere o desconhe-
justificativa para que a profilaxia não seja realizada. cimento da importância da correta coleta de dados
Mesmo em países livres de raiva, caso da Inglaterra, a para avaliação do sistema de saúde e formulação de
vacinação de profissionais expostos ao risco ocupacional políticas adequadas a cada situação epidemiológica.
é defendida por especialistas na área, uma vez que existe Esse elevado número de registros como ‘ignorado’ e,
o risco de contato com morcegos ou outros animais principalmente, de campos para preenchimento dei-
silvestres portadores do vírus, assim como de animais xados em branco (44,7%) pode determinar um viés
de companhia vindos de outros locais, devido ao intenso de informação, interferindo na mensuração do uso da
trânsito desses animais observado atualmente.20 PArPE. Não obstante a possibilidade desse viés, os dados
Neste trabalho, uma vez constatada a subutilização da demonstram a subutilização da PArPE quando comparada
PArPE no Rio Grande do Sul e tendo em vista a alteração com aquela esperada para os profissionais sob risco,
do perfil epidemiológico da raiva com a expansão do ciclo assim como sua utilização em situações indevidas: por
silvestre, também observada no estado,14,21,22 é notório o exemplo, em crianças menores dez anos, para as quais
persistente risco de transmissão, ademais flagrante entre não há indicação nas normas técnicas de acordo com a
os grupos ocupacionais com exposição a animais. Tal situação epidemiológica do Rio Grande do Sul.2
fato é corroborado por dados da coordenação gaúcha A maior ocorrência de pré-exposição nos indivíduos
do Programa Nacional de Controle da Raiva dos Herbí- em atividade profissional na faixa etária entre 20 e 49
voros, no âmbito da Secretaria Estadual da Agricultura, anos, portanto economicamente ativos, vai ao encontro
Pecuária e Irrigação. De 2007 a 2014, foram registra- do esperado e preconizado pela norma técnica. A idade
dos 16.850 casos de raiva em herbívoros; e em 2015, de 20 a 34 anos, observada como a de maior frequência
somente até o mês de julho, 980 animais morreram de de uso, provavelmente também inclui estudantes a se
raiva no estado (diagnósticos estabelecidos por crité- formar nas profissões de maior risco, justamente o
rios laboratoriais e/ou clínico-epidemiológicos).23 Já o grupo ocupacional mais vacinado. Observou-se a ocor-
Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, rência de PArPE nas faixas etárias de <1 a 10-14 anos,
órgão da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária demonstrando que, provavelmente, houve indicação
e laboratório de referência para o diagnóstico de raiva inadequada da vacina. Neste estudo, constatou-se falta
animal no Rio Grande do Sul, diagnosticou, de 2007 a de informações, dados imprecisos ou erros de preenchi-
2014, 866 animais positivos para raiva, em sua maioria mento nas Fichas de Investigação do Agravo, bem como
bovinos (698) ou morcegos (106). São dados que na digitação dos dados no Sinan, evidenciados pela alta
reforçam a importância da PArPE no estado onde, não proporção de dados ignorados ou não preenchimento
obstante o controle do ciclo urbano, o ciclo silvestre da do campo ‘ocupação’. Outros estudos realizados no país
infecção permanece ativo, inclusive com o diagnóstico também verificaram a ocorrência excessiva de campos
de morcegos não hematófagos positivos para raiva em em branco ou com resposta ‘ignorado’ nas fichas de
zonas urbanas.9,14,21,22 Sendo a reemergência do ciclo atendimento antirrábico.24-27 Quando se considera a raiva
urbano um risco possível, deve-se manter a vigilância humana, o desconhecimento da ocupação do indivíduo
em alerta constante. investigado/notificado representa um fato grave, uma vez
Considerando-se a população de profissionais e que a profilaxia pré-exposição é direcionada a grupo de
estudantes de nível superior sob maior risco para raiva, indivíduos suscetíveis pelo risco ocupacional. O achado
pode-se constatar a subutilização da ferramenta, já que pode ser um importante sinalizador de que os servidores
o número de indivíduos estimado para essas categorias da Saúde responsáveis por esse atendimento necessitam
foi superior ao número de PArPE realizados durante o de capacitação.
período do estudo. Deve-se considerar que o número A frequência de PArPE variou substancialmente, entre
de indivíduos estimado no presente estudo é o mínimo as coordenadorias de saúde. A frequência mais elevada

516 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):511-518, jul-set 2016


Roberta Silva Silveira da Mota e colaboradores

foi observada na região de saúde sediada no município O estudo concluiu que houve subutilização dessa
de Santa Maria, e as mais baixas, nas regionais de importante ferramenta de prevenção da raiva. Os dados
saúde de Lajeado e Santa Cruz do Sul, geograficamente encontrados remetem à necessidade da qualificação
próximas entre si. É possível supor que fatores como das equipes de saúde responsáveis pelo atendimento
as condições socioculturais da região, a presença de antirrábico humano, no que tange à abordagem dos
universidades de tradição e a sensibilidade das equipes indivíduos e definição dos grupos de risco para os
de saúde à norma técnica sejam fatores capazes de quais a PArPE é indicada. No esteio dessa qualificação,
influenciar na aplicação da PArPE. é igualmente recomendável o aprimoramento de todo
Uma limitação deste estudo consistiu na qualidade o processo de notificação e investigação do agravo,
dos dados secundários, relacionada à qualidade da desde a coleta até a digitação dos dados no sistema
informação obtida, à variação na qualidade da coleta de informação (Sinan). Deve-se aprimorar o sistema
de dados, segundo diferentes locais, e a falhas em mediante a (i) aplicação adequada da PArPE nas
sua digitação. Entretanto, o baixo custo e a facilidade categorias profissionais de maior risco e (ii) redução
para o acompanhamento longitudinal das informações de seu uso naquelas ocupações em que a exposição
estimulam a realização deste tipo de trabalho.28,29 é improvável.
É fundamental a conscientização dos grupos de
risco quanto à importância da imunização antirrábica Contribuição dos autores
pré-exposição e controle sorológico de anticorpos,
para identificar as situações necessitadas de reforço da Mota RSS, Schuch LFD e Schuch DGM contribuíram na
vacina. Devem-se intensificar as ações de capacitação, concepção e delineamento do estudo, análise e interpre-
e sensibilizar as equipes de saúde responsáveis pelos tação dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito.
atendimentos antirrábicos para o adequado acolhimento Osmari CP e Guimarães TG contribuíram na análise
desses indivíduos. Da mesma forma, a realização e e interpretação dos dados, redação e revisão crítica
divulgação dos resultados dos testes sorológicos para do manuscrito.
avaliação do título de anticorpos protetores contra a Todos os autores aprovaram a versão final do manus-
raiva, encarregada à rede laboratorial de raiva, deve crito e declaram serem responsáveis por todos os aspec-
ser ágil e oportuna. tos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

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518 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):511-518, jul-set 2016


Artigo
original Estudo transversal da letalidade da hantavirose
no estado de Goiás, 2007-2013*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300008

Cross-sectional study on case fatality rate due to hantavirus infection in Goiás State, Brazil, 2007-2013

Hélio Ranes de Menezes Filho1


Marcos Lázaro Moreli1
Ana Luiza Lima Sousa2
Vivaldo Gomes da Costa1

Universidade Federal de Goiás, Instituto de Ciências da Saúde, Jataí-GO, Brasil


1

Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Enfermagem, Goiânia-GO, Brasil


2

Resumo
Objetivo: descrever o perfil epidemiológico e clínico da hantavirose e analisar fatores associados à letalidade em Goiás,
Brasil. Métodos: foi conduzido um estudo transversal com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan),
referentes ao período de 2007 a 2013, no estado de Goiás. Regressão logística foi empregada para estimar razões de chances
(OR) com intervalos de confiança de 95% (IC95%). Resultados: foram notificados 1.171 casos suspeitos de hantavirose e 73
(6,2%) confirmados. Entre os confirmados, observou-se maior frequência entre homens (n=50), febre como sintoma mais
frequente (n=70) e elevada proporção de hospitalizações (n=68). A taxa de letalidade foi de 57,5%. Foram fatores associa-
dos ao óbito: insuficiência respiratória aguda (IRpA) (OR=3,6; IC95%1,2;10,6), hemoconcentração (OR=3,3; IC95%1,1;7,9)
e não uso do respirador mecânico (OR=3,4; IC95%1,3;9,1). Após ajuste, a IRpA permaneceu associada ao óbito (OR=3,4;
IC95%1,0;11,6). Conclusão: foi identificada alta taxa de letalidade, associada principalmente com insuficiência respiratória.
Palavras-chave: Infecções por Hantavírus; Hantavírus; Letalidade; Estudos Transversais.

Abstract
Objective: to describe the epidemiological and clinical profile of hantavirus infection and to analyze factors
associated with case-fatality in Goiás, Brazil. Methods: this was a cross-sectional study on case fatality due to
hantavirus infection from 2007 to 2013 using data from the Notifiable Diseases Information System (SINAN) for Goiás
State. Logistic regression analysis was performed to estimate odds ratios (OR) with 95% confidence intervals (95%CI).
Results: 1,171 suspected cases were reported, of which 73 (6.2%) were confirmed. Among the confirmed cases, greater
frequency was found among males (n=50), fever was the most common symptom (n=70), and there was a high
proportion of hospitalization (n=68). The case-fatality rate was 57.5% . The following factors were associated with
death: acute respiratory failure (ARF) (OR=3.6; 95%CI 1.2;10.6), hemoconcentration (OR=3.3; 95%CI 1.1;7.9) and
not using a mechanical ventilator (OR=3.4; 95%CI 1.3;9.1). After adjustment, the ARF was still associated with death
(OR=3.4; 95%CI 1.0;11.6). Conclusion: the case-fatality rate was high, primarily associated with respiratory failure.
Key words: Hantavirus Infections; Hantavirus; Case fatality; Cross-Sectional Studies.

*Artigo elaborado a partir da dissertação de mestrado de Hélio Ranes de Menezes Filho, intitulada Perfil clinico-epidemiológico da
hantavirose no estado de Goiás no período de 2007 a 2013, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Aplicadas à
Saúde da Universidade Federal de Goiás, Regional de Jataí, defendida em 2015.

Endereço para correspondência:


Hélio Ranes de Menezes Filho - Rua Sete de Setembro, nº 88, Centro, Jataí, Goiás, Brasil. CEP: 75800-046
E-mail: ranesfilho@yahoo.com.br

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):519-530, jul-set 2016 519


Estudo transversal da letalidade da hantavirose no estado de Goiás, 2007-2013

Introdução dade de ventilação mecânica e hemoconcentração,


apresentam os piores prognósticos.8,9
A hantavirose é uma zoonose viral aguda, causada Embora as taxas de letalidade sejam altas e sua
por vírus da família Bunyaviridae, gênero Hantavirus, gravidade reconhecida, ainda são poucos os estudos
transmitido aos seres humanos por meio de secreções brasileiros que relacionam a prevalência da hantavirose
de roedores ou marsupiais. A doença pode cursar com com sua letalidade.1,8,10-12 Este estudo objetiva descrever o
duas formas clínicas: a febre hemorrágica com síndro- perfil epidemiológico e clínico da hantavirose e analisar
me renal (FHR), conhecida desde 1930 e endêmica os fatores associados à letalidade em Goiás, Brasil.
na Europa e na Ásia; e a síndrome cardiopulmonar
por hantavírus (SCPH), descrita pela primeira vez nos Métodos
Estados Unidos em 1993 e restrita às Américas, que
associa choque cardiogênico e acometimento vascular, Trata-se de estudo transversal sobre hantavirose no
acompanhados por pneumopatia grave.1,2 estado de Goiás, referente ao período de 2007 a 2013,
A hantavirose foi descrita pela primeira vez no Brasil com dados do Sistema de Informação de Agravos de
em novembro de 1993, no município de Juquitiba, São Notificação (Sinan).
Paulo, com o primeiro caso da síndrome cardiopul- O estado de Goiás é ocupado, em quase sua
monar, e tem sido endêmica no país desde então. O totalidade, pelo Cerrado, considerado o segundo
primeiro caso relatado da doença no bioma Cerrado maior bioma brasileiro. Este é um dos biomas mais
aconteceu em 1996, e o primeiro caso confirmado no ameaçados de extinção no país, em razão da expansão
estado de Goiás ocorreu no ano 2000.3-7 agrícola e do adensamento populacional a partir da
No Brasil, além dos subtipos Juquitiba e Araraquara, década de 1970.13
também foram identificados Anajatuba, Castelo dos A escolha do período de 2007 a 2013 foi baseada na
Sonhos e Laguna Negra, estes associados com algumas necessidade de obter dados padronizados pelo máximo
espécies de roedores. Três outros subtipos foram de tempo possível, considerando-se que as fichas de
considerados não patogênicos, apesar de encontrados notificação da hantavirose têm recebido alterações ao
em várias espécies de roedores, como o Rio Mearim, longo da implantação do sistema de vigilância no Brasil,
o Jaborá e o Rio Mamoré.8 o que se reflete na composição do banco de dados.14
Foram incluídos todos os casos confirmados no
A letalidade por hantavirose é sistema de notificação em Goiás no período estudado,
de acordo com a definição de caso nacional.14 O banco
alta e sua gravidade tem sido de dados foi primeiramente organizado manualmente,
investigada conforme os diferentes verificando-se inconsistências e retirando-se duplici-
subtipos de vírus. dades. Para a análise, dados em branco ou registrados
como ignorados na planilha foram desconsiderados.
A letalidade por hantavirose é alta e sua gravidade Foram utilizadas as variáveis conforme o registro no
tem sido investigada conforme os diferentes subtipos Sinan ou conforme a necessidade do estudo:
de vírus.2 Outros fatores, como idade, sexo, resulta- a) Epidemiológicas: ano de notificação (2007 a 2013),
dos laboratoriais e clínicos, ventilação mecânica e região (Norte, Sul, Centro-Oeste, Sudeste, Sudoes-
características do tratamento podem estar envolvidos te) e estação do ano (seca – outubro a março; ou
no prognóstico. As diferentes taxas de letalidade chuvosa – abril a setembro).
encontradas no Brasil podem estar relacionadas b) Sociodemográficas: sexo (masculino e feminino);
à variação da virulência do subtipo de hantavírus idade, em anos de vida completos (considerando-
circulante, bem como às diferentes características se a data de nascimento e a data da notificação);
genéticas e de imunidade dos pacientes. Além disso, escolaridade (analfabeto, 1ª à 4ª série incompleta do
há que se considerar o sistema de vigilância epide- Ensino Fundamental – antigo primário ou 1º grau;
miológica e todo o suporte médico e de assistência 4ª série completa do Ensino Fundamental – antigo
aos casos identificados nas diferentes regiões. 2 primário ou 1º grau; 5ª à 8ª série incompleta do
Pacientes com septicemia, dispneia, com necessi- Ensino Fundamental – antigo ginásio ou 1º grau;

520 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):519-530, jul-set 2016


Hélio Ranes de Menezes Filho e colaboradores

Ensino Fundamental completo – antigo ginásio ou variáveis, por meio da aplicação do teste qui-quadrado
1º grau; Ensino Médio incompleto – antigo colegial de Pearson ou teste exato de Fisher, quando adequados.
ou 2º grau; Ensino Médio completo – antigo colegial Foi empregada regressão logística para estimar razão de
ou 2º grau; educação superior incompleta; educação chances (odds ratio [OR]) e respectivos intervalos de
superior completa; ignorado); raça (branca, parda, confiança para investigar a associação entre variáveis
preta, indígena, amarela, ignorado); local de clínicas e relacionadas ao tratamento com o desfecho
residência (urbana ou rural); tipo de ambiente óbito entre os casos confirmados. Foram incluídas na
onde provavelmente ocorreu a infecção (domiciliar, análise ajustada as variáveis que apresentaram nível
trabalho, lazer, outro, ignorado); e ocupação. A de significância <0,20 na análise bruta. O modelo
variável ocupação foi registrada na ficha conforme foi rodado com entrada forçada para evitar o efeito
informado e codificada de acordo com a Classificação supressor entre variáveis. Para o modelo final, adotou-
Brasileira de Ocupações do Instituto Brasileiro de se nível de significância de 0,05, conforme o teste de
Geografia e Estatística (IBGE), utilizando-se a tabela qui-quadrado de Wald.
de códigos para identificação da ocupação dos casos O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
confirmados.15 Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, no dia 9
c) Clínicas: forma clínica (prodrômica ou inespecífica, de julho de 2014: Parecer nº 713.807/2014.
síndrome cardiopulmonar por hantavírus); sinais e
sintomas (febre, cefaleia, hipotensão, dor torácica, Resultados
sintomas neurológicos, tosse seca, mialgia generali-
zada, choque, tontura/vertigem, astenia, dispneia, dor No período de 2007 a 2013, foram notificados 1.171
lombar – região dos rins, náuseas/vômito, insuficiência casos suspeitos de hantavirose no estado de Goiás, com
cardíaca, petéquias, insuficiência respiratória aguda, média anual de 167,3 notificações (desvio-padrão
dor abdominal, diarreia, insuficiência renal, outras [DP]±95,7). Do total de casos notificados, foram
manifestações hemorrágicas). confirmados 73 (6,2%), com média de 10,4 (DP±5,1)
d) Relacionadas ao tratamento: exames laboratoriais casos por ano. O ano com menor número de casos
(hematócrito >45%, trombocitopenia, linfócitos confirmados foi 2007, com seis casos, e os anos de
atípicos, aumento de ureia e creatinina, TGO, TGP, 2009 e 2011 apresentaram os maiores números, ambos
leucopenia, leucocitose, IgM, imuno-histoquímica); com 14 casos confirmados (Figura 1).
hospitalização (sim, não); e suporte terapêutico A idade média dos casos confirmados foi 34,9 anos
(respirador mecânico – ventilação mecânica invasiva, (DP±13,8 anos) para ambos os sexos, 39,0 anos
drogas vasoativas, medicamentos antivirais, antibió- (DP±14,0) para as mulheres e 33,0 anos (DP±13,4) para
ticos, corticoide, pressão positiva contínua nas vias os homens (p>0,50). Mais da metade dos casos (62/73)
aéreas [CPAP] ou bilevel positive airway pressure tinham menos de 50 anos e eram do sexo masculino
[BIPAP] – ventilação mecânica não invasiva). (50/73) (Tabela 1). Com relação à escolaridade, a maior
e) Evolução do caso: cura; óbito por outra causa; óbito frequência foi de casos de hantavirose em indivíduos
por hantavirose; e ignorado. com Ensino Fundamental ou Médio (19 e 15, respecti-
A taxa de letalidade foi calculada dividindo-se o vamente). A raça parda teve maior frequência (37/73),
número absoluto de óbitos pelo número de casos seguida da raça branca (26/73). Cerca de um terço dos
notificados confirmados da doença, multiplicado por casos (24/73) informaram contato com roedores e os
100. Por se tratar de agravo de baixa frequência, não demais negaram ou não sabiam informar, e, do total, 24
foram utilizados indicadores de mortalidade com base casos foram caracterizados como doença do trabalho,
populacional, para evitar a diluição dos dados. porém sem associação estatisticamente significativa
A análise estatística foi realizada com auxílio do (p>0,05). As principais ocupações identificadas foram:
programa IBM® SPSS® Statistics, versão 20.0. As trabalhador rural ou agropecuarista (n=4), trabalhador
variáveis categóricas foram apresentadas em números da construção civil (n=5), motorista de caminhão (n=3),
absolutos e proporções e as variáveis quantitativas em e comerciante atacadista (n=3) (Tabela 1).
valores médios, medianas e desvios-padrão. Foram Houve concentração de notificações nas regiões
realizados testes estatísticos para avaliar associações entre Central e Sudoeste do estado, com maior número em

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):519-530, jul-set 2016 521


Estudo transversal da letalidade da hantavirose no estado de Goiás, 2007-2013

16 100
14 90

Número de casos confirmados


80
12

Taxa de letalidade (%)


70
10 60
8 50
6 40
30
4
20
2 10
0 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Número de casos confirmados 6 11 14 10 14 10 8
Taxa de letalidade (%) – 33,3 57,1 70,0 66,7 62,5 87,5
Anos

Figura 1 – Distribuição do número de casos confirmados de hantavirose (n=73) e taxa de letalidade por ano, Goiás,
2007-2013

Goiânia, onde foram notificados 795 casos suspeitos Do total de casos confirmados, 68 foram hospita-
de hantavirose no período e confirmados 32 (4,0%) lizados, 60 com diagnóstico de forma clínica SCPH, e
casos. O segundo município com maior número de 36 tiveram assistência com respirador mecânico. O
casos foi Anápolis, próximo à capital, com 173 casos intervalo médio entre a hospitalização e o óbito foi de
suspeitos e 14 (8,1%) confirmados (dados não apre- 5,8 (DP±17,6) dias. A quase totalidade dos casos teve
sentados em tabela). confirmação diagnóstica por meio laboratorial (dados
Não houve associação (p=0,406) entre a frequência não apresentados em tabela). Entre as hospitalizações,
de casos confirmados da doença, considerando-se a 39 foram a óbito (Tabela 3).
data da notificação, e a sazonalidade do clima da região A taxa de letalidade em todo o período analisado foi
ou as estações no bioma Cerrado (seca e chuvosa) de 57,5% (42/73); o ano de 2013 apresentou a maior
(Figura 2). taxa (87,5%). Não houve óbito registrado por hanta-
Em relação aos sinais e sintomas, a febre foi um dos virose no estado de Goiás no ano de 2007 (Figura 1).
mais frequentes, estando presente em 70 casos (70/73), Em todos os municípios onde houve notificação
seguida por dispneia (63/73) e tosse seca (52/73). de casos e óbitos, a letalidade foi superior a 50,0%
Além destes, os sinais ou sintomas que ocorreram em dos casos confirmados. Na capital, Goiânia, a taxa de
mais da metade dos casos foram: IgM positiva (n=57), letalidade foi de 56,3%, superior à de Anápolis, que
insuficiência respiratória (n=52), tosse seca (n=52), foi de 50,0%. No município de Jataí, no Sudoeste do
mialgia (n=51), cefaleia (n=45), náuseas (n=41), estado, que apresentou uma das maiores frequências
dor torácica (n=40) e infiltrado pulmonar difuso de hantavirose, a taxa de letalidade foi superior, de
(n=40). Insuficiência renal foi diagnosticada em 51 62,5%. Outros municípios, como Campo Alegre de
casos e insuficiência respiratória aguda (IRpA) em 53 Goiás, Cidade Ocidental, Corumbá de Goiás, Minei-
casos. Entre os casos confirmados, 32 apresentaram ros, Rio Verde e Nerópolis, mesmo com frequência
hematócrito acima de 45% (Tabela 2). unitária de casos, tiveram alta letalidade (100,0%);
Foi encontrado infiltrado pulmonar difuso em 40 em Aparecida de Goiânia, foram confirmados dois
casos entre aqueles que realizaram a radiografia do casos, e a letalidade também foi de 100% (dados não
tórax (n=55). As análises imuno-histoquímica e tam- apresentados em tabela).
bém de resultados da série branca e das transaminases A taxa de letalidade foi de 56,3% na região Central e de
hepáticas foram prejudicadas pelo sub-registro, não 62,5% na região Sudoeste do estado, sendo semelhante
permitindo identificação dos dados. entre mulheres (60,9%; 14/23) e homens (56,0%; 28/50),

522 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):519-530, jul-set 2016


Hélio Ranes de Menezes Filho e colaboradores

Tabela 1 – Perfil epidemiológico dos casos de hantavirose confirmados (n=73), segundo a ocorrência de óbito,
Goiás, 2007-2013

Óbito
Total
n=73 Sim Não
Variáveis n=42 n=31 p-valor*
n n n
Sexo 0,462
Masculino 50 28 22
Feminino 23 14 9
Faixa etária 0,750
<50 anos 62 35 27
≥50 anos 11 7 4
Escolaridade 0,589
Fundamental 19 12 7
Médio 15 7 8
Superior 3 2 1
Ignorada 36 21 15
Raça 0,202
Branca 26 12 14
Preta 1 - 1
Amarela 1 - 1
Parda 37 23 14
Ignorada 8 7 1
Zona de residência 0,270
Urbana 13 6 7
Rural 41 26 15
Ignorada 19 10 9
Contato com roedores 0,645
Sim 24 13 11
Não 27 16 11
Não sabia informar 22 13 9
Doença do Trabalho 0,590
Sim 24 13 11
Não 33 18 15
Ignorada 16 11 5
Ocupações 0,333
Trabalhador rural/pecuarista 4 2 2
Construção civil 5 2 3
Motorista de caminhão/operador de máquina agrícola 3 2 1
Outros 5 1 4
Desconhecida 56 - -
*Teste qui-quadrado de Pearson

e também não houve associação com diferentes faixas Entraram no modelo de análise de regressão logística
etárias (dados não apresentados em tabela). insuficiência respiratória aguda, uso de respirador mecâ-
As variáveis associadas na análise bruta (p<0,05) com nico, dor lombar, dor torácica, e hemoconcentração. Após
morte causada pelo hantavírus foram: IRpA (OR=3,6; ajuste, permaneceu associada às mortes por hantavirose
IC95%1,2–10,6), não uso do respirador mecânico somente a presença de insuficiência respiratória aguda, com
(OR=3,4; IC95% 1,3–9,1) e hematócrito superior a a chance de óbito entre pacientes com IRpA aumentada em
45% (OR=3,0; IC95% 1,1;7,9) (Tabela 3). mais de três vezes (OR=3,4; IC95% 1,0;11,6) (Tabela 3).

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):519-530, jul-set 2016 523


Estudo transversal da letalidade da hantavirose no estado de Goiás, 2007-2013

10 9 9 9
9
8
7 7
7 7 7
Frequência

6 5
5 4
4 5
3 2 2
2
1
0
Janeiro

Fevereiro

Março

Abril

Maio

Junho

Julho

Agosto

Setembro

Outubro

Novembro

Dezembro
Meses

Figura 2 – Distribuição mensal do número de casos de hantavirose confirmados (n=73), Goiás, 2007-2013

Em relação ao suporte terapêutico, 65 pacientes No Brasil, estudo epidemiológico utilizando a


receberam drogas vasoativas, 43 receberam antibió- base de dados do Sinan, e avaliando retrospectiva-
ticos, 23 receberam corticoide, e em 6 casos houve a mente os dados de 2001 até 2011 em todo o país,
introdução de drogas antivirais. Quanto à ventilação encontrou o registro de 1.486 casos, com tendência
mecânica, observou-se que, além daqueles 36 pacientes de aumento.16
submetidos à ventilação mecânica invasiva (respirador Pode-se explorar a hipótese de os dados de notifi-
mecânico), outros 10 foram submetidos a métodos de cação encontrados neste estudo refletirem o esforço
ventilação não invasiva, como CPAP e BIPAP (Tabela 3). da vigilância epidemiológica no controle da doença,
com o evidente estado de alerta demonstrado pelos
Discussão profissionais ao notificarem os casos. Por outro
lado, fica evidenciada a dificuldade de diagnóstico
Cerca de 4 mil casos de hantavirose foram registrados diferencial da hantavirose com outras doenças de
nas Américas desde o relato do primeiro caso em 1993, e origem infecciosa também presentes na região, como
na região central do Brasil os subtipos identificados têm leptospirose, influenza, dengue, febre amarela, malá-
sido o Araraquara e o Juquitiba.16,17 O presente estudo ria e pneumonias, além de doenças não infecciosas,
revelou que, entre os casos confirmados de hantavirose também comuns no estado, como doença pulmonar
no estado de Goiás, predominaram homens, jovens e obstrutiva crônica, lúpus eritematoso sistêmico e
com baixa escolaridade. A taxa de letalidade foi elevada artrite reumatoide.3,19,20
e a presença de insuficiência respiratória foi associada O número de casos confirmados não apresentou
à ocorrência de óbito. A frequência de notificações de crescimento proporcional aos casos informados, ou
casos suspeitos de hantavirose no período estudado seja, mais notificações não refletiram em maior número
(2007-2013) apresentou crescimento ao longo dos de confirmações.
anos, sem, contudo, aumentar a proporção de casos O total de casos confirmados no período ficou
confirmados da doença. Para cada caso confirmado, concentrado na região Centro-Sul do estado, destacando-
foi realizada notificação de 16 suspeitos. se Anápolis e Jataí como os municípios com maior
Estudo realizado em Oklahoma, Estados Unidos, frequência da doença, depois da capital. Esta região do
no ano de 2005, procurou correlacionar o número de estado é caracterizada por intensa produção agrícola
notificações por SCPH e os casos de morte cuja causa e pecuária, além de um recente desenvolvimento
era a insuficiência respiratória aguda, e concluiu que agroindustrial na produção de grãos.13
poderia estar havendo uma subnotificação de casos No bioma Cerrado, este agravo está presente desde
por falha diagnóstica.18 1996, ou seja, três anos após o primeiro caso nacional

524 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):519-530, jul-set 2016


Hélio Ranes de Menezes Filho e colaboradores

Tabela 2 – Perfil clínico dos casos de hantavirose confirmados (n=73), segundo a ocorrência de óbito, Goiás, 2007-2013

Óbito
Total
n=73 Sim Não
Variáveis p-valor a
n=42 n=31
n n n
Febre 70 40 30 0,798

Dispneia 63 36 27 0,882

IgM b 57 31 26 0,324

Insuficiência respiratória 52 35 17 0,010c

Tosse seca 52 28 24 0,332

Mialgia 51 29 22 0,868

Cefaleia 45 25 20 0,676

Náuseas 41 24 17 0,848

Infiltrado pulmonar difuso d 40 26 14 0,167

Dor torácica 40 20 20 0,182

Astenia 33 21 12 0,352

Hematócrito >45% 32 23 9 0,032c

Dor abdominal 27 18 9 0,240

Trombocitopenia 26 15 11 0,987

Hipotensão 26 16 10 0,620

Ureia/creatinina aumentada 25 15 10 0,769

Tonturas 24 14 10 0,929

Dor lombar 18 7 11 0,076

Diarreia 15 10 5 0,444

Insuficiência renal 13 6 7 0,381

Choque 13 9 4 0,371

Petéquias 10 6 4 0,882

Insuficiência cardíaca 7 4 3 0,973

Sintomas neurológicos 7 4 3 0,973


a) Teste qui-quadrado de Wald.
b) IgM: Imunoglobulina M
c) P-valor significativo (p<0,05).
d) Foi realizada radiografia em 55 pacientes.

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):519-530, jul-set 2016 525


Estudo transversal da letalidade da hantavirose no estado de Goiás, 2007-2013

Tabela 3 – Análise bruta e ajustada dos fatores associados à morte por hantavirose em Goiás, 2007-2013

Óbitos Odds ratio


Odds ratio ajustado
Variáveis Sim Não (Intervalo de p-valor a p-valor a
(Intervalo de
n=42 n=31 confiança 95%) confiança 95%)
Sexo
Masculino 28 22 0,9 (0,61–1,40) 0,695 - -
Feminino 14 9 1
Faixa etária
<50 19 11 1,2 (0,80–1,75) 0,402 - -
≥50 23 20 1
Dor torácica
Sim 20 20 2,0 (0,8–5,2) 0,154 2,1 (0,7– 6,3) 0,173
Não 22 11 1
Dor lombar
Sim 7 11 2,8 (0,9–8,2) 0,070 3,2 (0,9–10,9) 0,067
Não 35 20 1
Insuficiência respiratória aguda
Sim 35 18 3,6 (1,2–10,6) 0,020b 3,4 (1,0–11,6) 0,046b
Não 7 13 1
Febre
Sim 40 30 0,7 (0,1–7,7) 0,745 - -
Não 2 1 1
Hemoconcentração (hematócrito>45%)
Sim 19 22 3,0 (1,1–7,9) 0,031b 0,4 (0,1–1,1) 0,063
Não 23 9 1
Respirador mecânico invasivo
Não 16 21 3,4 (1,3–9,1) 0,014b 0,5 (0,2–1,3) 0,155
Sim 26 10 1
Hospitalização
Não 3 2 1,1 (0,2–7,1) 0,908 - -
Sim 39 29 1
Drogas vasoativas
Sim 39 26 2,5 (0,5–13,5) 0,224 - -
Não 3 5 1
Drogas antivirais
Sim 3 3 0,5 (0,1–3,3) 0,422 - -
Não 30 15 1
Ignorado 9 13
Antibióticos
Sim 26 17 0,6 (0,1–2,5) 0,452 - -
Não 8 3 1
Ignorado 8 11
Corticoide
Sim 15 8 1,5 (0,5–5,4) 0,465 - -
Não 12 10 1
Ignorado 15 13
CPAP/BiPAP c
Sim 5 5 0,6 (0,1 – 2,5) 0,426 - -
Não 23 13 1
Ignorado 14 13
a) Teste qui-quadrado de Wald.
b) P-valor significativo (p<0,05).
c) Pressão positiva contínua nas vias aéreas [CPAP] ou bilevel positive airway pressure [BiPAP].

526 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):519-530, jul-set 2016


Hélio Ranes de Menezes Filho e colaboradores

ter sido identificado na região Sudeste do país. Em estão relacionadas somente à zona rural, mas também
análise de 16 anos (1996 a 2008), considerando-se têm sido demonstradas nas periferias das cidades dos
o bioma Cerrado, a frequência média de casos da países de baixa e média renda, onde o crescimento
doença foi de 26,6 casos por ano, portanto superior desordenado da população e a baixa cobertura de
ao número relatado neste estudo.19 saneamento promovem a proliferação dos roedores
Os casos em Goiás ocorreram com maior frequência que invadem os domicílios.15,19,21
em homens. Alguns estudos relatam maior incidência A distribuição dos casos não evidenciou sazonalidade
entre homens jovens, associando o fato com a interação da infecção, pois o número de casos não se alterou de
entre ocupação e sexo.10 O perfil dos casos foi semelhante modo expressivo em relação aos dois principais períodos
ao encontrado em outros estudos brasileiros e em países climáticos existentes na região – seca e chuva. Esse
das Américas, com predominância de homens jovens, resultado mostrou-se diferente de outros estudos, que
em fase produtiva. Outros trabalhos também relatam identificaram maior concentração de casos no período
maior frequência de casos de SCPH entre indivíduos de seca, com maior população de roedores no bioma
jovens, com idade inferior a 50 anos. Estudo realizado Cerrado; ou, ainda, no bioma Mata Atlântica, onde a
no Brasil, no período de 1993 a 2006, identificou 855 maior frequência de registros foi entre os meses de
casos notificados, dos quais a maioria era composta setembro e dezembro.27,28
por homens adultos jovens, trabalhadores na zona O número de casos suspeitos tem aumentado
rural.10 Na Argentina, em no período de 1995 a 2008, em cada ano no estado, sem refletir no aumento do
os resultados foram semelhantes, evidenciando maior número de casos confirmados, porém com aumento
frequência do agravo entre homens adultos jovens na letalidade. A taxa de letalidade foi superior àquela
trabalhadores, apontando também maior gravidade encontrada em estudo brasileiro realizado no bioma
dos casos entre as mulheres.20,21 Cerrado e também superior à taxa de letalidade por
Não foi identificada associação com a ocupação ou hantavirose no Brasil no último ano.9,19
que pudesse relacionar a doença às atividades laborais. O sistema de vigilância epidemiológica deve permitir
Ressalta-se que o nível de escolaridade identificado foi a identificação precoce dos casos, ainda em fase inicial
predominantemente Ensino Fundamental, o que carac- (prodrômica), bem como intervenção e tratamento efi-
teriza, além de população jovem, indivíduos com baixa cazes.16 A taxa de letalidade encontrada neste estudo foi
escolaridade e voltados para ocupações relacionadas maior entre aqueles diagnosticados já na forma clínica
com atividades no campo, ou mesmo na cidade, mas grave SCPH, e quase todos os pacientes necessitaram
que não exijam grande qualificação, como trabalha- de assistência hospitalar.
dores construção civil e motoristas. Estas ocupações A letalidade da hantavirose no Planalto Central e no
favorecem a exposição aos roedores e aumentam a bioma Cerrado tem se apresentado maior do que em todo
possibilidade de infecção pelo hantavírus.7,21-24 o país ou em outros biomas, como a Mata Atlântica.19
Não foi observada diferença na frequência da hantavirose A alta letalidade pode estar associada às variantes do
segundo a cor da pele. A maioria dos estudos relaciona a hantavírus que apresentam diferentes virulências.18,28
presença do hantavírus associado com questões sociais, Esta foi uma das limitações do presente estudo, pois não
econômicas e ambientais, e não isoladamente com a foi realizada a identificação dos diferentes genótipos
etnia. Estudo realizado nos Estados Unidos identificou do agente etiológico.
a presença do hantavírus pulmonar, com distribuição de A hantavirose em Goiás tem sido diagnosticada já em
63% entre caucasianos, 35% americanos nativos e 2% seu estágio avançado (SCPH), quando o comprometi-
americanos afrodescendentes, porém, sem associação mento respiratório é muito frequente. Isso, associado à
com a incidência da doença.12,25,26 alta virulência do hantavírus, pode explicar, em parte, as
O contato com roedores ou mesmo a exposição em altas taxas de letalidade encontradas. Estudo realizado no
situações de risco, como dormir em barraca, limpeza Brasil, no período de 1993 a 2007,17 indicou que as duas
de casa, moagem de grãos, transporte de carga, desma- linhagens principais presentes nas regiões Sudeste, Sul e
tamento e turismo rural também foram relatados. Tais Planalto Central brasileiro eram Araraquara e Juquitiba,
situações são comprovadamente associadas ao aumento e que os casos fatais de SCPH foram mais frequentes
da probabilidade de infecção pelo hantavírus e não justamente com o vírus Araraquara.12,14,19

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):519-530, jul-set 2016 527


Estudo transversal da letalidade da hantavirose no estado de Goiás, 2007-2013

Além da virulência do hantavírus e do diagnóstico subnotificação de casos em decorrência da dificuldade


tardio da hantavirose, cabe relacionar as condições de do diagnóstico diferencial do agravo.
assistência à saúde em muitos municípios, principal- Outra limitação foi a ausência de informação de
mente naqueles de menor porte e mais afastados dos genotipagem do hantavírus envolvido nos casos con-
grandes centros e que não dispõem de unidades para firmados, o que pode ser objeto de estudos futuros,
tratamento intensivo dos casos mais graves da doença permitindo que se conheça a linhagem mais comum
com comprometimento respiratório. Essas condições do vírus no estado de Goiás.
associadas podem estar influenciando as altas taxas de Os pontos a serem considerados são a ampliação
letalidade. Houve hospitalização de quase todos os casos do conhecimento de uma doença emergente, em uma
confirmados, e a maior parte destes evoluiu para óbito. região onde este agravo tem recebido pouca atenção
As principais manifestações clínicas da hantavirose das autoridades sanitárias, e também a identificação de
nas Américas estão relacionadas com comprometimen- fragilidades no sistema de vigilância epidemiológica,
to respiratório, como tosse e dispneia.1 No presente demonstrada pela desproporção crescente entre número
estudo, a IRpA está associada com os casos fatais. de casos suspeitos notificados e número de casos confir-
Aqueles que tiveram acesso ao tratamento e também mados e o diagnóstico na forma clínica tardia da doença.
foram assistidos no suporte terapêutico por respirador Os resultados do estudo possibilitaram traçar perfil
mecânico tiveram quase 30% mais chance de sobreviver. epidemiológico e clínico da hantavirose em Goiás, o que
Já o hematócrito (>45%) esteve associado com morte pode alertar as autoridades sanitárias para que ações
causada por hantavírus. de vigilância sejam priorizadas, principalmente em
Na análise de regressão múltipla, a insuficiência res- regiões do estado onde a frequência tem se mostrado
piratória permaneceu associada com o risco de morte mais elevada e se verificam altas taxas de letalidade. Tais
de modo independente de outras variáveis, sendo que informações também podem ser úteis na formulação
aqueles que apresentaram IRpA tinham quase quatro vezes do raciocínio clínico, fazendo com que os profissionais
mais chances de evolução para óbito. Estudo realizado no de saúde sejam capazes de pensar oportunamente
Brasil, considerando dados de 1993 até 2006, identificou nesta hipótese diagnóstica, o que pode favorecer o
hemoconcentração como variável independente associada prognóstico do paciente.
com alto risco de morte, e sugere que esta variável pode
ser usada como um marcador para identificar os casos Contribuição dos autores
graves de SCPH precocemente, possibilitando o melhor
suporte terapêutico.1,9-11 Menezes Filho HR e Moreli ML: concepção e delineamento
As limitações deste estudo relacionam-se a algumas do estudo, análise e interpretação dos dados, redação
fragilidades do banco de dados disponibilizado pelo Sinan, e revisão crítica relevante do conteúdo do manuscrito.
que ainda apresenta inconsistências no preenchimento Sousa ALL e Costa VG: análise e interpretação dos resul-
das fichas clínicas, limitando a análise de dados, como tados, redação e revisão crítica relevante do conteúdo do
início dos sintomas, data da notificação/investigação, manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final
tratamento instituído e exames realizados. Além disso, do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos
há que se considerar como limitação a possibilidade de do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

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Artigo
original Surtos de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300009

Yellow fever outbreaks in São Paulo State, Brazil, 2000-2010

Leila Del Castillo Saad1


Rita Barradas Barata2

Faculdade de Ciências Medicas da Santa Casa de São Paulo, Mestrado Profissional em Saúde Coletiva, São Paulo-SP, Brasil
1

Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Departamento de Medicina Social, São Paulo-SP, Brasil
2

Resumo
Objetivo: descrever a ocorrência da febre amarela no estado de São Paulo, no período 2000-2010. Métodos: estudo
descritivo e revisão documental sobre casos humanos, epizootias de primatas não humanos e isolamento de vírus em vetor
no estado de São Paulo, de 2000 a 2010. Resultados: foram registrados três surtos de febre amarela silvestre no estado, com
32 casos humanos e 15 óbitos; os casos ocorreram em indivíduos não vacinados, expostos à forma silvestre de transmissão;
uma epizootia foi confirmada antes da circulação viral em humanos na região de São José do Rio Preto e foi possível isolar
o vírus duas vezes em vetores. Conclusão: ocorreram três surtos de febre amarela silvestre no estado, de 2000 a 2010,
dois deles em área de transição e outro em área considerada indene; a vacinação e a manutenção da cobertura vacinal são
necessárias para a prevenção da doença.
Palavras-chave: Febre Amarela; Zoonoses; Vigilância Epidemiológica.

Abstract
Objective: to describe yellow fever occurrence in the state of São Paulo, Brazil, in the period 2000-2010. Methods:
this was a descriptive study using data regarding human cases, epizootics in non-human primates and virus vector
isolation in São Paulo State, between 2000 and 2010. Results: three sylvatic yellow fever outbreaks were registered in
the state with 32 human cases and 15 deaths; the cases occurred in unvaccinated individuals exposed to the sylvatic
form of transmission; epizootics was confirmed before the virus began circulating in humans in the region of São José
do Rio Preto and the virus was isolated twice in vectors. Conclusion: three sylvatic yellow fever outbreaks occurred in
the state between 2000 and 2010, two of them in a transition area and the other in an area considered to be unaffected;
vaccination and maintaining immunization coverage are necessary for preventing the disease.
Key words: Yellow Fever; Zoonosis; Epidemiological Surveillance.

*Artigo elaborado a partir da dissertação de Mestrado Profissional de Leila Del Castillo Saad, defendida junto à Faculdade
de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), como parte da formação do programa de Treinamento em
Epidemiologia Aplicada aos Serviços do Sistema Único de Saúde do estado de São Paulo (Episus/SP), em 2015.

Endereço para correspondência:


Leila Del Castillo Saad – Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Centro de Vigilância Epidemiológica Prof. Alexandre
Vranjac, Av. Dr. Arnaldo, no 351, Pacaembu, 6º andar, sala 608, São Paulo-SP, Brasil. CEP: 01246-000
E-mail: leilasaad@gmail.com

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Febre amarela no estado de São Paulo

Introdução Métodos

A febre amarela é uma doença infecciosa aguda, Estudo descritivo com dados secundários. O estu-
febril e hemorrágica não contagiosa que, desde o do foi realizado no estado de São Paulo, localizado
século XVII, é responsável por dizimar populações na região sudeste do Brasil. O estado possui 645
na América do Sul e da África.1,2 São descritos dois municípios distribuídos em uma área territorial de
padrões epidemiológicos distintos de transmissão da 248.209,3 km², o que representa 2,91% do território
doença: o padrão silvestre e o ciclo de transmissão brasileiro. Para as ações de vigilância, o território
urbana pelo Aedes aegypti.2 paulista foi dividido em 27 grupos de vigilância
Embora anteriormente considerada como uma epidemiológica (GVE).
das vacinas de vírus vivo atenuado mais seguras, a
vacina de febre amarela pode induzir efeitos adversos O Brasil possui uma extensa área
após sua administração, classificados em três níveis: enzoótica para febre amarela
leve, moderado e grave. São descritos, basicamente, silvestre, onde, anualmente, ocorrem
dois eventos adversos graves relacionados à vacina,
a doença neurotrópica e a doença viscerotrópica.1-3
casos da doença em indivíduos não
O Brasil possui uma extensa área enzoótica para vacinados que entram em contato
febre amarela silvestre, onde, anualmente, ocorrem com vetores e fontes de infecção do
casos da doença em indivíduos não vacinados que ciclo silvestre da doença.
entram em contato com vetores e fontes de infecção
do ciclo silvestre da doença.1,2 Para efeito da vigilância epidemiológica da febre
O ciclo silvestre se mantém entre primatas não hu- amarela no estado, a ocorrência de um único caso
manos (PNH) e mosquitos silvestres, principalmente autóctone da doença já é caracterizada como surto,
os pertencentes aos gêneros Haemagogus e Sabethes, desencadeando as medidas de contenção preconiza-
que habitam as copas das árvores.3 Já no ciclo urbano, das, isto é, avaliação ecoepidemiológica e avaliação
o principal transmissor do vírus são os mosquitos entomológica, seguidas das ações para conter a
do gênero Aedes, sendo o homem a única fonte de circulação viral.
infecção para esses vetores.3,4 As informações para o estudo foram obtidas a
Atualmente, estima-se que em intervalos cíclicos de partir dos dados existentes, referentes às investiga-
três a sete anos, a febre amarela silvestre pode aparecer ções epidemiológicas realizadas pelos técnicos das
na forma de surtos, à consequência de epizootias em vigilâncias estaduais e municipais, dos casos humanos
PNH. Nestes animais, a doença distribui-se periodica- e epizootias confirmados de febre amarela no estado
mente, em intervalos suficientes para o surgimento de de São Paulo, disponíveis na Divisão de Zoonoses e
novas populações suscetíveis.3 Imunização do Centro de Vigilância Epidemiológica
Após aproximadamente meio século de silêncio Prof. Alexandre Vranjac, da Secretaria de Estado da
epidemiológico, o estado de São Paulo voltou a detectar Saúde. Também foram revisados os relatórios das
casos autóctones da enfermidade.5 Apesar dos esforços investigações realizadas.
para vacinar as populações em áreas do estado consi- Foram incluídos dados sobre casos humanos,
deradas de risco, o vírus continuou a ampliar sua área óbitos humanos, epizootias de PNH e isolamento de
de circulação.6 As áreas consideradas de risco – e con- vírus em vetores.
sequentemente, com recomendação da vacina – foram O projeto do estudo foi submetido ao Comitê de
ampliadas na medida em que uma nova localidade era Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da
detectada com a presença do vírus da febre amarela. Santa Casa de São Paulo, sendo dispensado da necessi-
Tendo em vista a clara expansão da circulação do dade de apreciação, uma vez que os dados disponíveis
vírus da febre amarela no estado de São Paulo, este não continham identificação de nenhum dos casos.
estudo pretendeu descrever a ocorrência da febre Por fazer parte do Programa de Treinamento em
amarela desde sua reintrodução e detecção no estado Epidemiologia Aplicada aos Serviços do Sistema
de São Paulo, no ano 2000 até 2010. Único de Saúde do Estado de São Paulo (Episus/SP),

532 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):531-540, jul-set 2016


Leila Del Castillo Saad e Rita Barradas Barata

programa pertencente à Secretaria de Estado da Saúde foi realizada mediante captura de mosquitos no mu-
de São Paulo, os dados foram disponibilizados e sua nicípio de Santa Albertina. Não foram encontrados
utilização e divulgação autorizada. PNH mortos ou doentes na região. Seis amostras do
inquérito sorológico tiveram resposta monotípica
Resultados para o vírus da febre amarela; entretanto, não foi
possível concluir pela autoctonia desses casos,
De 2000 a 2010 o estado de São Paulo apresen- tampouco isolar o vírus a partir de vetores7 (Tabela
tou três surtos de febre amarela silvestre autóctone. 2 e Figura 1).
Foram registrados 32 casos, com letalidade global de O estado ampliou as áreas de recomendação da
46,8% (Tabelas 1 e 2). A doença acometeu, prepon- vacina após a reintrodução do vírus nos municípios
derantemente, homens com idade entre 15 e 59 anos. de Ouroeste e Santa Albertina. A partir de 2001, 277
Todos os casos ocorreram em não vacinados que se municípios entraram na área de recomendação,
expuseram à forma silvestre de transmissão da doença abrangendo 9 GVE (Figura 2).
(Tabelas 1 e 2). Em 2003, A Secretaria de Estado da Saúde, em
Em março do ano 2000, a Secretaria de Estado da parceria com os Centros de Controle de Zoonoses
Saúde recebeu duas notificações de febre amarela de Municipais, Secretarias Municipais de Saúde, Superin-
transmissão silvestre na região noroeste do estado, tendência de Controle de Endemias, Polícia Ambiental
nos municípios de Santa Albertina e Ouroeste, lo- e Faculdades de Medicina Veterinária, implantou a
calizados às margens do Rio Grande, com provável vigilância passiva de óbitos de PNH na área conside-
transmissão autóctone. rada de transição para risco de transmissão de febre
Os doentes, com idades de 43 e 44 anos, eram amarela no estado.
do sexo masculino e residiam em Dolcinópolis e Entre 2004 e 2007, não foi registrada a ocor-
Ribeirão Preto, respectivamente. Os dois eram não rência de morte de PNH no estado. Em 2008, no
vacinados e desenvolveram a forma grave da doença, período de janeiro a junho, foi registrada, em
evoluindo a óbito 10 e 5 dias –respectivamente – após área de transição para febre amarela, a morte de
o início dos sintomas. O critério de confirmação 140 macacos, sendo possível realizar investigação
da doença foi laboratorial, com positividade na laboratorial em 96 (68,6%) amostras no IAL. A
avaliação por exame imunohistoquímico realizado positividade nas amostras de macacos provenientes
no laboratório de referência do estado, o Instituto dos municípios de Mendonça, Nova Aliança e Urupês
Adolfo Lutz (IAL) (Tabela 2). Uma investigação (14/01/2008, 18/02/2008 e 18/02/2008, respecti-
epidemiológica foi realizada nos locais prováveis de vamente) confirmou, por critério laboratorial, a
infecção, observando-se, nos dois casos, relatos de ocorrência de epizootia pelo vírus da febre amarela
pescaria às margens do Rio Grande, na divisa com na região de São José do Rio Preto.8,9 Além dessas
os estados de Minas Gerais e Goiás. epizootias, foi confirmado, por critério clínico-
Foi realizado inquérito sorológico das popula- -epidemiológico, caso de morte de PNH por febre
ções ribeirinhas em 13 municípios localizados às amarela em Bady Bassitt, outro município localizado
margens do Rio Grande. A avaliação entomológica na mesma região.8-10

Tabela 1 – Distribuição dos surtos de febre amarela, segundo ano de ocorrência, número de casos, óbitos e letalidade
no estado de São Paulo, 2000-2010

Casos Óbitos Letalidade


Ano de ocorrência dos surtos
n n (%)
2000 2 2 100,0
2008 2 2 100,0
2009 28 11 39,3
Total 32 15 46,8

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):531-540, jul-set 2016 533


Febre amarela no estado de São Paulo

Tabela 2 – Distribuição dos casos de febre amarela segundo sexo, faixa etária, critério de confirmação, situação
vacinal, hospitalização, número de óbitos e atividade desenvolvida no local provável de infecção no
estado de São Paulo, 2000-2010

Masculino Feminino Total


Variáveis
n n n
Faixa etária (em anos)
<14 2 1 3

15-59 20 9 29
Critério de confirmação
Laboratorial 21 10 31

Clínico-epidemiológico 1 − 1
Situação vacinal
Não vacinado 21 10 31

Ignorado 1 − 1
Hospitalização
Internado 18 7 25

Não internado 4 3 7
Óbito 11 4 15
Total 22 10 32

Pesquisa sorológica
Caso humano confirmado
Caso humano confirmado e pesquisa sorológica
Caso humano confirmado, pesquisa sorológica e investigação vetorial
Epizootia em PNHa
Epizootia em PNHa e isolamento de vírus em vetor
Caso humano, epizootia em PNH e isolamento de vírus em vetor

0 100 200 300

Quilômetros

a) PNH: Primata Não Humano

Figura 1 – Detecção de circulação do vírus da febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010
 

534 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):531-540, jul-set 2016


Leila Del Castillo Saad e Rita Barradas Barata

Área com recomendação de vacina 2001


Área com recomendação de vacina 2008
Área sem recomendação de vacina
Área com recomendação de vacina 2009

0 100 200 300


Quilômetros

Figura 2 – Expansão das áreas de recomendação da vacina de febre amarela no estado de São Paulo, 2000-2010
Após a confirmação do diagnóstico etiológico, a Estação Ecológica de Jataí, no município de Luís
foram delimitados, a partir de um raio de 30 qui- Antônio: os sintomas apareceram em 22/04/2008 e o
lômetros de onde foram encontradas as carcaças óbito ocorreu em 26/04/2008. Residente no município
dos primatas, 13 municípios prioritários para as de São Carlos, o segundo caso iniciou os sintomas em
ações de prevenção e controle da doença. Além da 23/05/2008 e evoluiu a óbito em 26/05/2008. Este
intensificação da vacinação, já que os municípios caso, como o primeiro, esteve na área rural de São Car-
que registraram as epizootias estavam dentro da los, divisa com o município de Rincão, próximo ao rio
área de recomendação da vacina desde 2001 (após Mogi-Guaçu e à Estação Ecológica de Jataí. O critério
a reintrodução do vírus no estado), foram desenvol- de confirmação da doença foi laboratorial, sendo os
vidas ações em três fases: (i) vacinação e busca de dois casos positivos para o exame imunohistoquímico
sintomáticos casa a casa, em áreas rurais e urbanas, realizado pelo IAL (Tabela 2).
(ii) ampliação da área de recomendação da vacina A positividade das amostras laboratoriais confirmou
para 16 municípios, com inclusão de São José do a circulação do vírus e desencadeou uma investigação
Rio Preto, e (iii) avaliação da cobertura vacinal dos epidemiológica, em que foram coletadas amostras de
demais municípios do GVE.8-10 Essas ações, aparente- humanos, macacos e vetores (Tabela 3).
mente, foram capazes de evitar a ocorrência de casos Durante as investigações, um inquérito sorológico
humanos nesse período, mostrando a importância da foi realizado com 128 amostras humanas, provenientes
vigilância de epizootias. dos municípios de São Carlos, Rincão e Ribeirão Preto,
Em abril e maio de 2008, dois casos humanos (próximas aos locais prováveis de infecção), e mais 10
autóctones da doença foram notificados na região de amostras de comunicantes dos pacientes. Três amostras
Ribeirão Preto. Residentes em Cravinhos e Luís Antônio, foram positivas para pesquisa de anticorpos IgM do
os dois casos eram do sexo masculino, tinham 39 anos vírus da febre amarela, quatro macacos testados tiveram
de idade, não vacinados, e haviam se exposto a atividades diagnóstico positivo e foi possível isolar o vírus de mos-
de risco (pescaria). Os dois pacientes apresentaram a quitos provenientes de Urupês. (Tabela 3 e Figura 1).8-10
forma grave da doença, evoluindo a óbito 5 e 4 dias – Essa expansão da circulação viral resultou
respectivamente – após o início dos sintomas.9 na ampliação das áreas com recomendação de
O primeiro a apresentar sintomas foi o residente em vacinação para residentes e viajantes. Em 2008,
Cravinhos, que teve como local provável de infecção o estado incluiu mais 62 municípios na área de

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):531-540, jul-set 2016 535


Febre amarela no estado de São Paulo

Tabela 3 – Positividade para o vírus da febre amarela em amostras coletadas nos anos de ocorrência de surtos no
estado de São Paulo, 2000, 2008 e 2009

Amostras de humanos Amostras de primatas não humanos Amostras de vetores


Surtos
Coletado Positivo Coletado Positivo Coletado Positivo
n n(%) n n(%) n n(%)

2000 630 6 (0,95) - - 1.100 -

2008 577 3 (0,52) 108 4 (3,70) 3.049 1 (0,03)

2009 86 - 56 2 (3,57) 1.782 1 (0,05)

Total 1.293 9 (0,70) 164 6 (3,66) 5.931 2 (0,03)

recomendação da vacina, nos GVE de Araraquara e março a abril de 2009. Durante essa campanha de
Bauru9,11,12 (Figura 2). vacinação, foram confirmados três casos de doença
No ano de 2009, a doença apresentou caráter epidê- neurotrópica aguda, um caso de hipersensibilidade
mico: de fevereiro a abril, foram notificados 138 casos imediata, todos com evolução para cura, e cinco casos
humanos suspeitos na região de Botucatu. Este evento de doença viscerotrópica aguda que evoluíram a óbito
foi considerado uma emergência de Saúde Pública – aproximadamente 1 óbito para cada 200 mil doses
de importância nacional (ESPIN), de acordo com o e 1 caso de evento adverso grave para cada 113 mil
Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI2005). doses aplicadas.11
Dos casos investigados, 110 foram descartados e 28
confirmados em cinco municípios da região – Sarutaiá, Discussão
Piraju, Avaré, Buri e Tejupá –, todos localizados fora
da área de recomendação de vacina.11,13,14 Embora o vírus tenha reemergido no estado de
Dos casos registrados, 11 evoluíram a óbito, com São Paulo após décadas sem nenhuma ocorrência,
mediana de 7 dias entre a data de início de sintomas a doença continua a atingir, em sua maioria, ho-
e o óbito (letalidade: 39,3%). Os locais prováveis de mens, a faixa economicamente ativa da população,
infecção dos casos confirmados foram as áreas rurais trabalhadores rurais e pessoas que se expõem a
dos municípios de Sarutaiá, Piraju, Tejupá, Avaré e atividades consideradas de risco (pesca, caça e
Buri. Dez casos ocorreram em trabalhadores rurais ecoturismo, entre outros) nos meses mais quentes
que desempenhavam atividades em mata e 18 em do ano, com elevados índices de pluviosidade e
indivíduos que realizaram atividades de lazer. Entre consequentemente, maior densidade vetorial. An-
os 28 casos confirmados, 18 (64,3%) eram do sexo teriormente considerada doença ocupacional, hoje
masculino; e a idade variou entre três dias de vida a febre amarela é identificada com essa nova classe
e 52 anos.11,13 de risco: pessoas que se expõem, não imunizadas,
A comprovação da circulação do vírus da febre a atividades de ecoturismo em beira de rios ou em
amarela nos municípios de Avaré, Buri, Itapetininga, áreas com fragmentos de mata preservada.4
Piraju, Sarutaiá e Tejupá resultou, mais uma vez, na Ao longo da história, surtos e epizootias têm sido
ampliação da área de recomendação de vacinação no relatados no Brasil (e em outros países endêmicos),
estado de São Paulo. A partir de 2009 , foram incluídos de tempos em tempos. Semelhante ao que ocorre no
mais 49 municípios com recomendação da vacina, Brasil, surtos de febre amarela ressurgiram na África,
englobando mais 5 GVE (Figura 2).11,12,14,16 representando um risco imediato para as populações
As ações de vacinação tiveram início imediatamente em todo o continente.17 O aumento da migração, ace-
após a confirmação do primeiro caso em Sarutaiá, e lerando a urbanização, e a melhoria da infraestrutura
foram ampliadas para áreas de provável circulação de viagens são tendências globais que aumentam o
viral. Um total de 1.018.705 doses da vacina foram risco de a doença circular em partes do mundo onde
aplicadas, atingindo cobertura vacinal de 86,8% de havia desaparecido.17,18

536 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):531-540, jul-set 2016


Leila Del Castillo Saad e Rita Barradas Barata

Alguns especialistas têm teorizado que as epide- Este estudo teve como limitações basear-se apenas
mias se repetem no leste da África porque sua savana em dados secundários, que objetivavam descrever os
é relativamente seca, e consequentemente, a den- surtos. Não se teve acesso a dados individuais sobre
sidade populacional de mosquitos é menor do que reação adversa grave à vacina, como também no caso
nas savanas mais úmidas da África Central. Assim, a de doença perinatal diagnosticado.
população humana da savana do leste da África pode Apesar de a vigilância de epizootias de PNH ter sido
ser exposta ao vírus menos regularmente do que a implantada no estado em 2003, a ocorrência desses
população da África Central, e um grande número eventos já era vista como sentinela de surtos de febre
de jovens suscetíveis, suficientes para manter um amarela no país. Entre os anos de 1999 e 2000, após
surto, acumular-se no decorrer dos anos entre as período de elevada transmissão de febre amarela
epidemias. Estudos epidemiológicos, ao contrário, silvestre no Centro-Oeste brasileiro, envolvendo o
sugerem que a persistente "transmissão silenciosa" registro de casos humanos e morte de macacos em
(sem surtos de doenças detectáveis) pode ocorrer período concomitante, o Brasil passou a registrar a
entre os habitantes das savanas mais úmidas da mortandade de primatas como alerta para o risco
África Central, gerando um tipo de imunidade de de febre amarela e, como consequência, a adoção
rebanho.17,18 rápida das medidas de prevenção de casos humanos
Na região amazônica e em outras áreas endêmi- e controle de transmissão.1
cas do Brasil, os surtos e epizootias foram relata- É certo que apenas nas epizootias ocorridas em
dos a cada 5-7 anos. Esta periodicidade deve-se, 2008, na região de São José do Rio Preto, esse ins-
provavelmente, à renovação das populações de trumento foi útil; talvez, pela área já ser considerada
PNH, essenciais para a amplificação viral, o que de risco para transmissão da virose, a vigilância
não ocorre com a população de vetores, mesmo desses eventos estar fortalecida e os profissionais
considerando a possibilidade de transmissão tran- sensibilizados, além de a população humana estar
sovariana ou vertical.4,5,19 vacinada. Assim, foi possível adotar medidas de
Assim como nos surtos recentes registrados em prevenção e controle antes que o vírus circulasse
diferentes regiões do país, nos estados de Minas na população humana, ou mesmo atingisse áreas
Gerais20 e Rio Grande do Sul,21 os homens continuam urbanas – com elevada densidade populacional
a representar o sexo mais acometido pela doença. e infestadas pelo Aedes aegypti –, com risco de
No estado de São Paulo, a incidência da doença nos reurbanização da doença como aconteceu em 2008,
homens foi duas vezes maior do que nas mulheres. A na região metropolitana de Assunção, Paraguai.23
faixa etária mais atingida foi a economicamente ativa O surto foi rapidamente controlado, por meio
da população, semelhante ao padrão já descrito para da vacinação de aproximadamente um milhão de
o Brasil.4 No maior surto registrado, ocorrido em pessoas e atividades de controle vetorial.17,23,24 Este
2009, a faixa etária atingida variou, foram registra- foi o primeiro surto de febre amarela urbana docu-
dos 3 casos em menores de 14 anos, e uma situação mentado na América do Sul desde 1942 e levantou
inusitada ocorreu: um caso de transmissão perinatal preocupações acerca do potencial de propagação
foi diagnosticado.22 do vírus para áreas não endêmicas, sem cobertura
A letalidade pode ser considerada um indica- vacinal e com vetores capazes de transmissão do
dor de sensibilidade da vigilância para detectar vírus, como o Caribe, América Central e América
novos casos, bem como da gravidade da doença. do Norte.23,24
A letalidade esperada da doença, em todas suas Embora tenham sido confirmados três surtos no
formas, é de 5 a 10% e valores acima deste indicam período estudado, apenas quando o vírus deparou-
baixa capacidade da vigilância em detectar casos se com uma população sem imunidade prévia, foi
leves.20 Nos três surtos aqui explicitados, a vigilân- capaz de infectar um grande número de pessoas.
cia realizou a busca ativa de oligossintomáticos e Reconhece-se a combinação de cinco fatores
assintomáticos. Nos nove casos detectados nas fundamentais para a epidemiologia das doenças
pesquisas sorológicas, não foi possível concluir transmitidas por vetores: a ecologia e comportamento
pela autoctonia dos mesmos. do hospedeiro, a ecologia e comportamento dos

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):531-540, jul-set 2016 537


Febre amarela no estado de São Paulo

vetores e o grau de imunidade da população.2 Nos risco de desenvolver quadros clínicos graves após
dois primeiros surtos, foram registrados apenas dois a exposição ao vírus vacinal.
casos, provavelmente introduzidos pela presença Campanhas de vacinação em massa têm sido asso-
de fontes de infecção humanas ou não humanas e ciadas ao aumento da detecção de eventos adversos
vetores nos locais prováveis de infecção. A cobertura pós-imunização.28 Durante as campanhas de vacinação
vacinal alta deve ter possibilitado a imunidade de em massa, o histórico das pessoas pode não ser bem
rebanho (bloqueio na transmissão decorrente das investigado. Além disso, a vacinação de adultos sem
altas coberturas vacinais na população), limitando imunidade prévia pode aumentar as taxas de eventos
o risco de contágio para o restante da população. graves, uma vez que o risco é maior na primeira imuni-
No último surto, ocorrido em 2009, mesmo com o zação e parece aumentar com a idade.28-29 Nesse senti-
início precoce da vacinação após a identificação do do, realizar campanhas após a detecção de casos pode
primeiro caso autóctone, o fato de a população não representar uma opção que comporta maior risco do
estar previamente imunizada propiciou o surgimento que a ampliação prévia da área de cobertura vacinal.
de 28 casos. Fica claro que a barreira imposta pela Os surtos ocorridos no Brasil entre 2008 e 2009
vacina, e contínuas e altas taxas de cobertura vacinal, foram os primeiros no país a identificar taxas de
constituem, até hoje, o método mais importante doença neurotrópica associada à vacina, semelhantes
para prevenir e controlar a doença em áreas nas aos relatados nos Estados Unidos da América (0,8
quais as condições ecológicas são favoráveis ao por 100 mil doses administradas), sugerindo que o
estabelecimento do ciclo de transmissão. aumento da vigilância e testes de laboratório mais
No continente africano, duas situações distintas são sensíveis (especificamente, PCR em tempo real para
relatadas: as campanhas de vacinação em massa, rea- a detecção de RNA do vírus da febre amarela no fluido
lizadas em vários países do Oeste Africano, resultaram cerebrospinal) colaboraram para a detecção desses
no desaparecimento rápido da doença ao longo dos 40 eventos – embora o diagnóstico da doença neuro-
anos seguintes, enquanto países como a Nigéria, que trópica possa ser concluído apenas com a presença
não implementaram a vacina de rotina, sofreram com de anticorpos IgM específicos para febre amarela no
grandes surtos da doença na década de 1980. Efeti- líquido cefalorraquidiano.29
vamente, os países que haviam realizado a vacinação Em conclusão, no período avaliado, foram regis-
notificaram casos esporádicos em comunidades rurais trados três surtos de febre amarela no estado de São
e isoladas, que não haviam recebido a vacina. Esses Paulo, com 32 casos confirmados. A quase totalidade
dados parecem confirmar a importância da vacina no desses casos ocorreu em indivíduos não vacinados e
controle da endemia.25,26 nenhum caso foi observado em indivíduo comprova-
A reintrodução do vírus no estado de São Paulo damente vacinado. Embora casos de reação adversa
fez com que a área de recomendação da vacina possam ser associados à vacina, esta ainda se mostra
fosse ampliada a cada nova identificação dos in- como a melhor forma de prevenir a doença e a cir-
dícios de circulação viral. O estado passou de 277 culação viral.
municípios, abrangendo nove GVE em 2001, para
429 municípios e 15 GVE com recomendação de Contribuição das autoras
vacina em 2010.
Embora anteriormente considerada como uma Saad LDC contribuiu na elaboração do projeto,
das vacinas de vírus vivo atenuado mais seguras, coleta, análise e interpretação dos dados e redação
a vacina de febre amarela pode induzir efeitos do manuscrito.
adversos após sua administração, classificados Barata RB contribuiu na elaboração do projeto
entre leves, moderados ou graves.1,27 O registro e orientou todas as etapas de elaboração e revisão
cada vez mais frequente desses eventos tem levado do manuscrito.
as autoridades sanitárias a analisarem com maior Ambas autoras aprovaram a versão final do ma-
cuidado as propostas de extensão da cobertura va- nuscrito e declaram serem responsáveis por todos
cinal, tentando estabelecer um equilíbrio favorável os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão
entre o risco de adquirir a infecção natural e o e integridade.

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Leila Del Castillo Saad e Rita Barradas Barata

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540 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):531-540, jul-set 2016


Artigo
original Tendência temporal da mortalidade por doenças
infecciosas intestinais em crianças menores de cinco anos
de idade, no estado de São Paulo, 2000-2012 *
doi: 10.5123/S1679-49742016000300010

Time trends in mortality from intestinal infectious diseases among


children under five years old, in São Paulo State, Brazil, 2000-2012

Renata Soares Martins1


Maria Bernadete de Paula Eduardo2
Andréia de Fátima Nascimento3

1
Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde, Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada
aos Serviços do Sistema Único de Saúde do Estado de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil
2
Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde, Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar,
São Paulo-SP, Brasil
3
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Departamento de Saúde Coletiva, São Paulo-SP, Brasil

Resumo
Objetivo: analisar a tendência temporal da mortalidade por doenças infecciosas intestinais (DII) em crianças menores
de cinco anos de idade no estado de São Paulo e suas Redes Regionais de Atenção à Saúde (RRAS), no período 2000-2012.
Métodos: estudo de série temporal sobre os óbitos com causa básica, antecedente ou contribuinte de morte por DII, obtidos
a partir do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Resultados: ocorreram 2.886 óbitos por DII no estado; a
taxa de mortalidade por DII apresentou diminuição de 10,5% ao ano (intervalo de confiança de 95% 4,8; 15,8%); em 13
das 17 RRAS ocorreu diminuição significativa da taxa de mortalidade, com decréscimo anual variável entre 16,6 e 8,3% ao
ano. Conclusão: a taxa de mortalidade por DII apresentou decréscimo significativo na maioria das RRAS, com diferentes
velocidades, possível reflexo das desigualdades das condições socioeconômicas e de organização das redes de atenção à saúde.
Palavras-chave: Estudos de Séries Temporais; Diarreia/mortalidade; Mortalidade da Criança; Pré-escolar; Lactente.

Abstract
Objective: to analyze time trends in mortality owing to intestinal infectious diseases (IID) among children under
five years of age in São Paulo State and its Regional Health Care Networks (RRAS), from 2000 to 2012. Methods: this
was a time series study of deaths having IID as their underlying, antecedent or contributory cause, using Mortality
Information System data. Results: there were 2,886 deaths from IID in the state; the IID mortality rate went down by
10.5% per year (95%CI 4.8; 15.8%); there was a significant decrease in the mortality rate in 13 of the 17 RRAS, with a
annual decrease in the range 16.6% and 8.3%. Conclusion: The IID mortality rate went down significantly in most RRAS,
at different speeds, possibly reflecting inequalities in socio-economic conditions and health care network organization.
Key words: Time Series Studies; Diarrhea/mortality; Child Mortality; Child, Preschool; Infant.

*Artigo elaborado a partir da dissertação de Mestrado Profissional de Renata Soares Martins, defendida junto à Faculdade de
Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) em 2015, como parte da formação do Programa de Treinamento em
Epidemiologia Aplicada aos Serviços do Sistema Único de Saúde do Estado de São Paulo (EPISUS/SP).

Endereço para correspondência:


Renata Soares Martins – Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Centro de Vigilância Epidemiológica ‘Prof. Alexandre Vranjac’, Av.
Dr. Arnaldo, no 351, 6º andar, sala 608, Pacaembu, São Paulo-SP, Brasil. CEP: 01246-000
E-mail: renatamartins47@gmail.com

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):541-552, jul-set 2016 541


Tendência temporal da mortalidade por doenças infecciosas intestinais

Introdução (RRAS).7 As RRAS de São Paulo são constituídas por


relações horizontais organizadas, tendo a Atenção
As doenças infecciosas intestinais persistem como Primária à Saúde como coordenadora do cuidado
importantes causas de morbimortalidade em crianças e ordenadora das redes. O modo de organizar as
menores de cinco anos de idade, ao redor do mundo: RRAS se define pela singularidade de seus processos
em 2008, essas doenças foram responsáveis por 1.336 descentralizadores, frente a outros setores sociais.
milhões de mortes de menores de cinco anos, o que Os serviços de saúde estruturam-se em uma rede de
equivale a, aproximadamente, 15% do total de seis pontos de atenção à saúde, composta por equipamen-
milhões de mortes por doenças infecciosas nessa faixa tos de diferentes densidades tecnológicas a serem
etária.1 No mundo, a taxa de mortalidade em menores distribuídos espacialmente, de forma efetiva, eficiente
de cinco anos diminuiu de 13,6 por mil habitantes, se- e com qualidade.8
gundo estudos publicados entre 1955 e 1979, para 4,9 Partindo da premissa de que a organização das
por mil habitantes, de acordo com estudos publicados RRAS pode ser uma estratégia de organização da
entre 1992 e 2000.2 assistência capaz de contribuir para a (i) detecção
No Brasil, a redução da mortalidade por doenças e tratamento adequado e oportuno das doenças
infecciosas intestinais aconteceu na segunda metade infecciosas intestinais e (ii) redução dos óbitos de
do século XX. No período de 1985-1987, as doenças crianças por esse conjunto de causas no estado, o ob-
infecciosas intestinais foram responsáveis por 17,3% jetivo deste estudo foi analisar a tendência temporal
de todos os óbitos de crianças menores de cinco anos da mortalidade por doenças infecciosas intestinais em
registrados no país, enquanto no período de 2003- crianças menores de cinco anos de idade residentes
2005, essa proporção foi de 4,2%.3 no estado de São Paulo e em suas RRAS, no período
O mesmo comportamento foi observado no estado 2000-2012.
de São Paulo e em sua capital. A proporção de óbitos
por doenças infecciosas no município de São Paulo As doenças infecciosas intestinais
declinou de 45,7% do total de óbitos em 1901 para estão entre as causas de mortes
9,7% do total de óbitos em 2000 (redução de 78,8%),
ao passo que o coeficiente de mortalidade por diar- evitáveis em menores de cinco anos
reia e gastroenterite diminuiu de 321,4 óbitos/100 de idade.
mil habitantes em 1901 para 51,2 óbitos/100 mil
habitantes em 1960 e 2,3 óbitos/100 mil habitantes Métodos
no ano 2000.4
As doenças infecciosas intestinais estão entre as Foi realizado estudo de série temporal. A área de
causas de mortes evitáveis em menores de cinco anos estudo correspondeu ao estado de São Paulo e suas
de idade.5 Sob esse ponto de vista, o óbito evitável pode 17 Redes Regionais de Atenção à Saúde – RRAS. São
ser compreendido como um “evento sentinela”, ou Paulo conta com 645 municípios, distribuídos em uma
seja, evento definidor de situações evitáveis, indicando área territorial de 248.222,4 km2, e uma população
que a qualidade da atenção deva ser melhorada, além estimada em 41.901.219 habitantes para o ano de
de determinar que a investigação do ocorrido seja 2012.9 As 17 RRAS são heterogêneas quanto à área,
acompanhada de intervenções sobre possíveis fatores população e número de municípios integrantes.7
socioeconômicos, ambientais, culturais ou genéticos Foram incluídos neste estudo todos os óbitos de
determinantes da situação encontrada.5 crianças menores de cinco anos de idade residentes
No ano de 2010, as Redes de Atenção a Saúde no estado, com causa básica, antecedente ou contri-
(RAS) foram estruturadas como uma estratégia para buinte de morte por ‘doenças infecciosas intestinais’
(i) superar a fragmentação da atenção e da gestão e – códigos A00 a A09 da 10ª Revisão da Classificação
(ii) aperfeiçoar o funcionamento político-institucional Estatística Internacional de Doenças e Problemas
do Sistema Único de Saúde (SUS).6 No estado de São Relacionados à Saúde (CID-10).10
Paulo, onde a criação das RAS foi regionalizada, foram Como fonte de dados, foram utilizados o Sistema de
denominadas Redes Regionais de Atenção à Saúde Informações sobre Mortalidade (SIM), para obtenção

542 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):541-552, jul-set 2016


Renata Soares Martins e colaboradoras

dos dados sobre os óbitos, e informações sobre o Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São
tamanho da população, resultantes dos censos demo- Paulo e aprovado (Parecer no 019/2013), sendo dis-
gráficos de 2000 e 2010 e derivadas de estimativas pensado da apreciação de Comitê de Ética em Pesquisa
para os demais anos, disponibilizadas pela Fundação por se basear em bancos de dados secundários, de
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). domínio público, sem a utilização de dados nominais
Os bancos de dados com os óbitos de residentes que possibilitassem a identificação dos sujeitos.
no estado de São Paulo, disponibilizados pela Secre-
taria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Resultados
foram obtidos no portal eletrônico do Departamento
de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). No período de 2000 a 2012, no estado de São
Foram selecionados os óbitos a que se atribuiu como Paulo, ocorreram 128.537 óbitos por todas as causas
causa básica doenças infecciosas intestinais e, a seguir, em menores de cinco anos de idade, com redução do
os óbitos com doenças infecciosas intestinais como número de óbitos ao longo dos anos (de 13.710 em
causa antecedente (linhas da parte I) ou contribuinte 2000 para 8.150 em 2012). Os principais grupos de
(parte II), segundo a declaração de óbito. Calculou-se causas básicas de morte foram afecções originárias no
o incremento do número de óbitos por doenças infec- período perinatal (49,8%), seguidas de malformações
ciosas intestinais a partir do acréscimo destes últimos. congênitas (18,3%), doenças do aparelho respiratório
Para o cálculo da mortalidade proporcional e das (8,2%) e doenças infecciosas e parasitárias (5,7%).
taxas de mortalidade, foi utilizado o total dos óbitos Dos 7.263 óbitos por doenças infecciosas e parasi-
(causa básica, causa antecedente ou causa contribuin- tárias, 2.072 (28,5%) tiveram como causa básica
te) com doenças infecciosas intestinais. Foi realizada doenças infecciosas intestinais.
a distribuição proporcional dos óbitos segundo sexo, A partir da análise das linhas de causas antece-
faixa etária (menor de um ano, um a quatro anos) e dentes e das causas contribuintes ao óbito (parte II
RRAS de residência. A mortalidade proporcional por da DO), foram captados mais 814 óbitos que faziam
causas mal definidas (capítulo XVIII da CID-10) foi menção a doenças infecciosas intestinais (incremento
utilizada como marcador da qualidade da informação de 39,0%). Assim, o número de óbitos por doenças
do SIM ao longo dos anos, nas RRAS e no estado. infecciosas intestinais como causa básica, antecedente
Foram calculadas as taxas anuais específicas de ou contribuinte, foi de 2.886 (Figura 1).
mortalidade com doenças infecciosas intestinais em Dos 814 óbitos a mencionar a doenças infecciosas
menores de cinco anos (óbitos/população menor de intestinais como causa antecedente ou contribuinte,
cinco anos), por 100 mil hab. Para avaliar o compor- os principais capítulos da CID-10 registrados como
tamento da mortalidade ao longo do tempo no estado causa básica foram: doenças do aparelho respira-
e nas RRAS, foram construídos gráficos de linhas. tório (23,6%), malformações congênitas (16,5%),
Com o propósito de estimar a variação percentual doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas
anual das taxas de mortalidade ao longo do período (15,2%), doenças infecciosas e parasitárias (10,2%)
estudado, foram construídos modelos de regressão e afecções originadas no período perinatal (9,2%)
linear utilizando-se a técnica de Prais-Winsten para (Figura 1). Entre os óbitos por doenças do aparelho
controlar a autocorrelação dos resíduos da regressão respiratório, 137 (71,4%) foram consequência de
entre os anos analisados.11 A variável dependente foi o pneumonias por microrganismo não especificado;
logaritmo de base 10 da taxa específica de mortalidade 32 (23,9%) dos 134 óbitos por malformações
para o estado de São Paulo e as RRAS; a variável inde- congênitas foram por malformações congênitas do
pendente foi o ano. Admitiu-se nível de significância coração; entre os óbitos por doenças endócrinas,
estatística p≤0,05. O processamento dos dados foi nutricionais e metabólicas, 99 (79,8%) foram por
feito pelo programa Statistical Package for the Social desnutrição (77 destes óbitos ocorreram até 2003;
Sciences (SPSS) versão 15.0; e a análise estatística, a partir de 2010, não houve mais óbitos por esta
pelo programa Stata versão 11.1. causa); 42 (50,6%) dos 83 óbitos por doenças
O projeto do estudo foi submetido à Comissão infecciosas e parasitárias foram por septicemias
Científica do Departamento de Medicina Social da não especificadas; e 19 (25,3%) dos 75 óbitos por

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):541-552, jul-set 2016 543


Tendência temporal da mortalidade por doenças infecciosas intestinais

afecções do período perinatal foram por septicemias especial nas RRAS 10 (Adamantina, Tupã, Assis,
bacterianas do recém-nascido. Marília) e 11 (Extremo Oeste Paulista), as quais
Ocorreram 1.605 (55,6%) óbitos de crianças do também apresentaram proporções mais elevadas
sexo masculino e 2.280 (79,0%) óbitos referiram-se a e variáveis dos óbitos por causas mal definidas
crianças menores de um ano. As maiores proporções (Figura 2).
de óbitos ocorreram na RRAS 6 (município de São No período de 2000 a 2012, a taxa de mortalida-
Paulo) e na RRAS 2 (Alto Tietê) (Tabela 1). de por doenças infecciosas intestinais em menores
A taxa de mortalidade por doenças infecciosas de cinco anos de idade apresentou diminuição de
intestinais diminuiu no estado de São Paulo. Ob- 10,5% ao ano (IC95% 4,8; 15,8%; p=0,002) (Tabela
servaram-se diferenças no comportamento dessas 2) no estado de São Paulo. Em 13 das 17 RRAS,
taxas ao longo dos anos e entre as RRAS. As RRAS 3 também foi observada diminuição significativa da
(Franco da Rocha) e 4 (Mananciais) foram as que taxa de mortalidade (Tabela 2). A RRAS 3 (Franco
iniciaram a série temporal com taxas de mortalidade da Rocha) foi a que apresentou maior redução anual
mais elevadas (22,4 e 33,3 óbitos/100 mil habitan- percentual da mortalidade nesse período (16,6% ao
tes, respectivamente) e apresentaram redução mais ano; IC95% 4,0; 27,5%; p=0,019) (Tabela 2 e Figura
acentuada (Figura 2). Em contrapartida, a RRAS 15 3). As RRAS 5 (Rota dos Bandeirantes), 9 (Lins,
(Campinas) foi a que iniciou a série com essa taxa Bauru, Jaú), 10 (Adamantina, Tupã, Assis, Marília)
mais baixa (9,6 óbitos/100 mil habitantes). Houve e 11 (Extremo Oeste Paulista) não apresentaram
grande variabilidade na taxa de mortalidade, em redução estatisticamente significativa da mortali-

2.072 óbitos por doenças


infecciosas intestinais em
Causa Básica

Incluindo causas antecedentes


e contribuintes ao óbito de
Declaração de óbito (DO)

Incremento de 39%

2.886 óbitos por doenças


infecciosas intestinais

Causa básica,
Somente Causa básica e Causa básica e Somente causa Somente causa
antecedente e
causa básica antecedente contribuinte antecedente contribuinte
contribuinte
(n=114) (n=1.866) (n=87) (n=515) (n=299)
(n=5)

Óbitos segundo causa básica (capítulos da CID 10)


Capítulo X - Doenças do aparelho respiratório: 192 (23,6%)
Capítulo XVII – Malformações congênitas: 134 (16,5%)
Capítulo IV – Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas: 124 (15,2%)
Capítulo I – Doenças infecciosas e parasitárias: 83 (10,2%)
Capítulo XVI – Afecções originadas no período perinatal: 75 (9,2%)
Outros: 206 (25,3%)

Figura 1 – Distribuição dos óbitos por doenças infecciosas intestinais segundo menção como causa básica, causa
antecedente ou causa contribuinte (parte II da Declaração de Óbito) no estado de São Paulo, 2000-2012

544 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):541-552, jul-set 2016


Renata Soares Martins e colaboradoras

Tabela 1 – Distribuição dos óbitos por doenças infecciosas intestinais segundo sexo, faixa etária e Redes Regionais
de Atenção à Saúde (RRAS) no estado São Paulo, 2000-2012

Variáveis N %
Sexo a

Masculino 1.605 55,6


Feminino 1.280 44,4
Faixa etária (em anos)
<1 2.280 79,0
1-4 606 21,0
RRAS b
RRAS 1 – Grande ABC 142 4,9
RRAS 2 – Alto Tietê 235 8,2
RRAS 3 – Franco da Rocha 35 1,2
RRAS 4 – Mananciais 155 5,4
RRAS 5 – Rota dos Bandeirantes 130 4,5
RRAS 6 – Município de São Paulo 917 31,8
RRAS 7 – Baixada Santista, Vale do Ribeira 127 4,4
RRAS 8 – Itapeva, Itapetininga, Sorocaba 191 6,6
RRAS 9 – Lins, Bauru, Jaú 116 4,0
RRAS 10 – Adamantina, Tupã, Assis, Marília 63 2,2
RRAS 11 – Extremo Oeste Paulista 52 1,8
RRAS 12 – São José do Rio Preto, DRSII c
96 3,3
RRAS 13 – Sul de Barretos, Central do DRS III c 217 7,5
RRAS 14 – Araras, Limeira, Piracicaba 80 2,8
RRAS 15 – Rio Pardo, Campinas 140 4,9
RRAS 16 – Bragança Paulista, Jundiaí 68 2,4
RRAS 17 – Vale do Paraíba, Litoral Norte 119 4,1
a) Um registro de óbito sem informação de sexo
b) n=2.883 (para três óbitos, não foi descrito o município de residência)
c) DRS: Departamentos Regionais de Saúde

dade por doenças infecciosas intestinais (Tabela óbitos ocorreu nos menores de um ano de idade, como
2 e Figura 3). observado em estudos desenvolvidos no Brasil12,15 e em
outras partes do mundo.18,19
Discussão Diversos fatores podem ter contribuído para
esse declínio. Pode-se citar, entre eles, a melhora
No período de 2000 a 2012, a taxa de mortalidade da cobertura do saneamento básico,20,21 já elevada
relacionada a doenças infecciosas intestinais em em São Paulo no início dos anos 1980, ampliação
crianças menores de cinco anos apresentou expressivo da cobertura dos serviços de saúde,14,16 diminuição
declínio no estado de São Paulo e em 13 das 17 RRAS. da desnutrição infantil e aumento da cobertura
Houve, entretanto, diferenças no comportamento da vacinal,15,19 ampliação do aleitamento materno e da
velocidade de decréscimo das taxas de mortalidade escolaridade materna.22
entre as RRAS. A vacinação contra o rotavírus é um dos fatores
Tendência semelhante foi observada a partir dos ligados aos serviços de saúde que diminui as hospi-
achados de outros estudos conduzidos no Brasil4,12-17 e talizações23 e a mortalidade por doenças infecciosas
em outras partes do mundo.2,18 A maior proporção de intestinais.24 No presente estudo, entretanto, foi obser-

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):541-552, jul-set 2016 545


Estado de São Paulo RRAS 01 - Grande ABC RRAS 02 - AltoTietê
40,0 100,0 40,0 100,0 40,0 100,0

546
35,0 90,0 35,0 90,0 35,0 90,0
80,0 80,0 80,0
30,0 30,0 30,0
70,0 70,0 70,0
25,0 60,0 25,0 60,0 25,0 60,0

%
%

%
20,0 50,0 20,0 50,0 20,0 50,0

15,0 40,0 15,0 40,0 15,0 40,0


30,0 30,0 30,0
10,0 10,0 10,0
20,0 20,0 20,0
5,0 10,0 5,0 10,0 5,0 10,0

Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)


Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)
0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)


2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Ano Ano Ano

RRAS 03 - Franco da Rocha RRAS 04 - Mananciais RRAS 05 - Rota dos Bandeirantes


40,0 100,0 40,0 100,0 40,0 100,0
90,0 35,0 90,0 35,0 90,0
35,0
80,0 80,0 80,0
30,0 30,0 30,0
70,0 RRAS 01 - Grande ABC 70,0 70,0
25,0 25,0 60,0 25,0 60,0
60,0
40,0

%
%

20,0 50,0 20,0 50,0

%
20,0 50,0
40,0 15,0 40,0 15,0 40,0
15,0
35,0 30,0 30,0 30,0
10,0 10,0 10,0
20,0 20,0 20,0
5,0 10,0 5,0 10,0
5,0 30,0 10,0
0,0 0,0 0,0 0,0
0,0 0,0

Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)


Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)


2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Tendência temporal da mortalidade por doenças infecciosas intestinais

25,0 Ano Ano


Ano

RRAS 06 - São Paulo 20,0 RRAS 07 - Baixada Santista e Vale do Ribeira RRAS 08 - Itapeva, Itapetininga e Sorocaba
40,0 100,0 40,0 100,0 40,0 100,0
90,0 35,0 90,0 35,0 90,0
35,0 15,0
80,0 80,0 80,0
30,0 30,0 30,0
70,0 70,0 70,0
25,0 10,0 25,0 60,0 25,0 60,0
60,0
%
%

20,0 50,0 20,0 50,0

%
20,0 50,0
15,0 40,0 15,0 40,0
15,0
5,0 40,0

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):541-552, jul-set 2016


30,0 30,0
30,0 10,0 10,0

Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)


10,0 20,0 20,0
0,0 20,0
5,0 10,0 5,0 10,0
5,0 10,0
0,0 0,0 0,0 0,0

Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)


Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)

0,0 0,0 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)


2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Ano
Ano Ano
Ano

mortalidade por diarreia mortalidade proporcional por causas mal definidas

Continua
Figura 2 – Taxa de mortalidade por doenças infecciosas intestinais em menores de cinco anos de idade por 100 mil habitantes e proporção de óbitos por causa mal definida,
segundo Redes Regionais de Atenção à Saúde (RRAS) no estado de São Paulo, 2000-2012
RRAS 09 - Lins, Bauru e Jaú RRAS 10 - Adamantina, Tupã e Marília RRAS 11 - Extremo Oeste Paulista
40,0 100,0 40,0 100,0 40,0 100,0

35,0 90,0 35,0 90,0 35,0 90,0


80,0 80,0 80,0
30,0 30,0 30,0
70,0 70,0 70,0
25,0 60,0 25,0 60,0 25,0 60,0

%
%
%

20,0 50,0 20,0 50,0 20,0 50,0

15,0 40,0 15,0 40,0 15,0 40,0


30,0 30,0 30,0
10,0 10,0 10,0
20,0 20,0 20,0
5,0 10,0 5,0 10,0 5,0 10,0
0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)


Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)
Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Ano Ano Ano

RRAS 12 - São José do Rio Preto RRAS 13 - Araraquara e Barretos RRAS 14 - Araras e Piracicaba
40,0 100,0 40,0 100,0 40,0 100,0

35,0 90,0 35,0 90,0 35,0 90,0


80,0 80,0 80,0
30,0 30,0 30,0
70,0 70,0 70,0
25,0 25,0
RRAS 01 - Grande ABC 25,0
60,0 60,0 60,0
40,0

%
%
%

20,0 50,0 20,0 50,0 20,0 50,0

15,0 40,0 15,0 40,0 15,0 40,0


35,0 30,0 30,0 30,0
10,0 10,0 10,0
20,0 20,0 20,0
5,0 10,0 5,0 10,0 5,0 10,0
30,0
0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)


Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)
Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Ano 25,0 Ano Ano

RRAS 15 - Campinas 20,0 RRAS 16 - Bragança e Jundiaí RRAS 17 - Vale do Paraíba e Litoral Norte
40,0 100,0 40,0 100,0 40,0 100,0

35,0 90,0 35,0 90,0 35,0 90,0


15,0 80,0 80,0 80,0
30,0 30,0 30,0
70,0 70,0 70,0
25,0 10,0 60,0 25,0 60,0 25,0 60,0

%
%
%

20,0 50,0 20,0 50,0 20,0 50,0

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):541-552, jul-set 2016


15,0 5,0 40,0 15,0 40,0 15,0 40,0
30,0 30,0 30,0
10,0 10,0 10,0

Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)


20,0 20,0 20,0
5,0
0,0 10,0 5,0 10,0 5,0 10,0
0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)


Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)
Taxa específica de mortalidade (óbitos/100.000 habitantes)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Ano Ano
Ano Ano

mortalidade por diarreia mortalidade proporcional por causas mal definidas

Figura 2 – Continuação

547
Renata Soares Martins e colaboradoras
Tendência temporal da mortalidade por doenças infecciosas intestinais

Tabela 2 – Redução percentual anual da mortalidade por doenças infecciosas intestinais segundo Redes Regionais
de Atenção à Saúde (RRAS) no estado de São Paulo, 2000-2012

Redução anual
Estado de São Paulo e RRAS LI a LS b Valor p Rc
(%)
Estado de SP -10,5 -15,8 -4,8 0,002 0,87
RRAS 1 -11,5 -21,3 -0,4 0,044 0,33
RRAS 2 -11,3 -16,8 -5,3 0,002 0,66
RRAS 3 -16,6 -27,5 -4,0 0,019 0,58
RRAS 4 -11,0 -17,4 -4,0 0,006 0,57
RRAS 5 -10,5 -20,8 1,2 0,072 0,52
RRAS 6 -12,8 -15,4 -10,1 < 0,001 0,88
RRAS 7 -8,3 -13,3 -3,1 0,005 0,54
RRAS 8 -13,7 -19,2 -7,9 < 0,001 0,74
RRAS 9 -6,5 -20,7 10,3 0,389 0,26
RRAS 10 -4,6 -10,1 1,3 0,112 0,16
RRAS 11 -7,2 -17,2 4,0 0,182 0,11
RRAS 12 -10,3 -14,9 -5,5 0,001 0,60
RRAS 13 -10,7 -15,1 -6,0 0,001 0,73
RRAS 14 -10,3 -12,7 -7,8 0,001 0,62
RRAS 15 -8,9 -16,5 -0,6 0,039 0,57
RRAS 16 -14,0 -22,3 -4,8 0,008 0,47
RRAS 17 -15,4 -19,6 -10,9 < 0,001 0,81
a) Limite inferior do intervalo de confiança (95%) da redução percentual anual
b) Limite superior do intervalo de confiança (95%) da redução percentual anual
c) Coeficiente de determinação da reta

vado declínio da taxa de mortalidade desde o início PSF, diminuía a proporção de óbitos por diarreia
da série temporal (anterior ao ano de introdução da em relação ao total de óbitos infantis.
vacina por rotavírus no Brasil – 2006) e estabilidade da A RRAS 3 (Franco da Rocha), que iniciou a série
taxa após 2006. Assim, a vacinação contra o rotavírus, temporal com alta taxa de mortalidade por doenças
possivelmente, não explica por si só a redução da taxa infecciosas intestinais, teve a maior redução anual
de mortalidade por doenças infecciosas intestinais no percentual dessa mortalidade no período estudado. É
estado de São Paulo, como foi observado em estudo possível que esse comportamento reflita um atraso na
que comparou a mortalidade e as hospitalizações por redução da mortalidade por esse agravo, o que pode
esse grupo de causas no Brasil antes e após a intro- explicar a maior velocidade de diminuição da taxa de
dução da vacina.25 mortalidade nessa RRAS. Em contrapartida, a RRAS 15
Estudos mostraram que a expansão da Atenção (Campinas) já iniciou a série temporal com taxa de
Primária à Saúde é uma das explicações para a mortalidade menor, dado demonstrativo de que sua
redução da mortalidade por doenças infeciosas taxa vinha apresentando redução anteriormente ao
intestinais no Brasil. Macinko e colaboradores 16 ano 2000. No estado de São Paulo, a taxa de mortali-
realizaram um estudo com o objetivo de avaliar o dade em 2000 foi de 15,7 óbitos/100 mil habitantes,
impacto do então Programa Saúde da Família (PSF, semelhante ao padrão de declínio observado para o
à época do referido estudo; hoje, Estratégia Saúde Brasil desde a década de 1970,13,17,19 quando políticas
da Família, ESF) na mortalidade infantil por diarreia de ampliação do saneamento básico implantadas no
e pneumonia, nas 27 Unidades da Federação do país tiveram grande impacto na diminuição da mor-
Brasil, no período de 1999 a 2004. Os resultados talidade infantil, principalmente pelo decréscimo da
sugeriram que conforme aumentava a cobertura do mortalidade por doenças infecciosas intestinais.

548 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):541-552, jul-set 2016


Renata Soares Martins e colaboradoras

Redução anual da mortalidade (%)


Sem variação significativa
0,0 --| 9,0
9,0 --| 12,0
12,0 --| 15,0
15,0 --| 16,6

Escala 1:250.000
5 0 5 10 15 20 Quilômetros

Figura 3 – Redução percentual anual da mortalidade por doenças infecciosas intestinais segundo Redes Regionais de
Atenção à Saúde (RRAS) no estado de São Paulo, 2000-2012

As diferenças na magnitude das taxas de mortali- instalada na atenção básica, na média complexidade
dade por doenças infecciosas intestinais observadas e em parte da alta complexidade. Há diferenças na
no ano inicial da série histórica estudada podem oferta de médicos das diferentes especialidades,
refletir as desigualdades socioeconômicas entre as entre as RRAS.27 Em 2011, a RRAS 3 (Franco da
RRAS. Embora o índice de desenvolvimento humano Rocha) apresentava uma das menores ofertas de
municipal (IDHm) médio do estado de São Paulo médicos SUS por habitantes (1,11 médico SUS/mil
fosse de 0,702 em 2000, existia grande variação no habitantes) e alto percentual de oferta de ocupações
IDHm entre os municípios naquele ano, de 0,820 nas áreas básicas (55,0%). Em contrapartida, a
(alto desenvolvimento humano) em São Caetano RRAS 6 (município de São Paulo) possuía a maior
do Sul (RRAS 1) a 0,462 (baixo desenvolvimento oferta de médicos SUS por habitantes (2,17 médicos
humano) em Ribeirão Branco (RRAS 8). 26 Até SUS/mil habitantes) e a menor oferta percentual de
2010, todos os municípios do estado apresentaram profissionais em áreas básicas (38,7%).27 A maior
aumento do IDHm, e essa melhora das condições oferta de profissionais da Saúde na atenção básica
de desenvolvimento humano pode estar associada pode estar relacionada à redução acentuada na taxa
à redução das taxas de mortalidade por doenças in- de mortalidade por doenças infecciosas intestinais
fecciosas intestinais entre os menores de cinco anos na RRAS 3.
de idade. Todavia, o crescimento do desenvolvimento As RRAS 5 (Rota dos Bandeirantes),9 (Lins, Bau-
foi heterogêneo entre os municípios, o que pode ru, Jaú),10 (Adamantina, Tupã, Assis, Marília) e 11
contribuir para a permanência das desigualdades no (Extremo Oeste Paulista) não apresentaram redução
perfil epidemiológico das RRAS: por exemplo, mesmo anual significativa da mortalidade por doenças in-
com a redução acentuada da mortalidade na RRAS fecciosas intestinais. As taxas de mortalidade nessas
4 (Mananciais), sua taxa de mortalidade em 2012 RRAS apresentaram grande variabilidade, provavel-
(6,6 óbitos/100 mil habitantes) foi a mais elevada mente relacionada à variação na frequência anual
de todas as RRAS. de óbitos em municípios com população pequena.
Entre os critérios da implantação das Redes Além disso, as RRAS 10 e 11 tiveram proporção
Regionais de Atenção à Saúde está a capacidade anual de óbitos por causas mal definidas maior do

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):541-552, jul-set 2016 549


Tendência temporal da mortalidade por doenças infecciosas intestinais

que as demais, o que pode indicar fragilidades na de população, comprometeu o ajuste dos modelos
qualidade do Sistema de Informações sobre Mor- (os coeficientes de determinação – R² – obtidos
talidade – SIM. variaram de 0,33 a 0,85). Ainda assim, foi possível
A confiabilidade da informação sobre a causa traduzir os diferentes comportamentos das RRAS
básica declarada para os óbitos infantis, especial- ao longo do tempo. O uso de um conjunto amplo
mente no caso das doenças infecciosas, foi estudada de diagnósticos (doenças infecciosas intestinais)
por vários autores.28,29 Os achados de Mendonça e ao invés de diagnósticos específicos ampliou a
cols. mostraram pouca confiabilidade da declaração captação dos óbitos, embora tenha comprometi-
da causa básica das mortes infantis, devida princi- do sua especificidade: não foi possível avaliar o
palmente à desnutrição, diarreias e pneumonias, comportamento dos óbitos por rotavírus ou outros
possivelmente relacionada à maior dificuldade de agentes específicos. É possível que os óbitos com
definição das causas básicas e contribuintes nesses doenças infecciosas intestinais como causa ante-
casos, nos quais tem peso acentuado a relação sinér- cedente ou contribuinte sejam diferentes quanto
gica infecção-desnutrição. Para essas condições, há às características socioeconômicas ou clínicas;
dificuldade em seguir o princípio da causa básica da contudo, julgou-se importante incluí-los na aná-
morte, principalmente pelo fato de, em muitos casos, lise para estimar a magnitude desse agravo entre
não se poder determinar a etiologia e a sequência de as causas de morte na faixa etária observada, de
desenvolvimento das doenças.28 Neste estudo, para forma mais fidedigna.
lidar com essa questão e ampliar a sensibilidade da A redução da mortalidade por doenças infecciosas
captação dos óbitos por doenças infecciosas intes- intestinais em crianças menores de cinco anos pode
tinais, optou-se por utilizar os óbitos com doenças refletir melhoras nas condições de vida da população
infecciosas intestinais como causa básica, causa e no acesso a serviços e tecnologias de saúde. As
antecedente ou contribuinte do óbito. desigualdades na redução da mortalidade obser-
Nos óbitos que apresentaram menção de doenças vadas entre as Redes Regionais de Atenção à Saúde
infecciosas intestinais apenas como causa ante- paulistas sugerem a necessidade de especial atenção
cedente ou contribuinte, foram registradas como à vigilância dos óbitos por essa causa evitável de
principais causas básicas as doenças do aparelho morte, especialmente nas RRAS localizadas no oeste
respiratório, malformações congênitas, doenças do estado de São Paulo. A integração de ações de
endócrinas nutricionais e metabólicas, doenças promoção à saúde, desencadeadas e articuladas no
infecciosas e parasitárias e afecções originadas do âmbito dos serviços da atenção básica, e a vigilância
período perinatal. Foi observada a relação sinérgica das doenças infecciosas intestinais podem contribuir
infecção-desnutrição nas condições de desnutrição, para a redução ainda maior da mortalidade por esse
diarreia e pneumonias, designada em alguns estu- conjunto de causas de morte evitáveis e sensíveis à
dos como ‘complexo diarreia-pneumonia-desnu- Atenção Primária à Saúde.
trição’:30 entre os óbitos por doenças do aparelho
respiratório, as pneumonias representaram 71,4% Contribuição das autoras
das causas básicas de morte, e a desnutrição, 79,8%
dos óbitos por doenças endócrinas, nutricionais Martins RS e Nascimento AF participaram na con-
ou metabólicas. cepção e delineamento do estudo, análise e interpre-
O presente estudo apresenta algumas limitações. tação dos dados, redação do manuscrito e aprovação
A análise de uma série temporal restrita a 13 anos da versão a ser publicada.
dificultou a detecção de tendências seculares ou Eduardo MBP contribuiu na concepção e deli-
padrões de sazonalidade. Optou-se pela realização neamento do estudo, revisão crítica do conteúdo
da análise por ano e não por meses, para que se intelectual do manuscrito e aprovação final da versão
pudesse estudar e comparar o padrão observado a ser publicada.
para o estado de São Paulo e suas RRAS. Ademais, Todos os autores assumem a responsabilidade por
a grande variabilidade nas taxas de mortalidade todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de
em algumas RRAS, em função do pequeno tamanho sua precisão e integridade.

550 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):541-552, jul-set 2016


Renata Soares Martins e colaboradoras

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552 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):541-552, jul-set 2016


Artigo
original Atraso do diagnóstico da tuberculose em adultos em
um município paulista em 2009: estudo transversal*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300011

Delay in tuberculosis diagnosis in adults in a city of São Paulo State,


Brazil, in 2009: a cross-sectional study
Maria Amélia Zanon Ponce1
Anneliese Domingues Wysocki2
Tiemi Arakawa3
Rubia Laine de Paula Andrade3
Silvia Helena Figueiredo Vendramini4
Reinaldo Antônio da Silva Sobrinho5
Aline Aparecida Monroe3
Antonio Ruffino Netto6
Tereza Cristina Scatena Villa3

1
Faculdade Ceres, Departamento de Saúde Coletiva, São José do Rio Preto-SP, Brasil
2
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Curso de graduação em Enfermagem, Três Lagoas-MS, Brasil
3
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto-SP, Brasil
4
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva e Orientação Profissional, São
José do Rio Preto-SP, Brasil
5
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Curso de Enfermagem, Foz do Iguaçu-PR, Brasil
6
Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto-SP, Brasil

Resumo
Objetivo: analisar características dos doentes e dos serviços de saúde associadas ao atraso do diagnóstico da tuberculose
(TB). Métodos: estudo transversal realizado em São José do Rio Preto-SP, em 2009; utilizaram-se as dimensões ‘porta de
entrada’ e ‘acesso ao diagnóstico’ do Primary Care Assessment Tool. Resultados: foram incluídos 99 doentes de TB; o
tempo mediano de atraso relacionado ao doente e ao serviço foi de 15 dias; houve menor atraso entre doentes tabagistas
(RP=0,71; IC95% 0,54;0,94) e etilistas (RP=0,75; IC95% 0,57;0,99); o atraso do serviço associou-se à não obtenção de consulta
no mesmo dia (RP=1,63; IC95% 1,22;2,18), não suspeição da doença (RP=2,07; IC95% 1,18;3,62) e procura pelos serviços
quatro vezes ou mais (RP=2,34; IC95% 1,55;3,53). Conclusão: doentes fumantes e etilistas tiveram menor atraso na busca
por atendimento; fragilidades de acesso ao diagnóstico configuraram o atraso dos serviços de saúde.
Palavras-chave: Tuberculose; Diagnóstico Tardio; Serviços de Saúde; Aceitação pelo Paciente de Cuidados de Saúde;
Estudos Transversais.

Abstract
Objective: to evaluate patient and health service characteristics associated with tuberculosis (TB) diagnosis delay.
Methods: this was a cross-sectional study conducted in São José do Rio Preto-SP in 2009; the ‘entry point’ and ‘access
to diagnosis’ dimensions of the Primary Care Assessment Tool (PCAT) were selected to analyze patient and HS delay.
Results: 99 TB patients were included in the study; the median time related to patient and HS delay was 15 days;
delay in seeking services was lower among smokers (PR= 0.71; 95%CI 0.54;0.94) and alcohol users (PR=0.75; 95%CI
0.57;0.99); TB diagnosis delay was related to not being able to get a medical appointment on the same day (PR=1.63;
95%CI 1.22;2.18), TB not being suspected (PR=2.07; 95%CI 1.18;3.62) and seeking care in health services four times
or more (PR=2.34; 95%CI 1.55;3.53). Conclusion: delay in seeking care was lower among smokers and alcohol users;
shortcomings in access to diagnosis characterized health services delay.
Key words: Tuberculosis; Delayed Diagnosis; Health Services, Patient Acceptance of Health Care, Cross-Sectional Studies.
*O estudo é parte de projeto multicêntrico intitulado ‘Retardo no diagnóstico da tuberculose: análise das causas em diferentes
regiões do Brasil’, aprovado e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e pelo Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, mediante Parecer no 034/2008 575386/2008-8. O presente relato teve
origem na tese de Doutorado intitulada ‘Diagnóstico da Tuberculose: desempenho do primeiro serviço de saúde procurado em
São José do Rio Preto, SP’, defendida por Maria Amélia Zanon Ponce junto à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, em 2012, e
contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em 2012, mediante concessão
de bolsa de Doutorado (Processo nº 2009/51684-1) e bolsa de Mestrado (Processo nº 2008/56479-4).

Endereço para correspondência:


Maria Amélia Zanon Ponce – Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Av. Bandeirantes, no 3900,
Ribeirão Preto-SP, Brasil. CEP: 14040-902
Email: amelinha_famerp@yahoo.com.br

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):553-562, jul-set 2016 553


Atraso do diagnóstico da tuberculose

Introdução dos aspectos comportamentais do doente capazes


de influir na busca por atendimento, e do papel dos
A detecção precoce dos casos de tuberculose (TB) aspectos organizacionais dos serviços na detecção
representa uma atividade essencial para o controle do agravo. Utilizando-se os descritores tuberculosis,
da doença. Ela possibilita a rapidez na introdução da delay e diagnosis, identificaram-se, nas bases de da-
terapia medicamentosa, que, por sua vez, contribui para dos LILACS, MEDLINE e SciELO, apenas seis estudos
a ruptura da cadeia de transmissão do bacilo e, conse- realizados no país, publicados no período de 2002 a
quentemente, para a diminuição da morbimortalidade. 2012.9-14 Desses seis estudos, quatro9-12 enfocaram os
No Brasil, a taxa de detecção foi estimada em 86% em aspectos relacionados ao doente e ao serviço de saúde
2009,1 superior à meta estabelecida pela Organização que interferem no tempo de diagnóstico da TB. Seus
Mundial da Saúde (OMS) (70%). Porém, essa realida- resultados evidenciaram que mulheres, indivíduos com
de é heterogênea no país, conforme apontou estudo maior vulnerabilidade socioeconômica e aqueles com
multicêntrico que avaliou o acesso ao diagnóstico da dificuldade em reconhecer a tosse crônica como um
TB em diferentes regiões e evidenciou características dos sintomas da doença tiveram maior frequência de
sociopolíticas, econômicas, culturais, epidemiológicas atraso no diagnóstico.
e organizacionais como determinantes para a detec-
ção da doença. De acordo com o estudo referido, os Ainda há dificuldades em agilizar o
municípios de Ribeirão Preto (São Paulo) e Itaboraí diagnóstico da TB. A busca passiva
(Rio de Janeiro), na região Sudeste, apresentaram dos casos e a suspeição/confirmação
desempenho superior no acesso ao diagnóstico da
doença, na comparação com Feira de Santana (Bahia) são influenciadas por aspectos
e Campina Grande (Paraíba), na região Nordeste.2 relacionados aos doentes e ao serviço
Apesar da simplicidade dos métodos laboratoriais de saúde.
disponíveis para detecção da doença, ainda há dificul-
dades em agilizar o diagnóstico da TB. A busca passiva Assim, o presente estudo objetivou analisar caracte-
dos casos e a suspeição/confirmação são influenciadas rísticas dos doentes e dos serviços de saúde associadas
por aspectos relacionados aos doentes e ao serviço de ao atraso do diagnóstico da tuberculose no município
saúde, que podem resultar em um atraso no tempo paulista de São José do Rio Preto.
desse diagnóstico.3
A literatura aponta que a busca e utilização dos ser- Métodos
viços são influenciadas pelos significados do processo
de adoecer e pelo entendimento dos indivíduos sobre Trata-se de um estudo transversal, realizado em
a TB, a gravidade dos sintomas e a acessibilidade aos São José do Rio Preto e considerado prioritário para
serviços de saúde, além da percepção sobre a qualidade, o controle da tuberculose – TB – no país.
nível de complexidade e facilidade de atendimento.4,5 Localizado na região noroeste do estado de São
Mesmo depois de ingressar nos serviços de saúde, o Paulo, em 2009 o município contava com uma popu-
usuário poderá enfrentar dificuldades para o diagnóstico, lação eminentemente urbana, estimada em 419.633
sendo necessárias repetidas visitas a esses serviços até a habitantes (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia
resolução de um caso.6 O funcionamento das unidades e Estatística [IBGE]: http://www.ibge.gov.br/censos,
de saúde, a demora no agendamento de consultas, o acessado em 24/11/2009), apresentando densidade
déficit na quantidade e qualidade de recursos humanos, demográfica de 907,98 habitantes/km2. Caracterizado
a carência de conhecimentos técnicos dos profissio- por bons indicadores sociais, São José do Rio Preto
nais em relação à doença e os procedimentos para apresentou taxa de analfabetismo em torno de 3,2%,
detecção de sintomáticos respiratórios configuram-se índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,834 e
como importantes barreiras organizacionais para o índice de Gini de 0,47.
diagnóstico da doença.7,8 Considerou-se como população do estudo o total
Apesar da problemática da detecção dos casos de de doentes de TB em tratamento no município no
TB, no Brasil, ainda são escassos os estudos acerca período de novembro de 2008 a novembro de 2009,

554 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):553-562, jul-set 2016


Maria Amélia Zanon Ponce e colaboradores

que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: que os sintomas tenham-se manifestado exatamente
ter 18 anos ou mais de idade, residir no município quando o doente teve a iniciativa de procurar por um
e encontrar-se fora do sistema prisional. Foram serviço de saúde.
excluídos da pesquisa os que haviam terminado e/ As variáveis independentes utilizadas para analisar
ou interrompido o tratamento há mais de um mês o atraso do doente envolveram os seguintes aspectos:
do período da coleta de dados, que não souberam a) Sociodemográficos
informar o primeiro serviço de saúde procurado - sexo (masculino; feminino);
após o início dos sintomas da doença, e aqueles que - faixa etária (em anos: 18-29; 30-39; 40-49; 50-59;
estavam em internação hospitalar. 60 ou mais);
Os dados foram coletados no período de junho a - estado civil (casado; solteiro; divorciado; viúvo);
novembro de 2009, por meio de entrevistas utilizan- - escolaridade (sem escolaridade ou com Ensino Fun-
do instrumento estruturado, elaborado com base no damental incompleto; Ensino Fundamental completo
Primary Care Assessment Tool (PCAT), validado para ou mais);
análise dos serviços de Atenção Básica no Brasil15 e - renda familiar total (em salários mínimos: 0 a 2;
adaptado para avaliar a assistência aos doentes de entre 2 e 5; 5 ou mais);
TB.16 O referido instrumento foi dividido em seções e b) Clínicos
dimensões que buscaram caracterizar o perfil socio- - tipo de caso (novo; recidiva/retratamento);
econômico e clínico do doente, e avaliar seu trajeto - forma clínica da TB (pulmonar; extrapulmonar);
desde o início dos sinais e sintomas da TB até a procura - co-infecção TB/HIV (sim; não); e
pelos serviços de saúde e diagnóstico. Para a coleta c) Comportamentais:
dos dados clínicos (tipo de caso, forma clínica da TB, - consumo atual de tabaco (sim; não);
co-infecção TB/HIV (tuberculose/vírus da imunodefi- - consumo atual de bebidas alcoólicas (sim; não);
ciência humana), utilizou-se informações de fontes - realização de controle preventivo de saúde antes da
secundárias (prontuários e sistemas de informação TB (sim; não).
TBWEB). Anteriormente às entrevistas, foi realizada Dados sobre os padrões de utilização dos serviços
validação de conteúdo por sete especialistas da área e de saúde pelos doentes foram obtidos da dimensão
realizado estudo-piloto com cinco doentes de TB que ‘porta de entrada’, incluindo as seguintes variáveis:
satisfaziam aos critérios de inclusão e foram incluídos - tipo de serviço que costumava procurar quando se
na amostra final do estudo. sentia doente, antes da TB (serviços de saúde; locais
Por não existir na literatura um consenso quanto à religiosos; farmácia; nenhum);
definição do atraso no diagnóstico da TB, definiu-se um - procura pelo serviço de saúde mais próximo do
ponto de corte (mediana) para as variáveis dependentes domicílio (sim; não);
‘tempo relacionado ao doente’ (período entre o início - conhecimento sobre a TB antes do diagnóstico (sa-
dos sintomas e a primeira procura por um serviço tisfatório; precário); e
de saúde) e ‘tempo relacionado ao serviço de saúde’ - percepção sobre a intensidade dos sintomas da TB
(período entre o primeiro atendimento em um serviço (forte; fraco).
e a realização do diagnóstico) (Figura 1).17 Optou-se Dados sobre a dimensão ‘acesso ao diagnóstico’
pela utilização da mediana pelo fato de a distribuição foram selecionados para analisar o atraso do serviço
da variável ‘tempo’ apresentar valores assimétricos, de saúde, por meio das seguintes variáveis:
também identificados em outros estudos. 9-10,12,18 A - tipo de serviço de saúde procurado ao início dos
partir da mediana, identificaram-se dois grupos: sintomas (Atenção Básica; Pronto Atendimento;
doentes que não tiveram atraso (tempo<mediana) Serviços Especializados);
e doentes que tiveram atraso (tempo≥mediana) em - obtenção de consulta em 24 horas (sim; não);
seu diagnóstico. - suspeita de TB (sim; não; não informado);
Destaca-se que a informação do tempo relacionado - solicitação de baciloscopia (sim; não);
ao doente refere-se à necessidade – percebida pelo - solicitação de raio-X (sim, não);
doente – de buscar por atendimento a partir da au- - encaminhamento para consulta com outro profissional
toavaliação de seu estado de saúde. Isto não significa (sim; não);

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):553-562, jul-set 2016 555


Atraso do diagnóstico da tuberculose

T1

T2

Aparecimento de Percepção do Procura por um Entrada no Realização do Início do


sinais e sintomas indivíduo sobre a serviço de saúde serviço de saúde diagnóstico tratamento
doença
Obtenção de
Desejo de obter cuidado em
cuidado em saúde saúde

Doentes de TB

Serviços de Saúde
 
Fonte: adaptado de Frenk17
Figura 1 – Percurso e intervalos de tempo entre sentir-se com sintomas, obtenção do diagnóstico de tuberculose
e início do tratamento

- encaminhamento para a realização dos exames em recusas e duas exclusões (um entrevistado não soube
outro serviço (sim; não); informar o primeiro serviço de saúde procurado e
- número de vezes que procurou os serviços de saúde o outro estava internado no hospital). Ressalta-se
até o diagnóstico da TB (até 3; 4 ou mais); e que para a análise do atraso relacionado ao doente,
- diagnóstico no primeiro serviço de saúde procurado foram considerados 97 participantes, dado que dois
(sim; não). entrevistados não souberam informar o tempo gasto
As análises dos dados incluíram o cálculo de desde o início dos sintomas até a procura pelo ser-
medianas e intervalos interquartílicos, e razões de viço de saúde.
prevalência (RP) para avaliar a associação entre os A maioria dos doentes entrevistados era do sexo
desfechos (atrasos) e as variáveis independentes. masculino (62,9%), da faixa etária dos 30 a 49 anos
Foram construídos intervalos de confiança (IC95%) (51,6%), casado (43,3%) e com baixa escolaridade,
adotando-se nível de significância estatística de 5%. sendo que a maioria possuía apenas o Ensino Funda-
As análises foram realizadas pelo programa Statistica mental incompleto (71,1%). O rendimento familiar
versão 9.0, da Statsoft. total da maior parte dos doentes correspondia à faixa
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pes- salarial até dois salários mínimos (51,6%) (Tabela 1).
quisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto A forma clínica pulmonar (81,4%) e o tipo de caso
(Protocolo nº 7061/2008), atendendo as recomendações novo (92,8%) foram predominantes, sendo que 17,5%
contidas na Resolução do Conselho Nacional de Saúde apresentavam co-infecção pelo HIV (Tabela 1).
(CNS) no 196, de 10 de outubro de 1996. Em relação aos hábitos de vida, 67,0% afirmaram
fazer uso de bebidas alcoólicas atualmente, 60,8%
Resultados autorreferiram-se tabagistas e 51,6% informaram realizar
controle preventivo da saúde antes da TB (Tabela 1).
No período de novembro de 2008 a novembro Entre os entrevistados, 73,2% relataram ter apre-
de 2009, encontrou-se que 137 doentes realizaram sentado sintomas fortes da TB e 69,0% referiram
tratamento para TB no município, de acordo com conhecimento precário sobre a doença. A maior parte
levantamento realizado nas bases de dados do sistema dos entrevistados (86,6%) relataram que buscam por
de informação estadual em TB (TBWEB). Desses 110 um serviço de saúde diante de um problema de saúde;
atendiam aos critérios de inclusão e 99 constituíram 72,2% procuraram pelo serviço mais próximo do
a população final do estudo, uma vez que houve nove domicílio, no inicio dos sintomas da TB (Tabela 1).

556 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):553-562, jul-set 2016


Maria Amélia Zanon Ponce e colaboradores

Tabela 1 – Prevalência do atraso do diagnóstico da tuberculose, segundo variáveis sociodemográficas, clínicas e


comportamentais dos doentes, São José do Rio Preto, São Paulo, 2009

N=97 Prevalência de
Variáveis RP a IC95% b
n ( %) atraso (%)
Masculino 61 (62,9) 66 1,03 0,76;1,39
Sexo
Feminino 36 (37,1) 64 1,00
18-29 17 (17,5) 65 1,00
30-39 25 (25,8) 60 0,93 0,58;1,49
Faixa etária
40-49 25 (25,8) 56 0,87 0,53;1,42
(em anos)
50-59 15 (15,5) 73 1,13 0,71;1,80
≥60 15 (15,5) 80 1,24 0,80;1,92
Casado 42 (43,3) 69 1,00
Solteiro 36 (37,1) 64 0,93 0,67;1,27
Estado civil
Divorciado 10 (10,3) 50 0,78 0,40;1,52
Viúvo 9 (9,3) 67 0,97 0,57;1,63
Sem escolaridade ou Ensino 69 (71,1) 70 1,23 0,89;1,90
Fundamental incompleto
Escolaridade
Ensino Fundamental 28 (28,9) 54 1,00
completo ou mais
≤2 50 (51,6) 58 0,93 0,67;1,28
Renda familiar total 3-5 39 (40,2) 74 1,19 0,93;1,52
(em salários mínimos)
≥6 8 (8,2) 63 1,00
Pulmonar 79 (81,4) 63 1,00
Forma clínica da TB c
Extrapulmonar 18 (18,6) 72 1,14 0,82;1,59
Recidiva/retratamento 7 (7,2) 57 1,00
Tipo de caso
Casos novos 90 (92,8) 66 1,15 0,59;2,22
Sim 17 (17,5) 59 1,00
Coinfecção TB c /HIV d
Não 80 (82,5) 66 1,13 0,73;1,73
Consumo atual de bebidas Sim 65 (67,0) 58 0,75 0,57;0,99
alcoólicas Não 32 (33,0) 78 1,00
Sim 59 (60,8) 56 0,71 0,54;0,94
Consumo atual de tabaco
Não 38 (39,1) 79 1,00
Realização de controle Sim 50 (51,6) 60 1,00
preventivo de saúde antes da TB c Não 47 (48,4) 70 1,17 0,87;1,57
Serviços de saúde 84 (86,6) 64 1,00
Tipo de serviço que costumava Locais religiosos 1 (1,0) 100 1,56 0,70;3,46
procurar ao ficar doente
(antes da TB c) Farmácia 6 (6,2) 67 1,04 0,58;1,87
Nenhum 6 (6,2) 67 1,04 0,59;1,83
Procurou pelo serviço de saúde Sim 70 (72,2) 60 1,00
mais próximo do domicílio Não 27 (27,8) 78 1,30 0,97;1,73
Conhecimento sobre a TB antes c Satisfatório 30 (31,0) 57 1,00
do diagnóstico Precário 67 (69,0) 65 1,15 0,80;1,65
Percepção sobre a intensidade Forte 71 (73,2) 62 1,00
dos sintomas da TB c Fraco 26 (26,8) 73 1,18 0,88;1,59
a) RP: razão de prevalência
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%
c) TB: tuberculose
d) HIV: vírus da imunodeficiência humana (VIH)

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):553-562, jul-set 2016 557


Atraso do diagnóstico da tuberculose

O principal serviço de saúde procurado pelo O encaminhamento dos doentes para consulta com
doente ao início dos sinais e sintomas foi o Pronto outro profissional de saúde aconteceu em 42,4% dos
Atendimento (48,5%), seguido pelas unidades de casos. Quase metade dos doentes (49,5%) relataram
Atenção Básica (30,3%); somente 39,4% obtiveram a necessidade de procurar 4 vezes ou mais os serviços
o diagnóstico da TB no primeiro serviço de saúde de saúde até obterem o diagnóstico da TB (Tabela 2).
procurado (Tabela 2). A mediana do tempo para a procura por serviço de
Ainda em relação ao primeiro serviço de saúde saúde foi de 15 dias (intervalo interquartil: 5 a 45 dias),
procurado diante dos sinais e sintomas da TB, apenas assim como a mediana de tempo entre a primeira con-
66,7% dos doentes conseguiram consulta no período sulta e o diagnóstico (intervalo interquartil: 6 a 30 dias).
de 24 horas, e 68,7% dos doentes não tiveram suspeita Observou-se que 44,3% dos doentes demoraram
diagnóstica da doença ou não foram informados dessa mais de 15 dias para procurar os serviços de saúde,
suspeita. A minoria dos doentes (39,4%) teve bacilos- a contar do início dos sintomas. Após adentrarem os
copia solicitada; destes, 7,7% foram encaminhados para serviços, 47,4% dos doentes demoraram mais de 15
o exame em outro serviço de saúde. Com relação ao dias para obterem o diagnóstico.
raio-X, 44,4% dos doentes tiveram o exame solicitado Encontrou-se associação estatisticamente significa-
e 72,7% realizaram-no em outro serviço (Tabela 2). tiva entre o tempo de diagnóstico e os hábitos de vida.

Tabela 2 – Prevalência do atraso do diagnóstico da tuberculose, segundo variáveis dos serviços de saúde, São José do
Rio Preto, São Paulo, 2009

N=99 Prevalência de
Variáveis RP a IC95% b
n (%) atraso (%)
Atenção Básica 30 (30,3) 63 1,00
Primeiro serviço de Pronto Atendimento 48 (48,5) 56 0,89 0,61;1,28
saúde procurado
Serviços Especializados 21 (21,2) 48 0,75 0,44;1,27
Obtenção de consulta Sim 66 (66,7) 48 1,00
em 24 horas Não 24 (33,3) 79 1,63 1,22;2,18
Sim 31 (31,3) 32 1,00
Suspeita de TB c Não 36 (36,4) 67 2,07 1,18;3,62
Não informado 32 (32,3) 69 2,13 1,22;3,74
Sim 39 (39,4) 44 1,00
Solicitação de baciloscopia
Não 60 (60,6) 65 1,49 1,00;2,23
Sim 44 (44,4) 50 1,00
Solicitação de raio-X
Não 55 (55,6) 62 1,24 0,86;1,77
Encaminhamento para consulta Sim 42 (42,4) 67 1,36 0,97;1,91
com outro profissional Não 57 (57,6) 49 1,00
Encaminhamento para Sim 3 (7,7) d 67 1,60 0,66;3,89
baciloscopia d Não 36 (92,3) d 42 1,00
Sim 32 (72,7) d 63 3,75 1,03;13,67
Encaminhamento para raio-X d
Não 12 (27,3) d
17 1,00
Nº de vezes que procurou ≤3 50 (50,5) 34 1,00
os serviços de saúde até o
diagnóstico da TB c ≥4 49 (49,5) 80 2,34 1,55;3,53

Diagnóstico no primeiro serviço Sim 39 (39,4) 49 1,00


de saúde procurado
Não 60 (60,6) 62 1,27 0,87;1,85
a) RP: razão de prevalência
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%
c) TB: tuberculose
d) Considerou-se apenas os doentes que tiveram a baciloscopia e o raio-X solicitados, respectivamente.

558 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):553-562, jul-set 2016


Maria Amélia Zanon Ponce e colaboradores

Houve menor atraso entre os doentes que fumavam das variáveis relacionadas ao acesso ao diagnóstico
(RP=0,71; IC95% 0,54;0,94) e que consumiam bebidas da TB e na falta de suspeição da doença por parte dos
alcoólicas (RP=0,75; IC95% 0,57;0,99), comparados aos profissionais de saúde.
doentes que não possuíam esses hábitos. Embora não O reconhecimento das características dos doentes
se tenha observado diferença estatisticamente significa- e dos serviços de saúde que contribuem para o atraso
tiva, houve maior ocorrência de atraso no diagnóstico no diagnóstico da TB permite a discussão acerca da
de TB entre doentes do sexo masculino (66%), com complexidade que envolve a viabilização do diagnóstico
idade acima de 50 anos (73%), casados (69%), com da doença, cuja detecção não envolve apenas uma ação
baixa escolaridade (70%), com renda de 3 a 5 salários técnica e sim, deve ser vista e entendida com tanta
mínimos (74%), casos novos de TB (66%), na forma importância quanto o tratamento, enquanto ponto de
clínica de TB extrapulmonar (72%), não coinfectados partida para a condução e o manejo clínico dos casos.
pelo HIV (66%), que não realizavam consulta médica Cabe ressaltar que no município de estudo, histori-
preventiva habitualmente (70%), que buscavam por camente, as ações de controle da TB eram centralizadas
locais religiosos diante de problema de saúde (100%), no Programa de Controle da Tuberculose (PCT). A
que não procuraram o serviço de saúde mais próximo partir de 2007, iniciou-se um processo gradual de
do domicílio (antes de ficar doente pela TB) (78%), descentralização dessas ações para as unidades
que apresentaram conhecimento precário da doença de Atenção Básica. Atualmente, o diagnóstico e o
(65%), e aqueles cujos sintomas da TB foram perce- tratamento da TB em São José do Rio Preto são de
bidos como sendo fracos (73%) (Tabela 1). responsabilidade das equipes generalistas que atuam
Maior ocorrência de atraso foi verificada entre os nesse nível de atenção e contam com a retaguarda da
doentes que não obtiveram consulta no mesmo dia equipe especializada do ambulatório de referência
(RP=1,63; IC95% 1,22;2,18), que tiveram baixa suspeição para o tratamento da doença. Entretanto, a porta de
da doença (RP=2,07; IC95% 1,18;3,62) ou não foram entrada dos suspeitos de TB para o diagnóstico da
informados sobre a suspeita (RP=2,13; IC95% 1,22;3,74), doença pode ocorrer em qualquer ponto da atenção
e entre os que necessitaram procurar os serviços de à saúde e, uma vez diagnosticado, o doente é encami-
saúde por 4 vezes ou mais para obter o diagnóstico nhado ao serviço de Atenção Básica, para seu manejo
(RP=2,34; IC95% 1,55; 3,53). Encontrou-se maior atraso, clínico e de seus comunicantes.
sem diferença estatisticamente significativa, entre os Os resultados do estudo apontaram que quase 50%
doentes que procuraram pelos serviços da Atenção dos doentes precisaram procurar serviços de saúde
Básica para o primeiro atendimento (63%), que não quatro vezes ou mais para receber o diagnóstico ade-
tiveram solicitação de baciloscopia (65%) e/ou raio-X quado, e que a maioria foi diagnosticada em hospitais. O
(62%), encaminhados para consulta, realização de hábito cultural da população pela procura por serviços
baciloscopia e raio-X em outro serviço de saúde (67%, de emergência para o primeiro atendimento médico,
67% e 63%, respectivamente), e que não obtiveram independentemente da gravidade do caso, associado
diagnóstico no primeiro serviço de saúde procurado ao predomínio do modelo de atenção hegemônico,
(62%) (Tabela 2). curativista e hospitalocêntrico, que, com frequência,
endossa a procura espontânea pelo serviço de referência
Discussão quaternária (hospital universitário), proporcionam
diagnósticos tardios em pacientes com condições
Encontrou-se neste estudo que o atraso relacionado clínicas precárias e possibilidade de evoluir a óbito.18
ao doente ocorreu com maior frequência entre homens, Reconhece-se que para a avaliação das ações de
adultos-idosos, casados, de baixa escolaridade e renda, controle da TB, seria necessária a percepção de todos
casos novos de TB, na forma clínica extrapulmonar, não os atores envolvidos no processo: doentes, profissionais
coinfectados TB/HIV, com precário conhecimento sobre de saúde e gestores. Entretanto, o presente estudo teve
a doença, apresentação branda dos sinais e sintomas e como enfoque apenas os doentes, uma vez que esses
com o hábito cultural de busca pelos serviços de saúde. constituem o foco e a razão de existência dos serviços
Em relação aos serviços de saúde, a maior ocorrência de saúde. Identifica-se, ainda, que o viés de recordatório
de atraso foi verificada nas categorias desfavoráveis e de informação são possíveis limitações à pesquisa em

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):553-562, jul-set 2016 559


Atraso do diagnóstico da tuberculose

tela: os resultados foram obtidos retrospectivamente, a citações torna-se limitada, gerando centralização de
partir das respostas dos doentes entrevistados. informações em apenas alguns indivíduos que, como
Os tempos medianos – 15 dias – relacionados ao um hábito mais ou menos frequente, não as repassam
doente e ao serviço de saúde para o diagnóstico da TB aos demais membros da equipe.
encontrados são relativamente menores que os achados Aspectos relacionados aos próprios doentes de TB
nacionais9-10,12 e internacionais,17-20 segundo os quais o mostraram interferir na busca inicial por atendimento.
tempo de diagnóstico foi de 30 dias ou mais. Embora sem diferença estatisticamente significativa, in-
Desde que não existe um consenso na literatura divíduos com idade superior a 50 anos demoraram mais
sobre a definição do tempo ideal para se realizar o para buscar atendimento, fato possivelmente relacionado
diagnóstico da TB, estima-se que o tempo relacionado ao mascaramento do quadro de adoecimento por uma
ao doente não deva ser superior a duas ou três semanas condição de coexistência de outras doenças crônicas,
após o início dos sintomas.3 Já o período entre a pri- tornando a percepção dos sintomas da doença mais
meira consulta e a efetivação do diagnóstico deve ser complexa e, como consequência, o atraso do diagnóstico.12
de apenas alguns dias, recomendando-se a solicitação Doentes com maior poder aquisitivo referiram
e realização da baciloscopia de escarro imediatamente maior atraso, diferentemente de achados na literatura
após a suspeição de TB pulmonar.3 internacional7 em que a questão econômica configura-se
Alguns estudos apontam que o tempo para a efe- como uma barreira para a realização do diagnóstico da
tivação do diagnóstico da TB após a obtenção da TB. A realidade internacional difere da do Brasil, onde
primeira consulta poderia estar relacionado ao tipo o acesso aos serviços de saúde é universal e gratuito.
de serviço de saúde procurado pelo usuário como Também contrapondo outros estudos,20 doentes que
porta de entrada (primeiro serviço procurado),7,21 possuíam o hábito de fumar e consumir bebidas alco-
facilidade de acesso, qualidade e resolutividade da olicas tiveram menor atraso para buscar pelo primeiro
atenção prestada.22 Corroborando esse pressuposto, atendimento nos serviços de saúde. O agravamento
a suposição de incapacidade e inexistência de vagas do quadro clínico da TB em fumantes e etilistas pode
para atendimento nos serviços de Atenção Básica e o ter contribuído para a procura mais rápida por esses
acesso facilitado às unidades de Pronto Atendimento serviços, principalmente os atendimentos de urgência.
(UPA) podem ter levado os doentes de TB a optarem Há evidências de que o tabagismo atua como um fator
pela busca destes serviços, de acordo com o observado: de risco para TB latente e TB ativa, assim como para
menor atraso na obtenção do diagnóstico por doentes o aumento da mortalidade pela doença.26
que buscaram inicialmente as UPA. Segundo o estudo, mais da metade dos doentes não
Tal constatação revela a dificuldade da incorporação tiveram a baciloscopia de escarro solicitada, justamente
das responsabilidades do controle da TB pela Atenção os que mais demoraram para obter o diagnóstico de
Básica, decorrente da descentralização do atendimento TB. Estudos nacionais têm demonstrado que a falta de
sem o adequado planejamento, não se refletindo na priorização da baciloscopia de escarro como método
melhoria do acesso ao diagnóstico e desfavorecendo diagnóstico, falhas na coleta, deficiência de insumos
a organização da demanda e do atendimento das para a conservação do material coletado, precária
condições crônicas, como a TB.2,12,23-24 logística de fluxo desse material ao laboratório e in-
Tão importante quanto obter consulta e adentrar o suficiência da rede de apoio diagnóstico aos serviços
sistema de saúde é a oportunidade do reconhecimento/ de saúde apresentam-se, todavia, como barreiras para
suspeição da doença pelos profissionais de saúde. Em diagnóstico oportuno da TB.8,27-28
São José do Rio Preto, as dificuldades encontradas na Os aspectos decorrentes da baixa suspeição da
suspeição do agravo podem refletir deficiências na doença e priorização da solicitação de baciloscopia
qualificação dos recursos humanos8 e fragilidades de escarro podem acarretar um círculo vicioso de
relacionadas à maneira como têm sido realizadas as sucessivas consultas e visitas aos serviços de saúde,
capacitações sobre TB,25 não permitindo o aprimora- prejudicando um diagnóstico oportuno.28
mento das habilidades adquiridas.8 Frente à restrição Embora não se aplique à realidade do município
e insuficiência de recursos humanos nos serviços de estudado à época em que os dados foram coletados,
saúde, a participação dos profissionais a essas capa- é importante esclarecer que data de 2014 o início da

560 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):553-562, jul-set 2016


Maria Amélia Zanon Ponce e colaboradores

implantação, em nível nacional, do teste rápido mo- Espera-se que este estudo inspire reflexões acerca
lecular para TB, no intuito de realizar o diagnóstico de estratégias que privilegiem a adequada capacitação
bacteriológico da tuberculose de forma oportuna e dos recursos humanos em saúde para a suspeição e
qualificada; o que, mais uma vez, esbarra na necessi- diagnóstico da TB, com enfoque no perfil dos doentes
dade de os profissionais suspeitarem da doença. Há que tiveram atraso na busca do primeiro atendimento;
de se ressaltar que recomendações do próprio Pro- principalmente, daqueles que atuam nas portas de en-
grama Nacional de Controle da Tuberculose enfatizam trada do sistema de saúde, como forma de fortalecer o
a necessidade – concomitante à implantação dessa acolhimento e a redefinição dos fluxos de atendimento
tecnologia – de se realizar atividades de capacitação entre os serviços.
e sensibilização dos profissionais para a suspeição e
solicitação do exame e coleta adequada do escarro, Contribuição dos autores
além do estabelecimento de fluxos eficientes para, de
fato, oferecer ao indivíduo adoecido a possibilidade Ponce MAZ, Wysocki AD, Andrade RLP, Ruffino-
imediata da terapêutica.29 Netto A e Villa TCS participaram da concepção e
Os resultados apresentados incitam uma reflexão a delineamento do estudo, análise e interpretação
respeito da qualificação dos profissionais de saúde na dos dados, redação e revisão crítica do conteúdo
suspeição e diagnóstico da doença, da acessibilidade do intelectual do manuscrito.
sistema de serviços de saúde, ademais da coordenação Arakawa T, Vendramini SHF, Silva-Sobrinho RA e
do cuidado a partir da porta de entrada. Deficiências Monroe AA contribuíram para a interpretação dos dados,
nesses aspectos podem influenciar o atraso diagnóstico, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito.
mesmo quando – caso de São José do Rio Preto – há Todos os autores afirmam serem responsáveis por
infraestrutura, insumos e retaguarda laboratorial para a todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de
realização de exames como a baciloscopia de escarro. sua precisão e integridade.

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562 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):553-562, jul-set 2016


Artigo
original Avaliação de estratégia de organização de serviços de saúde
para prevenção e controle da leishmaniose visceral*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300012

Evaluation of the organization of health services as a strategy for


the prevention and control of visceral leishmaniasis

Miriam Nogueira Barbosa1


Eliete Albano de Azevedo Guimarães2
Zélia Maria Profeta da Luz3

1
Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves, Departamento de Vigilância Epidemiológica, Ribeirão das Neves-MG, Brasil
2
Universidade Federal de São João Del Rei, Programa de Pós-Graduação/Mestrado Acadêmico em Enfermagem, São João Del
Rei-MG, Brasil
3
Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Centro de Pesquisas René Rachou, Belo Horizonte-MG, Brasil

Resumo
Objetivo: avaliar a estratégia de organização de serviços de saúde para prevenção e controle da leishmaniose visceral
(LV) em Ribeirão das Neves, Minas Gerais, Brasil, de 2010 a 2012. Métodos: pesquisa avaliativa de tipo estudo de caso,
sobre o grau de implantação de uma estratégia voltada à integração dos serviços de assistência, controle de zoonoses e
vigilância epidemiológica; consistiu de observação do processo de trabalho, entrevistas com profissionais e análise de
dados secundários dos sistemas de informações. Resultados: a implantação mostrou-se parcialmente adequada (84%); na
estrutura, o fator de recursos humanos obteve a pior avaliação (64%), e no processo, a reorganização da assistência (80%)
e da vigilância (77%); no período 2010-2012, houve aumento de 20% nas notificações de casos de LV e redução de 20% no
intervalo entre notificação e início do tratamento. Conclusão: a estratégia contribuiu para a melhoria da organização das
ações de prevenção e controle da LV.
Palavras-chave: Leishmaniose Visceral/prevenção & controle; Serviços de Saúde; Avaliação em Saúde.

Abstract
Objective: to evaluate the organization of health services as a strategy for the prevention and control of visceral
leishmaniasis (VL) in Ribeirão das Neves, Minas Gerais, Brazil, from 2010 to 2012. Methods: this was a case study
evaluation of the degree of implementation of a strategy for the integration of health care services, control of zoonosis
and epidemiological surveillance; it consisted of observing the work process, interviewing health professionals and
analysing secondary data from information systems. Results: implementation was partially adequate (84%); in
terms of structure, the human resources component had the worst evaluation (64%) whilst in terms of work process,
evaluation was 80% for reorganization of care and 77% for surveillance; in the period 2010-2012 there was a 20%
increase in reported cases of VL and a 20% reduction in the time interval between reporting a case and starting treatment.
Conclusion: the strategy contributed to the improvement of the organization of VL prevention and control actions.
Key words: Leishmaniasis, Visceral/prevention & control; Health Services; Health Evaluation.

*Artigo elaborado a partir da tese de Doutorado de Miriam Nogueira Barbosa, intitulada ‘Implantação e Avaliação de
Estratégia de Organização de Serviços de Saúde para Prevenção e Controle da Leishmaniose Visceral em Município da Região
Metropolitana de Belo Horizonte onde a doença é endêmica’, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Saúde do Centro de Pesquisas René Rachou/Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Belo Horizonte-MG, no ano de 2014. O estudo
foi financiado pelo Centro de Pesquisas René Rachou/Fiocruz/MG e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas
Gerais (FAPEMIG): Processo nº APQ0038910. A tese foi premiada na 14ª Mostra Competitiva da Expoepi em 2014, como melhor
contribuição técnico-científica produzida por profissional de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) para o aperfeiçoamento
das ações de vigilância em saúde.

Endereço para correspondência:


Zélia Maria Profeta da Luz – Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Centro de Pesquisas René Rachou, Av. Augusto de Lima, nº 1715,
Barro Preto, Belo Horizonte-MG, Brasil. CEP: 30190-002
E-mail: profeta@cpqrr.fiocruz.br

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):563-574, jul-set 2016 563


Organização de serviços para prevenção e controle da leishmaniose visceral

Introdução O presente estudo teve como objetivo avaliar a


estratégia de organização de serviços de saúde para
A leishmaniose visceral (LV) é uma doença infec- prevenção e controle da leishmaniose visceral em
ciosa grave que atinge, sobretudo, populações menos Ribeirão das Neves, estado de Minas Gerais, Brasil,
favorecidas socioeconomicamente.1 A atenção à LV é no período de 2010 a 2012.
uma atividade complexa, um desafio à Saúde Pública
no Brasil, pois envolve diversas ações: controle do re- Métodos
servatório; redução da população do vetor; diagnóstico
precoce; e tratamento. Trata-se de pesquisa avaliativa sobre a implantação
O diagnóstico clínico da LV não é simples. A doença de uma estratégia de organização de serviços para
pode cursar com diferentes manifestações clínicas, a prevenção e controle da leishmaniose visceral no
comuns a outras enfermidades.2,3 Seu tratamento en- município de Ribeirão das Neves, de 2010 a 2012. Esse
volve o uso de medicamentos com potencial toxicidade, tipo de abordagem estuda as relações entre uma in-
capazes de provocar graves efeitos adversos, especial- tervenção e seu contexto, durante sua implementação;
mente em um cenário caracterizado pela insuficiência consiste em emitir um juízo de valor sobre o conjunto
de profissionais preparados e de serviços organizados dos fatores estruturais (recursos empregados e sua
para a correta assistência e manejo da LV.4,5 Observa-se, organização) e de processo (serviços ou bens produ-
ainda, baixo conhecimento e pouco envolvimento da zidos) que facilitam ou comprometem os resultados
população nas ações de prevenção e controle desse obtidos com a intervenção.9 Optou-se pelo estudo de
agravo,6 contribuindo para que a doença apresente caso, visando à análise detalhada, em profundidade,
alta taxa de letalidade no país, equivalente a 6,4% no de uma determinada realidade ou situação em seus di-
período de 2009 a 2013.7 versos aspectos, permitindo a elaboração de hipóteses
e um debate sobre o objeto de estudo.10
A atenção à LV é uma atividade Ribeirão das Neves, município pertencente à Região
complexa, um desafio à Saúde Pública Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, apre-
sentava em 2014 uma população de 319.310 habitantes:
no Brasil, pois envolve diversas ações: população jovem, de baixa escolaridade, renda per
controle do reservatório; redução capita de R$479,77, índice de desenvolvimento humano
da população do vetor; diagnóstico de 0,684 e índice de Gini de 0,40.11-13 No mesmo ano,
precoce; e tratamento. o sistema de saúde local organizava-se territorialmente
em cinco Regiões Sanitárias, dotadas de 53 equipes da
Para a efetividade das ações de prevenção e Estratégia Saúde da Família (ESF) para cobrir 60% da
controle da LV nesse contexto, é imperativo intervir população, cinco unidades básicas de referência, duas
em localidades onde a LV é endêmica, respeitando unidades de pronto atendimento (UPA), um hospital
o município enquanto espaço e sistema organizado, geral de médio porte e um Ambulatório de Referência
dinâmico e complexo para intervenção e análise, de Doenças Infecciosas e Parasitárias (ARDIP), entre
com ênfase na articulação e integração das ações outros serviços de média complexidade.14
entre serviços que, tradicionalmente, funcionam de A estratégia adotada em Ribeirão das Neves, aqui
forma fragmentada.5,8 avaliada, teve como eixo orientador a integração dos
No município de Ribeirão das Neves, Minas Gerais, serviços de assistência, vigilância epidemiológica e
foi implementada uma estratégia de ação de Saúde controle de zoonoses, por meio da criação de uma
Pública dirigida à LV, com os objetivos de (i) ampliar a equipe de coordenação e avaliação (a partir de ago-
integração entre os serviços, (ii) estruturar os proces- ra, citada como EC), composta por representantes
sos relacionados à prevenção e assistência aos casos, dos serviços mencionados anteriormente mais um
(iii) estimular maior nível de informação da população enfermeiro da ESF de cada uma das cinco Regiões
e dos profissionais de saúde a respeito da LV, além de Sanitárias. A EC foi criada com os objetivos de (i)
(iv) sistematizar a análise de dados e a divulgação das mobilizar a gestão e os demais profissionais para o
informações sobre a doença. trabalho, (ii) realizar análise diagnóstica de contexto

564 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):563-574, jul-set 2016


Miriam Nogueira Barbosa e colaboradoras

organizacional e das práticas relacionadas à atenção tou de roda de conversa, aula teórica e atividades em
e prevenção da LV, (iii) planejar as ações, coordenar grupo de discussão sobre a doença e a função desse
e executar as atividades propostas, (iv) reorganizar profissional no serviço, a que se acrescentou a elabo-
a assistência e vigilância aos casos, (v) apoiar ração de um plano de ação local. O papel do técnico
a preparação de técnicos de enfermagem como de enfermagem como referência foi assim definido
profissionais de referência nas ações de prevenção pelo grupo: conhecer o território; problematizar e
e controle da LV nos serviços, (vi) operacionalizar dialogar com a equipe de saúde e com a comunidade
a intervenção de prevenção da LV na comunidade e a respeito da prevenção e controle da LV; participar
(vii) avaliar a implantação da estratégia. O crono- do processo de educação permanente no serviço;
grama de atividades da equipe foi definido durante e divulgar e atualizar informações a respeito da LV
reuniões mensais, no primeiro ano de implantação, junto às equipes de saúde, procurando incentivar o
bimestrais no segundo ano e trimestrais a partir do diagnóstico precoce.
terceiro ano. A estratégia de intervenção na comunidade, durante
Para a melhoria da atenção aos casos de LV, a es- as visitas dos agentes de saúde nas cinco Regiões Sa-
tratégia previa o estímulo ao diagnóstico precoce e ao nitárias, caracterizou-se pela implementação de ações
tratamento adequado, em tempo oportuno, por meio dirigidas à prevenção primária, por meio de atividades
das seguintes ações: educativas e de avaliação sanitária, visando à ampliação
- identificação das portas de entrada de casos suspeitos do conhecimento sobre a LV e modificação de fatores
da doença; de risco ambientais.
- sensibilização e orientação de profissionais de saúde O modelo lógico9 da estratégia (Figura 1) define
quanto aos dados de ocorrência da LV no município e a organização dos serviços, com vistas à prevenção e
à necessidade de maior suspeição clínica da doença, controle da LV, em seis componentes:
e redução da letalidade; (i) Mobilização da gestão e atuação da equipe de
- realização do diagnóstico da LV no próprio município, coordenação da proposta
para maior agilidade na liberação do resultado; (ii) Análise de contexto e planejamento
- comunicação articulada entre laboratório, unidades (iii) Reorganização da assistência aos casos de LV
de saúde e vigilância epidemiológica; (iv) Reorganização da vigilância à LV
- definição de serviços de referência para tratamento (v) Formação de técnico de enfermagem como refe-
dos casos, de acordo com avaliação clínico-labora- rência da prevenção e controle da LV no serviço e
torial de risco de óbito; (vi) Intervenção na comunidade
- construção de fluxogramas de orientação para abor- O modelo de avaliação consistiu na definição de
dagem da doença, com a participação de profissio- perguntas avaliativas e, a partir dessas perguntas,
nais dos diferentes pontos de atenção; e foram estabelecidas técnicas de coleta, critérios,
- instituição de uma referência técnica, para dar con- descrições ou métodos de cálculo, e os parâmetros
tinuidade ao trabalho. utilizados nas matrizes de análise do grau de implan-
A estratégia do serviço de vigilância epidemioló- tação da intervenção.
gica consistiu na elaboração de fluxograma interno, As matrizes foram definidas pela técnica de con-
descrevendo seus principais objetivos: promover senso,15 amparadas nas concepções teóricas, legais,
maior integração das ações de vigilância com os e nas discussões realizadas com os integrantes da EC,
serviços de assistência; melhorar a vigilância dos além de pareceres de farmacêuticos, enfermeiros e
casos de LV, com acompanhamento de sua evolução médicos de diferentes serviços, envolvidos nas ações
até cura clínica; implementar o georreferenciamento de diagnóstico e tratamento de casos humanos.
de casos e óbitos; sistematizar a análise de dados; e A coleta de dados ocorreu a partir de três gran-
divulgar as informações. des ações:
A preparação de técnicos de enfermagem como - levantamento de informações, no decorrer de reuni-
profissional de referência para a LV, um por unidade ões realizadas com a EC, a respeito da situação epi-
de Atenção Primária à Saúde, ocorreu em oficina de demiológica da doença no município, da organização
trabalho, com carga horária de oito horas, que cons- do sistema local, das informações disponibilizadas

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):563-574, jul-set 2016 565


Organização de serviços para prevenção e controle da leishmaniose visceral

Eixo Componentes Estrutura Processo Resultados intermediários e final

Mobilização da gestão e atuação Mobilizar a gestão; instituir a ECc e


da equipe de coordenação da referência técnica para a LVa humana e
proposta educação permanente Institucionalização
da estratégia, maior

Instalações físicas, equipamentos, insumos, recursos humanos


interação entre os
Organização de serviços para prevenção e controle da LV a

Análise de contexto da atenção à LVa no serviços; melhor

Reduzir a transmissão da LV, casos graves e letalidade


Análise de contexto e sistema de saúde local; planejamento e organização e
planejamento execução das ações para organização sistematização dos
processos relacionados
Estruturar e divulgar fluxos para atenção à atenção aos casos de
Reorganização da assistência aos aos casos de LVa; alertar e capacitar LVa e à prevenção; maior
casos de LVa profissionais; reorganizar apoio nível de informação dos
diagnóstico e tratamento profissionais; análise
sistemática dos dados e
Reorganização da divulgação.
Investigar causas de óbitos e
vigilância à LVa reações adversas; analisar os dados,
georreferenciar e divulgar informações
A prevenção da LVa
Formação do TEb como referência inserida na rotina
Aperfeiçoar o modelo de capacitação dos serviços, com
da prevenção e controle da LVa permanente dos TEb na prevenção e
no serviço maior conhecimento
controle da LVa e autonomia dos
profissionais
Desenvolver ações preventivas com os TEb,
Intervenção na comunidade ACSd e comunidade

a) LV: leishmaniose visceral


b) TE: técnico de enfermagem
c) EC: equipe de coordenação e avaliação
d) ACS: agente comunitário de saúde

Figura 1 – Modelo lógico da estratégia de organização de serviços para prevenção e controle da leishmaniose
visceral no município de Ribeirão das Neves, Minas Gerais, 2010-2012

pelas coordenações de assistência, vigilância epide- componentes da estratégia. Foram avaliados o ambien-
miológica e controle de zoonoses, pelos recursos te físico, equipamentos, insumos e recursos humanos.
humanos e pela base de dados do Sistema de Infor- Todos os critérios relacionados à dimensão Estru-
mação de Agravos de Notificação (Sinan); tura foram considerados essenciais à organização dos
- observação do processo de trabalho no sistema de serviços com atenção à LV e poderiam receber, como
saúde local; e pontuação máxima, 10 pontos. São eles:
- aplicação de questionários semiestruturados, - existência de no mínimo uma unidade de saúde
sobre a atenção à LV, aplicados junto a diferentes organizada para aplicação de antimoniais por
categorias de profissionais – médicos, enfermei- Região Sanitária;
ros, técnicos de enfermagem e agentes de combate - existência de laboratório que realiza diagnóstico da
às endemias. LV no próprio município;
Medidas-síntese (média) e de posição (mediana) - existência de médicos em cada um dos pontos de
foram utilizadas na análise descritiva dos dados de atenção do sistema de saúde (Atenção Primária à
cada componente avaliado. O grau de implantação Saúde, UPA, hospital) orientados para o diagnóstico
(GI) foi definido como um sistema de escores, com e tratamento da LV; e
pesos diferenciados para cada indicador selecionado, - um responsável técnico definido e atuante na organi-
segundo o nível de importância atribuído. Assim, zação do sistema de saúde com atenção à LV.
constituiu-se a matriz de análise e julgamento. Nesta Para a dimensão Processo, os critérios poderiam
matriz, considerou-se a mesma estrutura para todos os receber, como pontuação máxima, 5 ou 10 pontos.

566 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):563-574, jul-set 2016


Miriam Nogueira Barbosa e colaboradoras

Os critérios avaliados no componente Mobilização - melhoria do conhecimento da população-alvo a


da gestão e atuação da equipe de coordenação da respeito da LV; e
proposta relacionaram-se a: - melhoria das condições sanitárias dos domicílios-alvo
- equipe de coordenação criada (10 pontos); da atuação dos agentes.
- periodicidade das reuniões conforme cronograma Foi estabelecido um total de 225 pontos, sendo
(5 pontos); 70 pontos para a dimensão Estrutura (20 pontos
- percentual de presença dos membros da EC nas para estrutura física e 50 pontos para RH) e 155
reuniões programadas (5 pontos); e pontos para a dimensão Processo (25 pontos para
- percentual de cumprimento das ações definidas nas as atividades relativas ao componente Mobilização
reuniões (5 pontos). da gestão e atuação de equipe de coordenação e
No componente Análise de contexto e planejamento, avaliação da proposta; 20 pontos para a Análise de
avaliou-se a elaboração do relatório com diagnóstico contexto e planejamento; 50 pontos para a Reorgani-
realizado e do modelo lógico da proposta de organi- zação da assistência aos casos de LV; 30 pontos para
zação dos serviços com atenção à LV pela EC, com a a Reorganização da vigilância à LV; 20 pontos para
atribuição de até 10 pontos para cada um. Nos demais a Formação e atuação do técnico de enfermagem
componentes – Reorganização da assistência aos casos como referência da LV no serviço; e 10 pontos para
de LV; Reorganização da vigilância à LV; Formação de a Intervenção na comunidade).
técnico de enfermagem como referência da prevenção Dessa forma, procedeu-se à construção dos escores
e controle da LV no serviço; e Intervenção na comuni- de implantação em duas etapas. No primeiro momento,
dade –, todos os critérios definidos foram avaliados foram determinados os valores observados (somatória
com pontuação máxima de 10 pontos. São eles: dos pontos dos indicadores) e calculado o alcance de
- fluxogramas de atenção à LV elaborados para os implantação (somatória dos pontos observados divi-
serviços de Atenção Primária à Saúde, hospital e dida pela somatória dos pontos máximos, vezes 100)
pronto atendimento; para cada componente. Posteriormente, realizou-se a
- aumento de 20% no número de casos notificados de somatória dos componentes para o cálculo do alcance
LV, em relação ao período anterior ao estudo; de implantação total. A partir desses percentuais, a
- redução de 50% no intervalo entre o início de sinto- equipe de pesquisa definiu as seguintes categorias para
mas e a notificação do caso, em relação ao período o grau de implantação: adequado, 90 a 100%; parcial-
anterior ao estudo; mente adequado, 70 a <90%; não adequado, <70%.
- redução de 20% no intervalo entre notificação do Os dados foram tabulados e processados pelo
caso e início do tratamento, em relação ao período programa Microsoft® Office Excel® 2010.
anterior ao estudo; O presente estudo obedeceu às normas de pesquisas
- redução em 50% na letalidade da LV no município, envolvendo seres humanos, preservando o sigilo dos
em relação ao período anterior ao estudo; dados, em conformidade com a Resolução do Conselho
- acompanhamento de 100% dos casos de LV no ARDIP, Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de
até a cura; 2012, e contou com a aprovação do Comitê de Ética
- duas análises por ano com divulgação de dados em Pesquisa do Centro de Pesquisas René Rachou/
epidemiológicos relacionados à LV; Fiocruz/MG: Protocolo n° 17/2010. O Termo de Con-
- investigação de 100% dos óbitos associados à LV; sentimento Livre e Esclarecido foi assinado por todos
- 100% dos técnicos de enfermagem da Atenção os participantes.
Primária à Saúde preparados para atuar como re-
ferência da LV; Resultados
- 100% das unidade de Atenção Primária à Saúde
(ESF) com técnico de enfermagem atuando como O grau de implantação da estratégia de orga-
referência da LV; nização de serviços para prevenção e controle da
- inserção de ações de prevenção da LV na rotina leishmaniose visceral em Ribeirão das Neves foi de
de trabalho de agentes de saúde das cinco Regi- 84%, sendo classificado como parcialmente adequa-
ões Sanitárias; do. A Estrutura mostrou-se adequada em relação ao

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):563-574, jul-set 2016 567


Organização de serviços para prevenção e controle da leishmaniose visceral

ambiente físico e a equipamentos (100% para cada respectivamente. A Atenção Primária à Saúde foi o sub-
um); entretanto, os recursos humanos obtiveram a componente que apresentou a maior pontuação (90%)
pior avaliação (64%), sendo seu grau de implanta- para esse critério. Os critérios do subcomponente
ção classificado como não adequado. Em relação ao de ambiente físico e equipamentos foram adequados
Processo, os componentes Mobilização da gestão e (100%), conforme o esperado (Tabela 2).
atuação da equipe de coordenação da proposta, Quanto à aplicação de medicamento específico para
Análise diagnóstica e planejamento e Intervenção na LV, as unidades de saúde mostraram-se organizadas nas
comunidade foram os que obtiveram melhor avalia- cinco Regiões Sanitárias, e o diagnóstico laboratorial
ção (100% para cada um); a Formação de técnicos passou a se realizar no Laboratório Municipal, median-
de enfermagem como referência da prevenção e te parceria firmada com o Laboratório de Referência
controle da LV atingiu 95%; e por fim, a Reorganiza- Estadual e disponibilização de testes rápidos.
ção da assistência aos casos de LV e a Reorganização Na avaliação da dimensão Processo, a maioria dos
da vigilância à LV tiveram resultados de 80% e 77%, subcomponentes atingiu 100% de implantação. Entre
respectivamente, estas classificadas com grau de os critérios elencados no componente Reorganização
implantação parcialmente adequado (Tabela 1). da assistência aos casos de LV, somente o critério de
Ao se avaliar a dimensão Estrutura no subcompo- redução de 50% no intervalo entre início de sintomas
nente de recursos humanos, verificou-se que a UPA e a notificação do caso (relativamente ao período
II e o hospital apresentaram as menores pontuações anterior ao estudo) não atingiu o esperado, o que
em relação à existência de médicos em cada um dos impactou no grau de implantação do conjunto das
pontos de atenção do sistema de saúde orientados atividades realizadas, classificado como parcialmente
para o diagnóstico e tratamento da LV: 40% e 10% adequado (Tabela 3). Todos os óbitos associados à LV

Tabela 1 – Grau de implantação da estratégia de organização de serviços para prevenção e controle da


leishmaniose visceral no município de Ribeirão das Neves, Minas Gerais, 2010-2012

Grau de implantação a
Dimensão da avaliação (%)

Estrutura

Ambiente físico e equipamentos 100

Recursos humanos 64

Grau de implantação da estrutura 74

Processo

Mobilização da gestão e atuação de equipe de coordenação da proposta 100

Análise diagnóstica e planejamento 100

Reorganização da assistência aos casos de leishmaniose visceral 80

Reorganização da vigilância à leishmaniose visceral 77

Formação de técnicos de enfermagem como referência da prevenção e controle da leishmaniose visceral 95

Intervenção na comunidade 100

Grau de implantação do processo 88

Grau de implantação total: estrutura e processo 84


a) Grau de implantação
Adequado: 90 a 100%
Parcialmente adequado: 70 a <90%
Não adequado: <70%

568 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):563-574, jul-set 2016


Miriam Nogueira Barbosa e colaboradoras

Tabela 2 – Distribuição de pontos na avaliação dos componentes e subcomponentes da dimensão Estrutura


da estratégia de organização de serviços para prevenção e controle da leishmaniose visceral no
município de Ribeirão das Neves, Minas Gerais, 2010-2012

Grau de implantação
Componentes e subcomponentes de estrutura Pontuação máxima Pontos alcançados (%)

Ambiente físico e equipamentos

Existência de no mínimo uma unidade de saúde organizada 10 10


para aplicação de antimoniais por Região Sanitária

Existência de laboratório que realiza diagnóstico de 10 10


leishmaniose visceral no próprio município

Total 20 20 100

Recursos humanos

Existência de médicos em cada um dos pontos de atenção do sistema de saúde orientados para o diagnóstico e tratamento da leishmaniose visceral

Atenção Primária à Saúde 10 9

Unidade de Pronto Atendimento I 10 8

Unidade de Pronto Atendimento II 10 4

Hospital 10 1

Um responsável técnico definido e atuante na organização 10 10


do sistema de saúde com atenção à leishmaniose visceral

Total 50 32 64

Grau de implantação da estrutura 70 52 74

foram investigados, sendo verificada redução de 50% de 100% das unidades (Tabela 3): quatro unidades
na letalidade pela doença no município, em relação de Atenção Primária à Saúde ficaram sem técnico
ao período anterior ao estudo. de enfermagem de referência da LV, devido à ine-
Sobre o componente Reorganização da vigilância xistência do profissional.
à LV, observou-se que a intervenção foi parcial- O componente Intervenção na comunidade alcan-
mente implantada. O critério de duas análises por çou 100% dos pontos atribuídos e teve como critério
ano com divulgação de dados epidemiológicos a inserção de ações de prevenção da leishmaniose
relacionados à LV foi o pior avaliado, com grau de visceral na rotina de trabalho dos agentes de saúde
implantação não adequado (50%). O acompanha- das cinco Regiões Sanitárias (Tabela 3).
mento de 100% dos casos de LV no ARDIP até a
cura foi classificado como parcialmente adequado Discussão
(80%) (Tabela 3).
O componente Formação de técnicos de enfer- A avaliação da implantação da estratégia mostrou
magem como referência da prevenção e controle que a intervenção contribuiu para a melhoria da or-
da LV no serviço foi considerado implantado. A ganização dos serviços de saúde direcionada às ações
formação desses profissionais atingiu 100% em de prevenção e controle da leishmaniose visceral. O
relação ao quantitativo de profissionais preparados; trabalho estimulou maior integração e cooperação
entretanto, o deficit de profissionais nos serviços entre serviços, com maior agilidade no tratamento
impossibilitou o alcance do indicador de cobertura da doença, a partir da notificação de casos suspeitos

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):563-574, jul-set 2016 569


Organização de serviços para prevenção e controle da leishmaniose visceral

Tabela 3 – Distribuição de pontos na avaliação dos componentes e subcomponentes da dimensão Processo


da estratégia de organização de serviços para prevenção e controle da leishmaniose visceral no
município de Ribeirão das Neves, Minas Gerais, 2010-2012

Pontuação Pontos Grau de implantação


Componentes e subcomponentes de processo máxima alcançados (%)
Mobilização da gestão e atuação de equipe de coordenação da proposta
Equipe de coordenação e avaliação da proposta 10 10
Percentual de presença dos membros da equipe de coordenação e 5 5
avaliação nas reuniões programadas
Percentual de realização de reuniões conforme cronograma 5 5
Percentual de cumprimento das ações definidas nas reuniões 5 5
Total 25 25 100
Análise de contexto e planejamento
Elaboração de relatório de análise diagnóstica 10 10
Elaboração do modelo lógico da proposta de organização dos serviços com 10 10
atenção à leishmaniose visceral pela equipe de coordenação e avaliação
Total 20 20 100
Reorganização da assistência aos casos de leishmaniose visceral
Fluxogramas de atenção à leishmaniose visceral elaborados para os 10 10
serviços de Atenção Primária à Saúde, hospital e pronto atendimento
Aumento de 20% no número de casos notificados de leishmaniose visceral, 10 10
em relação ao período anterior ao estudo
Redução de 50% no intervalo entre o início de sintomas e a notificação do 10 –
caso, em relação ao período anterior ao estudo
Redução de 20% no intervalo entre notificação do caso e início do 10 10
tratamento, em relação ao período anterior ao estudo
Redução de 50% na letalidade da leishmaniose visceral no município, em 10 10
relação ao período anterior ao estudo
Total 50 40 80
Reorganização da vigilância à leishmaniose visceral
Acompanhamento de 100% dos casos de leishmaniose visceral no Ambulatório 10 8
de Referência de Doenças Infecciosas e Parasitárias (ARDIP) até a cura
Duas análises por ano com divulgação de dados epidemiológicos 10 5
relacionados à leishmaniose visceral
Investigação de 100% dos óbitos associados à leishmaniose visceral 10 10
Total 30 23 77
Formação de técnicos de enfermagem como referência da prevenção e
controle da leishmaniose visceral no serviço
100% dos técnicos de enfermagem da Atenção Primária à Saúde 10 10
preparados para atuar como referência da leishmaniose visceral
100% das unidades de Atenção Primária à Saúde (ESF) com técnico de 10 9
enfermagem atuando como referência da leishmaniose visceral
Total 20 19 95
Intervenção na comunidade
Inserção de ações de prevenção da leishmaniose visceral na rotina de 10 10
trabalho de agentes de saúde das cinco Regiões Sanitárias
Total 10 10 100
Grau de implantação do processo 155 137 88

570 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):563-574, jul-set 2016


Miriam Nogueira Barbosa e colaboradoras

pelo serviço de vigilância epidemiológica. O tipo de principais entraves encontrados e refletiu negativa-
pesquisa realizado mostrou-se propício à análise de mente na implantação da estratégia, nos processos
implantação de programas – a exemplo do objeto deste de reorganização da assistência aos casos de LV,
estudo – em que as explicações dos fatos decorrem formação de profissionais e vigilância da doença,
da profundidade da análise do caso e não do número cujos efeitos repercutem diretamente na qualidade
de unidades.9 da atenção à saúde. Esse deficit constitui um dos
A implantação de uma estratégia como essa, pau- principais problemas funcionais e estruturais do
tada na integração e articulação entre serviços, exige SUS no país. 17 Na Atenção Primária à Saúde do
apoio institucional e participação dos profissionais município, quase metade das unidades de saúde
envolvidos nas ações de assistência e vigilância permaneceram sem médico durante todo o período
em saúde, pois envolve diálogo e construção com- do estudo. No serviço de vigilância epidemiológica,
partilhada, desde o planejamento até a avaliação, a ausência de profissional qualificado dificultou
respeitando e valorizando os diferentes saberes, a análise e divulgação de dados epidemiológicos
experiências, práticas e contextos. Embora não seja relacionados à LV, o que contribuiu para a baixa
um resultado direto da avaliação realizada, supõe-se pontuação na avaliação de implantação de processo
que a mobilização e o apoio da gestão do SUS local referente ao componente Reorganização da vigilân-
influenciaram positivamente no desenvolvimento da cia à LV. Estudos de avaliação de sistemas de infor-
estratégia e no resultado da intervenção realizada, mações do SUS têm observado que a rotatividade
não obstante as dificuldades de operacionalização e a qualificação insuficiente de recursos humanos,
do sistema de saúde. entre outros fatores, podem comprometer a análise
A significativa participação e empenho dos re- adequada das informações e dificultar o alcance de
presentantes dos diferentes serviços nas atividades seus propósitos.18,19
propostas pela EC contribuiu para a implantação e Os resultados da análise diagnóstica identificaram
avaliação sistemática da estratégia, com os devidos entraves operacionais que afetavam diretamente a
ajustes. A análise diagnóstica e a elaboração coletiva qualidade da atenção à LV no sistema de saúde, en-
do modelo lógico possibilitaram maior aproxima- tre eles (i) falta de integração entre os serviços de
ção da EC com a estratégia e com o processo de vigilância epidemiológica e assistência, (ii) deficit
avaliação formativa, possibilitando a reflexão e de acesso aos serviços de saúde, agravado pela falta
aprendizado constante. de médicos e outros profissionais, comprometendo
A avaliação formativa contribui para o aprimora- o funcionamento adequado dos serviços, além da
mento de um programa ou intervenção,16 conforme foi (iii) ausência de fluxos de orientação a respeito da
verificado por este estudo. Além de apontar acertos e correta abordagem da doença. A duração prolon-
falhas, a avaliação auxiliou no gerenciamento do tra- gada dos sintomas e, por conseguinte, a demora no
balho, com efeito retroativo contínuo entre os atores diagnóstico e tratamento dos pacientes com LV tem
do processo, identificando obstáculos e possibilidades sido identificada como fator de risco para a letalidade
de soluções. Aspectos subjetivos, inerentes aos diversos associada à doença.20,21
componentes da EC, além das diferentes perspectivas O controle de cura da LV é basicamente clínico,
de visão proporcionadas pelos serviços representados, razão porque o seguimento do paciente tratado
seguramente influenciaram – de algum modo – o deve ser feito aos três, seis e 12 meses após o
processo de avaliação. início do tratamento.21 Neste estudo, o critério de
No presente estudo, a avaliação permitiu detectar acompanhamento pelo Ambulatório de Referência
dificuldades na operacionalização da estratégia e de Doenças Infecciosas e Parasitárias – ARDIP –
fragilidades do sistema de saúde que influenciaram de 100% dos casos de LV até a cura atingiu 80% e
nos resultados do grau de implantação alcançado. contribuiu para o resultado parcialmente adequa-
Os indicadores relacionados aos recursos hu- do da avaliação da implantação do componente
manos tiveram a pior classificação, com grau de Reorganização da vigilância à LV. Na avaliação de
implantação considerado não adequado. O deficit estrutura, os indicadores relativos à estrutura física
quantitativo e qualitativo de profissionais foi um dos e equipamentos atingiram pontuação máxima, evi-

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):563-574, jul-set 2016 571


Organização de serviços para prevenção e controle da leishmaniose visceral

denciando maior organização do sistema de saúde entretanto, dificultaram a implantação desse compo-
na atenção à LV. Antes do início do estudo, a falta nente da estratégia.
de infraestrutura para diagnóstico de LV no próprio Entre as limitações para a realização do estudo,
município contribuía para o atraso na confirmação relacionam-se o desenvolvimento da intervenção na
do diagnóstico da doença e consequentemente, dinâmica e na complexidade de funcionamento dos
atraso no início do tratamento. Em estudo reali- serviços, suas particularidades e deficiências, sendo
zado por Luz e colaboradores (2001) 22 sobre a que algumas delas não permitiam modificações duran-
resolutividade diagnóstica para as leishmanioses te a implantação da estratégia e portanto, influenciaram
em municípios da Região Metropolitana de Belo os resultados. Ademais, diferentes pontos de vista,
Horizonte, os autores mostraram que até mesmo envolvendo os diversos atores do processo de inter-
aqueles que possuíam serviços referenciados para venção e avaliação da implantação, perpassaram todo
o atendimento de casos da doença apresentavam o trabalho. Não obstante, o tipo de avaliação utilizado
deficiências no diagnóstico da LV. contribuiu com o desenvolvimento e aprimoramento
A disponibilização de testes laboratoriais para da organização de serviços de saúde para a prevenção
diagnóstico da LV no município de Ribeirão das e controle da leishmaniose visceral.
Neves durante o desenvolvimento deste estudo, ao Os resultados deste trabalho demonstraram a im-
agilizar o procedimento, pode ter favorecido uma portância e a viabilidade da estratégia de organização
maior suspeição da doença e redução do intervalo de serviços de saúde para a melhoria da prevenção,
de tempo entre a notificação do caso e o início do controle e atenção aos casos de leishmaniose visceral.
tratamento; além da ampla circulação da informa- A intervenção realizada revelou-se tão promissora
ção, que contou com o protagonismo dos técnicos quanto possível de ser utilizada em diferentes con-
de enfermagem lotados nas unidades da Atenção textos locais, inclusive na organização e atenção a
Primária à Saúde, onde atuaram como articuladores outros agravos.
dessa informação entre os demais profissionais. O
tempo de evolução da LV até a notificação foi bastan- Contribuição das autoras
te variável, condizendo com os dados encontrados
na literatura.23,24 Barbosa MN e Luz ZMP contribuíram com a
A formação do técnico de enfermagem como re- concepção e delineamento do estudo, análise e
ferência da LV consistiu em uma proposta inovadora interpretação dos resultados, redação e revisão
de aprendizagem no cotidiano dos serviços, e de do manuscrito.
protagonismo de uma categoria profissional à qual, Guimarães EAA contribuiu com a análise e inter-
tradicionalmente, são reservadas funções exclusiva- pretação dos resultados, redação e revisão crítica do
mente assistenciais. A proposta analisada mostrou conteúdo do manuscrito.
que pode ser incorporada ao processo de trabalho Todas as autoras aprovaram a versão final do ma-
das equipes, pois não exige infraestrutura complexa nuscrito e declaram serem responsáveis por todos
e pode ser realizada na própria unidade de saúde. O os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão
deficit e a alta rotatividade de técnicos de enfermagem, e integridade.

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Organização de serviços para prevenção e controle da leishmaniose visceral

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Aprovado em 25/04/2016
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Siqueira IC, Costa CHN, et al. Validação do teste

574 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):563-574, jul-set 2016


Artigo
original Caracterização de materiais educativos impressos sobre
esquistossomose, utilizados para educação em saúde em
áreas endêmicas no Brasil
doi: 10.5123/S1679-49742016000300013

Characterization of printed educational materials about schistosomiasis


used in health education in endemic areas in Brazil

Cristiano Lara Massara1


Felipe Leão Gomes Murta1
Martin Johannes Enk2
Amanda Domingues de Araújo1
Celina Maria Modena3
Omar dos Santos Carvalho1

1
Centro de Pesquisas René Rachou, Grupo de Pesquisas em Helmintologia e Malacologia Médica, Belo Horizonte-MG, Brasil
2
Ministério da Saúde, Instituto Evandro Chagas, Belém-PA, Brasil
3
Centro de Pesquisas René Rachou, Grupo de Pesquisas Políticas Públicas e Direitos Humanos em Saúde e Saneamento, Belo
Horizonte – MG, Brasil

Resumo
Objetivo: caracterizar os materiais educativos impressos sobre esquistossomose produzidos no Brasil, nos níveis federal,
estadual e municipal. Métodos: os materiais foram caracterizados considerando-se as categorias ‘formato’, ‘parasito e
hospedeiro intermediário’, ‘hospedeiro definitivo’ (doente) e ‘doença’. Resultados: dos 60 materiais avaliados, três não
traziam informação sobre as atividades de risco e 41 indicavam mais de um nome popular para a doença, possibilitando
maior alcance do público-alvo nas diversas áreas endêmicas; em 53 materiais, o ciclo biológico estava ausente ou incorreto; o
molusco, hospedeiro intermediário, estava retratado incorretamente, com imagens estereotipadas em 39 materiais, e ausente
em um; o diagnóstico foi mencionado em 36 materiais. Conclusão: os materiais educativos impressos avaliados mostraram
incorreções que podem comprometer o trabalho de educação em saúde; ademais, o diagnóstico da esquistossomose foi
pouco abordado.
Palavras-chave: Esquistossomose; Educação em Saúde; Disseminação de Informação; Prospecto para Educação de Pacientes.

Abstract
Objective: to characterize printed educational materials about schistosomiasis produced at federal, state and municipal
levels in Brazil. Methods: the educational materials were characterized considering the following categories: ‘format’,
‘parasite and intermediate host’, ‘definitive host (ill)’ and ‘disease’. Results: 60 materials were assessed, three had no
information about risk activities and 41 indicated more than one popular name for the disease, thus allowing greater reach
among the target audience in diverse endemic areas; the biological cycle was missing or incorrect in 53 materials; the
intermediate host (snail) was incorrectly illustrated, with use of stereotyped images in 39 and no image in one material;
diagnosis was mentioned in 36 materials. Conclusion: the printed educational materials assessed had incorrect content
which may compromise health education efforts; little attention was paid to schistosomiasis diagnosis.
Key words: Schistosomiasis; Health Education; Information Dissemination; Patient Education Handout.

Endereço para correspondência:


Cristiano Lara Massara – Grupo de Pesquisas em Helmintologia e Malacologia Médica - Centro de Pesquisas René Rachou/
Fiocruz Minas - Belo Horizonte – MG, Brasil. CEP 30.190-002
E-mail: massara@cpqrr.fiocruz.br

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):575-584, jul-set 2016 575


Materiais educativos impressos sobre esquistossomose produzidos no Brasil

Introdução coletividade. No controle e prevenção de doenças e


melhoria da qualidade de vida, a educação em saúde
A esquistossomose, uma das principais doenças atua tanto na perspectiva da educação formal quanto
negligenciadas do mundo, tem como agente etiológico da não formal.6,11
cinco espécies de Schistosoma que parasitam o As estratégias educacionais para a promoção
sistema circulatório dos seres humanos: S. mansoni, da saúde procuram não só informar. Ao estimular
S. japonicum, S. intercalatum, S. mekongi e S. o desenvolvimento de uma postura crítica na po-
haematobium. A patologia associada às quatro pulação e considerar seus conhecimentos acerca
primeiras espécies está relacionada à formação de do problema de saúde, elas criam condições para
uma fibrose hepato-intestinal crônica nas pessoas que a percepção sobre o agravo se reflita em um
infectadas. Já a doença causada por S. haematobium comportamento de prevenção.6,11
afeta o trato urinário dos indivíduos infectados.1
A endemia está distribuída em 76 países e estimam-se A educação em saúde, quando
mais de 700 milhões de pessoas sob risco de contrair a associada a outras medidas de controle,
doença.2 No Brasil, a transmissão da esquistossomose
ocorre em 18 estados brasileiros, e a prevalência da
contribui para a redução da prevalência
doença está abaixo de 1%.3 Embora a prevalência venha da esquistossomose, possibilitando
caindo na área endêmica como um todo, ainda existem maior eficácia e sustentabilidade dos
localidades onde ela persiste, com índices acima de programas de ação.
25%.4 Essa realidade impõe desafios para o Ministério
da Saúde, cuja meta é eliminar a esquistossomose como A educação e a comunicação em saúde utilizam
problema de Saúde Pública no país.5 várias estratégias para informar e mobilizar pessoas,
Está claro que a eliminação da endemia deve en- motivando-as à participação no processo de cuidado
volver um esforço conjunto de vários setores públicos coletivo da saúde, exercício da responsabilidade so-
e a combinação de diferentes estratégias de controle cial, adoção de práticas preventivas e substituição de
(aumento da cobertura de diagnóstico e tratamento, comportamentos de risco por outros mais seguros.
saneamento, abastecimento de água e educação em Os materiais educativos impressos (MEI) – cartazes,
saúde), além de assistência às populações atingidas folhetos e cartilhas – sobre esquistossomose são ferra-
pelas ações das equipes de Atenção Básica à Saúde. mentas de estratégia educacional.12 Eles devem conter
Há uma lacuna na difusão do conhecimento sobre o informações e ilustrações corretas e contextualizadas,
assunto para a população, associada ao fato de a es- abordando o ciclo biológico, hospedeiros intermedi-
quistossomose apresentar-se, na maior parte dos casos, ários, sintomas, diagnóstico, profilaxia e tratamento,
em sua forma crônica e assintomática, levando a que a auxiliando na transformação das representações
doença seja muitas vezes negligenciada.6 Tal contexto sociais da doença.13
recomenda programas de educação em saúde, que As informações sobre a esquistossomose são veicu-
incentivem e envolvam as comunidades nos processos ladas e distribuídas principalmente pelo Sistema Único
de prevenção e controle.7 Nesse sentido, é imprescin- de Saúde, o SUS, em seus níveis federal, estadual e
dível refletir e compreender os determinantes sociais municipal, por intermédio dos MEI. Estes materiais são
das doenças, para que as pessoas sejam estimuladas afixados nas paredes e portas de entrada de unidades
a adotar práticas preventivas efetivas.6,8 de saúde, escolas e estabelecimentos comerciais, ou
A literatura tem demonstrado que a educação em entregues à comunidade em campanhas específicas.
saúde, quando associada a outras medidas de controle, Contudo, observa-se uma carência de materiais educa-
contribui para a redução da prevalência da esquistos- tivos impressos, efetivos no empoderamento social dos
somose, possibilitando maior eficácia e sustentabili- indivíduos que vivem em áreas de risco. Estudos têm
dade dos programas de ação.9,10 A educação em saúde demonstrado que a elaboração dos MEI, carente de
busca uma relação dialógica entre profissionais e participação popular, apresenta incorreções científicas
população, visando à participação cidadã e à formação enquanto abusa de imagens – em alguns casos, estere-
de pessoas com autonomia e comprometidas com a otipadas ou grotescas.10,12,14 É evidente a necessidade de

576 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):575-584, jul-set 2016


Cristiano Lara Massara e colaboradores

estudar a forma como se apresentam esses materiais, construídas com base em estudos que traçaram
distribuídos no maior número de áreas endêmicas. diretrizes ou avaliaram materiais produzidos para
O presente estudo buscou descrever as caracte- diferentes endemias.15-20 Todos os materiais enviados
rísticas dos materiais educativos impressos – MEI foram analisados.
– sobre esquistossomose produzidos no Brasil, nos A caracterização contemplou as seguintes categorias,
níveis federal, estadual e municipal. também apresentadas na Figura 1: formato (identificação
do formato, identificação do público-alvo, instituição
Métodos produtora, data de publicação, contato); parasito e
hospedeiro intermediário (citação do nome científico
Trata-se de uma caracterização de MEI, coletados do parasito, representação gráfica dos vermes
por busca ativa. Os materiais foram solicitados aos adultos, citação do gênero dos moluscos, presença
gestores do Ministério da Saúde e das secretarias de ilustração do molusco, representação gráfica do
estaduais de saúde por e-mail, explicitando os habitat dos moluscos); hospedeiro definitivo ou
objetivos do trabalho. A Coordenação-Geral de doente (representação gráfica do doente, sexo do
Hanseníase e Doenças em Eliminação, da Secretaria doente, cor da pele do doente, representação social/
de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, e profissional do doente); e doença (quantidade de
17 Secretarias de Estado responderam à solicitação nomes populares, representação do ciclo biológico,
e enviaram MEI produzidos por elas e/ou por escalas nas fases microscópicas do ciclo, exame
prefeituras, autorizando a análise. Utilizou-se também de fezes como diagnóstico, distinção entre forma
o material produzido pelo Centro de Pesquisas René aguda e crônica, sintomas, distribuição geográfica,
Rachou, pertencente ao acervo do Grupo de Pesquisas representação gráfica das atividades de risco, citação
em Helmintologia e Malacologia Médica. das principais atividades de risco, tratamento).
Todos os materiais disponibilizados foram digi- Para o tratamento dos dados, as variáveis foram
talizados. As categorias para caracterização foram codificadas e o programa Microsoft Excel 2010®

Parasito e hospedeiro Hospedeiro definitivo


Formato Doença
intermediário (doente)
Citação do nome científico do
Identificação do formato parasito
Representação gráfica do doente Quantidade de nomes populares

Identificação do Representação gráfica dos Representação do ciclo


Sexo do doente
público-alvo vermes adultos biológico
Citação do gênero dos Escalas nas fases microscópicas
Instituição produtora Cor da pele do doente
moluscos do ciclo
Representação social/
Presença de ilustração do Exame de fezes como
Data de publicação profissional
molusco diagnóstico
do doente
Representação gráfica do Distinção entre forma aguda
Contato habitat do molusco e crônica
Sintomas

Distribuição geográfica
Representação gráfica das
atividades de risco
Citação das principais
atividades de risco
Tratamento

Figura 1 – Categorias para caracterização dos materiais em relação ao formato, ao parasito e ao hospedeiro intermediário,
ao hospedeiro definitivo e à esquistossomose

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):575-584, jul-set 2016 577


Materiais educativos impressos sobre esquistossomose produzidos no Brasil

utilizado, para obtenção da distribuição de frequências subcategoria ‘presença de ilustração do molusco’,


das variáveis. perceberam-se incorreções e inadequações. Em
39 materiais, o molusco foi representado de forma
Resultados incorreta, sendo comumente utilizadas imagens
estereotipadas, caricatas ou fora de escala, não
Entre os 60 MEI recolhidos, 27 foram classificados condizentes com a realidade. Como exemplo, a
como cartilhas, 17 como cartazes e 16 como folhetos. Figura 2 traz o caramujo estilizado, fora da água, sem
O público-alvo estava identificado em oito deles. O escalas e maior do que os hospedeiros humanos. O
endereço de contato estava presente em apenas 21 dos cartaz ainda recomenda indevidamente, como forma
materiais (Tabela 1). Entre os 13 que informaram a de prevenção, “Lave suas mãos antes de fazer as
data de publicação, o mais antigo é de 1975 e o mais refeições”, e não é datado.
recente, de 2010. Quanto ao habitat dos moluscos, 18 materiais
A instituição produtora estava explicitada em 58 retrataram esse ambiente de forma incorreta; em oito,
MEI (Tabela 1), sendo nove realizações de Secretarias essa representação não foi feita (Tabela 1).
Municipais de Saúde, 36 de Secretarias de Estado de Em 32 materiais, a ilustração do doente estava
Saúde, 11 do Ministério da Saúde, um de instituição correta, em oito estava deturpada e em 20, ausente.
privada e um da Organização Mundial da Saúde (OMS). Homens e mulheres doentes foram representados nos
Entre os 60 MEI analisados, 17 foram produzidos materiais com a seguinte distribuição: em 33 materiais,
pelo estado de Minas Gerais, seis pelo estado de apareceram apenas homens; e em nove, ambos os
Pernambuco, cinco pelo estado do Pará, quatro pelo sexos. Não houve inserção exclusiva do sexo feminino.
estado do Maranhão e quatro pelo estado de Alagoas; Em 18 materiais, os sexos não foram representados
os estados de Rondônia e do Rio Grande do Sul pro- (Tabela 2).
duziram três cada um; os estados da Bahia, do Paraná Em relação à cor da pele do hospedeiro definitivo,
e do Mato Grosso do Sul, dois cada um, e os estados 29 materiais trouxeram a cor branca, 12, a cor negra,
do Rio Grande do Norte, de Sergipe, da Paraíba, de e 13 a cor parda. Em sete materiais, a cor da pele do
São Paulo e do Ceará produziram um material cada doente não foi definida, sendo representada parte do
um. Em outros cinco materiais, foi possível identificar corpo. Em um material, o doente apareceu na cor
a instituição responsável pela elaboração mas não a verde (Tabela 2).
região do país a que esses materiais se destinavam. Quanto à representação social/profissional do hos-
Em dois materiais, não foi possível a identificação da pedeiro definitivo, houve 66 inserções de escolares,
instituição que os produziu. 48 de trabalhadores rurais, 37 de donas de casa, 25
O nome científico do parasito Schistosoma de médicos ou agentes de saúde, 12 de esportistas e
mansoni foi citado em 48 materiais, esteve ausente em oito de professores (Tabela 2).
12 e foi grafado corretamente em apenas 19. O nome Em 41 materiais, mais de um nome popular da
do parasito com incorreção na grafia aparece em nove doença foi citado. O termo ‘xistose’ apareceu em 29,
materiais. Em 21 deles, o nome do parasito não era ‘barriga d’água’ em 23 e ‘doença do caramujo’ ou ‘mal
condizente com a nomenclatura binomial; em nove, do caramujo’ em 16 materiais. Apareceram também os
estava escrito de forma incompleta, ou seja, somente termos ‘xistossomose’, ‘doença de Manson-Pirajá da
com o gênero (Tabela 1). Silva’, ‘bilharziose’ e ‘hidropisia’ (Tabela 3).
Em 36 materiais, o verme adulto apareceu repre- O ciclo da doença estava correto e com todos os
sentado corretamente; em outros 23, estava ausente. elementos presentes em apenas sete materiais; estava
Em um material, o verme estava representado na forma incorreto ou incompleto, não elucidando a forma
de uma centopeia (Tabela 1). correta de contágio, ou não apresentando todos os
O gênero do molusco Biomphalaria estava estágios de vida do parasito, em 35 materiais; e ausente
corretamente grafado em 13 dos materiais (Tabela 1), em 18 materiais (Tabela 3). Em 39 materiais, não se
sendo que a citação de diferenciação específica (B. apresentou a escala de tamanho das imagens do ciclo
glabrata, B. tenagophila e B. straminea) apareceu biológico. Em 47 exemplares, foram apresentados
em apenas sete desses exemplares. Ao analisar a desenhos; apenas 27 trouxeram fotografias.

578 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):575-584, jul-set 2016


Cristiano Lara Massara e colaboradores

Tabela 1 – Características dos materiais educativos impressos sobre esquistossomose (n=60) segundo categorias
relacionadas ao formato, ao parasito e ao hospedeiro intermediário da doença

Formato N
Identificação do formato 60
Cartilha 27
Folheto 16
Cartaz 17
Identificação do público-alvo
Presente 8
Ausente 52
Instituição produtora
Presente 58
Ausente 2
Data de emissão
Presente 13
Ausente 47
Endereço de contato
Presente 21
Ausente 39
Parasito e hospedeiro intermediário
Citação do nome científico do parasito
Correta 19
Incorreta a 29
Ausente 12
Representação gráfica dos vermes adultos
Correta 36
Incorreta 1
Ausente 23
Citação do gênero do molusco
Correta 13
Incorreta 2
Ausente 45
Presença de ilustração dos moluscos
Correta 20
Incorreta (deturpada) 39
Ausente 1
Representação gráfica do habitat do molusco
Correta 34
Incorreta 18
Ausente 8
a) Incorreção na grafia e/ou nomenclatura binomial e/ou incompleta

Em 24 materiais, foi feita referência ao exame de (46), hepatoesplenomegalia (30), barriga d’água
fezes como o principal instrumento no diagnóstico da (33), prisão de ventre (30), febre (29) e coceira
doença (Tabela 3). A representação iconográfica das (24) (Tabela 3).
fezes estava presente em 33 materiais, com pouco des- Em apenas nove materiais, a distribuição geográfica
taque para o papel delas na contaminação do ambiente. da doença foi mencionada, e em 57 MEI, houve repre-
A forma aguda foi distinguida da forma crônica em sentação gráfica das atividades de risco (Tabela 3). O tra-
35 materiais. Os sintomas mais citados foram diarreia tamento foi indicado em 37 materiais e omitido em 23.

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):575-584, jul-set 2016 579


Materiais educativos impressos sobre esquistossomose produzidos no Brasil

Figura 2 – Exemplo de cartaz utilizado em campanha de educação em saúde sobre esquistossomose

Várias formas de prevenção foram citadas nos Os maiores equívocos foram encontrados na refe-
materiais, algumas inadequadamente: por exemplo, rência ao ciclo do parasito: apenas sete dos materiais
“Lave suas mãos antes de fazer as refeições” (Figura apresentaram o ciclo completo, com todas as etapas,
2). As formas de prevenção mais citadas foram “Não livre de erros. Nos demais materiais, observou-se re-
banhar-se em águas contaminadas” em 50 materiais, presentação incorreta do molusco, falta da menção a
“Defecar em local apropriado” em 46, “Não lavar um dos estágios do ciclo de vida do parasito e ausência
roupas e vasilhas em locais contaminados”, em 34 de representação iconográfica do bolo fecal como
MEI. Já as expressões ‘educação em saúde’ e ‘procurar contaminante do ambiente.
o posto de saúde’ apareceram em apenas oito e dez A correta ilustração dos ciclos biológicos e seus
dos materiais, respectivamente. elementos é determinante na construção do conheci-
mento e na representação social da doença, e conse-
Discussão quentemente, no sucesso dos programas de controle.
A presença de escalas é essencial, principalmente para
Observou-se que os MEI analisados e distribuídos as crianças, as quais, “em ambiente aquático, imagi-
em larga escala para a população, de maneira geral, nam cercárias do tamanho de peixinhos”.4 Sugere-se
não apresentaram rigor científico quanto aos aspectos que as ilustrações do ciclo venham acompanhadas de
da esquistossomose, podendo comprometer as estra- objetos conhecidos como, por exemplo, “a imagem de
tégias educacionais. Especula-se que alguns erros ou uma moeda que pode servir de referencial de tamanho
omissões podem ter feito com que esses materiais para o molusco”.16
não tenham atingido seu principal objetivo: esclarecer O exame de fezes e o tratamento, também determi-
a população sobre a doença e, consequentemente, nantes para a eficácia de um programa de controle da
auxiliar no controle da endemia. esquistossomose, não foram mencionados em vários

580 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):575-584, jul-set 2016


Cristiano Lara Massara e colaboradores

Tabela 2 – Frequência dos materiais educativos sobre esquistossomose (n=60) segundo categorias relacionadas ao
hospedeiro definitivo (doente) da doença

Hospedeiro definitivo (doente) N


Representação gráfica do doente 60
Correta 32
Deturpada 8
Ausente 20
Sexo do doente
Apenas feminino 0
Apenas masculino 33
Ambos 9
Ausente 18
Cor da pele do doente
Branco 29
Negro 12
Pardo 13
Não se aplica 19
Representação do hospedeiro definitivo
Escolar 66
Feminino 16
Masculino 50
Trabalhador rural 48
Feminino 1
Masculino 47
Médico ou agente de saúde 25
Feminino 4
Masculino 21
Esportista 12
Feminino 2
Masculino 10
Professor 8
Feminino 7
Masculino 1
Dona de casa 37
Ausente 3

materiais educativos impressos. Autores já alertaram de profissional da Saúde como homem e de profissional
para a não inserção da representação iconográfica das da Educação como mulher. A representação exclusiva
fezes nesses materiais, levando a minimizar a importân- da figura masculina no contexto do ciclo biológico,
cia de tal elemento no ciclo.17 Assim, vê-se prejudicada presente em mais da metade dos materiais, geralmente
a discussão crítica sobre o papel das fezes na manu- realizando atividades de risco – como pescar e banhar-
tenção da endemia, e sobre os riscos decorrentes do se –, minimiza o papel epidemiológico da mulher no
hábito, comum na população de áreas endêmicas, de contexto da endemia: transmite a ideia de que somente
defecação nas margens de coleções hídricas.18 o homem pode ser infectado, o que não corresponde
Outrossim, observou-se a reprodução de estereótipos à realidade.21
de papéis sociais e/ou de gênero nas ilustrações Em alguns materiais, percebeu-se um forte
e fotografias, como o predomínio de personagens apelo visual, traduzido pelo excesso de cores não
masculinos portadores da doença, ou a apresentação condizentes com a realidade, infantilização da

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):575-584, jul-set 2016 581


Materiais educativos impressos sobre esquistossomose produzidos no Brasil

Tabela 3 – Frequência dos materiais educativos impressos sobre esquistossomose (n=60) segundo categorias
relacionadas à doença

Doença N
Quantidade de nomes populares
Um 18
Dois 19
Mais de dois 22
Ausente 1
Representação do ciclo biológico
Correta 7
Incorreta 35
Ausente 18
Escalas nas fases microscópicas do ciclo
Presente 3
Ausente 39
Não se aplica 18
Exame de fezes como instrumento de diagnóstico
Presente 24
Ausente 36
Distinção da forma aguda e crônica
Presente 35
Ausente 25
Sintomas
Diarreia 46
Hepatoesplenomegalia 30
Barriga d'água 33
Prisão de ventre 30
Febre 29
Coceira 24
Outros 50
Distribuição geográfica
Presente 9
Ausente 51
Representação gráfica das atividades de risco
Presente 57
Ausente 3
Atividades de risco
Não banhar-se em águas contaminadas 50
Defecar em local apropriado 46
Não lavar roupas e vasilhas em locais contaminados 34
Usar água de boa qualidade 22
Políticas públicas 21
Lavar as mãos antes de fazer as refeições 3
Outras 20
Tratamento
Presente 37
Ausente 23

582 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):575-584, jul-set 2016


Cristiano Lara Massara e colaboradores

representação do caramujo e excesso de imagens. rial.12,14,18 O mesmo grupo de pesquisa responsável


A utilização de uma grande quantidade de imagens, por esta caracterização também identificou, de um
da mesma forma que o uso equivocado ou o abuso modo geral, incoerências nos folhetos, cartazes e
de cores, acaba por interferir na construção do cartilhas disponíveis na rede mundial de computa-
conhecimento e na capacidade de mobilização dores – internet –20 e em livros didáticos indicados
social desses materiais.12 O apelo visual é uma pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
característica que, se bem utilizada, pode se do Ministério da Educação.18
tornar um recurso importante na construção do Este estudo é o primeiro a analisar MEI de diferentes
conhecimento sobre a doença. A representação regiões, épocas e esferas governamentais, e apontar
incorreta e a descrição equivocada do habitat incorreções e inconsistências em sua produção. Uma
dos caramujos do gênero Biomphalaria, por de suas limitações esteve na seleção dos materiais
sua vez, podem promover uma associação da incluídos, restrita àqueles enviados pelos gestores
esquistossomose com caramujos terrestres, fato contatados. O fato de somente 13 materiais estarem
comum entre moradores de áreas endêmicas, datados não permitiu avaliar os contextos históricos,
comprometendo as ações de controle.22 tampouco as teorias hegemônicas da educação em
A representação de mapas, com a distribuição saúde que orientaram essas produções.
da doença encontrada em apenas nove materiais Destaca-se a importância de se envolver profissionais
analisados, é essencial para que o leitor identifique e qualificados na elaboração e validação de materiais de
avalie sua situação no espaço geográfico e no contex- veiculação pública (sítios eletrônicos, livros didáticos
to da doença.18 Ademais, a importância da presença e MEI) com informações corretas e layout agradável,
das nomenclaturas populares nos materiais deve ser atrativos ao leitor.
avaliada, principalmente considerando-se a ampla Os materiais educativos impressos analisados, em
diversidade linguística do Brasil, de forma a que os sua maioria, apresentaram conceitos equivocados e/
materiais sejam mais democráticos e alcancem um ou incompletos em relação ao modelo epidemiológico
número maior de pessoas. da esquistossomose. A informação correta contribui
Outro fato que chamou a atenção: em 20 ma- para a construção de um pensamento científico e crí-
teriais, elaborados pelos três níveis de gestão tico, a adoção de atitudes que minimizem o risco de
– municipal, estadual e federal –, solicitava-se à se contrair a doença e o fortalecimento da promoção
população que exigisse das autoridades políticas da saúde.
públicas sanitárias a tomada de certas medidas. Por
exemplo: “Exigir tratamento de água nas casas e Contribuição dos autores
tratamento de esgoto”, indicando a transferência
de responsabilidade, de maneira a delegar ao sujeito Massara CL, Murta FLG e Carvalho OS participaram
atribuições do Estado. na concepção e delineamento do estudo, redação e
Muitos materiais revelaram ser reproduções fiéis, revisão crítica do conteúdo intelectual do manuscrito.
uns dos outros, o que sugere a necessidade de pla- Enk MJ, Araújo AD e Modena CM participaram na
nejamento para a produção de materiais educativos análise e interpretação dos dados, redação e revisão
adequados à realidade local, e maior criatividade substancial do conteúdo do manuscrito.
em sua concepção. Textos e imagens foram repro- Todos os autores aprovaram a versão final do ma-
duzidos deliberadamente, mostrando que não houve nuscrito e declaram serem responsáveis por todos
uma gestão eficiente da instituição responsável pela os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão
criação, confecção e validação desse tipo de mate- e integridade.

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584 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):575-584, jul-set 2016


Artigo
original Painel de Monitoramento Municipal: bases para a construção
de um instrumento de gestão dos serviços de saúde *
doi: 10.5123/S1679-49742016000300014

Municipal Monitoring Panel: Bases for building a health service management tool

Sylvia Christina de Andrade Grimm1


Oswaldo Yoshimi Tanaka2

Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública, São Paulo-SP, Brasil
1

Universidade de São Paulo, Departamento de Prática em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública, São Paulo-SP, Brasil
2

Resumo
Objetivo: descrever e analisar criticamente os caminhos percorridos e o referencial técnico utilizado na construção
do Painel de Monitoramento da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS/SP), destacar suas potencialidades e
limites para a tomada de decisão. Métodos: pesquisa qualitativa, baseada na análise de documentos da gestão e entrevistas
semiestruturadas com atores-chave; foi realizada uma análise temática do material, para compreensão das escolhas técnicas e
caminhos percorridos na construção do Painel. Resultados: o Painel disponibiliza relatórios numéricos e gráficos utilizando
quatro modelos de análise estatística, de maneira a facilitar o acesso às informações pelos usuários de distintas instâncias
da gestão e agilizar a análise de dados. Conclusão: o Painel de Monitoramento da SMS/SP propicia alternativas de análise
para os distintos níveis de gestão, potencializando decisões descentralizadas; constitui uma estratégia ágil e adequada ao
monitoramento, além da possibilidade de sua utilização em diferentes contextos de gestão e extensão territorial.
Palavras-chave: Monitoramento; Gestão em Saúde; Indicadores de Gestão.

Abstract
Objective: To describe and critically analyze the steps taken and the technical references used to build the São
Paulo City Health Department Monitoring Panel, highlighting its potentials and limits for the decision-making process.
Methods: This was a qualitative study based on analysis of official documents and semi-structured interviews with
key informants. The data was submitted to thematic analysis aimed at understanding the technical choices and paths
taken to build the Panel. Results: The Panel provides numerical and graphical reports applying four statistical analysis
models, thus facilitating access to information and data analysis by different management levels. Conclusions: The
Panel provides analysis options for different management levels, thus strengthening decentralized decisions. It is a
streamlined and appropriate monitoring strategy as well as being able to be used in different management contexts
and territory sizes.
Key words: Monitoring; Health Management; Management Indicators.

*Este artigo é parte do resultado da tese de Doutorado em Saúde Pública intitulada ‘Potencialidades e Alcances do
Monitoramento como Ferramenta de Gestão na Saúde’, de Sylvia Christina de Andrade Grimm junto ao Programa de Pós-
Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo a ser defendida em 2016. O estudo
contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) – Projeto no 2011/11242-0.

Endereço para correspondência:


Oswaldo Yoshimi Tanaka – Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Av. Dr. Arnaldo, no 715, São Paulo-SP, Brasil.
CEP: 01246-904
E-mail: oytanaka@usp.br

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):585-594, jul-set 2016 585


Painel de monitoramento de gestão municipal

Introdução decisão. De caráter interno e gerencial, sua realização


deve acontecer durante o período de execução de
O monitoramento e a avaliação vêm se tornando uma ação, sem o compromisso de um juízo de valor
componentes importantes para a gestão dos serviços imediato mas a sinalização de possíveis avanços ou
de saúde, ao fornecer elementos de conhecimento que falhas. As informações oriundas de um monitora-
subsidiem a tomada de decisão e propiciem maior efici- mento organizado, sistematizado e com metodologia
ência, eficácia e efetividade às atividades desenvolvidas.1 adequada de análise, sinalizam o comportamento de
No Brasil, desde a implantação do Sistema Único de uma determinada ação. A descrição da variação tem-
Saúde (SUS), há um crescente interesse na utilização poral tem, como objetivo central, captar mudanças no
dessas propostas. Para incorporar o monitoramento tempo – que os indicadores apontam.1,2
e a avaliação no cotidiano dos serviços, é preciso A experiência do Painel da SMS/SP tem mostrado
considerar a rapidez necessária ao exercício dessas que o monitoramento da gestão mediante indicadores
práticas, no sentido de que os resultados alcançados é uma estratégia ágil de acompanhar a tendência
contribuam, de fato, com o processo decisório.2 de determinadas ações e direcionar processos de
Iniciativas do Ministério da Saúde têm sido dispo- avaliação, oferecendo apoio oportuno à tomada de
nibilizadas para o acompanhamento gerencial dos decisão. Outrossim, o desafio constante de atender
programas e análise de desempenho dos serviços, as necessidades da gestão, nos diferentes níveis do
entretanto sem contemplar as diversidades locais, ofe- sistema de saúde da cidade, traz a possibilidade de
recendo formatos e critérios idênticos para aplicação adequação da prática para diferentes escalas terri-
em todo o território nacional.3,4 toriais e de governabilidade.8
O objetivo deste estudo foi descrever e analisar
O monitoramento da gestão mediante criticamente os caminhos percorridos e o referencial
indicadores é uma estratégia ágil técnico utilizado na construção do Painel de Monitora-
de acompanhar a tendência de mento da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo,
visando contribuir para a compreensão e identificação
determinadas ações e direcionar de suas potencialidades e limites no apoio à tomada
processos de avaliação, oferecendo de decisão, além da possibilidade de disseminação e
apoio oportuno à tomada de decisão. utilização dessa experiência.

Na última década (2005 a 2015), foram apresentadas Métodos


propostas metodológicas para análise de desempenho
dos serviços de saúde; contudo, elas tem sido pouco Trata-se de uma pesquisa qualitativa que utilizou a
incorporadas pela gestão em saúde. A importância da metodologia de estudo de caso único9 para conhecer
institucionalização dessas práticas tem-se discutido o referencial técnico e entender os caminhos percor-
amplamente, mobilizado diferentes segmentos.5,6 ridos na construção do Painel de Monitoramento da
O desenvolvimento do Painel de Monitoramento da SMS/SP, ferramenta que vem sendo desenvolvida para
Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS/SP) utilização por gestores e técnicos da Secretaria Muni-
teve como pressuposto a consolidação da prática do cipal de Saúde de São Paulo desde 2001.
diagnóstico como ponto de partida para processos de A proposta ‘Abordagem do Ciclo de Políticas’ foi
planejamento. Detectou-se no município a falta de ins- considerada adequada para a apropriação dessa
trumentos que acompanhassem as ações desenvolvidas e experiência, por trazer, em sua essência, o entendi-
verificassem se essas ações eram realizadas e surtiam os mento de que uma política, além de processos e con-
efeitos esperados. O Painel é uma matriz de indicadores sequências, constitui-se de Texto e Discurso. Trata-se
cujo acompanhamento sistemático conforma o monito- de conceituações complementares, implícitas uma à
ramento, contínuo e oportuno, da atuação de gestores outra: a primeira, o Texto, refere-se aos documentos
e técnicos sobre as prioridades da política de saúde.7 oficiais, entendidos como produtos em permanente
O monitoramento é considerado uma atividade que construção, fruto de esforços coletivos; a segunda
privilegia as equipes e gestores próximos à tomada de conceituação, o Discurso, enfatiza as subjetividades e

586 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):585-594, jul-set 2016


Sylvia Christina de Andrade Grimm e Oswaldo Yoshimi Tanaka

o conhecimento na construção de certas possibilidades a identificação das dimensões empíricas emergidas


de pensamento e suas opções.10 da análise do dado primário que pudessem ser
Como primeiro passo na reconstrução desse ca- norteadas pelas variáveis analíticas.11 A apresentação
minho, foram organizados e analisados criticamente dos dados teve como opção metodológica uma nar-
os documentos obtidos junto à gestão municipal, rativa, com a perspectiva de interpretação e análise
classificados em dois tipos: crítica dos autores a partir dos dados levantados
a) Documentos oficiais – relatórios técnicos, refe- nos documentos disponibilizados pela gestão e nos
rentes ao desenvolvimento do aplicativo (relatos conteúdos das entrevistas.12-14
estatísticos e de análise de sistemas), e publicações O projeto do estudo recebeu parecer favorável
na literatura sobre o tema Painel de Monitoramento. do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Secretaria
b) Documentos administrativos – memórias das reuni- Municipal da Saúde de São Paulo em 22 de outubro de
ões mensais, espaços de discussão e desenvolvimen- 2012 (Parecer no 161/12 – CEP/SMS) e foi aprovado
to da proposta na SMS/SP de forma participativa, pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de
envolvendo técnicos dos níveis descentralizados, São Paulo (USP) em 27 de novembro de 2012, me-
iniciadas em 2004; e folders de divulgação, apre- diante Certificado de Apresentação para Apreciação
sentações e publicações internas. Ética (CAAE) no 06459012.7.0000.5421.
As etapas para a construção desse escopo e auxílio
à exploração do material foram: Resultados
- histórico político da Secretaria Municipal da Saúde
em relação ao SUS, no início do projeto (2001); I. Percorrendo os caminhos de construção
- identificação dos fatores influenciadores na elabo- do Painel de Monitoramento: etapas essenciais
ração do projeto do Painel de Monitoramento da
SMS/SP; Da identificação da necessidade às escolhas
- identificação do alcance da ferramenta na gestão, nos técnicas de base do instrumento
diferentes níveis do sistema de saúde do município A construção do Painel de Monitoramento sob
de São Paulo; análise teve como objetivo apoiar políticas locais
- reconstrução da sequência cronológica, visando iden- mais autônomas e novas formas de relação entre os
tificar os diferentes marcos teóricos na concepção e diferentes níveis da gestão, visando o desenvolvimento
implementação do projeto; e de estratégias para uma atuação conjunta, articulada
- descrição dos ajustes realizados nesse processo, e compartilhada.15 Buscou-se integrar a produção da
desde a concepção até a disponibilização do Painel. informação e sua utilização prática no cotidiano dos
Após a análise documental, foram realizadas en- diferentes espaços de decisão, em todos os níveis do
trevistas semiestruturadas com os responsáveis pelo sistema de saúde municipal.
desenvolvimento do Painel de Monitoramento da SMS/ O ponto de partida dessa etapa foi a análise dos
SP: um profissional estatístico, dedicado a análises indicadores já existentes, nos diferentes instrumentos
de processos produtivos; um analista de sistemas do SUS: Programa de Atenção Básica,16 Programação
programador, com conhecimento em estatística; e Pactuada Integrada (PPI) e indicadores selecionados
um médico, com atuação na área de informações em ou desenvolvidos para o acompanhamento dos proje-
saúde e epidemiologia. As entrevistas foram realizadas tos prioritários da gestão da Saúde e da Agenda Mu-
em agosto de 2013, na Faculdade de Saúde Pública da nicipal,15 cujos exemplos são apresentados na Figura
Universidade de São Paulo. O roteiro utilizado partiu 1. Esses indicadores foram agrupados e analisados de
de descrição espontânea do entrevistado sobre a cons- acordo com os componentes de Estrutura, Processo e
trução do Painel e enveredou nas seguintes dimensões: Resultado proposto por Donabedian.17
metodologias de análise; programas (softwares) A análise crítica foi direcionada a apreender o
utilizados para a construção da ferramenta; e critérios alcance da descentralização do Painel e da demo-
de seleção dos recursos estatísticos mais adequados. cratização das informações para os diferentes níveis
As entrevistas foram gravadas e transcritas. de gestão do município, respeitando a possibilidade
Utilizou-se a técnica de análise temática, permitindo de governabilidade dos gestores e técnicos de cada

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Painel de monitoramento de gestão municipal

Documento de origem Meta/tema Indicador e cálculo Fonte Componente


Número de óbitos de menores
de um ano e coeficiente de Óbitos de menores de 1 ano de
PAB a SIM d Resultado
mortalidade infantil, total idade/nascidos vivos x 1000
segundo componentes
Óbitos de menores de 1 ano de
Proporção de óbitos infantis de idade investigados/total de
PAB a residentes investigados segundo Comitê MI e Processo
óbitos infantis pelo critério do
critérios definidos pelo Comitê (%) Comitê x 100
Número e coeficiente de Óbitos maternos/nascidos
mortalidade materna por
PAB a
vivos x 100 mil (ocorrência e SIM d /CMM f Resultado
ocorrência e residência (/100 residência)
mil nascidos vivos)
Óbitos de mulheres em idade
Percentual de óbitos em fértil investigados/total de
PAB a
mulheres em idade fértil CMM f Processo
óbitos de mulheres em idade
investigados por residência (%) fértil x 100
Percentual de parturientes com Nascidos vivos com 7 ou mais
PAB a cobertura de 7 ou mais consultas consultas de pré-natal/total Sinasc g Processo
de pré-natal por residência (%) de nascidos vivos x 100
Número de casos novos e taxa de Casos novos de tuberculose
PAB a incidência de tuberculose pulmonar pulmonar bacilífera/ TBweb h Resultado
bacilífera (/100 mil hab.) população x 100 mil
Número de casos curados de Pacientes de tuberculose com
PAB a TBweb h Processo
tuberculose alta x cura
Aumentar o número de coletas
Agenda Municipal Número de coletas realizadas SIA/SUS i Processo
de exames de Papanicolau
Número e coeficiente de Óbitos x câncer de mama/
Agenda Municipal mortalidade por câncer de SIM d Resultado
população feminina x 100 mil
mama/100 mil hab.)
Planilha com medicamentos
Disponibilidade de medicamentos Consolidado das
Agenda Municipal essenciais-sentinela para Estrutura
essenciais nas UBS c UBS c
registro de sua disponibilidade
Número de primeira consulta
Ampliar o acesso à primeira
Agenda Municipal odontológica/população total SIA/SUS i Estrutura
consulta odontológica x 100
Número de mamografias
realizadas na Regional/
PPI b
Pactuação mamografia Regulação Processo
Número estimado no
parâmetro-Portaria 1101 x 100
Número pactuado com
prestadores para atendimento
em cardilogia ou neurologia
PPI b Referência para especialidade Regulação Processo
ou outra especialidade/
número estimado no
parâmetro PPIb x 100

a) PAB: Programa de Atenção Básica


b) PPI: Programação Pactuada Integrada
c) UBS: unidade básica de saúde
d) SIM: Sistema de Informações sobre Mortalidade
e) Comitê MI: Comitê de Mortalidade Infantil
f) CMM: Comitê de Mortalidade Materna
g) Sinasc: Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos
h) TBweb: Sistema de Notificação e Acompanhamento de Casos de Tuberculose de São Paulo
i) SIA/SUS: Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde

Figura 1 – Seleção de indicadores segundo documento de origem, método de cálculo, fonte e componente de análise

588 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):585-594, jul-set 2016


Sylvia Christina de Andrade Grimm e Oswaldo Yoshimi Tanaka

espaço.18,19 Grupos de trabalho, envolvendo todos discussões e a construção participativa da proposta


os níveis de gestão do sistema de saúde da cidade, foram decisivas para o aprimoramento e a legitimidade
analisaram os indicadores com o objetivo de avaliar do projeto.
a adequação do elenco proposto para o acompanha- No primeiro momento, um dos principais pontos
mento descentralizado. trabalhados na busca do aprimoramento da ferramenta
O conteúdo dos documentos administrativos foi conhecer como a governança acontecia nos dife-
permitiu identificar a utilização de dois métodos de rentes espaços de decisão e como o uso da informação
análise da gestão e sua equidade sobre os distintos poderia apoiar esses profissionais:18,19
territórios da cidade: a Distância Relativa do Parâmetro [...] Começamos a perceber que era preciso
e o Índice-Saúde.20 aprimorar um pouco a discussão conceitual
A Distância Relativa do Parâmetro (DRP) foi a meto- sobre gestão, que acontece em diversos níveis.
dologia escolhida para a avaliação da gestão nos níveis É preciso construir governabilidade e capa-
descentralizados. Com a DRP, pretendia-se que alguns cidade de governar, e a informação é um dos
indicadores, definidos para os níveis descentralizados, elementos apoiadores. (E1)
fossem posicionados em uma escala na qual constaria A pesquisa sobre o uso e o entendimento da pro-
o parâmetro ideal ou esperado para aquela medida. posta pelos diferentes gestores do sistema de saúde,
Dessa forma, seria possível visualizar – imediatamen- apresentados no ‘Relatório final da avaliação do Painel
te – a situação diferenciada de cada território com de Monitoramento com gestores de Coordenadoria Re-
relação aos projetos em andamento. gional de Saúde (CRS) e Supervisão Técnica de Saúde
O Índice-Saúde, apoiado na metodologia adotada (STS) – 2007’, permitiu conhecer as necessidades de
no índice de desenvolvimento humano (IDH), foi cada nível de gestão, contribuindo com o desenho de
construído como um indicador composto e sintético, diferentes estratégias para cada grupo de potenciais
capaz de avaliar a discrepância de cada território usuários do Painel.
descentralizado analisado em relação à discrepância O acúmulo de experiência validado pelo grupo
máxima da cidade. Para a construção do Índice-Saúde, condutor do Painel de Monitoramento da SMS/SP,
foram considerados os seguintes indicadores: coefi- somado ao conhecimento das necessidades levantadas
ciente de mortalidade infantil; mortalidade precoce pelos gestores na pesquisa, sustentou a decisão pela
por doenças crônicas não transmissíveis; coeficiente de construção de um aplicativo específico. Ressalta-se
incidência de tuberculose; e coeficiente de mortalidade que o fato de haver um recurso do Ministério da Saú-
por causas externas.20 de – Vigisus (Processo no 2009-0.199.773-7) alocado
Aos dois métodos descritos, foram incorporadas a para esse tipo de ação contribuiu para a concretização
variação percentual anual e a comparação trimestral do projeto:
com anos anteriores, visando reforçar a validação da [...] Constituímos um grupo, chamado grupo
tendência observada. do painel mensal que estaria mensalmente
O cálculo da média da série temporal dos in- representando os níveis descentralizados.
dicadores selecionados foi aplicado utilizando-se, Esse grupo deliberava a respeito do painel,
como parâmetro, o desvio-padrão. Dessa maneira, a passou a ser a referência de discussão de todo
análise crítica dos indicadores permitiu categorizar o processo de condução. Fomos montando
cada indicador como ‘bom’ quando dentro de um uma vontade de fazer isso, uma ideia, uma
desvio-padrão, de ‘atenção’ quando situado entre um direção de onde é que queríamos chegar. (E2)
e dois desvios-padrão, e de ‘alerta’ quando acima de
dois desvios-padrão. [...] Entramos com um processo de contratação
de dois consultores, um deles para construir uma
Da dinâmica de desenvolvimento do Painel metodologia mais adequada ao monitoramento,
Um ponto relevante identificado com potencialidade e o outro para incorporá-la em um aplicativo,
para a construção do Painel, tanto nos documentos transformando as planilhas utilizadas em pas-
como nas entrevistas, foram as oficinas envolvendo sado e implementando um novo instrumento,
gestores e técnicos dos diferentes níveis da gestão. As uma nova maneira de monitorar. (E3)

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):585-594, jul-set 2016 589


Painel de monitoramento de gestão municipal

Foi possível identificar que o Painel facilitou o (i) ajuste e previsão dos dados epidemiológicos e de
acesso às informações para os usuários com diferen- produção de serviços. As bases de dados utilizadas na
tes inserções no sistema de saúde municipal, a (ii) construção dos indicadores do Painel foram testadas
entrada dos dados necessários para a construção dos com a finalidade de se encontrar o modelo que melhor
indicadores, além de imprimir (iii) maior agilidade à descrevesse e oferecesse previsões confiáveis para os
análise de dados. indicadores. A escolha dos indicadores decorreu de
O Painel de Monitoramento é um instrumento um processo de validação direcionado a facilitar a
institucional da gestão, disponível para as distintas implementação, o entendimento e a adequação, no
instâncias da organização por meio da intranet da Em- sentido de uma sistematização de análises automati-
presa de Tecnologia da Informação e Comunicação do zadas, realizadas por computador.24,25 Uma vez reali-
Município de São Paulo (Prodam), acessível a gestores zados os testes, concluiu-se pela opção da suavização
e técnicos da SMS/SP via login e senha. O Painel não exponencial sazonal de Holt-Winters modelo Aditivo
está disponível para acesso público. (HWA) e Média Móvel Simples Centrada (MMSC).25,26
Nos documentos oficiais de desenvolvimento e nas Ainda que se mostrasse o mais adequado, o modelo
entrevistas, foi possível identificar a utilização de três de HWA foi insuficiente para as séries de eventos epide-
softwares livres para o desenvolvimento do Painel: miológicos raros. Nessas séries, muitas vezes, nenhum
a) PostgreSQL Data Analysis, escolhido para a organi- evento é observado, casos em que o resultado apresen-
zação do banco de dados local, alimentado pelas ta algumas divisões por zero, condição inadequada do
bases de dados do SUS;21 ponto de vista matemático e computacional. Dada essa
b) R Project for Statistical Computing, utilizado para restrição do modelo de HWA, decidiu-se também pela
cálculos matemáticos, modelagem estatística, opção automatizada da alternativa da MMSC quando
escolha e ajuste do modelo, testes de tendência e houvesse que responder à existência de muitos valores
sazonalidade e previsões futuras;22 e zerados; ou quando a soma dos 48 elementos da série
c) Hypertext Preprocessor (PHP), linguagem de inter- fosse inferior a 240, com uma média mensal menor
face Web, utilizada na formação de todas as telas do que 5. Sendo assim, na presença de qualquer uma
administrativas e de emissão de relatório.23 dessas condições – ou eventualmente, de ambas –,
a rotina computacional deve direcionar a série para
II. Aprimorando os conceitos e práticas para o modelo de MMSC, com desempenho adequado na
monitoramento presença de zeros e vantagens semelhantes às do
modelo de HWA, como automatização e previsões.25,26
O estímulo à prática de monitoramento deveria ser Na análise de séries temporais para a prática do
incentivado – e desencadeado –, visando aprofundar monitoramento, previsões de séries muito longas são
o conhecimento de eventos que chamam a atenção influenciadas pelos números do passado, demorando
dos interessados: a sinalizar mudanças bruscas de comportamento. Por
[...] na verdade estávamos pensando em essa razão, decidiu-se que as séries analisadas seriam
uma metodologia para captar, em função de de 48 meses de observação dos dados, de maneira a
probabilidades, onde é que estão acontecendo diminuir as influências do passado e permitir a reali-
coisas que são pouco prováveis que aconte- zação do ajuste.24-26
çam. Isso estava na base da coisa, e também Foi definido o período de 4 meses como o mais
queríamos automatizar isso. Além de que, adequado para a previsão de valores futuros. Essa
tinha que ser viável para ser construído sem opção considerou que os modelos de previsão, quanto
muito gasto. (E3) mais longos no tempo, menos assertivos e confiáveis
Os métodos estatísticos foram escolhidos durante podem ser.
o processo de construção, para facilitar o uso e pos- Os documentos indicam que foram utilizados
sibilitar a análise crítica mais objetiva e robusta das testes estatísticos específicos para ajustes das séries
situações encontradas. temporais. Para análise de tendência utilizou-se o
Os Relatórios de Desenvolvimento Estatístico indi- teste do sinal de Cox-Stuart, de fácil aplicação e gran-
cam a escolha de modelos de séries temporais para de precisão.26 Para detectar sazonalidades em séries

590 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):585-594, jul-set 2016


Sylvia Christina de Andrade Grimm e Oswaldo Yoshimi Tanaka

temporais, adotou-se o teste de Kruskal-Wallis, que, aos relatórios numéricos, com as médias temporais
pela simplicidade de cálculos e poder de detecção, e tendo os desvios-padrão como limites, facilitando
também é recomendado pela literatura.24-26 a visualização do desempenho atingido (Figura 2).
Nas entrevistas, foi identificada a incorporação do Os relatórios numéricos permitem identificar o
modelo de Controle Estatístico do Processo (também desempenho dos últimos sete meses, frente à tendência
conhecido pela sigla CEP).27 O principal objetivo dessa temporal esperada/desejada de cada indicador. Assim,
técnica é estabelecer limites de controle, permitindo cada indicador será categorizado como satisfatório
o reconhecimento de sinais de melhoria ou de piora quando se encontrar na direção temporal desejada, e
nos indicadores do Painel. O CEP recomenda que 7 ou insatisfatório na situação inversa28,29 (Figura 3).
mais pontos em sequência, acima ou abaixo da linha [...] É claro que com o tempo a gente vai
média, constituem um padrão de comportamento não criticando a escolha dos indicadores porque
aleatório da série de dados, sendo esse, portanto o quando você começa a trabalhar na perspec-
número de pontos utilizados para a análise de desem- tiva do monitoramento vai começando a ver
penho dos indicadores no Painel de Monitoramento. que tem indicadores que não são adequados
para esta prática. Isso também foi um desen-
III. Produtos disponibilizados pelo Painel volvimento. (E1)

Primeiramente, deve-se mencionar os relatórios Discussão


numéricos de séries temporais com os indicadores
selecionados, permitindo diferenciar, por meio de O Painel de Monitoramento identifica ocorrências
cores, a categorização de acordo com o desvio-padrão. e/ou desempenho fora do esperado, revelando a opor-
Logo, apresentam-se os gráficos correspondentes tunidade da tomada de decisão pela gestão.

% de 7 ou mais consultas de pré-natal realizadas entre nascidos em hospitais SUS


Município São Paulo, Jan 12 – Dez 15, Tendência (+), Sazonalidade, HWA (100%)
Bom, 7 pontos acima – gráfico gerado em 17/3/2016
74

72

70

68

66

64
 
Jan/12
Fev/12
Mar/12
Abr/12
Mai/12
Jun/12
Jul/12

Abr/16
Ago/12
Set/12
Out/12
Nov/12
Dez/12
Jan/13
Fev/13
Mar/13
Abr/13
Mai/13
Jun/13
Jul/13
Ago/13
Set/13
Out/13
Nov/13
Dez/13
Jan/14
Fev/14
Mar/14
Abr/14
Mai/14
Jun/14
Jul/14
Ago/14
Set/14
Out/14
Nov/14
Dez/14
Jan/15
Fev/15
Mar/15
Abr/15
Mai/15
Jun/15
Jul/15
Ago/15
Set/15
Out/15
Nov/15
Dez/15
Jan/16
Fev/16
Mar/16

Figura 2 – Gráfico da proporção de sete ou mais consultas de pré-natal realizadas pelas mães de nascidos vivos em
hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) no município de São Paulo, janeiro de 2012 a dezembro de 2015

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):585-594, jul-set 2016 591


Painel de monitoramento de gestão municipal

 
Figura 3 – Relatório de sinais mensais e desempenho de indicadores selecionados no Painel de Monitoramento da
Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS/SP), município de São Paulo, junho de 2015 a fevereiro de 2016

A forma como são disponibilizados os indicadores de novas ações a serem acompanhadas. Adequar os
permite inferir o potencial do Painel para atender as indicadores às necessidades da gestão e à disponibi-
necessidades da organização. O acesso a informações, lidade de dados, de forma oportuna, mostra-se como
para os distintos níveis da gestão municipal, possibilita importante desafio.
a analise descentralizada do desempenho, ademais A avaliação e o monitoramento são considerados
de permitir a desagregação dos dados para a menor práticas distintas, embora intimamente relacionadas.
unidade prestadora de serviço, qual seja, a unidade Nos primórdios de seu desenvolvimento, o instrumen-
básica de saúde (UBS). to analisado procurava se adequar ao monitoramento
A análise do Painel de Monitoramento trabalha enquanto prática, superar a etapa de diagnóstico e
com a tendência da série histórica, possibilitando a oferecer aos gestores e técnicos uma possibilidade
utilização da mesma metodologia para diferentes níveis de acompanhamento contínuo e sensível às ações
da gestão. A fragilidade de parâmetros existentes para sob suas responsabilidades públicas. Contudo, ao
os indicadores e a dificuldade de estabelecê-los para identificar-se as opções temáticas e metodológicas
diferentes agregações territoriais reforça a proposta adotadas, fez-se com que o Painel analisado se apro-
do Painel de trabalhar com a tendência. Assim, os ximasse da avaliação.
objetivos são dados pelo decréscimo ou incremento A adequação das propostas metodológicas soma-
dos eventos de acordo com a direção desejada. da à facilidade de operação do Painel permitiram a
Quando se pensa em um instrumento de apoio criação de um instrumento ágil, focado no monito-
para a tomada de decisões, é necessário levar em ramento, com boa interface e fácil acesso para seu
conta o dinamismo dos processos que envolvem essa público-alvo.
atividade na Saúde. Na medida em que se tem como A tomada de decisão na gestão em saúde é comple-
proposta o acompanhamento das prioridades da ges- xa, permeada de subjetividade e incertezas. A capaci-
tão, a incorporação das mudanças vividas nesse espaço dade para o aperfeiçoamento do processo de decisão
técnico-político exige uma articulação constante entre na Saúde confronta-se com a complexidade do campo,
a equipe responsável pelo instrumento e os diferentes caracterizada pelos múltiplos fatores determinantes do
gestores da cidade. processo saúde-doença-cuidado.1
A definição clara das prioridades e o planejamento O monitoramento das ações de saúde e do desem-
de seu enfrentamento constituem ponto de partida penho dos serviços é uma estratégia mais célere no
para se pensar em indicadores adequados ao mo- apoio à tomada de decisão. Porém, sua implementação
nitoramento das ações. A prática do monitoramento necessita de conhecimentos técnicos específicos e
pode propiciar a mudança de rumos e a definição alinhamento conceitual. Por se tratar de um processo

592 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):585-594, jul-set 2016


Sylvia Christina de Andrade Grimm e Oswaldo Yoshimi Tanaka

cujo sentido dar-se-á pela sistematização e descentra- à gestão, cabe avaliar como essa prática está inserida
lização de seu desenvolvimento, os recursos técnicos e em seu cotidiano e alinhada a suas necessidades.
humanos empregados na manutenção da ferramenta e
sua utilização são imprescindíveis. Sua institucionaliza- Contribuição dos autores
ção necessita integrar-se a um sistema organizacional
que promova sua evolução e sustentabilidade.30 Grimm SCA contribuiu na concepção e delineamen-
A experiência do Painel de Monitoramento da Se- to do estudo, análise e interpretação dos resultados e
cretaria Municipal da Saúde de São Paulo mostra-se redação do artigo.
condizente com tal proposição. O Painel representa Tanaka OY contribuiu na concepção e delineamen-
uma ferramenta com poder de sistematização das to do estudo, redação e revisão crítica do conteúdo
informações disponíveis, visando à melhoria das intelectual do artigo.
intervenções em saúde, e o faz com a articulação de Ambos os autores aprovaram a versão final do
estratégias epidemiológicas. Todavia, é necessário manuscrito e declaram ser responsáveis por todos
avançar na compreensão de sua utilização nos servi- os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão
ços e apropriação por parte das equipes. No tocante e integridade.

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http://www.r-project.org.

594 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):585-594, jul-set 2016


Artigo
original
Avaliação da implantação dos Serviços de Verificação de
Óbito em Pernambuco, 2012: estudo de casos múltiplos*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300015

Assessment of Service to verify the cause of death implementation


in Pernambuco State, Brazil, 2012: multiple case study

Barbara Araújo Silva de Azevedo1


Lygia Carmen de Moraes Vanderlei1
Roberto José Vieira de Mello2
Paulo Germano de Frias1

Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, Programa de Pós-Graduação em Avaliação em Saúde, Recife-PE, Brasil
1

Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Patologia, Recife-PE, Brasil


2

Resumo
Objetivo: avaliar a implantação dos Serviços de Verificação de Óbito (SVO) no estado de Pernambuco, Brasil, em 2012.
Métodos: pesquisa avaliativa de análise de implantação; elaborou-se modelo lógico e matriz de julgamento; utilizaram-se dados
primários (observação direta e entrevistas) e secundários; a avaliação do grau de implantação foi baseada em indicadores
de estrutura e processo, relacionados aos resultados e confrontados com o modelo lógico. Resultados: os SVO de Recife
e Caruaru alcançaram 89,0% e 82,0% dos valores esperados, respectivamente, e foram considerados como ‘Parcialmente
Implantado Avançado’, de forma coerente com os indicadores de resultado aferidos; os componentes Coleta de Informação
e Diagnóstico Nosológico/Etiológico obtiveram grau ‘Implantado’ nos SVO/Recife e SVO/Caruaru; o componente Ensino e
Pesquisa obteve o grau ‘Implantado’ somente no SVO/Recife. Conclusão: houve semelhança no grau de implantação nos dois
serviços; o maior grau de implantação do componente Ensino e Pesquisa no SVO/Recife revela a importância da cooperação
técnico-acadêmica.
Palavras-chave: Autópsia; Avaliação em Saúde; Atestado de Óbito; Sistemas de Informação, Estatísticas Vitais.

Abstract
Objective: to evaluate the implementation of Death Verification Services in Pernambuco State, Brazil, in 2012.
Methods: this was an implementation analysis evaluation study; we constructed a logical framework and judgement
matrix were prepared; primary data (direct observation and interviews) and secondary data were used; assessment of
the level of Death Verification Services implementation was based on outcome-related structure and process indicators
which were compared with the logical framework. Results: the Recife and Caruaru Death Verification Services were
considered to have achieved Advanced Partial Implementation, consistent with the outcome indicators measured,
reaching 89.0% and 82.0% of the expected values, respectively; the Information Collection and Nosological/Aetiological
Diagnosis components were considered to Fully Implemented at the Recife and Caruaru Death Verification Services; whilst
the Education and Research component was only considered to be Fully Implemented at the Recife Death Verification
Services. Conclusion: level of implementation was similar at both services; the higher level of the Education and Research
component at the Recife Death Verification Services reveals the importance of technical and academic cooperation.
Key words: Autopsy; Health Evaluation; Death Certificates; Information Systems; Vital Statistics.

* Artigo originado de dissertação de Mestrado Profissional em Avaliação em Saúde, defendida por Barbara Araújo Silva de
Azevedo junto ao Programa de Pós-Graduação em Avaliação em Saúde do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira
(IMIP) em 2014, sob o título ‘Avaliação da Implantação dos Serviços de Verificação de Óbito do Estado de Pernambuco’.

Endereço para correspondência:


Lygia Carmen de Moraes Vanderlei – Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira, Diretoria de Ensino, Rua dos
Coelhos, no 300, Boa Vista, Recife-PE. CEP: 50070-550
E-mail: lygiacarmen@yahoo.com.br; lygiacarmen@imip.org.br

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016 595


Avaliação da implantação dos Serviços de Verificação de Óbito em Pernambuco

Introdução [...] promover ações que proporcionem, via


autópsia, o esclarecimento da causa mortis de
As estatísticas vitais são fundamentais para a ob- todos os óbitos, com ou sem assistência médi-
tenção do perfil epidemiológico da população e para ca, sem elucidação diagnóstica, e em especial
o planejamento, organização e avaliação das ações e aqueles sob investigação epidemiológica.11
serviços de saúde.1,2 No Brasil, os óbitos são registrados Os procedimentos diagnósticos realizados pelo SVO
no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM),3 são tomados como padrão-ouro.10,12
cujo documento-fonte é a Declaração de Óbito (DO), Apesar de o registro das primeiras autópsias
instrumento imprescindível para a construção de realizadas no Brasil ter como cenário Pernambuco
indicadores confiáveis e oportunos, também para a no século XVII, foi no começo do século XX que esse
elucidação da causa de cada óbito.4 estado se responsabilizou pela verificação do óbito,
Os procedimentos de verificação de causa de óbito com o apoio da Faculdade de Medicina do Recife. Em
em âmbito mundial apresentam grande variabilidade; 1919, foi criado um quadro de médicos verificadores
entretanto, na maioria dos países desenvolvidos, os de óbitos, e em 1933, o primeiro SVO/PE, no Recife –
óbitos por causa mal definida são investigados da segundo no Brasil, antecedido pelo de Ribeirão Preto,
mesma forma que os óbitos por causas não naturais, São Paulo.13,14
pela patologia forense.5,6 No Reino Unido e na Aus- No ano de 2006, o Ministério da Saúde instituiu a
trália, a investigação é realizada pelo médico clínico. Rede Nacional de SVO para reorganizar os serviços já
Este, quando não consegue definir a causa do óbito existentes e incentivar a criação de novos. Essa Rede
ou suspeita de causa externa, encaminha o caso para Nacional incluía 28 serviços, sendo dois em Pernambu-
um serviço forense.5,6 Nos Estados Unidos da América, co.15 Em 2010, foi constituída a Rede Estadual de SVO/
a investigação do óbito é realizada por médico com PE.16 Com a Portaria GM/MS no 183, de 30 de janeiro
especialização em patologia forense.7 Na França e na de 2014, ao se regulamentar os incentivos financeiros
Alemanha, a maioria das mortes é certificada sem de custeio à implantação e manutenção de serviços
autópsia e, por não haver médicos legistas, as mortes estratégicos de vigilância em saúde, a Rede Nacional
suspeitas são remetidas a inquérito policial com a aju- do SVO foi ampliada para 52 serviços.11 Em 2015, a
da de um médico forense; este profissional, entretanto, contabilidade de SVO habilitados era a seguinte: cinco
não é considerado necessário pela sociedade alemã.6 na região Norte; 13 no Nordeste; 20 no Sudeste; cinco
no Sul; e nove no Centro-Oeste.17
Nos casos de óbitos para os quais Apesar da contribuição histórica dos SVO, a
não se consegue definir a causa literatura científica tem priorizado a análise da qua-
mortis ou para aqueles ocorridos sem lidade das autópsias ou o perfil dos óbitos atestados
pelos serviços.8-10,12 Considerando-se a inexistência
assistência, o médico patologista do de avaliações da estrutura e do processo de trabalho
Serviço de Verificação de Óbito (SVO) desenvolvido nos SVO do país, além da carência de
deve emitir a DO. análises sobre a contribuição potencial desses serviços
para a melhoria das estatísticas vitais e da vigilância
No Brasil, a emissão da DO para mortes por cau- epidemiológica, o presente estudo teve como objetivo
sas naturais compete ao médico assistente ou seu avaliar a implantação dos Serviços de Verificação de
substituto, enquanto para as mortes não naturais, a Óbito – SVO – de Pernambuco.
responsabilidade pela DO cabe ao médico legista do
Instituto Médico Legal (IML). Nos casos de óbitos Métodos
para os quais não se consegue definir a causa mortis
ou para aqueles ocorridos sem assistência, o médico Foi realizada uma pesquisa avaliativa, relacionando
patologista do Serviço de Verificação de Óbito (SVO) o grau de implantação (GI) das ações dos SVO com
deve emitir a DO após a autópsia ser autorizada pelo os efeitos observados.18 Utilizou-se um estudo de caso
responsável do falecido.8-10 De acordo com as normas múltiplo com nível de análise imbricado,19 em que os
do Ministério da Saúde, é atribuição do SVO casos foram os SVO/PE, no ano de 2012.

596 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016


Barbara Araújo Silva de Azevedo e colaboradores

A Rede Estadual de SVO/PE é composta de dois Os dados primários foram coletados mediante
serviços, o de Recife (porte III) e o de Caruaru observação direta e entrevista com aplicação de ques-
(porte II), que realizam o exame anatomopatológi- tionário estruturado (perguntas fechadas), conduzido
co – macroscópico, histopatológico, hematológico, pelo pesquisador principal junto ao gestor responsável
bioquímico, microbiológico e sorológico – e o exame por cada serviço. Esse questionário, elaborado com
imuno-histoquímico. A diferenciação do serviço de base nos indicadores representativos de cada com-
porte III encontra-se no fato de apenas este dispor de ponente, constantes na matriz referente à estrutura e
espaço para capacitação, realizar exames toxicológicos ao processo necessários para o desenvolvimento das
e manter, no mínimo, um profissional por categoria ações, foi previamente validado. Os dados secundários
durante as 24 horas do plantão de atendimento.16 foram captados do SIM estadual, relatórios institucio-
O SVO/Recife, com área de abrangência sobre 69 nais e livros de registro dos serviços.
municípios e o Distrito de Fernando de Noronha, dis- Os produtos das entrevistas e da observação direta
põe de 39 funcionários, realizou 7.317 autópsias em geraram os indicadores, que foram confrontados com
2011 e mantém parceria com a Universidade Federal o modelo lógico, para definir o GI dos serviços.
de Pernambuco. O SVO/Caruaru abrange 87 municí- A cada um dos cinco componentes do modelo
pios e conta com 20 funcionários, que realizaram 827 foi atribuído um escore máximo, considerando-se
autópsias no mesmo ano de 2011, e mantém parceria sua relevância na reconstrução do objeto de estudo:
com o IML.16 Gestão, 30; Coleta de Informação, 10; Diagnóstico
Na primeira etapa do estudo, foi construído o Etiológico/Nosológico, 30; Vigilância Epidemiológica,
modelo lógico do SVO (Figura 1), baseado nos se- 20; e Ensino e Pesquisa, 10. O GI resultou do somatório
guintes documentos normatizadores: Lei nº 6015, de dos indicadores de estrutura e processo elencados,
31/12/2003, que dispõe sobre os registros públicos; sendo classificado da seguinte forma: Implantado
Portaria GM/MS nº 1.405, de 29/06/2006, que institui (100,0-90,0%); Parcialmente Implantado Avançado
a Rede Nacional de SVO; Portaria Estadual nº 1.405, (89,9-70,0%); Parcialmente Implantado Incipiente
de 29/06/2006, que institui a Rede Estadual de SVO; (69,9-60,0%); e Não Implantado (<60,0%).
Portaria SVS/MS nº 116, de 11/02/2009, que regula- Após a definição do GI de ambos SVO, por compo-
menta a coleta de informação, fluxo e periodicidade de nente e pelo conjunto, os serviços foram relacionados
envio das informações sobre óbitos e nascidos vivos; com os indicadores de resultado, confrontados com o
e o Decreto nº 34.351, de 09/12/2009, que estrutura modelo elaborado, em um processo reflexivo dedutivo
os órgãos integrantes da Secretaria Executiva de Vigi- baseado na lógica do serviço.
lância em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde de O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de
Pernambuco. Também foram consultados experts em Ética em Pesquisas em Seres Humanos do Instituto de
Patologia e Serviços de Verificação de Óbito, e observa- Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP) – Pa-
das as atividades de rotina desenvolvidas nos serviços. recer nº 3446-13, de 13/03/2013 – em conformidade
Na segunda etapa do estudo, foi definido um con- com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS)
junto de indicadores de implantação distribuídos por no 466, de 12 de dezembro de 2012.
componentes. Estes componentes foram selecionados
por sua relevância e de acordo com sua disponibili- Resultados
dade de dados – via relatórios, registros dos serviços,
informações do SIM –, e apresentados na matriz de A Figura 3 apresenta o conjunto dos indicadores das
análise e julgamento (Figura 2), relacionados a três dimensões de estrutura, processo e resultados para
dimensões: estrutura, processo e resultado das ações cada um dos componentes da intervenção relativos ao
realizadas nos SVO. Foram adotados parâmetros e SVO/Recife e ao SVO/Caruaru, base para a análise do
conferida pontuação para cada indicador existente em grau de implantação – GI – e resultados alcançados
documentos institucionais ou encontrados na litera- por esses serviços (Tabela 1).
tura, utilizados para a construção do modelo lógico; A Tabela 1 exibe o GI representado pelas dimensões
em sua ausência, esses indicadores foram arbitrados de estrutura e de processo, além de indicadores de re-
pelos pesquisadores. sultados. Os dois SVO foram considerados como ‘Par-

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016 597


Componentes Recursos Atividades Resultado Intermediário

598
Recursos financeiros
• Administração do orçamento específico do SVO
• Contratação de recursos humanos Estrutura do SVO
• Formação de pessoal e educação continuada adequada e em
Gestão • Supervisão e visita de apoio técnico funcionamento pleno
Recursos tecnológicos
• Monitoramento e avaliação dos indicadores operacionais
• Desenvolvimento e implantação do sistema de informação para o SVO
Atendimento ao público
Recursos humanos • Entrevista com os familiares, para coleta de informação realizado de forma humanizada
• Registro de informações por meio de guia de remoção e registro adequado das
Coleta de Informação informações

Instrumentos legais • Realização de autópsias


• Realização de exames complementares, quando necessário, nos casos de
doença de notificação compulsória (DNC)
• Utilização adequada dos protocolos operacionais padrão (entrega do Redução dos riscos de
corpo, biossegurança, limpeza, coleta, acondicionamento, transporte e contaminação com material
Diagnóstico Etiológico/ Convênio biológico
armazenamento de material biológico)
Nosológico • Realização de exames complementares nos casos de DCN
• Realização de exames complementares quando necessário nos casos de DNC

Serviço de Verificação de Óbito


Materiais, instrumentos
e equipamentos para • Produção de informes estatísticos
Melhor informação sobre mortalidade
Avaliação da implantação dos Serviços de Verificação de Óbito em Pernambuco

autópsias e biossegurança • Notificação, em tempo oportuno, dos casos de DCN, em formulários do


Vigilância Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), para a vigilância Informação obtida de forma
Epidemiológica epidemiológica adequada, suficiente e com
• Encaminhamento dos resultados dos exames complementares das autópsias oportunidade e utilidade para
Instalações físicas (morte materna, óbito infantil e óbito fetal) ao Sistema de Informações sobre fins de vigilância epidemiológica
Mortalidade (SIM)

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016


• Monitoramento e avaliação dos indicadores epidemiológicos

Ensino e Pesquisa Formulários • Realização de atividades educativas junto às instituições de ensino, hospitais,
prontos-socorros e outros serviços
Melhor qualificação profissional
• Apoio à formação de recursos humanos
• Realização de pesquisas no SVO/campo de pesquisa
Normas e rotinas

Figura 1 – Modelo lógico simplificado dos Serviços de Verificação de Óbito (SVO) em Pernambuco, 2012
Barbara Araújo Silva de Azevedo e colaboradores

Valor Fonte de
Componentes Dimensões Indicadores Parâmetros Pontuação esperado dados
Administração do orçamento específico Sim Sim = 3; Não = 0 3 Entrevista
do SVO
Estrutura Auxiliar administrativo, Todos 4 = 4; Total 3 = 3;
gerência, coordenação
Recursos humanos Total 2 = 2; 4 Entrevista
médica e coordenação Total 1 =1; Nenhum=0
administrativa
Realização de manutenção da estrutura Sim Sim = 3; Não = 0 3 Entrevista
física, material e equipamentos do SVO
Utilização de normas e rotinas do serviço Sim Sim = 4; Não = 0 4 Entrevista
Sistema de informação para o SVO Sim Sim = 1; Não = 0 1 Entrevista
Gestão

Relatórios de supervisão
Monitoramento e avaliação dos e avaliações das Sim = 5; Não = 0 5 Entrevista
indicadores operacionais do SVO atividades desenvolvidas
Processo Capacitação de recepcionista e
assistente social sobre técnicas de 1 ao ano Sim = 2; Não = 0 2 Entrevista
atendimento ao público
Realização de curso de aperfeiçoamento 3 ao ano Sim = 2 Não = 0 2 Entrevista
Sensibilização de médicos patologistas
sobre o adequado preenchimento da 4 ao ano Sim = 4; Não = 0 4 Entrevista
Declaração de Óbito (DO) realizada
Supervisão/visita de apoio técnico Sim Sim = 2; Não = 0 2 Entrevista
mensal
Utilização de formulário para entrevista Sim Sim = 2,5; Não = 0 2,5 Entrevista
com os familiares
1 assistente social = 2; 1
1 assistente social e
Coeta de Informação

administrativo = 2; e
Estrutura Recursos humanos 1 administrativo/ 3,5 Entrevista
1 assistente social e 1
plantão administrativo = 3,5
Existência de sala específica para Sim Sim = 2,5; Não = 0 2,5 Entrevista
recepção da família
Registro em livro próprio da entrada do
Processo Sim Sim = 1,5; Não = 0 1,5 Entrevista
corpo no SVO
100% = 10 , 90% -60% = Livro de
Resultado Proporção de autorização para autópsia 100% 10
6 e abaixo de 59,9 = 3 registro
Luva, máscara N95
Existência de equipamento de proteção Todos = 3; Total 3= 2;
e avental cirúrgico 3 Entrevista
individual Total 2 = 1,5 e Total 1 =1
impermeável
Existência de material cirúrgico (tesoura, Todos Sim = 3; Não = 0 3 Entrevista
bisturi, faca, serra)
Existência de câmaras frigoríficas para Sim Sim = 1; Não = 0 1 Entrevista
cadáveres
Existência de arquivo para exames, Sim Sim = 1,5; Não = 0 1,5 Entrevista
Diagnóstico Nosológico/Etiológico

laudos e outros documentos


Sala com mesa de
autópsia com lavatório
Sala específica Sim = 2; Não = 0 2 Entrevista
Com água corrente,
iluminada e refrigerada
Estrutura Existência de protocolo para realização Sim Sim = 2; Não = 0 2 Entrevista
de autópsia
1/12horas para realização
Carga horária de 24
Existência de médico patologista de, no máximo, 4,5 Entrevista
horas semanais 30 autópsias = 4,5
1/12horas para realização
Existência de auxiliar/técnico de Carga horária de 30 de, no máximo, 4 Entrevista
autópsia horas semanais 30 autópsias = 4
Existência de protocolo de Sim Sim = 2; Não = 0 2 Entrevista
biossegurança e limpeza
Existência de protocolo de coleta,
acondicionamento, transporte e Sim Sim = 3; Não = 0 3 Entrevista
armazenamento de material biológico
elaborado
Continua
Figura 2 – Matriz de análise e julgamento para avaliação da implantação dos Serviços de Verificação de Óbito
(SVO) em Pernambuco, 2012

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016 599


Avaliação da implantação dos Serviços de Verificação de Óbito em Pernambuco

Valor
Componentes Dimensões Indicadores Parâmetros Pontuação Fonte de dados
esperado
Existência de identificação dos cadáveres Sim Sim = 1 ; Não = 0 1 Entrevista
Realização de recomposição do cadáver Sim Sim = 1 ; Não = 0 1 Entrevista
para remoção final
Diagnóstico nosológico/etiológico

Processo Existência de protocolo de entrega do Sim Sim = 1 ; Não = 0 1 Entrevista


corpo ao familiar
Frequência de conservação e limpeza dos
instrumentos, ferramentas e materiais 2 vezes ao dia Sim = 1 ; Não = 0 1 Entrevista
peculiares aos exames macroscópicos
Realização de exames complementares 100-90% = 10; 79-50%
100% de exames
nos casos de doença de notificação = 5; 10 Livro de registro
realizados
compulsória (DNC) abaixo de 50% = 0
Resultado 100-90% = 20;
97% dos óbitos não Sistema de
% de óbitos não fetais com causa mortis 89-60% = 5;
fetais com causa mortis 20 Informações sobre
esclarecida 59-50% = 2 ; 49-30%
esclarecida Mortalidade (SIM)
= 1; 29-0% = 0
Existência de formulário de notificação
do Sistema de Informação de Agravos de Sim Sim = 2 ; Não = 0 2 Entrevista
Notificação (Sinan)
Existência de nº no Cadastro Nacional de Sim Sim =1 ; Não = 0 1 Entrevista
Estabelecimentos de Saúde (CNES)
Estrutura Profissionais (recepcionista/assistente 100-70% = 2; 69-40%
social) capacitados para vigilância 70% = 1,5; 2 Entrevista
epidemiológica 39-0% = 0,5
Todos = 2; Total de 3
Computador; internet; = 1,5;
Existência de recursos tecnológicos scanner; fax e linha 2 Entrevista
Total de 2 = 1; e
telefônica Nenhuma = 0
Vigilância Epidemiológica

Realização de encaminhamento dos


exames complementares da autópsia 100% Sim = 2 ; Não = 0 2 Entrevista
ao Sistema de Informações sobre
Mortalidade (SIM)
Informes de análise estatística 1 ao ano 1 ao ano = 2 2 Entrevista
produzidos
Monitoramento e avaliação dos 1 ao ano Sim = 2 ; Não = 0 2 Entrevista
Processo indicadores epidemiológicos do SVO
Regularidade de encaminhamento das Mensal = 2 ; Trimestral
listas das autópsias realizadas para o Mensal 2 Entrevista
=1
gestor do SIM
Produção de boletins pelo SVO 1 ao ano 1 ao ano = 2 2 Entrevista
100-90% = 3; 89-60%
Declaração de Óbito (DO) emitida 90% = 2; 3 Livro de registro
abaixo de 60 = 0
% casos de doenças de notificação
compulsória, mortalidade materna, 100-70% = 10; 69-40%
Resultado óbito infantil e fetal informados 80% = 5; 20 Livro de registro
para vigilância epidemiológica 39-0% = 3
oportunamente
1 patologista e 1 auxiliar Sim = 3 ; Não = 0
Recursos humanos 3 Entrevista
de autópsia
Estrutura
Integração interinstitucional com Sim Sim = 4 ; Não = 0 4 Entrevista
instituições de ensino
Ensino e pesquisa

Realização de atividades educativas


Processo junto a instituições de ensino, hospitais, 4 ao ano Sim = 3 ; Não = 0 3 Entrevista
prontos-socorros e outros serviços.
Total de 1 = 1; Total
Realização de atividades de formação de 4 ao ano de 2 = 2; 4 Entrevista
recursos humanos Total de 3 = 3; Total
Resultado de 4 = 4
Realização de pesquisas no SVO/campo Total de 1 = 3 ; Total
2 ao ano 6 Livro de registro
de pesquisa de 2 = 6

Figura 2 – Continuação

600 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016


Barbara Araújo Silva de Azevedo e colaboradores

cialmente Implantado Avançado’, tendo o SVO/Recife igualmente classificados como ‘Parcialmente Implan-
alcançado 89,0% e o SVO/Caruaru 82,0% dos valores tado Avançado’. Possivelmente, trata-se de um reflexo
esperados. Na dimensão de estrutura, os percentuais da recente criação da Rede Estadual de SVO/PE, que
foram de 98,0% e 94,0%, enquanto na dimensão de adotou a mesma estrutura organizacional nos serviços,
processo, de 80,0% e 70,0%, para o SVO/Recife e o sob gestão única.16
SVO/Caruaru, respectivamente. Para o componente Ensino e Pesquisa, entretan-
No SVO/Recife, constatou-se que dos cinco compo- to, houve diferença expressiva entre os serviços,
nentes do modelo, três obtiveram o grau ‘Implantado’: uma vez que o SVO/Recife, desde sua fundação,
Coleta de Informação, Ensino e Pesquisa e Diagnóstico funciona em cooperação técnica com instituições
Nosológico/Etiológico. Os componentes Vigilância públicas de ensino, revelando a influência dessas
Epidemiológica e Gestão foram qualificados como parcerias, enquanto o SVO/Caruaru não conta com
‘Parcialmente Implantado Avançado’. Com relação à o apoio de universidades e tampouco desenvolve
dimensão de estrutura, quatro dos cinco componentes atividades acadêmicas.20-21
obtiveram 100% do valor esperado; apenas a Vigilância O estudo de cadáveres é essencial no processo
Epidemiológica alcançou 85,7%. Na dimensão de pro- ensino-aprendizagem, contribuindo para ampliar o
cesso, os componentes Coleta de Informação e Ensino conhecimento sobre as doenças humanas por meio
e Pesquisa alcançaram 100%, enquanto os demais se dos diagnósticos macroscópicos das autópsias e dos
situaram entre 85,7% e 69,2%. relatórios dos exames histopatológicos, gerando
No SVO/Caruaru, apenas os componentes Coleta de informações precisas sobre a causa de morte.10,21
Informação e Diagnóstico Nosológico/Etiológico foram Ademais, docentes e discentes concordam que a
considerados ‘Implantado’; os componentes Gestão e utilização da autópsia no ensino apresenta amplos
Vigilância Epidemiológica foram classificados como benefícios potenciais, envolvendo desde a falibilidade
‘Parcialmente Implantado Avançado’ e ‘Parcialmente médica e questões sobre fase terminal da vida, até as
Implantado Incipiente’, respectivamente. O compo- de auditoria.22
nente Ensino e Pesquisa mostrou-se ‘Não Implantado’. No mundo ocidental, a autópsia, tradicionalmente
Na dimensão de estrutura, o SVO/Caruaru alcançou utilizada como uma ferramenta no ensino de gradu-
resultados semelhantes ao do SVO/Recife, diferindo ação em medicina, apresentou grande descenso nas
apenas no percentual dos componentes Vigilância últimas décadas.22 Ao mesmo tempo, as frequências de
Epidemiológica (57,1%) e Ensino e Pesquisa (42,9%). autópsia nesses países declinaram consistentemente,
Quanto ao processo, apenas o componente Coleta de de forma a atingir uma média de 5% nos anos 2000.23
Informação alcançou 100%, enquanto nos demais, a É possível que a insuficiente valorização da autópsia
amplitude dos percentuais variou de 85,7 a 69,2%; o no ensino e pesquisa tenha contribuído para essa re-
componente Ensino e Pesquisa não obteve pontuação dução, provavelmente porque muitos médicos nunca
nessa dimensão. presenciaram o procedimento, não entendem do que
Entre os indicadores de resultados dispostos, se trata e portanto, não defendem sua utilidade.24
verificou-se coerência com o GI de cada componente, Outras razões para o declínio da autópsia no ensino
em ambos os serviços (Tabela 1). Quase todos os seriam o aumento da demanda sobre o tempo dos
componentes obtiveram o resultado máximo esperado, professores e questões variadas, estas relacionadas à
exceto os indicadores relacionados com o Ensino e legislação de vários países.22
Pesquisa, para o qual o SVO/Recife alcançou 100% Apesar da diversidade de modelos organizacionais
do esperado enquanto o SVO/Caruaru não desenvolvia relacionada à verificação da causa de morte nos casos
ações relacionadas a esse componente. sem elucidação diagnóstica, e da redução do número
de autópsias em nível mundial, vários pesquisadores
Discussão demonstram a supremacia do procedimento na defi-
nição da causa do óbito, em virtude das ferramentas
A despeito de o SVO/Recife existir há mais de oito de trabalho de médicos forenses serem restritas ao
décadas e ser bem mais antigo que o SVO/Caruaru, exame médico-legal.23,25,26 As autópsias realizadas pelos
a análise do GI mostrou que os dois serviços foram médicos patologistas são reconhecidas pela maior

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016 601


Tabela 1 – Grau de implantação (GI) e indicadores de resultado dos Serviços de Verificação de Óbito (SVO) segundo componentes do modelo lógico, Pernambuco, 2012

602
SVO SVO SVO SVO
Valor Recife Caruaru Indicadores de Valor Recife Caruaru
Componente Dimensão Esperado resultados Esperado
N % N % N % N %
Estrutura 8 8 100,0 8 100,0

Coleta de Informação Processo 2 2 100,0 2 100,0 % de autorização para autópsia 10 10 100,0 10 100,0

GI 10 10 100,0 10 100,0

Realização de exames
Estrutura 23 23 100,0 23 100,0 complementares nos casos de doença 10 10 100,0 10 100,0
de notificação compulsória
Diagnóstico Nosológico/Etiológico
Processo 7 6 85,7 6 85,7
% de óbitos não fetais com causa 20 20 100,0 20 100,0
esclarecida
GI 30 29 96,7 29 96,7

Estrutura 7 6 85,7 4 57,1


% de casos de doença de notificação
Processo 13 9 69,2 9 69,2 compulsória, morte materna, infantil
Vigilância epidemiológica 20 20 100,0 20 100,0
e fetal informado para vigilância
epidemiológica oportunamente
GI 20 15 75,0 13 65,0

Realização de atividades de formação


Estrutura 7 7 100,0 3 42,9 4 4 100,0 - -
Avaliação da implantação dos Serviços de Verificação de Óbito em Pernambuco

de recursos humanos
Ensino e Pesquisa Processo 3 3 100,0 0 0,0
Realização de pesquisas no SVO/ 6 6 100,0 - -
campo de pesquisa
GI 10 10 100,0 3 30,0

Estrutura 7 7 100,0 7 100,0

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016


Gestão Processo 23 18 78,3 18 78,3

GI 30 25 83,3 25 83,3

Estrutura 50 49 98,0 48 94,0

Síntese do SVO Processo 50 40 80,0 35 70,0

GI 100 89 89,0 82 82,0


Nota: Implantado (100,0-90,0); Parcialmente Implantado Avançado (89,9-70,0); Parcialmente Implantado Incipiente (69,9-60,0); e Não Implantado (<60,0).
Barbara Araújo Silva de Azevedo e colaboradores

precisão diagnóstica, e por fornecerem um bom retrato No presente estudo, observou-se que a estrutura e
da qualidade da assistência ao paciente. o processo dos dois SVO no componente Diagnóstico
Salienta-se, ademais, que a importância da au- Nosológico/Etiológico foram considerados ‘Implan-
tópsia é maior em áreas com recursos limitados; e tados’, mostrando coerência com os indicadores de
mesmo em áreas do mundo com capacidade diag- resultados estudados. Destaca-se a importância des-
nóstica avançada, sua contribuição para a garantia ses serviços em regiões como o Nordeste brasileiro,
da qualidade de cuidados médicos continua a ser onde persistem dificuldades de acesso a assistência
legitimada como relevante.24,27 e diagnóstico em saúde, com repercussões sobre a

Valor Valor
Valor
Componentes Dimensões Indicadores obtido obtido
esperado Recife Caruaru
Administração do orçamento específico do SVO 3 3 3
Estrutura
Recursos humanos 4 4 4
Realização de manutenção da estrutura física, material e equipamentos do SVO 3 3 3
Utilização de normas e rotinas do serviço 4 4 4
Sistema de informação para o SVO 3 0 0
Gestão

Monitoramento e avaliação dos indicadores operacionais do SVO 4 4 4


Processo Capacitação de recepcionistas e assistentes sociais sobre técnicas de 1 1 1
atendimento ao público
Realização de curso de aperfeiçoamento 2 – –
Sensibilização de médicos patologistas sobre o adequado preenchimento da 4 4 4
Declaração de Óbito (DO)
Supervisões/visitas de apoio técnico mensais 2 2 2
Utilização de formulário para entrevista com os familiares 2 2 2
informação

Estrutura Profissionais de nível médio 3 3 3


Coleta de

Existência de sala específica para recepção da família 3 3 3


Processo Registro em livro próprio da entrada do corpo no SVO 2 2 2
Resultado Proporção de autorização para autópsia 10 10 10
Existência de equipamento de proteção individual 3 3 3
Existência de material cirúrgico (tesoura, bisturi, faca, serra) 3 3 3
Existência de câmaras frigoríficas para cadáveres 1 1 1
Existência de arquivo para exames, laudos e outros documentos 2 2 2
Estrutura Sala específica 2 2 2
Diagnóstico nosológico/etiológico

Existência de protocolo para realização de autópsia 2 2 2


Existência de médico patologista 4 4 4
Existência de auxiliar/técnico de autópsia 4 4 4
Existência de protocolo de biossegurança e limpeza 2 2 2
Existência de protocolo de coleta, acondicionamento, transporte e 3 3 3
armazenamento de material biológico
Existência de identificação dos cadáveres 1 1 1
Processo Realização de recomposição do cadáver para remoção final 1 1 1
Existência de protocolo de entrega do corpo à família 1 1 1
Frequência de conservação e limpeza dos instrumentos, ferramentas e materiais 1 – –
peculiares aos exames
Realização de exames complementares nos casos de doença de notificação 10 10 10
Resultado compulsória (DNC)
% de óbitos não fetais com causa mortis esclarecida 20 20 20
Continua
Figura 3 – Distribuição da pontuação obtida por indicador na avaliação dos Serviços de Verificação de Óbito
(SVO) em Pernambuco, 2012

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016 603


Avaliação da implantação dos Serviços de Verificação de Óbito em Pernambuco

Valor Valor
Valor
Componentes Dimensões Indicadores obtido obtido
esperado Recife Caruaru
Existência de formulário de notificação do Sistema de Informação de Agravos de 2 2 2
Notificação (Sinan)
Existência de nº no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) 1 – –
Estrutura
Profissional (recepção/assistente social) capacitado para vigilância 2 2 –
epidemiológica
Vigilância Epidemiológica

Existência de recursos tecnológicos 2 2 2


Realização de encaminhamento dos exames complementares da autópsia ao 3 3 3
Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)
Monitoramento e avaliação dos indicadores epidemiológicos do SVO 2 2 2
Processo Regularidade de encaminhamento da lista das autópsias realizadas para o gestor 2 2 2
do SIM
Produção de Boletins Epidemiológicos pelo SVO 3 – –
Declarações de Óbito (DO) emitidas 3 3 3
% de casos de doenças de notificação compulsória, mortalidade materna, óbito infantil
Resultado e fetal informados para vigilância epidemiológica oportunamente 20 20 20

Recursos humanos 3 3 3
Estrutura
Ensino e pesquisa

Integração interinstitucional com instituições de ensino 4 4 –


Realização de atividades educativas junto a instituições de ensino, hospitais,
Processo 3 3 –
prontos-socorros e outros serviços.
Realização de atividades de formação de recursos humanos 4 4 –
Resultado
Realização de pesquisa no SVO a/ campo de pesquisa 6 6 –

Figura 3 – Continuação
proporção de óbitos por causas mal definidas. As a não produção de informes e boletins, elementos
DO emitidas pelos dois SVO representaram 14,4% essenciais de informação para a ação em tempo
dos óbitos de causa de morte natural ocorridos em oportuno, foram decisivos para o não alcance do
Pernambuco, no período estudado. grau de implantação plena.
Na Rede Nacional de SVO, existem serviços habili- Não obstante, os resultados foram alcançados
tados em grandes hospitais, experiência referendada em sua totalidade, representados pela proporção de
como útil e capaz de influenciar a prática clínica, o casos de doenças de notificação compulsória, morte
que reforça a interação entre médicos clínicos e pato- materna, infantil e fetal informados para a vigilância
logistas, além de ser um bom instrumento para o con- epidemiológica oportunamente. Os SVO também
trole de qualidade hospitalar, de medicamentos e do contribuíram para o aperfeiçoamento das informações
aspecto econômico do serviço.15,23,27 Na Rede Estadual em saúde, ao produzirem laudos conclusivos quanto à
de SVO de Pernambuco não existe serviço habilitado causa de morte,10,12,21,28,29 atuando decisivamente como
em hospitais, apesar da existência de departamentos fonte notificadora para doenças emergentes,24 como as
de anatomopatologia encarregados da realização de causadas pelos vírus ZIKV (febre Zika) e Chikungunya,
autópsias – restritas aos pacientes falecidos nesses e reemergentes, como a dengue.
serviços, por causa indeterminada.16 Quanto às atividades relacionadas ao componente
Apesar da contribuição para a melhoria da infor- Gestão do SVO, apesar de constituírem uma prática
mação em Saúde Pública, ao agregar dados confiáveis antiga no estado de Pernambuco, seu reconhecimen-
sobre a mortalidade, foram evidenciadas fragilidades to técnico normativo institucional só ocorreu com a
no componente Vigilância Epidemiológica, em ambos publicação da Portaria Estadual instituindo a Rede
SVO. O fato de o SVO/Caruaru não dispor de profis- Estadual de SVO de Pernambuco16 em 2010, posterior
sional capacitado para a vigilância epidemiológica, à Portaria do Ministério da Saúde de 2006.15
a não incorporação dos dois serviços no Cadastro A Gestão tem se mostrado indispensável no sen-
Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e tido de promover o fortalecimento organizacional,

604 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016


Barbara Araújo Silva de Azevedo e colaboradores

facilitar o funcionamento do serviço, minimizar a as diferenças entre os serviços concentrada nos


omissão ou execução parcial das atividades dos componentes Vigilância Epidemiológica e Ensino
SVO.30 Contudo, a inexistência de um sistema de e Pesquisa.
informações que detalhe o processo e o produto O fortalecimento de serviços modernos de autópsia
do trabalho nos serviços, aliada à pouca ênfase em é um desafio que transcende as responsabilidades indi-
capacitações, constituíram-se em obstáculos a serem viduais, alcançando o interesse público, com objetivos
superados para o alcance de um sistema de serviços amplos e maior confiabilidade na informação sobre
de saúde mais efetivo. mortalidade, apoio estratégico à vigilância epidemio-
Entre as dificuldades enfrentadas no desenvolvi- lógica, ao ensino e treinamento profissional na área
mento desta análise de implantação, destacam-se a da Saúde e em pesquisas.
ausência de avaliações sistemáticas sobre o funciona-
mento dos SVO no Brasil e a imprecisão quanto a suas Contribuição dos autores
competências, implicando a adoção de parâmetros
baseados na rotina dos serviços. Por conseguinte, é Azevedo BAS, Vanderlei LCM e Frias PG participa-
importante a realização de outros estudos, baseados ram da concepção, delineamento do estudo, análise e
no desenvolvimento de modelos mais integrais de interpretação dos resultados, redação e revisão crítica
avaliação desses serviços, assim como a validação do conteúdo intelectual do manuscrito.
do modelo aqui proposto em novas pesquisas, para Mello RJV participou da análise e interpretação dos
melhor adequação do modelo lógico, dos critérios e resultados e revisão crítica do conteúdo do manuscrito.
indicadores considerados. Todos os autores aprovaram a versão final do
Conclui-se que os dois SVO de Pernambuco foram manuscrito e declaram serem responsáveis por todos
considerados ‘Parcialmente Implantado Avançado’, os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua
segundo os indicadores de resultado aferidos, com precisão e integridade.

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Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016 605


Avaliação da implantação dos Serviços de Verificação de Óbito em Pernambuco

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606 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):595-606, jul-set 2016


Artigo
original Estudo descritivo do perfil das vítimas com ferimentos
por projéteis de arma de fogo e dos custos assistenciais
em um hospital da Rede Viva Sentinela*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300016

Descriptive study of the profiles of victims of firearm projectile injuries


and healthcare costs in a hospital in the Viva Sentinela Network

Paulo Roberto Maciel1


Marta Rovery de Souza2
Claci Fátima Weirich Rosso3

1
Universidade Federal de Goiás, Hospital das Clínicas, Goiânia-GO, Brasil
2
Universidade Federal de Goiás, Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, Goiânia-GO, Brasil
3
Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Enfermagem, Goiânia-GO, Brasil

Resumo
Objetivo: descrever o perfil das vítimas com ferimentos causados por projéteis de armas de fogo (PAF) e o custo dos
atendimentos em uma instituição de referência no Centro-Oeste brasileiro pertencente à Rede Viva Sentinela. Métodos: foi
realizado estudo descritivo, com amostra por conveniência, no período de janeiro a março de 2013; as fontes de dados foram
entrevista, prontuários dos participantes e o departamento de estatística do hospital. Resultados: participaram 150 vítimas,
entre as quais predominaram indivíduos do sexo masculino (94,7%), jovens (67,3%) e usuários de álcool/drogas (80,0%); o
principal motivo desses incidentes foi o tráfico/dívidas de drogas (45,3%); o custo médio foi de R$1.291,93 por atendimento.
Conclusão: a maioria das vítimas por PAF eram homens jovens, usuários de álcool/drogas, e o envolvimento com o tráfico foi
o motivo mais frequente da vitimização; o custo médio assistencial desses pacientes foi elevado.
Palavras-chave: Violência; Causas Externas; Ferimentos por Arma de Fogo; Custos de Cuidados de Saúde; Epidemiologia Descritiva.

Abstract
Objective: to describe the profile of victims with injuries caused by firearm projectiles and the cost of treatment
at a referral hospital in Midwestern Brazil belonging to the Viva Sentinela Network. Methods: a descriptive study with
convenience samplie was conducted from January to March 2013; data sources were interviews, patients’ medical
records, and the hospital statistics department. Results: the 150 victims who participated were predominantly male
(94.7%), young (67.3%), and drug/alcohol users (80.0%); the main reason of these incidents was drug trafficking/drug
debt (45.3%); average health care costs were R$1,291.93 per case. Conclusion: the majority of victims were young male
users of alcohol/drugs, and involvement with trafficking was the most frequent reason for victimization; average health
care costs for these patients were high.
Key words: Violence; External Causes; Wounds, Gunshot; Health Care Costs; Epidemiology, Descriptive.

* Parte integrante da dissertação de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva intitulada ‘Avaliação do perfil dos pacientes
atendidos com ferimento por arma de fogo em um hospital da Rede Viva Sentinela’, defendida por Paulo Roberto Maciel junto
ao Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Goiás em 2013.

Endereço para correspondência:


Paulo Roberto Maciel – Rua T-64, nº 1227, Edifício Kalypso, apto. 800, Setor Bueno, Goiânia-GO, Brasil. CEP: 74823-350
E-mail: falecompaulomaciel@gmail.com

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):607-616, jul-set 2016 607


Perfil das vitimas com ferimentos por projeteis de arma de fogo

Introdução elevadas que os demais municípios pode estar ligado a


seu franco desenvolvimento, fenômeno atrativo de uma
A violência é responsável por mais de cinco milhões maior migração de pessoas para a região, como também
de mortes anuais no mundo e muitos sobreviventes propício ao fortalecimento do tráfico de drogas.5-7
sofrem com sequelas mentais ou físicas decorrentes Entre as internações por agressões (devido ao uso de
dos ferimentos. Estima-se que, para cada evento fatal, arma de fogo ou objetos cortantes e penetrantes, ou pelo uso
haja dezenas de hospitalizações, com uma progressão de força física) ocorridas nas capitais brasileiras entre os
de centenas de comparecimentos às emergências e anos de 1991 e 2000, os ferimentos por PAF foram 34,0%
milhares de consultas médicas.1 mais onerosos e apresentaram uma razão de mortalidade
Apesar de o Brasil não ter conflitos armados em decor- de 9,7 óbitos a cada 100 internações.8 Segundo um estudo
rência de guerras, nem ser o país mais pobre da América estadunidense, realizado com base no período de 2010 a
Latina, ele figurou como sétimo colocado no ranking 2012, os custos médicos com vítimas de PAF resultaram em
mundial dos países campeões em homicídios no ano de um valor superior a 48 bilhões de dólares, considerando-se
2012. Dois anos antes, em 2010, foi o nono país com despesas médicas e absenteísmo no trabalho.9
maior número de homicídios por projéteis de armas de Devido ao impacto financeiro e social decorrente do
fogo (PAF), sendo sua população jovem a mais atingida.2,3 tratamento de vítimas por causas externas, o Ministério
Entre as violências fatais que acomenteram os brasi- da Saúde do Brasil implantou, em 2006, o Sistema de
leiros em 2012, predominaram os casos em que foram Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) em serviços
usadas armas de fogo (81,9%), e as vítimas, em sua sentinelas. Esse sistema tem como objetivos interpretar
maioria, foram adolescentes (10 a 19 anos) do sexo a relação das violências e acidentes e delinear o perfil
masculino (91,9%). Em 2013, a arma de fogo também desses casos atendidos em unidades de urgência e emer-
se destacou como um instrumento de prática de agressão gência, assim como subsidiar ações de enfrentamento dos
entre os adolescentes (10 a 19 anos) do país, sendo o condicionantes e determinantes das causas externas.10
meio usado para gerar lesões em 48,2% desses jovens No Brasil, a exemplo de vários países, a violência, na
internados no Sistema Único de Saúde (SUS). Seu uso maioria das vezes, é tratada como um problema exclu-
também foi frequente entre os adultos (20 a 59 anos), sivo de Segurança Pública, visto que esse setor oferece
referido em 20,5% das internações nessa faixa etária.4 respostas práticas de enfrentamento do problema pelas
instituições policiais. É possível perceber o equívoco
O Ministério da Saúde do Brasil dessa visão, que começa a sofrer transformações,
incluindo um gradativo reconhecimento do papel da
implantou, em 2006, o Sistema Saúde Pública no que tange à prevenção da violência.11
de Vigilância de Violências e Tendo em vista a importância de traçar estratégias mul-
Acidentes (Viva). tissetoriais para mitigar ou diminuir os incidentes violentos
causados por PAF que culminam em mortes ou sequelas para
Em 2012, Goiás encontrava-se no quarto lugar entre os as vítimas, sob a perspectiva da Saúde Pública, é fundamental
estados brasileiros com o maior número de homicídios, a que se analise a distribuição da violência e, principalmente,
uma taxa de 44,3 para cada 100 mil habitantes. A cidade que sejam identificados seus determinantes sociais.
de Goiânia, onde as taxas de óbito por PAF sempre esti- Este estudo propôs-se a descrever o perfil das vítimas
veram acima das taxas do estado, apresentou, em 2008, com ferimentos causados por PAF e o custo dos atendi-
uma súbita elevação desse evento com um acréscimo de mentos em uma instituição de referência no Centro-Oeste
9,1 casos em 100 mil habitantes, comparada com as 26,5 brasileiro, pertencente à Rede Viva Sentinela.
mortes (em 100 mil habitantes) ocorridas em 2007.2 No
ano de 2012, Goiânia foi a nona colocada entre as capitais Métodos
brasileiras em relação ao número de homicídios prati-
cados com armas de fogo na população geral e também Foi conduzido um estudo epidemiológico descritivo
entre os jovens, representando um crescimento na taxa no Hospital de Urgências de Goiânia, unidade integrante
de óbitos por PAF de 44,4% entre 2002 e 2012.5 O fato do programa Rede Viva Sentinela do Ministério da Saúde,
de essa cidade, capital do estado, apresentar taxas mais no período de janeiro a março de 2013.

608 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):607-616, jul-set 2016


Paulo Roberto Maciel e colaboradoras

O hospital escolhido para o estudo é um estabele- dores assalariados, trabalhadores da construção


cimento público, administrado por uma organização civil, empregados domésticos e produtores rurais,
social, e seus leitos são dedicados exclusivamente ao considerados economicamente ativos; e estudantes
Sistema Único de Saúde (SUS), constituindo um serviço e desempregados.
de referência no atendimento de urgências em traumas - Escolaridade: Ensino Fundamental incompleto; Ensino
na Região Metropolitana de Goiânia. A cidade de Goiâ- Fundamental completo; Ensino Médio incompleto;
nia, capital do estado de Goiás, parte do Centro-Oeste Ensino Médio completo; e Ensino Superior incompleto.
brasileiro, contava com uma população estimada em - Município de residência
1.430.697 habitantes no ano de 2015.12 - Declaração de ser usuário de álcool e/ou drogas ilí-
A amostra do estudo foi composta por vítimas com citas (independentemente de estar sob o efeito delas)
ferimentos causados por PAF admitidas no hospital. Fo- - Circunstâncias relacionadas ao evento que moti-
ram incluídas na pesquisa as 150 primeiras vítimas com vou o ferimento por PAF – uma questão aberta,
ferimentos causados por PAF que receberam atendimento posteriormente categorizada em: tráfico e dívida
na Unidade de Emergência do hospital, com idade igual de drogas ilícitas; rixas e vinganças por dívidas
ou superior a 18 anos, que necessitaram ou não de ci- não relacionadas a entorpecentes; assalto; desen-
rurgia, que se encontravam estáveis e orientadas auto e tendimentos/discussões; briga em local público;
alopsiquicamente, e que tinham indicação de internação desconhecimento do motivo; abordagem policial;
para tratamento clínico. A amostra foi selecionada por torcida organizada; insatisfação por serviços pres-
conveniência. Não houve sorteio dos turnos. A visita tados; e motivo passional.
diária era feita, prioritariamente, pela manhã e/ou tarde, A triagem e a coleta de dados por meio da entrevista
e excepcionalmente, no período noturno. foram realizadas, sempre que possível, em um único
A coleta dos dados ocorreu em três etapas. A primeira dia (na admissão ou após a estabilização clínica
etapa consistiu na triagem das vítimas que atendiam pós-cirúrgica), com o intuito de se evitar a perda
aos critérios de elegibilidade, feita a partir da leitura das informações devida à alta das vítimas. Em dias de
da ficha de admissão ou ficha de cadastro do usuário. múltiplas admissões no hospital, priorizou-se o convite,
Essa etapa foi realizada durante visita diária aos usuários a apresentação do Termo de Consentimento Livre e
admitidos no hospital. Esclarecido para assinatura e a entrevista. A obtenção
Após a triagem, na segunda etapa da pesquisa, os dos dados contidos nos prontuários dos participantes
usuários foram convidados a participar do estudo e, no do estudo ocorreu em dias posteriores à entrevista.
caso de sua anuência, foi-lhes requisitada a assinatura do Nos prontuários, foram obtidas informações sobre a
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido previamente à região do ferimento ocasionado por PAF e a condição
realização de uma entrevista com roteiro semiestruturado, clínica do paciente, elencadas a seguir.
desenvolvido pelos pesquisadores. A entrevista foi feita a) Local da lesão, variável posteriormente dividida
em uma única sessão, no próprio local da internação, nas seguintes categorias: tórax/dorso; abdômen;
com duração de 15 a 25 minutos. Alguns dados com- membro superior; membro inferior; crânio/facial;
plementares foram obtidos no prontuário do paciente. coluna vertebral; pescoço; e região lombar.
As variáveis coletadas durante a entrevista referiam- b) Diagnóstico inicial, posteriormente dividido nas
se a dados sociodemográficos dos participantes do seguintes categorias: maior complexidade; e menor
estudo, a saber: complexidade.
- Sexo c) Sequelas – após a coleta –, categorizadas em:
- Cor/raça neurológica (paresias e plegias); fonoaudiológica
- Idade, posteriormente categorizada nas seguintes (problemas de audição e/ou fala); gastrointestinal
faixas etárias, em anos: <20; 20 a 29; 30 a 39; 40 (colostomia); oftalmológica (perda de visão);
a 49; e ≥50. urológica (nefrectomia); vascular (lesão arterial);
- Renda mensal, utilizando as seguintes categorias, em e ortopédica (perda óssea).
salários mínimos: <1; 1≤2; >2; e não informado. A terceira etapa da coleta de dados foi realizada no
- Profissão, posteriormente dividida nas seguintes departamento de estatísticas do hospital, onde foram
categorias: trabalhadores autônomos, trabalha- obtidas as seguintes informações:

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):607-616, jul-set 2016 609


Perfil das vitimas com ferimentos por projeteis de arma de fogo

- Número total de atendimentos realizados no hospital cia da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás, sob o
no período do estudo e, a partir dele, o total de aten- Despacho nº 3.904/2012-GAB/SES, em 30 de agosto
dimentos às vítimas com ferimentos por PAF. de 2012. Todos os participantes assinaram o Termo
- Tempo de permanência hospitalar dos participantes de Consentimento Livre e Esclarecido.
do estudo, em dias.
- Total de óbitos ocorridos no período da pesquisa Resultados
e quantos deles estavam relacionados a ferimentos
ocasionados por PAF. No período selecionado para estudo, foi realizado um
- Valor faturado pela tabela do SUS sobre o custo assis- total de 15.864 atendimentos no Hospital de Urgências
tencial – medicamentos, materiais e serviços de saúde de Goiânia, 465 (2,9%) deles referentes a vítimas com
– em Reais, referentes às vítimas com ferimentos por ferimentos por PAF.
PAF incluídas no estudo; para evitar a subestimação O perfil das 150 vítimas com ferimentos por PAF
desse valor, foram excluídos do cálculo da média participantes do estudo é descrito na Tabela 1. Pre-
aritmética dos custos assistenciais desse perfil de dominaram indivíduos do sexo masculino (94,7%),
clientes os valores do faturamento dos participantes negros (72,0%), jovens entre 18 e 29 anos (67,3%),
da pesquisa que receberam alta a pedido, evadiram-se com idade média de 27,3 anos, renda mensal de até
do estabelecimento de saúde ou foram transferidos um salário mínimo (50,0%), economicamente ativos
para outro hospital. (69,3%), com escolaridade até o Ensino Fundamental
- Média aritmética simples dos custos faturados pela completo (53,4%) e residentes em Goiânia (50,0%).
tabela do SUS sobre os atendimentos realizados em Dos entrevistados, 80,0% afirmaram serem usuários
casos clínicos e os custos assistenciais de pacientes de álcool e/ou drogas ilícitas e entre esses, 36,7%
que necessitaram de cirurgias sem relação com referiram o uso de álcool e 66,7% o uso de drogas
causas externas. ilícitas. A maioria dos participantes que confirmaram
Para a obtenção de dados mais acurados e atuali- o uso de álcool e/ou drogas ilícitas encontrava-se na
zados, a terceira etapa da coleta de dados foi realizada faixa etária de 20 a 29 anos (54,2%).
no final do período de três meses, com exceção dos Quase metade (45,3%) das ocorrências foram rela-
dados referentes aos custos assistenciais das vítimas cionadas ao tráfico/dívidas de drogas ilícitas, seguidas
com ferimentos por PAF, que eram verificados após por rixas e vinganças por dívidas não relacionadas a
a análise do Departamento de Faturamento para a entorpecentes (18,7%) (Tabela 2).
obtenção do valor total da fatura gerada para ressar- Quanto ao tempo de permanência no hospital,
cimento pelo SUS. 69,3% das vítimas com ferimentos causados por PAF
Os dados foram tabulados e analisados pelo programa permaneceram no hospital até sete dias, sendo o tempo
Microsoft® Office Excel® 2010. Foram obtidas frequências médio de permanência de 8,6 dias (desvio-padrão de
absolutas e relativas, médias aritméticas simples, desvio- ± 9,8 dias) (Figura 1).
padrão e taxa de letalidade por ferimentos causados Os participantes do estudo que permaneceram
por PAF. O cálculo da taxa de letalidade hospitalar foi no hospital por no máximo sete dias apresentaram
realizado pela divisão entre o número de óbitos causados menor complexidade no diagnóstico inicial como,
por PAF e o número de vítimas com ferimentos por PAF por exemplo, ferimentos de (i) extremidades, sem
atendidas no hospital, multiplicado por 100. fratura, (ii) tórax e abdômen, sem penetração das
Com vistas ao cumprimento dos aspectos éticos cavidades torácica ou abdominal, (iii) tórax com
e legais necessários para pesquisa envolvendo seres penetração de cavidade, porém com realização de
humanos, preconizados pela Resolução do Conselho apenas drenagem torácica fechada, e (iv) abdômen
Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro com penetração em cavidade, porém sem lesar
de 2012, o projeto foi submetido e aprovado pelo intestino delgado, pâncreas, cólon ou reto, sem
Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Urgências que houvesse a necessidade de procedimentos
de Goiânia sob o Parecer nº 182.123/2013, em 24 de mais complexos. Entre os 8 (5,3%) usuários que
dezembro de 2012, sendo cadastrado na Plataforma tiveram um tempo de permanência no hospital igual
Brasil. O projeto de pesquisa também recebeu anuên- ou superior a 30 dias, constatou-se maior comple-

610 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):607-616, jul-set 2016


Paulo Roberto Maciel e colaboradoras

Tabela 1 – Perfil das vítimas com ferimentos causados por projéteis de arma de fogo (n=150) atendidas no
Hospital de Urgências de Goiânia, janeiro-março de 2013

Características n %
Sexo
Masculino 142 94,7
Feminino 8 5,3
Cor/raça
Branca 42 28,0
Negra 108 72,0
Faixa etária (em anos)
<20 26 17,3
20-29 75 50,0
30-39 32 21,4
40-49 14 9,3
≥50 3 2,0
Renda mensal (em salários mínimos)
<1 75 50,0
1≤2 39 26,0
>2 24 16,0
Não informado 12 8,0
Profissão
Trabalhadores autônomos 37 24,7
Trabalhadores assalariados 30 20,0
Trabalhadores da construção civil 25 16,7
Empregados domésticos 7 4,6
Produtores rurais 5 3,3
Estudantes 22 14,7
Desempregados 24 16,0
Escolaridade
Ensino Fundamental incompleto 52 34,7
Ensino Fundamental completo 28 18,7
Ensino Médio incompleto 43 28,7
Ensino Médio completo 23 15,3
Ensino Superior incompleto 4 2,6
Município de residência
Goiânia 75 50,0
Aparecida de Goiânia 41 27,4
Senador Canedo 8 5,3
Outros municípios de Goiás 24 16,0
Outros estados 2 1,3
Uso de álcool
Sim 55 36,7
Não 95 63,3
Uso de drogas ilícitas
Sim 100 66,7
Não 50 33,3

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):607-616, jul-set 2016 611


Perfil das vitimas com ferimentos por projeteis de arma de fogo

Tabela 2 – Circunstâncias relacionadas aos ferimentos causados por projéteis de arma de fogo segundo relato
das vítimas (n=150) atendidas no Hospital de Urgências de Goiânia, janeiro-março de 2013

Circunstâncias n %
Tráfico/dívidas de drogas ilícitas 68 45,3
Rixas e vinganças por dívidas não relacionadas a entorpecentes 28 18,7
Assalto 22 14,6
Desentendimentos/discussões 7 4,7
Briga em local público 7 4,7
Desconhecimento do motivo 6 4,0
Abordagem policial 5 3,3
Torcida organizada 5 3,3
Insatisfação por serviços prestados 1 0,7
Motivo passional 1 0,7

xidade no diagnóstico inicial e/ou ocorrência de entre 18 e 29 anos de idade,13-16 negros,2,14,16 com baixa
comorbidades associadas. renda mensal14,15,17,18 e economicamente ativos.19
As regiões do corpo mais acometidas nas vítimas A partir dos resultados do presente estudo, em con-
com ferimentos por PAF foram o tórax/dorso (42,0%), junto com a literatura, pode-se inferir que os homens
seguido pelo abdômen (37,3%) e membro superior se expõem às situações de riscos, como ferir-se com
(28,0%). Quarenta e duas vitimas (28,0%) apresen- armas de fogo em brigas, discussões e desentendi-
taram sequelas, sendo as mais frequentes: de ordem mentos, mais comumente do que as mulheres, e isso
neurológica, na forma de paresias e plegias (9,3%); está relacionado com sua forma de diversão, lazer e
fonoaudiológica, afetando a audição e/ou a fala (4,7%); tipo de trabalho, refletindo a cultura machista – ou
gastrointestinal, com a necessidade de colostomia sexista – predominante na sociedade brasileira.3,13,20,21
(4,7%); e oftalmológica, com perda da acuidade visual Pessoas de baixa renda são socialmente mais
(4,0%) (Tabela 3). vulneráveis. Suas condições básicas de vida são
Entre os participantes do estudo, 13 foram transfe- fragilizadas no que diz respeito, por exemplo, à segu-
ridos para outro hospital, 5 receberam alta a pedido e rança, emprego e educação, fatores que amplificam
2 evadiram-se da unidade hospitalar. A média de custo as chances de exposição a situações de risco capazes
assistencial das 130 vítimas com ferimentos por PAF de resultar em ferimentos por PAF.14,15,17,18,22,23 A baixa
que fizeram todo o tratamento clínico no Hospital de escolaridade, especialmente, é um dos fortes fatores
Urgências de Goiânia foi de R$1.291,93 (desvio-padrão associados à violência,18 e no presente estudo, mais da
de ± R$906,29). Na mesma época, os casos clínicos metade dos participantes relataram ter, no máximo,
atendidos tiveram um custo médio de R$600,00 por nove anos de escolaridade, o que corresponde ao
usuário, e cada internação cirúrgica não gerada por causas Ensino Médio incompleto.
externas constituiu uma despesa média de R$800,00. A violência urbana se apresenta com níveis mais
Ocorreram 332 óbitos no período do estudo. Desses elevados de vitimização nas capitais brasileiras, em
óbitos, 45 (13,5%) foram de vítimas com ferimentos por comparação ao número de ocorrência nas cidades
PAF, representando uma taxa de letalidade hospitalar do interior,2 e tem como principal alvo os jovens das
de 9,7%. Entre os 150 participantes do estudo, não regiões metropolitanas,3,15,22 dados compatíveis com
houve registro de óbito. os encontrados nesta pesquisa.
A maioria dos participantes que citaram o uso de
Discussão álcool e/ou drogas ilícitas corresponde à faixa etária
dos 18 aos 29 anos. Estudo realizado em todo o ter-
O perfil das vítimas com ferimentos causados por PAF ritório brasileiro,24 entre 2005 e 2006, aponta que
é semelhante aos achados de outros estudos, nos quais os adolescentes brasileiros experimentavam bebida
também predominaram indivíduos do sexo masculino,2,13 alcoólica aos 14 anos, em média, e iniciavam o uso

612 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):607-616, jul-set 2016


Paulo Roberto Maciel e colaboradoras

30
26
25

20
18
Número de vítimas

15
13 13 13

10
8

5
5 4 4 4
3 3
2 2 2 2 2
1 1 1 1 1 1
0
1

11

21

*44 a 61
*6 e 7

12
13
14
15
16

22
23

28

35
36
37

40

43

62
*29 a 34
2
3
4
5

*17 e 18
*19 e 20

*24 e 25
*26 e 27

*38 e 39

*41 e 42
*9 e 10

Dias de permanência hospitalar

* Número de vítimas em cada um dos dias de permanência hospitalar do intervalo sinalizado.

Figura 1 – Distribuição das vítimas com ferimentos causados por projéteis de arma de fogo (n=150) de acordo
com o tempo de permanência (em dias) no Hospital de Urgências de Goiânia, janeiro-março de 2013

dessa droga regularmente cerca de um ano mais tarde. ao achado da pesquisa do Paraná, onde predominaram
A mesma pesquisa24 indicou que as características lesões nos membros inferiores e tórax/dorso, nesta
relacionadas ao consumo do álcool variavam con- ordem.25 As vítimas analisadas pelo presente estudo
forme o sexo, classe social, renda familiar e tempo foram atingidas, em sua maioria, no abdômen em
de escolaridade dos usuários. Os autores ainda primeiro lugar, e logo na região do tórax/dorso.
afirmaram que entre os adolescentes, era frequente Quanto aos custos assistenciais de pacientes assistidos
o uso abusivo dessa substância. no Hospital de Urgências de Goiânia, verificou-se que
Assim como em outras investigações, a dependên- as internações dos usuários com lesões causadas por
cia de drogas ilícitas ou álcool surgiu como um fator PAF foram as que apresentaram o maior custo médio,
importante para a vulnerabilidade das vítimas atingidas quando comparadas às internações de usuários com
por PAF, bem como a associação com tráfico/dívidas entrada no estabelecimento de saúde por causas clí-
de drogas.11,17 nicas ou com indicações cirúrgicas não geradas por
A média do tempo de permanência hospitalar das causas externas.
vítimas com ferimentos por PAF encontrada (8,6 dias) O tratamento de pacientes com lesões é mais oneroso,
foi semelhante à relatada por estudo25 realizado no dada a necessidade de cirurgias e de procedimentos
estado do Paraná, Sul do Brasil, em 2007, e superior à diagnósticos por imagem, que são caros.26,27 Segundo
revelada em outras pesquisas.20,26 Os motivos associados investigação realizada no Brasil,27 no ano 2000, as
às longas estadas hospitalares foram o diagnóstico internações por causas externas apresentavam um
inicial de maior complexidade e/ou comorbidades custo médio nacional de R$503,70 e eram mais dis-
associadas, presentes em 5,3% dos usuários com pendiosas do que as internações por causas naturais,
permanência igual ou superior a 30 dias. No estudo estas com custos bastante inferiores aos encontrados
norte-americano, já citado, o tempo de permanência neste estudo sobre o atendimento de usuários com
hospitalar de vítimas com ferimentos por PAF (média lesões causadas por PAF.
de 4,8 dias) não diferiu do tempo de internação por Além de o tratamento dessas vítimas representar
outros motivos clínicos (média de 4,8 dias).20 um elevado gasto público, devem ser considerados os
Segundo o presente estudo, os ferimentos por PAF prejuízos econômicos gerados pelo absenteísmo desses
ocorridos nos membros superiores das vítimas corres- usuários em seus locais de trabalho, além de outros
ponderam ao terceiro local mais atingido, similarmente impactos sociais e psicológicos de difícil mensuração,

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):607-616, jul-set 2016 613


Perfil das vitimas com ferimentos por projeteis de arma de fogo

Tabela 3 – Regiões do corpo mais acometidas e sequelas decorrentes dos ferimentos causados por projéteis de armas
de fogo entre as vítimas (n=150) atendidas no Hospital de Urgências de Goiânia, janeiro-março de 2013

Variáveis n %
Regiões do corpo mais acometidas a
Tórax/dorso 63 42,0
Abdômen 56 37,3
Membro superior 42 28,0
Membro inferior 38 25,3
Crânio/facial 21 14,0
Coluna vertebral 11 7,3
Pescoço 9 6,0
Região lombar 2 1,3
Sequelas 42 28,0
Neurológica 14 9,3
Fonoaudiológica 7 4,7
Gastrointestinal 7 4,7
Oftalmológica 6 4,0
Urológica 4 2,6
Vascular 3 2,0
Ortopédica 1 0,7
a) Algumas vítimas tiveram mais de um ferimento causado por projéteis de arma de fogo.

o que faz com que os custos reais desses incidentes prontuários, impedindo um maior aprofundamento
sejam ainda maiores.28,29 na análise de outras possíveis variáveis, como o
A letalidade hospitalar devida às lesões causadas por diagnóstico inicial e procedimentos realizados. Mais
PAF – 9,7% – também merece destaque.26 A despeito de uma limitação foi o pedido de alta, evasão e transfe-
3,0% dos atendimentos prestados referirem agressões rência para outro hospital de 20 participantes, antes
por PAF, 14,0% de todos os óbitos ocorridos no período do período indicado para seu completo tratamento
analisado decorreram de lesões causadas por PAF. Se- clínico: tal fator, além de interferir no tempo de per-
gundo o estudo norte-americano que avaliou registros manência hospitalar das vítimas com ferimentos por
de internações relacionadas a PAF entre 2000 e 2010, PAF estudadas, comprometeu o cálculo dos custos
8,1% das vítimas internadas em função de ferimentos hospitalares, uma vez que esses usuários não foram
causados por PAF foram a óbito, e esse perfil de usuário incluídos nessa parte da análise.
apresentou um risco de morte 3,6 vezes maior do que Apesar de o estudo ter sido realizado em apenas um
outros tipos de internações.20 estabelecimento de saúde do município de Goiânia,
Como limitações deste estudo, destaca-se a amostra a partir de uma amostra por conveniência de 150
selecionada por conveniência. O fato de nenhuma das pacientes, seus achados corroboram os dados da
vítimas com ferimentos causados por PAF incluídas literatura nacional e internacional quanto ao perfil
no estudo ter ido a óbito, haja vista o critério de das vítimas com ferimentos causados por PAF e os
inclusão de participantes utilizado, no qual os par- custos da assistência hospitalar com esses usuários,
ticipantes deveriam estar estáveis e orientados auto e que tendem a ser superiores aos de outros perfis
alopsiquicamente, resulta em vies de sobrevivência. de pacientes.
Outro fator limitante do estudo é o possível viés de A violência se insere no contexto das relações
informação: parte dos dados foram coletados mediante sociais e seu estudo é fundamental para o planeja-
entrevista das vítimas com ferimentos por PAF. Ainda, mento de ações no âmbito de um sistema de saúde
foram encontradas dificuldades no que concerne à universal e integrado, como o SUS. Incidentes com
qualidade das informações dos dados obtidos dos vítimas de ferimentos causados por PAF significam

614 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):607-616, jul-set 2016


Paulo Roberto Maciel e colaboradoras

um importante problema de Saúde Pública, de taxa de mortalidade, na busca pela concientização da


escala mundial, que não obstante, está atrelado sociedade com enfase nas escolas, pelo desarmamento
a outros fatores importantes como uso/tráfico de e coibição do uso de armas de fogo por adolescentes,
drogas. Essas ocorrências também têm alta poten- principais vítimas dessa forma de violência.
cialidade de impacto na economia, ao incapacitar
jovens economicamente ativos, gerar altos custos Contribuição dos autores
com tratamentos e gastos com previdência social.
Faz-se necessário encontrar meios efetivos de pre- Maciel PR e Souza MR participaram da concepção
venção desse tipo de violência e estabelecer fatores e delineamento do estudo, análise e interpretação dos
protetivos, como estratégias e políticas públicas de dados, redação e revisão crítica relevante do conteúdo
segurança, inclusão social, incentivo à educação e intelectual do manuscrito.
promoção da saúde. Rosso CFW participou da análise e interpretação dos
Os resultados deste trabalho fornecem subsídios dados, redação e revisão crítica relevante do conteúdo
para a formulação de políticas públicas com o objetivo intelectual do manuscrito.
de desenvolver medidas de prevenção de violência por Todos os autores aprovaram a versão final do
armas de fogo, como a criação de campanhas pelos manuscrito e declaram serem responsáveis por todos
meios de comunicação social, expondo o número de os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão
vítimas de armas de fogo, seu perfil epidemiológico e e integridade.

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Artigo
original Morbidade materna grave identificada no Sistema de
Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, no
estado do Paraná, 2010*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300017

Severe maternal morbidity identified in the Hospital Information System


of the Brazilian National Health System in Paraná State, Brazil, 2010

Thaíse Castanho da Silva1


Patrícia Louise Rodrigues Varela2
Rosana Rosseto de Oliveira3
Thais Aidar de Freitas Mathias4

1
Centro Universitário Filadélfia, Departamento de Enfermagem, Londrina-PR, Brasil
2
Universidade do Estado do Paraná, Departamento de Enfermagem, Paranavaí-PR, Brasil
3
Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Maringá-PR, Brasil
4
Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Enfermagem, Maringá-PR, Brasil

Resumo
Objetivo: descrever a morbidade materna grave (near miss) entre mulheres no estado do Paraná, Brasil, em 2010.
Métodos: estudo descritivo com dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS); foram
incluídas todas as internações com diagnóstico principal contemplado no Capítulo XV da Classificação Estatística Internacional
de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – 10a Revisão – e/ou com registro de procedimentos obstétricos indicativos
de near miss; utilizaram-se três critérios definidores de morbidade materna grave. Resultados: foram identificadas 4.890
internações por morbidade materna grave, à taxa de 52,9 internações/1.000 partos, sendo 69,8/1.000 para mulheres de 35 a
39 e 356,6/1.000 para mulheres de 44 a 49 anos; as principais causas de internação foram pré-eclâmpsia (28,2%), hemorragia
grave (23,7%) e disfunção do sistema imunológico (14,0%). Conclusão: evidenciou-se a necessidade de dispensar maior
atenção às gestantes a partir de 35 anos de idade que apresentaram maiores taxas de near miss.
Palavras-chave: Mortalidade Materna; Morbidade; Complicações na Gravidez; Registros Hospitalares; Epidemiologia Descritiva.

Abstract
Objective: to describe near miss maternal morbidity among women living in Paraná State, Brazil, in 2010. Methods:
this was a descriptive study using Hospital Information System of the Brazilian National Health System (SIH/SUS) data
on all hospital admissions with primary diagnosis falling under Chapter XV of the International Statistical Classification
of Diseases and Related Health Problems 10th Revision and/or with records of obstetric procedures indicative of near
misses; three criteria were used to define severe maternal morbidity. Results: 4,890 admissions owing to near miss
were identified, with a rate of 52.9 hospitalizations per 1,000 births, a rate of 69.8/1,000 among women aged 35-39
and a rate of 356.6/1,000 among women aged 44-49; the leading causes of hospitalization were preeclampsia (28.2%),
severe bleeding (23.7%) and immune system dysfunction (14.0%). Conclusion: the results indicate the need to pay
greater attention to women aged 35 and over since they had higher rates of near miss.
Key words: Maternal Mortality; Morbidity; Pregnancy Complications; Hospital Records; Epidemiology Descriptive.

*Artigo proveniente da dissertação de Mestrado de Thaíse Castanho da Silva, intitulada ‘Morbidade Materna e Morbidade
Materna Grave (near miss): análise das internações financiadas pelo Sistema Único de Saúde’, defendida junto ao Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá em 2011.

Endereço para correspondência:


Rosana Rosseto de Oliveira – Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Av.
Colombo, no 5790, Jardim Universitário, Maringá-PR, Brasil. CEP: 87020-900
E-mail: rosanarosseto@gmail.com

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Morbidade materna grave identificada no SIH/SUS

Introdução e, passadas quase três décadas, ainda não existe uma


definição teórico-operacional clara e consensual sobre
A morbidade materna grave, também conhecida o evento.10-11 Estudos apontam que as principais causas
como near miss, é um evento de quase morte causado de near miss são as urgências hipertensivas, seguidas
por complicações graves ocorridas com a mulher du- de hemorragias e sepse.9,12
rante a gravidez, parto ou puerpério.1 Utilizado como Na busca de um consenso sobre morbidade materna
indicador de desenvolvimento em diversos países,2 o grave, a Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio
monitoramento de near miss pode ser considerado de seu Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa,
uma ferramenta para a prevenção da morbimortalidade em trabalho conjunto com outras organizações e contando
materna, uma vez que identificar esses casos pode ser com o apoio da Fundação Bill & Melinda Gates, montou
uma importante estratégia alternativa e complementar o Grupo de Trabalho Morbidade Materna (MMWG),13
para reduzir a ocorrência de mortes maternas.3 que definiu morbidade materna como ‘qualquer con-
Idade menor que 20 anos ou 35 anos e mais, raça/ dição de saúde atribuída e/ou agravada pela gravidez e
cor da pele preta, sem companheiro e/ou com padrão parto que tem um impacto negativo sobre o bem-estar
socioeconômico mais baixo são características que da mulher’. Este conceito será incluído na 11ª Revisão
podem indicar segmentos da população feminina da Classificação Estatística Internacional de Doenças e
mais vulneráveis à ocorrência de complicações no Problemas Relacionados à Saúde.13
período gestacional.4
A mortalidade de mulheres por causas obstétricas
apresentou declínio no mundo, a partir da década de O monitoramento de near miss pode
1990.5 No Brasil, apesar da redução de 52% nas taxas de ser considerado uma ferramenta para
mortalidade materna, de 120 óbitos maternos por 100 a prevenção da morbimortalidade
mil nascidos vivos (NV) em 1990 para 58/100 mil NV em materna, uma vez que identificar esses
2008, a meta estipulada pelos Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio – 35 óbitos por 100 mil NV para o ano de
casos pode ser uma importante estratégia
2015 – todavia não foi atingida.5 Existem variações nas alternativa e complementar para reduzir
taxas entre as grandes regiões do país, desde 69,0 no a ocorrência de mortes maternas.
Nordeste e 62,5 no Norte, até 47,2 no Sudeste e 44,4 no
Sul, referentes a 2011.6 Neste mesmo ano, o estado do Considerando-se que os óbitos de mulheres durante
Paraná apresentou a maior taxa de mortalidade materna a gravidez, parto e puerpério representam apenas a
entre os estados da região Sul do país (51,7 por 100 mil “ponta do iceberg” das condições de saúde da mulher,
NV); Santa Catarina apresentou 25,2 por 100 mil NV, e o e a escassez de estudos sobre morbidade materna grave
Rio Grande do Sul, taxa de 48,7 por 100 mil NV.6 que abordem as várias regiões do país, a identificação
No ano de 2014, estudo de base populacional re- das complicações graves decorrentes pode ser um ca-
alizado em Natal-RN encontrou taxa de near miss de minho no sentido de melhorar a qualidade da atenção
41,1/1.000 NV.7 Outra pesquisa, realizada em Recife- à saúde da mulher brasileira no período reprodutivo.
-PE, sobre dados de 225 prontuários de internações Nesse sentido, o Sistema de Informações Hospitalares
em unidade de terapia intensiva (UTI) durante os anos do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) pode ser uma
de 2007 a 2010, apresentou taxa de 12,8/1.000 NV.8 fonte de informação valiosa na identificação e vigilância
Para, de fato, melhorar a qualidade de vida das dos casos de morbidade materna grave.14
mulheres durante a gravidez, parto e puerpério, e Este estudo teve por objetivo descrever a morbidade
diminuir a morbimortalidade materna até atingir as materna grave – near miss – entre mulheres residentes
metas estabelecidas pelos Objetivos de Desenvolvi- no estado do Paraná, Brasil, em 2010.
mento do Milênio, é necessário o monitoramento e
conhecimento das complicações possíveis de ocorrer Métodos
durante esse período.9
As primeiras pesquisas sobre morbidade materna Estudo descritivo, sobre dados do Sistema de Infor-
grave ou near miss começaram na década de 1990 mações Hospitalares do Sistema Único de Saúde – SIH/

618 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):617-628, jul-set 2016


Thaíse Castanho da Silva e colaboradoras

SUS. Foram considerados os registros de internações tricos da classificação do Sistema de Gerenciamento


de mulheres de 10 a 49 anos de idade, residentes no da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órteses,
estado do Paraná, no ano de 2010. Próteses e Materiais Especiais do SUS (SIGTAP),21
O SIH/SUS é um sistema de informações coordenado que unifica e padroniza os códigos de procedimentos
pelo Ministério da Saúde com a finalidade adminis- do SIH/SUS e do Sistema de Informações Ambulato-
trativa de pagamento das internações ocorridas em riais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS). Para o
hospitais públicos ou conveniados. O sistema tem presente estudo, fez-se necessária a atualização de
como documento-base a Autorização de Internação alguns procedimentos - objeto de alteração pela nova
Hospitalar (AIH), preenchida com informações de classificação SIGTAP, conforme consta na quarta e
outros documentos, como o laudo médico e o pron- quinta colunas da Figura 2.
tuário hospitalar do paciente.14-15 Foram excluídas as internações com procedimen-
O estado do Paraná, localizado na região Sul do to para hemorragia grave (critério de Waterstone e
Brasil, cobre uma área geográfica de 199.880 km2 e cols.20), uma vez que o código atualizado relativo a
constitui-se de 399 municípios. Em 2014, enquanto esse procedimento inclui o conjunto das internações
Unidade da Federação, era a quarta maior economia com procedimentos para tratamento de intercorrências
do país, responsável por 6,3% do produto interno clínicas na gravidez, não discriminando a gravidade
bruto nacional e com um índice de desenvolvimento dessas intercorrências. O fato de considerar esse
humano (IDH) da ordem de 0,749.16 procedimento poderia incluir qualquer intercorrência,
O processo de construção do banco de dados do mesmo não sendo indicativa de morbidade materna
estudo foi realizado, primeiramente, com a seleção de grave. Entretanto, foram selecionadas todas as inter-
todas as internações de mulheres residentes no Paraná, nações por hemorragia grave no diagnóstico principal
ocorridas de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2010. de internação.
Em seguida, foram selecionadas aquelas mulheres de Importante ressaltar que as internações por morbi-
10 a 49 anos de idade, com diagnóstico principal ou dade materna grave foram identificadas e selecionadas
secundário contemplado no Capítulo XV – Gravidez, do grupo das internações por morbidade materna à
parto e puerpério (códigos O00 a O99) – da Décima medida que os critérios e marcadores eram aplicados,
Revisão da Classificação Estatística Internacional de não havendo possibilidade de duplicação.
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).17 A taxa de morbidade materna grave – near miss – foi
Para seleção das internações por morbidade materna calculada pela razão entre o número de internações
grave, foi utilizada a classificação proposta por Sousa indicativas de morbidade materna grave e o número
e colaboradores,18 baseada nos critérios ou marcado- de partos, multiplicada por 1.000. No denominador,
res estabelecidos por Mantel e cols.19 e Waterstone e foi considerado o número de partos identificados
cols.,20 complementados com critérios/marcadores e no banco de dados, segundo o diagnóstico principal
procedimentos constantes no banco de dados do SIH/ constante no SIH/SUS, e não o número de nascidos
SUS. Os critérios de Mantel e cols.19 incluem condições vivos, uma vez que o Sistema de Informações sobre
características de disfunção orgânica dos órgãos e Nascidos Vivos (Sinasc) não permite distinguir entre
sistemas do corpo humano, além de procedimentos nascimentos por partos financiados pelo Sistema Único
relacionados ao cuidado. Os critérios de Waterstone de Saúde e nascimentos não financiados pelo SUS; para
e cols.20 incluem diagnósticos clínicos das condições este estudo, foram analisadas apenas as internações
patológicas mais frequentes, como pré-eclâmpsia grave, financiadas pelo SUS.
hemorragia grave, sepse grave e ruptura uterina. Por sua Frequências absolutas e relativas das internações
vez, Sousa e cols.18 acrescentaram diagnósticos como por morbidade materna grave foram descritas segundo
abdômen agudo, doença pelo vírus da imunodeficiência critérios ou marcadores mais frequentes. A idade foi
humana (HIV) e outros procedimentos realizados – estratificada em intervalos de 5 anos, e também nas
alguns destes cirúrgicos (Figura 1). seguintes faixas de idade, 10 a 19, 20 a 34 e 35 a 49
Para seleção das internações pelos códigos dos anos, com o propósito de estimar a frequência e as
procedimentos realizados durante a internação da taxas de morbidade materna grave segundo faixas
mulher, utilizou-se a tabela de procedimentos obsté- etárias mais agregadas.

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Classificação de Mantel e colaboradores19

620
A.1 Condições do sistema orgânico
Caracterização genérica de procedimentos
Critérios/marcadores Caracterização genérica de diagnósticos [Códigos CID-10]
Procedimento Procedimento atualizadoa Código
- Edema agudo de pulmão; embolias 03.03.06.013-1
ou enfartes pulmonares. - Tratamento de edema agudo de pulmão; tratamento de embolia 03.03.06.014-0
1. Disfunção cardíaca Edema pulmonar [J81] - Insuficiência cardíaca; crise pulmonar. 03.03.06.021-2
1.1. Edema pulmonar Cardiomiopatia; insuficiência cardíaca congestiva [I11.0; hipertensiva; cardiopatia - Tratamento de insuficiência cardíaca; tratamento de crise 03.03.06.010-7
1.2. Parada cardíaca I42.0; I42.1; I42.8; I42.9; I43.8; I46; I46.0; I46.9; I50.0; I50.1; congênita com insuficiência hipertensiva; tratamento de malformações congênitas por 03.03.11.004-0
I50.9; O75.4; O90.3; R57.0] cardíaca; arritmias; choque por aparelho circulatório; tratamento de arritmias; tratamento de 03.03.06.002-6
cardiovasculopatia; hipertensão hipertensão secundária 03.03.06.018-2
maligna
2. Disfunção vascular
2.1 Hipovolemia Choque hipovolêmico; depleção de volume [E86; O75.1; R57.1;
necessitando de 5 ou + R57.9; T81.1]
un. sangue
Morbidade materna grave identificada no SIH/SUS

3. Disfunção Infecção; septicemia; aborto complicado por infecção do trato


imunológica genital - Infecção da parede abdominal
3.1 Admissão ao cuidado Peritonite; salpingite [A02.1; A22.7; A26.7; A32.7; A40; A40.0; pós-cesariana Tratamento de complicações relacionadas predominantemente 03.03.10.001-0
intensivo por sepse A40.1; A40.2; A40.3; A40.8; A40.9; A41; A41.0; A41.1; A41.2; - Infecção do parto e do puerpério ao puerpério; tratamento de outras doenças bacterianas; 03.03.01.003-7
A41.3; A41.4; A41.5; A41.8; A41.9; A42.7; A54.8; B37.7; K35.0; - Septicemia (clínica médica) tratamento de doenças inflamatórias dos órgãos pélvicos 03.03.15.003-3
K35.9; K65.0; K65.8; K65.9; M86.9; N70.0; N70.9; N71.0; N73.3;
3.2 Histerectomia de - Anexite aguda femininos; tratamento de doenças do peritônio 03.03.07.008-0
N73.5; O03.0; O03.5; O04.0; O04.5; O05.0; O05.5; O06.0;
emergência por sepse - Peritonite pós-cesariana; Peritonite
O06.5; O07.0; O07.5; O08.0; O08.2; O08.3; O41.1; O75.3; O85;
O86; O86.0; O86.8; O88.3; T80.2]
4. Disfunção respiratória
4.1 Intubação e
ventilação por + 60 min, Insuficiência respiratória; parada respiratória; embolia
exceto anestesia geral pulmonar Insuficiência respiratória aguda Tratamento de outras doenças do aparelho respiratório 03.03.14.013-5
4.2 Saturação O2<90% Aborto complicado por embolia[I26.9; J80; J96; J96.0; J96.9;
por + 60 min. O03.7; O04.7; O05.2; O06.2;O06.7; O88.1; R09.2]
4.3 Relação Pa O2/ Fi
O2≤3

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5. Disfunção renal
5.1 Oligúria definida Insuficiência renal consequente a aborto [O08.4; R34]
como <400 ml/24h
5.2 Deterioração aguda
da ureia para >15 Insuficiência renal aguda [E72.2; I12.0; I13.1; I13.2; N17; N17.0; Insuficiência renal aguda Tratamento de insuficiência renal aguda 03.05.02.004-8
mmoL/l ou de creatinina N17.1; N17.2; N17.8; N17.9; N18.0; O08.4; O90.4]
para >400 mmoL/l
Continua
Figura 1 – Diagnósticos de internação segundo a Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-
10) e procedimentos realizados, utilizados na seleção das internações por morbidade materna grave (near miss)
Classificação de Mantel e colaboradores19
A.1 Condições do sistema orgânico
Caracterização genérica de procedimentos
Critérios/marcadores Caracterização genérica de diagnósticos [Códigos CID-10]
Procedimento Procedimento atualizadoa Código
6. Disfunção do fígado
6.1 Icterícia na presença Transtornos do fígado. Hepatite viral complicando a gravidez, Nenhum procedimento encontrado
de pré-eclâmpsia o parto e o puerpério [K72; K72.0; K72.9; O26.6; O98.4]
7. Disfunção metabólica Diabetes mellitus com coma ou cetoacidose [E10.0; E10.1;
7.1 Cetoacidose E11.0; E11.1; E12.0; E12.1; E13.0; E13.1; E14.0; E14.1]
diabética
Tireotoxicose. Distúrbios metabólicos consequentes a aborto
7.2 Crise da tireoide [E05; E05.0; E05.1; E05.2; E05.3; E05.4; E05.5; E05.8; E05.9; Disfunção tireoidiana. Tireotoxicose. Tratamento de transtornos da glândula tireoide 03.03.03.005-4
E06.0; E07; E07.8; E07.9; O08.5]
8. Disfunção de
coagulação Coagulação intravascular disseminada; deficiências de
8.1 Trombocitopenia coagulação [D65; D68; D68.9; D69.4; D69.5; D69.6; D82.0; Púrpura trombocitopênica Tratamento de defeitos da coagulação púrpura e outras afecções 03.03.02.006-7
aguda necessitando de O45.0; O72.3] hemorrágicas
transfusão de plaquetas
9. Disfunção cerebral
9.1 Coma por mais de
12h
Hemorragia intracerebral. AVC. Trombose venosa cerebral na
9.2 Hemorragia gravidez [G93.6; I60; I60.0; I60.1; I60.2; I60.3; I60.4; I60.5; Tratamento conservador da
subaracnoide ou I60.6; I60.7; I60.9; I61; I61.0; I61.1; I61.2; I61.3; I61.4; I61.5; hemorragia cerebral Tratamento conservador de traumatismo cranioencefálico grave 03.03.04.010-6
intracerebral I61.6; I61.8; I61.9; I64; I69.1; O22.5]
A.2 Itens baseados no manejo
10. Admissão à UTI Total de dias de UTI durante a
10.1 Por qualquer internação (campo ‘Uti_mes3’)
razão
11. Histerectomia de Histerectomia total ou subtotal. 04.09.06.013-5
total. Histerectomia subtotal. Histerectomia com
emergência Histerectomia com anexectomia uni Histerectomia 04.09.06.012-7
11.1 Por qualquer razão ou bilateral. Histerectomia puerperal. anexectomia uni ou bilateral. Histerectomia puerperal. 04.09.09.011-9

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12. Acidentes
anestésicos
12.1 Hipotensão severa Complicações pulmonares de anestesia administrada durante
associada à anestesia a gravidez, parto ou puerpério [O29; O29.0; O29.1; O29.2;
epidural ou raquidiana O29.3; O29.5;O29.8; O29.9; O74; O74.0; O74.1; O74.2; O74.3;
O74.4; O74.6; O74.8; O74.9; O89; O89.0; O89.1; O89.2; O89.3;
12.2 Falha na intubação O89.5; O89.8; O89.9; T88.2; T88.3; T88.5]
traqueal, necessitando
de reversão anestésica.
Continua
Figura 1 – Continuação

621
Thaíse Castanho da Silva e colaboradoras
622
Classificação de Waterstone e colaboradores20
Caracterização genérica de procedimentos encontrados
Critérios/marcadores Caracterização genérica de diagnósticos [Códigos CID-10]
Procedimento antigo Procedimento novo
Pré-eclâmpsia moderada, grave ou não especificada. Distúrbio
1. Pré-eclâmpsia grave hipertensivo pré-existente com proteinúria superposta [O11; O14.0; Pré-eclâmpsia grave Tratamento de edema, proteinúria e transtornos hipertensivos na 03.03.10.003-6
gravidez parto e puerpério
O14.1; O14.9]
Eclâmpsia na gravidez, no trabalho de parto ou no puerpério [O15; Parto com eclâmpsia. Tratamento de eclâmpsia. Tratamento de edema, proteinúria e
2. Eclâmpsia 03.03.10.002-8
O15.0; O15.1; O15.2; O15.9] Eclâmpsia. transtornos hipertensivos na gravidez, parto e puerpério
3. Síndrome HELLPc
Aborto complicado por hemorragia excessiva ou tardia. Placenta
prévia com hemorragia. Descolamento prematuro da placenta 03.03.10.004-4
4. Hemorragia grave [D62; O03.1; O03.6; O04.1; O04.6; O05.1; O05.6; O06.1; O06.6; O07.1; Hemorragias da gravidez Tratamento de intercorrências clínicas na gravidez EXCLUÍDO ESTE
O07.6;O08.1; O44.1; O45.0; O45.8; O45.9; O46; O46.0; O46.8; O46.9; CÓDIGO b
O67.0; O67.8; O67.9; O69.4; O72; O72.0; O72.1; O72.2]
Infecção. Septicemia. Aborto complicado por infecção do trato
Morbidade materna grave identificada no SIH/SUS

genital. Infecção da parede abdominal


Peritonite. Salpingite [A02.1; A22.7; A26.7; A32.7; A40; A40.0; A40.1; pós-cesariana. Infecção Tratamento de complicações relacionadas predominantemente 03.03.10.001-0
A40.2; A40.3; A40.8; A40.9; A41; A41.0; A41.1; A41.2; A41.3; A41.4; do parto e do puerpério. ao puerpério. Tratamento de outras doenças bacterianas. 03.03.01.003-7
5. Sepse grave
A41.5; A41.8; A41.9; A42.7; A54.8; B37.7; K35.0; K35.9; K65.0; K65.8; Septicemia (clínica médica). Tratamento de doenças inflamatórias dos órgãos pélvicos 03.03.15.003-3
K65.9; M86.9; N70.0; N70.9; N71.0; N73.3; N73.5; O03.0; O03.5; O04.0; Anexite aguda. Peritonite pós- femininos. Tratamento de doenças do peritônio 03.03.07.008-0
O04.5; O05.0; O05.5; O06.0; O06.5; O07.0; O07.5; O08.0; O08.2; O08.3; cesariana. Peritonite.
O41.1; O75.3; O85; O86; O86.0; O86.8; O88.3; T80.2]
Ruptura do útero antes ou durante o trabalho de parto. Ruptura da
6. Ruptura uterina incisão de cesariana [O71.0; O71.1; O90.0]
Classificação de Waterstone e colaboradores20
Caracterização genérica de procedimentos encontrados
Critérios/marcadores Caracterização genérica de diagnósticos [Códigos CID-10]
Procedimento antigo Procedimento novo
1. Abdômen agudo Abdômen agudo [R10.0]
2. Doença pelo HIV d Doença pelo HIV resultando em doenças infecciosas [B20; B20.0; ⎯

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):617-628, jul-set 2016


B20.1; B20.4; B20.8; B20.9]
Cirurgia múltipla. Laparotomia 04.15.01.001-2
3. Outros exploradora. Laparotomia Tratamento por cirurgias múltiplas. Laparotomia exploradora. 04.07.04.016-1
procedimentos para histerorrafia. Tratamento Histerorrafia. Tratamento cirúrgico de inversão uterina aguda 04.11.01.008-5
cirúrgicos cirúrgico da inversão uterina pós-parto 04.09.06.016-0
aguda pós-parto
a) Tabela de procedimentos obstétricos da classificação do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órteses, Próteses e Materiais Especiais do Sistema Único de Saúde – SIGTAP21
b) De acordo com os critérios de Mantel e cols.,19 Waterstone e cols.20 e Sousa e cols.18
c) HELLP: Hemólise, enzimas hepáticas elevadas, baixa contagem de plaquetas.
d) HIV: Vírus da Imunodeficiência Humana
Figura 1 – Continuação
Thaíse Castanho da Silva e colaboradoras

Internações hospitalares de mulheres residentes no estado do


Paraná, de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2010:
800.704

Internações de mulheres de 10 a 49 anos de idade:


246.048

Internações com diagnóstico principal de Internações com diagnóstico principal de


gravidez, parto e puerpério (Capítulo XV): outros capítulos da CID-10:
111.409 134.639

Internações por partos com Internações por outros Internações com Diagnóstico
intercorrências: a motivos – Capítulo XV: secundário – Capítulo XV: b
141 34.472 534

Internações por morbidade materna:


35.147

Internações por morbidade materna grave:


4.890

Admissão em unidade de Procedimentos


Diagnóstico principal: Diagnóstico secundário:
terapia intensiva: obstétricos:
4.225 25
216 424

a) Partos com admissão em unidade terapia intensiva (UTI) e/ou procedimentos realizados indicativos de intercorrência e/ou óbito hospitalar.
b) Internações com diagnóstico secundário no Capítulo XV da 10a Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) – Gravidez, parto e puerpério
– e com procedimentos realizados indicativos de intercorrência.

Figura 2 – Processo de identificação e seleção das internações hospitalares do Sistema de Informações


Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) por morbidade materna grave no estado do
Paraná, 2010

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de e 34.472 internações por outros motivos. Das inter-
Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá/ nações com diagnóstico principal em outros capítulos
PR (UEM): Parecer nº 093/2011. da CID-10, foram selecionadas 534 com diagnóstico
secundário de gravidez, parto e puerpério, totalizando
Resultados 35.147 internações por morbidade materna. Destas,
foram selecionadas 4.890, das quais 4.225 pelo diag-
Do total de 111.409 internações com diagnóstico nóstico principal, 216 por admissão em UTI, 25 pelo
principal de gravidez, parto ou puerpério, foram se- diagnóstico secundário e 424 pelos procedimentos
lecionadas 141 internações por parto com menção de obstétricos realizados durante a internação. O fluxo-
admissão em UTI e/ou com intercorrências e/ou óbitos grama do estudo está ilustrado na Figura 2.

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):617-628, jul-set 2016 623


Morbidade materna grave identificada no SIH/SUS

Para o cálculo da taxa de morbidade materna grave, critérios de Waterstone e cols. permitiram identificar mais
foram contabilizados no denominador 92.397 partos, casos de morbidade materna grave – 3.539 internações
sendo 76.936 com diagnóstico principal de internação – quando comparado com os critérios de Mantel e cols.,
por parto e 15.461 com menção da realização de parto que indicaram 1.265 internações, e com os critérios
nos procedimentos realizados. Em 2010, a taxa de mor- de Sousa e cols., estes a indicar 86 internações. Entre
bidade materna grave para o estado do Paraná era de os critérios utilizados, não houve igualdade de itens
52,9 internações para cada 1.000 partos. Naquele ano, avaliados quanto aos códigos (Tabela 1).
observaram-se maiores taxas de morbidade materna
grave para mulheres nas faixas etárias mais elevadas, que Discussão
chegaram a 356,6 internações para cada 1.000 partos em
mulheres de 45 a 49 anos, enquanto para as mulheres de O presente estudo mostrou que a taxa de internações
20 a 24 anos, essa taxa foi de 41,2; e para as de 15 a 19 por morbidade materna grave no estado do Paraná foi
anos, de 37,7 internações por 1.000 partos (Figura 3). maior nas mulheres com idades a partir de 35 anos, e que
As principais causas de morbidade materna grave as principais causas de internação foram pré-eclâmpsia,
foram a pré-eclâmpsia, com 14,9 internações por hemorragia grave e disfunção do sistema imunológico.
1.000 partos, seguida de hemorragia grave (12,5/1.000 A taxa de morbidade materna grave do estado do
partos), disfunção do sistema imunológico (7,4/1.000 Paraná foi superior às estimativas das taxas de morbidade
partos), sepse grave (5,5/1.000 partos) e eclâmpsia materna grave apresentadas por estudo de revisão de
(5,1/1.000 partos). Em relação às principais causas de pesquisas realizadas entre 2004 e 2010, dirigidas aos
morbidade materna grave por faixa etária, encontrou- países da África, Ásia e América Latina.22 Na cidade de
-se a hemorragia grave na idade de 10 a 19 anos, com Juíz de Fora-MG, uma pesquisa baseada em dados do
11,1 internações por 1.000 partos, e pré-eclâmpsia nos SIH/SUS de 2006-2007 identificou 326 mulheres com
estratos de 20 a 34 anos (15,9/1.000 partos) e 35 a 49 internações por morbidade materna grave, à taxa de
anos (23,4/1.000 partos). Considerando-se todas as 37,8/1.000 partos.23
faixas etárias analisadas, mulheres com 35 a 49 anos Neste trabalho, o achado de maior taxa de internações
apresentaram a maior taxa de morbidade materna por morbidade materna grave entre mulheres de maior
grave: 88,6 internações por 1.000 partos (Tabela 1). idade corrobora estudo realizado na cidade do Rio de
Houve diferença na identificação de casos de morbidade Janeiro-RJ em 2009, que encontrou maior frequência
materna grave, de acordo com os critérios utilizados. Os de near miss na faixa etária acima dos 30 anos (34,8).9

400
356,6
350

300

250
Taxa

200

150
88,0
100 69,8
45,2 46,5 55,6
37,7 41,2
50

0
10 a 14 15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49

Idade (em anos)

Figura 3 – Taxa de morbidade materna grave – near miss – por 1.000 partos, segundo faixa etária, no estado
do Paraná, 2010

624 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):617-628, jul-set 2016


Thaíse Castanho da Silva e colaboradoras

Tabela 1 – Internações hospitalares por morbidade materna grave – near miss –, segundo critérios/
marcadores e idade, no estado do Paraná, 2010

Idade (em anos)


Critérios/marcadores 10 a 19 20 a 34 35 a 49 Total
N % Taxa a
N % Taxa a
N % Taxa a
N % Taxa a
Mantel e colaboradores 19

Disfunção cardíaca 73 7,1 3,1 156 5,0 2,6 25 3,3 3,0 254 5,2 2,7
Disfunção vascular 1 0,1 – – – – – – – 1 – –
Disfunção do sistema imunológico 170 16,6 7,2 422 13,6 7,0 93 12,4 11,0 685 14,0 7,4
Disfunção respiratória 3 0,3 0,1 4 0,1 0,1 – – – 7 0,1 0,1
Disfunção do fígado – – – – – – 1 0,1 0,1 1 – –
Disfunção de coagulação 10 1,0 0,4 25 0,8 0,4 4 0,5 0,5 39 0,8 0,4
Disfunção cerebral – – – 2 0,1 – – – – 2 – –
Admissão em UTI b
51 5,0 2,2 131 4,2 2,2 34 4,5 4,0 216 4,4 2,3
Histerectomia 1 0,1 – 9 0,3 0,1 47 6,3 5,5 57 1,2 0,6
Acidentes anestésicos 2 0,2 0,1 1 – – – – – 3 0,1 –
Waterstone e colaboradores20
Pré-eclâmpsia 221 21,5 9,4 958 30,8 15,9 198 26,4 23,4 1.377 28,2 14,9
Eclâmpsia 103 10,0 4,4 303 9,7 5,0 65 8,7 7,7 471 9,6 5,1
Hemorragia grave 262 25,5 11,1 729 23,4 12,1 167 22,3 19,7 1.158 23,7 12,5
Sepse grave 118 11,5 5,0 311 10,0 5,2 81 10,8 9,6 510 10,4 5,5
Ruptura uterina 6 0,6 0,3 8 0,3 0,1 9 1,2 1,1 23 0,5 0,2
Sousa e colaboradores18, c
Outros procedimentos cirúrgicos 5 0,5 0,2 55 1,8 0,9 26 3,5 3,1 86 1,8 0,9
Total 1.026 100,0 43,5 3.114 100,0 51,6 750 100,0 88,6 4.890 100,0 52,9
a) Taxa de morbidade materna grave, calculada pela razão entre o número de internações indicativas de morbidade materna grave por 1.000 partos.
b) UTI: unidade de terapia intensiva
c) Sousa e cols.18 – abdômen agudo, doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e alguns procedimentos cirúrgicos

Aqui, em relação aos critérios de Mantel e cols.19 e transfusão sanguínea (11,3/1.000 partos) e histerec-
Waterstone e cols.,20 encontrou-se, como causas mais tomia (2,3/1.000 partos).7
frequentes de internações indicativas de morbidade Em uma revisão sistemática sobre a prevalência de
materna grave, a pré-eclâmpsia (28,2%), seguida de morbidade materna grave, foram encontrados 33 estudos,
hemorragia grave (23,7%) e disfunção do sistema realizados entre 1999 e 2010, apontando a histerectomia
imunológico (14,0%). No estudo de Sousa e cols.,18 de emergência como critério de diagnóstico de near
realizado com dados do SIH/SUS de 2002, ao abordar miss. A mesma revisão mostrou que países de baixa e
todas as capitais brasileiras utilizando-se dos critérios média renda, a exemplo da maioria daqueles situados
de Waterstone e de Mantel, ademais de acrescentar na Ásia e na África, possuem as taxas de morbidade
mais três critérios (abdômen agudo, doença pelo HIV materna grave mais elevadas,22 corroborando dados da
e alguns procedimentos cirúrgicos), os resultados Organização Mundial da Saúde – OMS –: cerca de 536
foram diferentes, com maior incidência da disfunção mil mulheres morrem todos os anos por complicações
do sistema imunológico em relação à hemorragia gra- durante a gravidez, e 99% dessas mortes ocorrem em
ve.18 No ano de 2014, inquérito de base populacional países de baixa e média renda.24
realizado em Natal-RN identificou, como marcadores A partir da análise detalhada de cada critério adotado
para morbidade materna grave, a internação em UTI na seleção dos diagnósticos indicativos de morbidade
(19,1/1.000 partos), eclâmpsia (13,5/1.000 partos), materna grave, com a utilização do percentual total de

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):617-628, jul-set 2016 625


Morbidade materna grave identificada no SIH/SUS

cada um dos critérios, observa-se que os critérios de O uso de dados secundários vem merecendo desta-
disfunção orgânica (disfunções dos diversos sistemas que nos estudos brasileiros. Eles geram informações
do corpo humano [Mantel]) são mais restritos em epidemiológicas da saúde da população como um
identificar casos de near miss: apontaram apenas 26% todo, além da possibilidade de revelar o perfil das
dos casos deste estudo. Os critérios de condições clínicas complicações obstétricas e das mortes de mulheres
(Waterstone) identificaram 72% dos casos. em idade reprodutiva.27
Essa desigualdade nas taxas de morbidade materna Em 2008, um estudo realizado na cidade do Rio
grave, evidenciada na literatura pela utilização de di- de Janeiro-RJ buscou identificar casos de morbidade
ferentes critérios, traz para discussão a possibilidade materna grave comparando dados resultantes da revisão
de adoção de uma classificação única e padronizada, de internações com aqueles disponibilizados na base
capaz de proporcionar, como procedimentos de rotina, de dados do SIH/SUS. Seus autores concluíram por
a vigilância e a análise desses agravos pelas equipes de não recomendar a utilização do SIH/SUS como fonte de
saúde dos hospitais que atendem a mulher durante a dados de identificação da morbidade materna grave para
gravidez, o parto e puerpério. possível prevenção dessas complicações.10 Entretanto,
A OMS, na tentativa de padronizar esses critérios, outro estudo, este realizado no estado do Paraná, datado
elaborou uma classificação pautada em três eixos de mor- de 2010 e portanto, utilizando registros do SIH/SUS mais
bidade materna grave: marcadores clínicos; marcadores recentes, encontrou que o sistema pode, sim, ser uma
laboratoriais; e marcadores de manejo.25 Entretanto, um ferramenta valiosa na identificação de complicações
estudo que utilizou essa classificação para seleção dos obstétricas.28 Vale ressaltar que poucos países dispõem
casos de morbidade materna grave em um hospital público de sistemas de informações de internações hospitalares
de Niterói-RJ, realizado em 2009, concluiu que, além dos bem estruturados, e o Brasil é um deles.29
eixos definidos pela OMS, seria necessário também utilizar É importante salientar os limites impostos ao trabalho
os critérios propostos por Mantel e cols.19 e por Waterstone com dados secundários, em que as informações geradas
e cols.20 para a identificação dos casos, uma vez que tais pelo sistema dependem da (i) qualidade e cobertura
critérios são baseados em diferentes abordagens, com dos dados preenchidos nos prontuários hospitalares
diferentes sensibilidades e especificidades.9 A classificação e da (ii) capacitação dos profissionais que codificam
adotada pela OMS possibilita a identificação dos casos os diagnósticos de internação nos hospitais. Soma-se a
mais graves, com maior risco de morte. Os critérios de essas condições o fato de o SIH/SUS ter como principal
Waterstone, por sua vez, ampliam a detecção dos casos. objetivo o repasse de recursos financeiros aos hospitais,
Apesar da deficiência de uma classificação operacio- exemplificado pela impossibilidade da utilização do
nal de eventos de morbidade materna grave, o método critério de hemorragia grave como diagnóstico secun-
utilizado neste estudo mostrou-se viável na detecção dos dário neste estudo, devido à alteração promovida no
casos mediante análise das informações do SIH/SUS. código dos procedimentos: passou-se a incluir todas
O SIH/SUS pode ser utilizado como uma ferramenta as internações com procedimentos por tratamento de
de análise de morbidade hospitalar. O sistema representa intercorrências clínicas da gravidez, não especificando
uma importante opção de dados para o planejamento de a gravidade dessas doenças.
medidas preventivas.12 A identificação de internações de Não obstante essas limitações, estudos de morbidade
mulheres com complicações obstétricas é essencial para materna grave utilizando-se do SIH/SUS podem ser um
o planejamento de cuidados durante a gestação, o parto caminho promissor para a vigilância dessas complicações,
e o puerpério. Essa identificação traz informações para já que os resultados encontrados neste estudo concordam
que os profissionais de saúde possam evitar a morte ou com os de outros sobre o tema.
sequela grave entre as mulheres.26 Não são raros os eventos de morbidade materna grave
A utilização dessa metodologia pode ser um caminho – near miss – nos ambulatórios e hospitais do país. Para
para estudar os casos de morbidade materna grave no os serviços de saúde, o presente estudo apresenta o SIH/
Brasil, suas grandes regiões e municípios, considerando- SUS como uma ferramenta para a identificação desses
se que as internações financiadas pelo SUS ainda são a casos, tendo como objetivo a melhoria da qualidade da
maioria no país, permitindo uma avaliação da atenção assistência e, por conseguinte, a redução da mortalidade
prestada pela Saúde Pública. materna. Os resultados apresentados também indicam

626 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):617-628, jul-set 2016


Thaíse Castanho da Silva e colaboradoras

a necessidade de dispensar maior atenção às mulheres Varela PRL, Oliveira RR e Mathias TAF contribui-
com idades a partir de 35 anos, justamente as que apre- ram no delineamento do estudo, análise dos dados
sentaram maiores taxas de morbidade materna grave. e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual
do manuscrito.
Contribuição das autoras Todas as autoras contribuíram na interpretação dos
dados e na aprovação final da versão a ser submetida
Silva TC contribuiu na concepção e delineamento para publicação, e declaram serem responsáveis por
do estudo, análise dos dados e redação do conteúdo todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão
intelectual do manuscrito. e integridade.

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628 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):617-628, jul-set 2016


Artigo de
opinião Sem bala mágica: cidadania e participação
social no controle de Aedes aegypti
doi: 10.5123/S1679-49742016000300018

No magic bullet: citizenship and social participation in the control of Aedes aegypti

Denise Valle1

Instituto Oswaldo Cruz, Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
1

Já estávamos habituados à dengue de todo verão. possibilidade de longo comprometimento da saúde dos
Uma epidemia que tem estação para acontecer, em pacientes;1 a segunda onda, a introdução do vírus Zika,
uma cadência que se repete, de forma relativamente chegou suave, com sintomas aparentemente brandos e
previsível, desde o final dos anos 1980. Um agravo que passageiros.2 A terceira onda deste terremoto sanitário
se confunde com a sazonalidade de seu vetor, urbano, veio com a microcefalia nos bebês em gestação, sín-
doméstico, antropofílico, sinantrópico. drome de Guillain-Barré em adultos, além de outros
Na ausência de vacinas eficazes e disponíveis em potenciais comprometimentos neurológicos. Instala-se
larga escala, na falta de tratamento específico para então o pânico, que mobiliza população, mídia, ges-
combater os sintomas da infecção, tem-se repetido que tores, que ganha outros países e que culmina com o
apenas resta concentrar esforços no vetor, trabalhando reconhecimento, pela Organização Mundial da Saúde
para que seja mantido em baixa densidade. Esta vinha (OMS), de que estamos em uma emergência interna-
sendo a rotina de gestores e agentes de saúde. cional em Saúde Pública.3,4
Nos últimos anos, o reconhecimento de que a maior O mundo volta as atenções para o Brasil. A pressão
parte dos criadouros de Aedes aegypti está nos espaços aqui é sentida individual e coletivamente, dentro e fora
domiciliares estimulou inicialmente a responsabilização da academia e dos serviços. As pessoas tentam criar
da população. A discussão que se seguiu – "de quem soluções individuais de proteção e os repelentes de-
é a culpa?" – tirou o foco das questões primordiais: saparecem das prateleiras; multiplicam-se, nas redes
saneamento, acesso a água encanada, coleta de resí- sociais, de um lado, receitas mágicas de proteção e
duos, mobilização, prevenção e promoção da saúde, controle e, de outro lado, acusações a possíveis culpados,
cidadania... O discurso avançou e, hoje, a sociedade é no melhor estilo “teorias da conspiração” – afinal, de
chamada a participar, em um esforço coletivo. comunicação e de controle de vetor, parece que todos
Tudo parecia caminhar de forma previsível, nossas entendem um pouco. Parte significativa da mídia,
mazelas administradas (não poucas delas sob o tapete). multiplicadora de opinião, se engaja na mobilização
Nada muito longe do desconforto ao qual já estávamos para que a sociedade participe de ações de prevenção;
habituados, e manejando. os pesquisadores são chamados a colaborar e surgem
Começa então um terremoto sanitário, com várias muitas perguntas.
ondas de choque: primeiro, a iminência da chegada Alguns cientistas se apressam em trazer soluções,
do vírus chikungunya, com um histórico alarmante da seja com tecnologias já conhecidas ou com abordagens

Endereço para correspondência:


Denise Valle - Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, Av. Brasil, no 4365, Manguinhos,
Rio de Janeiro-RJ, Brasil. CEP: 21040-900
E-mail: dvalle@ioc.fiocruz.br

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):629-632, jul-set 2016 629


Sem bala mágica: cidadania e participação social no controle de Aedes aegypti

“inovadoras” ou “alternativas”, para controlar o vetor. proposta, neste caso, é privilegiar as intervenções
Soluções biomédicas incluem desde o retorno à ênfase no nestas áreas.12,13
uso de inseticidas pelo método de ultrabaixo volume (UBV, - A disseminação de larvicida mediada pelos próprios
também conhecido como fumacê em muitos lugares do mosquitos, que atuam como dispersores.14 A estratégia
país) até a soltura de mosquitos estéreis (produzidos por se baseia no hábito do A. aegypti de espalhar seus
alteração genética ou por irradiação),5,6 como tentativas ovos por muitos criadouros, alcançando pontos de
de diminuição das populações do vetor. A “estratégia difícil acesso para o homem, notadamente nos cenários
da Wolbachia”, tecnologia sustentável que substitui as urbanos desorganizados em situação de vulnerabilidade.
populações de Aedes por indivíduos incompetentes para Dispersão de piriproxifeno, o larvicida empregado
transmitir o vírus, também está em pauta.7 Em outras áreas pelo PNCD atualmente, foi conduzida por agentes de
do conhecimento, começam a ganhar espaço iniciativas controle de endemias previamente capacitados em
que tomam emprestado das ciências humanas e sociais a localidades do Amazonas. Houve redução da densidade
atenção para as comunidades, a cidadania e o ambiente, vetorial em pelo menos dez vezes.15
o que reflete a maturidade do país no reconhecimento
de que doenças transmitidas por vetores transcendem a 2) Abordagens para inclusão imediata no
esfera da Saúde e exigem ações intersetoriais.8,9 PNCD em situações especiais
Neste contexto, ocorre a Reunião Internacional para
Implementação de Novas Alternativas para o Controle Aqui foram listadas as ações destinadas à proteção
de Aedes aegypti no Brasil, realizada em fevereiro de das gestantes, consideradas grupo prioritário devido
2016 sob a coordenação do Programa Nacional de à epidemia de Zika. Para este grupo, foi recomendado
Controle da Dengue (PNCD), do Ministério da Saúde, incluir na rotina do Programa o uso de telas, impregnadas
quando foram avaliadas tecnologias com potencial de ou não com inseticidas, a distribuição de repelentes
aplicação nos municípios afetados, considerando a para proteção individual e a possibilidade de borrifação
estrutura e as questões operacionais do controle de intradomiciliar de inseticida. No entanto, o impacto
vetores no país.10 Na ocasião, algumas metodologias destas medidas sobre o orçamento dos municípios,
foram consideradas, e distribuídas em três categorias, mesmo que aplicadas apenas para este grupo espe-
apresentadas a seguir. cífico, é um gargalo que não pode ser desprezado. A
restrição para que recursos públicos sejam utilizados
1) Abordagens recomendadas para prioritariamente na proteção de ambientes públicos,
inclusão imediata no PNCD como postos de saúde e escolas, é uma possibilidade
a ser considerada.
Aqui foram incluídas três iniciativas, testadas em
alguns municípios, com resultados satisfatórios e 3) Tecnologias potencialmente promissoras
passíveis de serem incorporadas nas ações de controle
do país, sem impacto significativo na rotina ou nos Nesta categoria foram incluídas estratégias que não
custos do programa: podem ser incorporadas imediatamente no PNCD, seja
- A estratégia conhecida como eco-bio-social, que porque seu custo-benefício é incompatível com os re-
privilegia a participação social e o manejo ambiental cursos públicos disponíveis; porque o escalonamento
no controle do vetor.11 Esta abordagem foi capaz de para aplicação em nível nacional é inviável em curto
reduzir significativamente a densidade do vetor em prazo; ou ainda porque agregam questões operacionais
Fortaleza-CE e já está sendo aplicada em duas outras importantes, como a modificação significativa da rotina
metrópoles, Goiânia-GO e Belo Horizonte-MG, por dos agentes – o que requer tempo e planejamento.
solicitação do Ministério da Saúde. Nesta categoria foram incluídos os mosquitos com
- Por sua vez, o mapeamento de risco parte do princípio Wolbachia, os mosquitos estéreis e a aplicação de
de que há heterogeneidade espacial na distribuição repelentes espaciais domiciliares.
das infecções. Esta metodologia utiliza métodos Machos estéreis visam reduzir as populações de
relativamente simples para identificar áreas que vetores. Sua esterilização é obtida geneticamente (caso
acumulam casos de dengue de forma persistente. A dos mosquitos transgênicos) ou por meio de irradia-

630 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):629-632, jul-set 2016


Denise Valle

ção.5,6 A prole de fêmeas inseminadas por machos o senso comum. A situação aponta mais uma evidência
estéreis é inviável. Contudo, impacto significativo desta da complexidade do tema e mais um exemplo de que,
abordagem sobre as populações de vetores requer mesmo que a solução fosse meramente tecnológica, a
liberação frequente de quantidades maciças de machos tecnologia biomédica não poderia abrir mão de outras
estéreis, exclusivamente. Isto é especialmente relevante tecnologias e do arcabouço teórico-metodológico próprios
no caso de espécimes irradiados, que têm a sobrevida do campo das ciências humanas e sociais, em especial
e a viabilidade comprometidas com o processo. da informação, da educação e da comunicação.9
O racional dos mosquitos com Wolbachia é distinto: Além disso, vale a pergunta: qual o risco de, dando
além de reduzir, visa substituir as populações originais prioridade aos aspectos meramente técnicos e assis-
por mosquitos que, contendo esta bactéria, não se in- tencialistas do controle, nos afastarmos do problema
fectam, ou se infectam muito mal, com os vírus dengue central? Remédios adequados somente são possíveis
e chikungunya,16 e há evidências de que também com quando o diagnóstico correto é feito. Experiências
Zika.17 A introdução de Wolbachia em A. aegypti não em outros países, e mesmo em algumas localidades e
envolve manipulação genética. Esta estratégia tem um situações no Brasil, mostram que a articulação entre
componente de sustentabilidade ausente das tecno- diferentes setores do governo, somada à adesão de se-
logias do macho estéril: fêmeas contendo Wolbachia tores não governamentais e à participação da sociedade
produzem mais descendentes que fêmeas do campo. em geral, estão na base do controle bem-sucedido das
Como todos os ovos já nascem com Wolbachia, não epidemias de dengue.9 Mesmo assim fica a questão:
há necessidade de liberações frequentes de mosquitos. como sustentá-lo?
Em contrapartida, a prole de fêmeas do campo inse- Esta avassaladora epidemia de Zika é uma situ-
minadas por machos contendo Wolbachia é inviável, ação limite, sem precedentes, certamente a maior
o que provoca, simultaneamente, uma redução da emergência sanitária pela qual todos os brasileiros
população original.18 vivos já passaram. A população está fragilizada, e isto
Há ainda a estratégia que combina machos com pode levar ao pânico. De qualquer lado que se olhe,
Wolbachia e irradiação. Este procedimento, em Aedes esta é uma oportunidade ímpar para repensar nossos
albopictus, eliminou a necessidade de, antes da libera- pressupostos. De um ponto de vista essencialmente
ção dos machos, separá-los das fêmeas no laboratório, mercantilista, pode ser uma excelente oportunidade
uma das etapas mais onerosas da técnica. Neste caso, a de negócios. Para alguns setores da academia, pode
esterilização dos machos é mediada pela presença da se constituir em uma ótima oportunidade de ganhar
Wolbachia e a irradiação é empregada para esterilizar visibilidade, e peso no currículo. Mas também pode
as fêmeas desta linhagem. Como as fêmeas são mais ser a oportunidade de sair da zona de conforto, de
suscetíveis à irradiação, há pouco comprometimento cada um assumir a sua responsabilidade social, tanto
da viabilidade dos machos.19 em nível individual como coletivo.
Vale destacar que, tanto para mosquitos com Wolbachia
quanto para mosquitos estéreis, a adesão da população Agradecimentos
local é fundamental. As duas metodologias requerem forte
engajamento das comunidades, uma vez que se baseiam À Denise Nacif Pimenta e à Raquel Aguiar, pela leitura
em liberação de mosquitos, o contrário do que supõe crítica e sugestões para o manuscrito.

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Sem bala mágica: cidadania e participação social no controle de Aedes aegypti

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632 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):629-632, jul-set 2016


Artigo de
opinião Aleitamento materno e o risco de cárie dentária
doi: 10.5123/S1679-49742016000300019

Breastfeeding and the risk of dental caries

Bianca Zimmermann Santos1


Patrícia Pasquali Dotto1
Renata Saraiva Guedes1

Centro Universitário Franciscano, Curso de Odontologia, Santa Maria-RS, Brasil


1

As evidências científicas acerca da importância É possível que esse resultado seja reflexo da higiene
do aleitamento materno, tanto para mães como para bucal inadequada após a alimentação das crianças,9 bem
crianças, são claras.1-9 Em janeiro de 2016, uma série como da falta de controle na introdução de alimentos ou
de artigos foi publicada na revista britânica The Lancet, bebidas açucaradas.11 No ano 2000, a Academia Ameri-
documentando, por meio de metanálises,10 o quanto a cana de Odontopediatria (AAPD) manifestou a existência
amamentação é essencial à construção de um mundo de maior risco de ocorrência de cárie na infância em
melhor para as gerações futuras em todos os países, crianças alimentadas de forma associada ao peito e à
ricos ou pobres. As evidências indicaram que a ama- mamadeira. A alimentação prolongada e repetitiva sem
mentação confere proteção contra infecções na infância o acompanhamento de medidas de higienização bucal
e maloclusão, aumenta a inteligência e provavelmente apropriadas está associada à ocorrência de cárie na
reduz a ocorrência de sobrepeso e diabetes na vida dentição decídua.12
adulta. Também já foi demonstrado que a amamentação A introdução de líquidos e de outros alimentos antes
na infância está associada a melhores condições socio- dos seis meses de idade não somente é desnecessária
econômicas ao longo da vida. E mais: a melhora nas como pode aumentar o risco da diminuição da produção
práticas de amamentação poderia prevenir, a cada ano, de leite materno, além de aumentar o risco de infecções.
a morte de 823 mil crianças menores de cinco anos e A Organização Mundial da Saúde preconiza a amamen-
de 20 mil mulheres por câncer de mama.10 tação exclusiva durante os primeiros 6 meses de vida e
Cabe ressaltar que a ocorrência de cárie dentária foi uma amamentação parcial até os 2 anos pelo menos.13
o único desfecho negativo associado à amamentação. A alimentação complementar deve ser introduzida de
Verificou-se associação entre a amamentação por períodos forma organizada, estimulando a criança ao consumo
mais longos que 12 meses e um aumento de 2 a 3 vezes de alimentos saudáveis, a exemplo de verduras, legumes
na ocorrência de cárie dentária em dentes decíduos.10 A e frutas. Também é importante regularizar os horários
discussão acerca desse achado é importante, visto que o de alimentação, ajustando a frequência de consumo
leite materno é a principal fonte nutritiva nos primeiros alimentar e evitando alimentos açucarados. A esse res-
anos de vida, além de proporcionar inúmeros benefícios peito, o Ministério da Saúde elaborou um guia alimentar
para as crianças como também para as mães. para crianças menores de 2 anos de idade, com dez

Endereço para correspondência:


Bianca Zimmermann Santos – Rua Guilherme Cassel Sobrinho, nº 275, apto. 902, Nossa Senhora de Lourdes, Santa Maria-RS, Brasil.
CEP: 97050-270
E-mail: biancazsantos@hotmail.com

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):633-635, jul-set 2016 633


Aleitamento materno e o risco de cárie dentária

recomendações para uma alimentação saudável.14 Em Considera-se que, a partir da introdução da alimen-
uma fase mais avançada, entretanto, o contato com o tação complementar, momento que costuma coincidir
açúcar será inevitável. A simples proibição do consumo com a erupção dos primeiros dentes na cavidade bucal,
do açúcar não é realista e, mais do que tentar eliminá-lo, é importante a realização da escovação dentária com
deve-se modificar o padrão de consumo, buscando sua dentifrício fluoretado. É indicado escovar os dentes
utilização racional. pelo menos duas vezes ao dia e utilizar um creme
Além disso, a introdução precoce de alimentos sólidos, dental com no mínimo 1.000 ppm de flúor, sendo que a
como cereais e vegetais, e mesmo o leite de vaca, pode quantidade de pasta depende da idade:18,19 para crianças
interferir na absorção de ferro, causando deficiências e até 2 anos, recomenda-se uma quantidade de creme
aumentando o risco, no longo prazo, de anemia, obesi- dental equivalente ao tamanho de um grão de arroz
dade, hipertensão, arteriosclerose e alergia alimentar. A cru por escovação; depois dos 2 anos, a quantidade
introdução precoce desses alimentos também pode con- pode ser aumentada gradativamente, até o tamanho
tribuir para a instalação de um hábito alimentar favorável de um grão de ervilha. Outro fator importante é a su-
à cárie dentária. Um importante papel dos profissionais da pervisão de um responsável durante a escovação, até
saúde é encorajar a amamentação e orientar sobre a não que a criança tenha coordenação motora para fazê-la
necessidade de introdução precoce de açúcar ou cereais sozinha. Cabe lembrar que o flúor, quando ingerido em
industrializados na mamadeira e em sucos.15 excesso durante o período de formação da dentição,
A doença cárie está fortemente ligada aos hábitos e causa fluorose dentária.
práticas alimentares da família.16,17 Em revisões sistemá- É fundamental que os profissionais da saúde que
ticas da literatura, a maioria dos autores argumenta que atendam gestantes, puérperas e bebês estejam atentos
a cárie se encontra associada ao aleitamento materno para realizar o aconselhamento sobre a importância
quando o padrão de consumo apresenta determinadas do aleitamento materno, a introdução da alimentação
características como livre demanda, frequência elevada complementar de forma saudável e a higiene bucal. Isto
de mamadas ao dia, longa duração das mamadas e, permitirá que mães e crianças, em diversas fases do
principalmente, mamadas noturnas frequentes, levando seu ciclo de vida, desfrutem dos inúmeros benefícios
ao acúmulo de leite sobre os dentes, o que, associado da amamentação, reduzindo o risco de desenvolver
a redução de fluxo salivar e a ausência de limpeza dos a doença cárie, único desfecho adverso associado à
dentes, poderia favorecer o aparecimento de lesões.18,19 amamentação, conforme relatado na literatura.10

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634 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):633-635, jul-set 2016


Bianca Zimmermann Santos e colaboradoras

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Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):633-635, jul-set 2016 635


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para a gestão
da vigilância
Método para estimação de indicadores de mortalidade
infantil e baixo peso ao nascer para municípios do
em saúde

Brasil, 2012*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300020

Method for estimating infant mortality and low birth


weight indicators for Brazilian municipalities, 2012

Alicia Matijasevich1
Juan José Cortez-Escalante2
Dacio Rabello Neto3
Roberto Men Fernandes3
Cesar Gomes Victora4

1
Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Preventiva, São Paulo-SP, Brasil
2
Organização Pan-Americana da Saúde, Oficina Nacional no Brasil, Brasília-DF, Brasil
3
Ministério da Saúde do Brasil, Coordenação-Geral de Informação e Análise Epidemiológica, Brasília-DF, Brasil
4
Universidade Federal de Pelotas, Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Pelotas-RS, Brasil

Resumo
Objetivo: apresentar um método para estimação dos indicadores de prevalência de baixo peso ao nascer (BPN) e
coeficiente de mortalidade infantil (CMI) para municípios brasileiros, de modo a incorporar considerações de flutuação
amostral. Métodos: as distribuições binomial e de Poisson foram usadas para estimar os intervalos de confiança de 95%
(IC95%); quando o número de óbitos infantis foi zero, o limite superior do IC95% foi estimado pelo método da “regra do três”;
como demonstração, foram estimados indicadores para o ano de 2012. Resultados: observou-se discreto aumento do BPN
e diminuição do CMI com o aumento da população municipal; as estimativas foram mais precisas para o BPN do que para
o CMI, apresentaram grande amplitude dos IC95% em municípios pequenos e baixa confiabilidade quando analisadas apenas
para um ano específico. Conclusão: foi desenvolvida uma planilha eletrônica que permitirá aos gestores estimarem a precisão
desses indicadores para seus municípios.
Palavras-chave: Mortalidade Infantil; Recém-Nascido de Baixo Peso; Técnicas de Estimativa; Cidades; Vigilância
Epidemiológica/estatística & dados numéricos.

Abstract
Objective: to present a method for estimating low birth weight (LBW) prevalence and infant mortality rate (IMR)
indicators for Brazilian municipalities, so as to incorporate considerations with regard to sampling fluctuation.
Methods: binomial and Poisson distributions were used to estimate 95% confidence intervals (95%CI); when the
number of infant deaths was zero, the upper limit of the 95%CI was estimated by the cross-multiplication method;
indicators were estimated for the year 2012 for demonstration purposes. Results: a slight increase in LBW and a
decrease in IMR were detected as municipality population size increased; LBW estimates were more accurate than those
for IMR; single-year estimates showed large width 95%CI in small municipalities and low reliability. Conclusion: an
electronic spreadsheet was developed which will allow service managers to estimate the precision of these indicators
for their municipalities.
Key words: Infant Mortality; Infant, Low Birth Weight; Estimation Techniques; Cities; Epidemiological Surveillance/
statistics & numerical data.

*Estudo financiado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, e pelo Escritório para o Brasil do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF): Processo nº 43127038.
Alicia Matijasevich e Cesar Gomes Victora são bolsistas de produtividade científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Endereço para correspondência:


Alicia Matijasevich – Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Departamento de Medicina Preventiva, Av. Dr. Arnaldo,
no 455, 2° andar, sala 2166, São Paulo-SP, Brasil. CEP: 01246-903
E-mail: amatija@yahoo.com

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):637-646, jul-set 2016 637


Estimação de indicadores de mortalidade infantil e baixo peso ao nascer para municípios

Introdução municípios foram obtidos dos censos e estimativas


populacionais produzidos pela Fundação Instituto
Ao longo do tempo, diferentes instituições e ór- Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Todos os
gãos nacionais e internacionais, alguns vinculados dados utilizados estavam disponíveis no sitio eletrônico
ao planejamento público e outros ligados à pesquisa, do Departamento de Informática do Sistema Único de
desenvolveram e aprimoraram diversos indicadores Saúde (Datasus): http://datasus.saude.gov.br
para a análise e acompanhamento das condições de O coeficiente de mortalidade infantil (CMI) foi
vida e saúde das populações.1 calculado dividindo-se o número de crianças que
No contexto da descentralização administrativa e morreram no primeiro ano de vida pelo número
tributária, são cada vez mais demandadas as infor- de nascidos vivos no mesmo município e período,
mações sociais e demográficas nos diferentes níveis multiplicando-se por 1.000.
populacionais, incluindo o municipal, para fins de
formulação de políticas públicas. O conhecimento Para municípios com números
dos limites e potencialidades dos indicadores sociais, relativamente pequenos de nascidos
especialmente quando estratificados, é de funda- vivos, a precisão do cálculo de
mental importância para gestores definirem com
maior precisão as prioridades sociais e a alocação indicadores de saúde infantil pode ser
de recursos públicos.2 prejudicada devido a flutuações.
Dos 5.565 municípios brasileiros, cerca de 2.100
tiveram menos de 100 nascidos vivos em 2012, e outros A prevalência de baixo peso ao nascer (BPN) foi
1.200, entre 100 e 200 nascidos vivos.3 Para municí- calculada dividindo-se o número de recém-nascidos
pios com números relativamente pequenos de nascidos com baixo peso (BPN inferior a 2.500g) pelo nú-
vivos, a precisão de cálculos de indicadores de saúde mero total de nascidos vivos no mesmo município,
infantil – como o baixo peso ao nascer e o coeficiente multiplicando-se por 100.
de mortalidade infantil – pode ser prejudicada devido Para avaliar a confiabilidade das estimativas, os
a flutuações anuais. indicadores também foram calculados segundo nove
O objetivo do presente estudo foi apresentar um mé- estratos de porte populacional municipal: 0-4; 5-9;
todo para estimação dos indicadores de prevalência de 10-19; 20-29; 30-49; 50-99; 100-199; 200-499; e 500
baixo peso ao nascer (BPN) e coeficiente de mortalidade milhares de habitantes ou mais.
infantil (CMI) para municípios brasileiros, de modo a Dois métodos estatísticos foram utilizados para
incorporar considerações de flutuação amostral. Como estimar os intervalos de confiança de 95% para os
complemento do trabalho, foi desenvolvida uma planilha indicadores BPN e CMI:4
na plataforma Excel que permitirá aos gestores estima- a) distribuição binomial – indicada para a análise de
rem a precisão das estatísticas futuras de baixo peso variáveis binárias (por exemplo: o peso ao nascer,
ao nascer e mortalidade infantil para seus municípios. que pode ser <2.500 gramas ou ≥2.500 gramas)
em uma amostra finita.
Métodos b) distribuição de Poisson – pode ser tratada como
um caso especial da distribuição binomial, quando
Com o objetivo de demonstrar o método proposto, o número de eventos (por exemplo: óbitos infantis)
foi realizado um estudo ecológico descritivo com dados tende a ser muito inferior ao denominador (no
sobre a população total, o número de nascidos vivos caso, nascidos vivos).
e o número de óbitos infantis (crianças menores de Quando o número de eventos foi igual a zero, propôs-
um ano de vida) de todos os municípios brasileiros se um método alternativo para estimar o limite superior
para o ano de 2012. do intervalo de confiança de 95% (o limite inferior, por
As fontes de dados foram o Sistema de Informações definição, é igual a zero), tendo em vista que o valor nulo
sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e o Sistema de Infor- no numerador inviabilizaria o calculo do indicador. Esse
mações sobre Mortalidade (SIM), gerenciados pelo método, conhecido como a “regra do três”5 no caso
Ministério da Saúde. Os dados sobre o tamanho dos de estimativas de mortalidade infantil, estima o limite

638 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):637-646, jul-set 2016


Alicia Matijasevich e colaboradores

superior como sendo igual a três, dividido pelo número planilha Excel (Anexo 2, disponível na versão online).
de nascidos vivos. Como foram poucos municípios A planilha inclui duas páginas ou abas: uma com
sem nenhum recém-nascido vivo com BPN, o método resultados simplificados, de mais fácil interpretação
proposto foi utilizado apenas para o CMI. para gestores; e outra com a comparação detalhada
Foi elaborada uma planilha Excel (Anexo 1, entre os três métodos (binomial, Poisson e “regra
disponível como material suplementar na versão do três”).
online) com o intuito de demonstrar como os A Tabela 1 representa um extrato da planilha Excel
gestores devem proceder para estimar a precisão dos do Anexo 2 (aba ‘Estimativas detalhadas’) e um exemplo
indicadores de BPN e CMI de seus municípios. Gestores desses procedimentos, com os primeiros 19 dos 5.565
municipais podem realizar seus próprios cálculos para municípios brasileiros. O primeiro município em ordem
esses indicadores – por exemplo, para 2013 e anos alfabética é Abadia de Goiás-GO, onde foram registrados
futuros – ou mesmo agregar resultados de períodos 143 nascidos vivos, dos quais 5 com baixo peso, e 1
de 2 ou 3 anos, pois o método proposto possibilita a óbito infantil em 2012. A prevalência de BPN foi igual a
obtenção de estimativas mais estáveis, com maiores 3,5%, com intervalos de confiança de 95% (IC95%) de
numeradores e denominadores. A planilha permite 1,1 a 8,0% (binomial) e de 1,1 a 8,2% (Poisson). Para
digitar os números de nascidos vivos, de crianças com o CMI de 7,0 por 1.000 nascidos vivos, os respectivos
BPN e de óbitos infantis, e calcula automaticamente IC95% foram de 0,2 a 38,3 e de 0,2 a 39,0. Os intervalos
as estimativas com intervalos de confiança de 95%. de Poisson são ligeiramente mais amplos, embora a
Para a utilização da referida planilha, é necessária a superposição entre os intervalos seja quase total, o que
instalação de um macro para o programa Excel que se evidencia que os dois métodos produziram resultados
encontra em um arquivo do tipo Microsoft Excel Add-In com precisão semelhante. Salienta-se que os limites de
(ou Suplemento). Para instalar esse arquivo, aciona- confiança foram assimétricos em relação à estimativa
se o botão Microsoft Office nas ‘opções de Excel’, e pontual, ou seja, o limite superior ficou mais distante da
posteriormente, nos Suplementos (buscando o nome estimativa do que o limite inferior. A planilha apresenta
‘conf int’). Uma vez localizado o arquivo, aciona-se a diferença entre o limite superior e a estimativa, que
o botão ‘sim’ para instalar e segue-se as instruções pode ser interpretada como a margem de erro (para
de instalação. Caso não se encontre o arquivo entre mais) do valor obtido para o ano em questão.
os suplementos de Excel disponíveis, deve-se baixar Ainda na Tabela 1, destaca-se o exemplo de um mu-
o programa do sítio eletrônico statpages.info, seção nicípio de maior porte populacional: Abaetetuba-PA,
‘confidence intervals, single-population tests’, e instalá- com 2.532 nascidos vivos, 214 crianças com BPN e 44
lo no computador cumprindo-se as recomendações óbitos infantis. A prevalência de BPN foi de 8,5%, com
dadas no passo anterior. IC95% binomial de 7,4 a 9,6%, praticamente igual ao IC
O presente estudo utilizou apenas dados secundá- obtido com a distribuição de Poisson (7,4 a 9,7%).
rios, sem identificação dos sujeitos. Foi realizado em O limite superior foi apenas 1,2 ponto percentual
conformidade com os princípios éticos definidos na maior do que a estimativa. O CMI de 17,4 por 1.000
Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº nascidos vivos teve um IC95% binomial de 12,7 a 23,3,
466, de 12 de dezembro de 2012. sendo o IC95% de Poisson praticamente idêntico (12,6
a 23,3). A margem de erro foi de 6,0 óbitos por 1.000
Resultados nascidos vivos.
Dos 5.565 municípios analisados, 1.306 não no-
Inicialmente, serão discutidos os resultados para tificaram óbito infantil no ano de 2012. É o caso do
os municípios, e em seguida, por estratos de popu- município de Abdon Batista-SC, com 33 nascidos vivos,
lação municipal. sendo 3 com BPN e nenhum óbito infantil. Devido ao
pequeno número de nascidos vivos, os intervalos de
Resultados para os municípios do país confiança foram muito amplos. Naqueles municípios
Os resultados obtidos nas estimativas de BPN que tiveram zero óbitos, aplicou-se a “regra do três”
e mortalidade infantil para os 5.565 municípios descrita no capítulo Métodos: no exemplo de Abdon
brasileiros em 2012 são apresentados em uma Batista-SC, obteve-se um limite superior do IC95% igual

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):637-646, jul-set 2016 639


Tabela 1 – Extrato da planilha Excel para estimativas de prevalência de baixo peso ao nascer e do coeficiente de mortalidade infantil. Brasil, 2012

640
Baixo peso ao nascer Coeficiente de mortalidade infantil
(%) Óbitos (por 1000 nascidos vivos)
Código do a NV b BPNc
Municípios Binomial Binomial Poisson
município UF População (n) (n) Poisson Margem infantis CMIg Binomial Binomial Poisson Poisson LSe Margem
(n) g
BPN c BPNc BPNc BPNc BPNc de erro CMIg CMIg CMIg para de erro
(/1000) CMI
LId LSe LId LS e (p.p.) f LIa LSe LId LSe zerosh (/1000)
Abadia de Goiás 5200050 GO 7.164 143 5 3,5 1,1 8,0 1,1 8,2 4,7 1 7,0 0,2 38,3 0,2 39,0 32,0
Abadia dos Dourados 3100104 MG 6.743 68 4 5,9 1,6 14,4 1,6 15,1 9,2 1 14,7 0,4 79,2 0,4 81,9 67,2
Abadiânia 5200100 GO 16.408 205 20 9,8 6,1 14,7 6,0 15,1 5,3 2 9,8 1,2 34,8 1,2 35,2 25,5
Abaeté 3100203 MG 22.740 238 28 11,8 8,0 16,6 7,8 17,0 5,2 5 21,0 6,9 48,3 6,8 49,0 28,0
Abaetetuba 1500107 PA 144.415 2.532 214 8,5 7,4 9,6 7,4 9,7 1,2 44 17,4 12,7 23,3 12,6 23,3 6,0
Abaiara 2300101 CE 10.815 155 15 9,7 5,5 15,5 5,4 16,0 6,3 3 19,4 4,0 55,5 4,0 56,6 37,2
Abaíra 2900108 BA 8.659 53 5 9,4 3,1 20,7 3,1 22,0 12,6 3 56,6 11,8 156,6 11,7 165,4 108,8
Abaré 2900207 BA 17.685 318 24 7,5 4,9 11,0 4,8 11,2 3,7 6 18,9 7,0 40,6 6,9 41,1 22,2
Abatiá 4100103 PR 7.690 97 10 10,3 5,1 18,1 4,9 19,0 8,6 3 30,9 6,4 87,7 6,4 90,4 59,5
Abdon Batista 4200051 SC 2.635 33 3 9,1 1,9 24,3 1,9 26,6 17,5 0 – – 105,8 – 111,8 90,9 90,9
Abelardo Luz 4200101 SC 17.200 269 18 6,7 4,0 10,4 4,0 10,6 3,9 1 3,7 0,1 20,5 0,1 20,7 17,0
Abel Figueiredo 1500131 PA 6.905 114 7 6,1 2,5 12,2 2,5 12,7 6,5 0 – – 31,8 – 32,4 26,3 26,3
Abre Campo 1500131 PA 13.306 163 17 10,4 6,2 16,2 6,1 16,7 6,3 1 6,1 0,2 33,7 0,2 34,2 28,0
Abreu e Lima 2600054 PE 95.243 1.394 111 8,0 6,6 9,5 6,6 9,6 1,6 24 17,2 11,1 25,5 11,0 25,6 8,4
Estimação de indicadores de mortalidade infantil e baixo peso ao nascer para municípios

Abreulândia 1700251 TO 2.422 27 1 3,7 0,1 19,0 0,1 20,6 16,9 0 – – 127,7 – 136,6 111,1 111,1
Acaiaca 3100401 MG 3.925 47 5 10,6 3,5 23,1 3,5 24,8 14,2 2 42,6 5,2 145,4 5,2 153,7 111,2

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):637-646, jul-set 2016


Açailândia 2100055 MA 106.422 1.934 115 5,9 4,9 7,1 4,9 7,1 1,2 19 9,8 5,9 15,3 5,9 15,3 5,5
Acajutiba 2900306 BA 14.730 216 17 7,9 4,7 12,3 4,6 12,6 4,7 5 23,1 7,6 53,2 7,5 54,0 30,9
a) UF: unidade da federação
b) NV: nascidos vivos
c) BPN: baixo peso ao nascer
d) LI: limite inferior do intervalo de confiança de 95%
e) LS: limite superior do intervalo de confiança de 95%
f) p.p.: pontos percentuais
g) CMI: coeficiente de mortalidade infantil
h) Naqueles municípios com nenhum óbito, foi aplicada “a regra do três” descrita no capítulo Métodos.
Nota:
A planilha detalhada, com os 5.565 municípios do Brasil, mostrando os resultados conforme as distribuições binomial, de Poisson, e a “regra do três”, constitui o Anexo 2 da versão online do artigo, referente à aba ‘Estimativas detalhadas’.
Alicia Matijasevich e colaboradores

a 90,9 por 1.000 nascidos vivos, comparado com Resultados por estratos de
111,8 de acordo com a distribuição de Poisson e 105,8 população municipal
conforme a distribuição binomial. A Tabela 2 e as Figuras 2 e 3 apresentam os valores
Como a planilha descrita acima é de interpretação médios das estimativas da prevalência de BPN e do CMI
complexa, a planilha Excel do Anexo 2 apresenta os e os respectivos IC95% de Poisson para nove estratos de
resultados sumarizados, com o objetivo de facilitar porte populacional municipal.
sua compreensão e interpretação por gestores: na A Tabela 2 e a Figura 2 mostram que houve uma
aba das ‘Estimativas resumidas’, foram apresentados discreto aumento na prevalência de BPN, à medida em
apenas os intervalos de confiança de Poisson. Este que aumentou o porte populacional municipal. Nota-se
método estatístico é mais adequado para eventos que houve grande amplitude dos IC95% em municípios
pouco frequentes na população, caso de óbitos pequenos. Por exemplo, no estrato de menos de 5
infantis. Embora se destaquem neste estudo, os mil habitantes, o intervalo médio de confiança variou
resultados alcançados com a aplicação do método de 2,1 a 25,2%, para uma prevalência média de BPN
de Poisson foram muito similares aos obtidos com a de 8,1%, tendo sido o IC95% 2,9 vezes maior do que a
distribuição binomial. estimativa de BPN, o que demonstra maior imprecisão
A Figura 1 reproduz a planilha Excel do Anexo nas estimativas. A razão IC/BPN caiu na medida em que
1, que permitirá aos gestores digitar os números aumentou a população, tendo sido essa razão menor
de nascidos vivos, de crianças com BPN e de óbitos do que a unidade a partir do intervalo de 20 a 29.999
infantis dos municípios, e obter as estimativas de BPN habitantes. No estrato de municípios com 500 mil ou
e do CMI com os intervalos de confiança de Poisson. mais habitantes, o intervalo variou de 8,7 a 9,7%, para
Na Figura 1, foram digitadas, a título de ilustração, as uma prevalência média de BPN de 9,2%, resultando
informações do município de Abaeté-MG. em uma razão IC/BPN de 0,11.

Cálculo de intervalos de confiança para baixo peso ao nascer e mortalidade infantil

Entrar com os dados nas cinco fileiras abaixo:

Nome do município Abaeté

Ano 2012

Número de nascidos vivos 238

Número de nascidos com peso menor do que 2.500g 28

Número de óbitos infantis 5

Resultados para baixo peso ao nascer:

Prevalência de baixo peso ao nascer 11,8%

Limite inferior de confiança de 95% 7,8%

Limite superior de confiança de 95% 17,0%

Resultados para mortalidade infantil:

Coeficiente de mortalidade infantil por 1.000 nascidos vivos 21,0

Limite inferior de confiança de 95% 6,8

Limite superior de confiança de 95% 49,0

a) A planilha – em formato Excel – encontra-se no Anexo 1 da versão online do artigo; os intervalos de confiança são baseados na distribuição de Poisson.

Figura 1 – Exemplo da planilha para cálculo dos intervalos de confiança para baixo peso ao nascer e
mortalidade infantil a

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):637-646, jul-set 2016 641


Estimação de indicadores de mortalidade infantil e baixo peso ao nascer para municípios

Tabela 2 – Valores médios da prevalência de baixo peso ao nascer (BPN) e coeficiente de mortalidade infantil
(CMI) e respectivos intervalos de confiança de 95% de Poisson, por estratos de população municipal.
Brasil, 2012

População Valores médios


Estratos da Recém-
Número de total do Nascidos
população nascidos Prevalência Limite Limite Óbitos Limite Limite
(em milhares) municípios estrato no vivos com BPN de BPNa inferior superior infantis CMIb inferior superior
Brasil (%) (%) (%)
0-4 1.298 3.368 40 3 8,1 2,1 25,2 0,5 13,2 1,1 141,5
5-9 1.209 7.079 92 7 7,8 3,2 16,4 1,4 14,5 2,3 70,7
10-19 1.389 14.157 197 15 7,6 4,2 12,8 2,9 14,4 3,5 45,0
20-29 590 24.271 357 27 7,8 5,1 11,4 5,4 14,9 5,5 34,4
30-49 465 37.900 576 44 7,7 5,6 10,4 8,5 14,7 6,6 28,7
50-99 326 69.152 1.060 84 8,0 6,3 9,9 14,9 13,8 7,7 23,1
100-199 152 134.523 2.090 181 8,7 7,4 10,1 27,0 12,7 8,4 18,7
200-499 98 302.987 4.772 424 8,9 8,1 9,8 61,1 12,6 9,6 16,4
≥500 38 1.493.543 22.512 2091 9,2 8,7 9,7 280,2 12,5 10,7 14,4
a) BPN: baixo peso ao nascer.
b) CMI: coeficiente de mortalidade infantil.

30  
30

25  
25

20
20  
Baixo peso ao nascer (%)

15
15  

10
10  

5
5  

0
0  
0-4
0-­‐4   5-9
5-­‐9   10-19
10-­‐19   20-29
20-­‐29   30-49
30-­‐49   50-99
50-­‐99   100-199
100-­‐199   200-499
200-­‐499   ≥500
>=   500  
Baixo peso ao nascer (%)

Figura 2 – Valores médios da prevalência de baixo peso ao nascer (pontos) e intervalos de confiança de 95% de
Poisson (hastes), por estratos de população municipal. Brasil, 2012
A variabilidade foi ainda maior para a mortalidade ser menor do que a unidade. Ao contrário do baixo
infantil (Tabela 2 e Figura 3), haja vista tratar-se de peso ao nascer, a mortalidade infantil tendeu a cair
um evento mais raro e, portanto, mais difícil de me- discretamente na medida em que aumentou o porte
dir com precisão. A razão entre IC e CMI foi de 10,6 populacional dos municípios.
no estrato de menos de 5 mil habitantes; somente A Tabela 3 confirma essas observações, eviden-
a partir de 100 mil habitantes, essa razão passou a ciando a diferença entre o valor médio da estimativa

642 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):637-646, jul-set 2016


Alicia Matijasevich e colaboradores

160  
160

vivos) vivos)  
140  
140
nascidos  
nascidos
120  
120
(x  1000  
(x 1.000

100  
100
Infan1l  
Infantil

80  
80
Mortalidade  
Mortalidade

60  
60

40
40  
dede  
Coeficiente  
Coeficiente

20
20  

0  0
0-4
0-­‐4   5-9
5-­‐9   10-19
10-­‐19   20-29
20-­‐29   30-49
30-­‐49   50-99
50-­‐99   100-199
100-­‐199   200-499
200-­‐499   ≥500
>=  500  
Estrato  
Estratopopulacional  
populacional dodmunicípio
o  município   (milhares)  
(em milhares)

Figura 3 – Valores médios do coeficiente de mortalidade infantil (pontos) e intervalos de confiança de 95% de
Poisson (hastes), por estratos de população municipal. Brasil, 2012

e de seus limites inferior e superior de IC95% para o Embora os números de nascidos vivos com
BPN e o CMI de acordo com os estratos de população BPN e de óbitos infantis incluam todos os eventos
municipal. Nota-se, mais uma vez, que os intervalos registrados nas bases nacionais (Sinasc e SIM, res-
foram assimétricos, com maiores margens de erro pectivamente) e não uma amostra desses eventos,
nos intervalos superiores. em análises estatísticas é necessário pressupor a
existência de perda de informação e aplicar técnicas
Discussão que permitam o cálculo de precisão (intervalo de
confiança) das estimativas.9
Foram realizadas análises de natureza exploratória Os principais achados dessas análises eram espe-
sobre a confiabilidade de estatísticas da prevalência de rados, pois é bastante bem conhecida a dependência
BPN e do CMI, conforme estratos de população munici- da precisão de estimativas frente ao tamanho do grupo
pal. Dispor de dados desagregados de boa qualidade no estudado10 – no caso, o número anual de nascidos
nível municipal é fundamental para realizar uma gestão vivos. Quanto maior o tamanho amostral, maior será
adequada. O planejamento e a gestão dos municípios são a precisão das estimativas calculadas. Essa precisão
processos que exigem um diagnóstico global e continu- também depende da frequência do desfecho estudado.
ado da realidade local. As informações descentralizadas Nas presentes análises, para cada estrato populacional
no nível municipal fornecem dados essenciais para o considerado, os intervalos de confiança das esti-
planejamento, diagnóstico e monitoramento das condi- mativas de BPN foram sempre menores (indicando
ções locais, permitindo aos gestores realizar uma gestão maior precisão das estimativas) que os intervalos de
descentralizada.6 No entanto, a qualificação insuficiente confiança para o CMI. Isto é devido a que o BPN é um
de recursos humanos e o pouco conhecimento dos sis- evento mais frequente que o óbito infantil, e, para um
temas de informações, entre outros problemas, podem mesmo tamanho amostral, maior será a precisão das
comprometer a robustez e a fidedignidade das informa- estimativas se o evento estudado for mais frequente.
ções existentes nas bases de dados nacionais e prejudicar Quando nenhum óbito foi observado e o número de
a avaliação da situação de saúde da população.7,8 nascidos vivos foi igual a zero, os três métodos anali-

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):637-646, jul-set 2016 643


Estimação de indicadores de mortalidade infantil e baixo peso ao nascer para municípios

Tabela 3 – Diferenças entre o valor médio da estimativa e de seus limites inferiores e superiores de confiança de
95% para a prevalência de baixo peso ao nascer (BPN) e o coeficiente de mortalidade infantil (CMI),
conforme estratos de população municipal. Brasil, 2012

Estratos da BPN a CMI b


(%) (por 1.000 nascidos vivos) Número de
população municípios
(em milhares) Limite inferior Limite superior Limite inferior Limite superior
0-4 -6,0 17,1 -12,2 113,2 1.298
5-9 -4,6 8,6 -12,2 53,1 1.209
10-19 -3,4 5,2 -10,8 30,2 1.389
20-29 -2,7 3,6 -9,5 19,4 590
30-49 -2,1 2,7 -8,0 14,1 465
50-99 -1,6 1,9 -6,1 9,3 326
100-199 -1,2 1,4 -4,4 6,0 152
200-499 -0,9 0,9 -3,0 3,7 98
≥500 -0,5 0,5 -1,7 2,0 38
Total -3,9 7,9 -10,4 49,5 5.565
a) BPN: baixo peso ao nascer.
b) CMI: coeficiente de mortalidade infantil.

sados forneceram resultados distintos, embora todos Diversas estratégias têm sido propostas para a
estivessem próximos de 100 por mil nascidos vivos. estimação da mortalidade infantil em municípios
O julgamento sobre o que consistiria um nível pequenos a partir dos sistemas de informações do
aceitável de precisão é, em grande parte, arbitrário. Ministério da Saúde, ou quando existe cobertura
Para o BPN, os municípios com mais de 20 mil habi- incompleta ou irregular dos registros vitais.17 Recen-
tantes apresentaram estimativas mais precisas, com IC temente, estratégias como a estimação de fatores de
menores do que o valor médio da prevalência; mesmo correção para as informações vitais e da mortalidade
assim, o IC95% médio variou de 5,1 a 11,4%. Para o infantil por município18 e o uso de métodos de análise
CMI, o IC95% foi inferior ao valor médio apenas nos espacial19 têm contribuído para superar a instabili-
municípios com mais de 100 mil habitantes, entre os dade das estimativas do CMI em áreas de pequeno
quais variou de 8,4 a 18,7 por mil. Não obstante, para porte populacional.
ambos os indicadores estudados, o limite superior foi É importante salientar que as presentes análises
mais do que o dobro do limite inferior, evidenciando se restringem a flutuações de natureza estatística ou
um grau importante de imprecisão. amostral e, portanto, não levam em consideração erros
Nas últimas décadas, o Ministério da Saúde desen- não amostrais – caso da subnotificação de eventos,
volveu diversos programas tendo como foco principal a que pode impactar as estimativas no nível municipal.
diminuição da mortalidade infantil.11 O acompanhamento Em análises futuras, a precisão das estimativas
das tendências da mortalidade infantil a partir das infor- apresentadas no presente estudo pode ser aprimorada.
mações vitais do Ministério da Saúde, com o cálculo direto Por exemplo, é possível agregar eventos (nascidos
do indicador usando informações do SIM e do Sinasc, é vivos e óbitos) ocorridos em dois, três ou mais anos,
aceito naquelas Unidades de Federação com informações o que diminui as margens de erro mas sacrifica a atu-
sobre nascidos vivos e óbitos consideradas adequadas.12 A alidade da estimativa. Se o comportamento ao longo
melhora da qualidade dos sistemas de informações tem- do tempo apresenta padrões razoavelmente definidos
-se verificado no Brasil como um todo.13-15 Em estudo de (como de redução ou aumento graduais), técnicas
coortes realizado na cidade de Pelotas-RS, com nascidos de regressão podem ser utilizadas para melhorar a
vivos nos anos de 1982, 1993 e 2004, observou-se uma precisão de determinada estimativa. Estratégias de
crescente cobertura de registro de óbitos no período análises que incluam fatores de risco para mortalidade
do estudo e a não ocorrência de sub-registro de óbitos – por exemplo, dados socioeconômicos, ambientais e
infantis na cidade durante o ano de 2004.16 assistenciais –, embora importantes, dependem, em

644 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):637-646, jul-set 2016


Alicia Matijasevich e colaboradores

grande parte, da especificação correta do modelo de proposta poderá ser útil na detecção de municípios
análise a ser utilizado e da mensuração precisa das prioritários, implementação de ações para melhoria
variáveis explanatórias.20,21 das informações vitais e organização da rede de aten-
É preciso motivar os gestores municipais para o ção à saúde materno-infantil.
uso dos dados de mortalidade e de nascidos vivos na
construção dos indicadores de saúde e auxiliá-los na Contribuição dos autores
interpretação correta desses indicadores, o que con-
duzirá a uma adequada análise da situação de saúde Victora CG e Matijasevich A conceberam a pergunta
no nível local. de pesquisa e o delineamento do estudo, participaram
A principal contribuição deste artigo é evidenciar da análise e interpretação dos resultados e redigiram
que estimativas municipais, em grande parte dos mu- o manuscrito. Cortez-Escalante JJ, Rabello Neto D
nicípios brasileiros, apresentam baixa confiabilidade e Fernandes RM contribuíram na interpretação dos
se analisadas apenas sobre um ano especifico. A oferta achados e na redação do manuscrito.
de uma ferramenta simples para estimar intervalos Todos os autores aprovaram a versão final do
de confiança pode contribuir com a interpretação manuscrito e assumem responsabilidade por todos
adequada da confiabilidade das estatísticas de baixo os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua
peso ao nascer e de mortalidade infantil. A ferramenta precisão e integridade.

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646 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):637-646, jul-set 2016


Nota de
pesquisa Adesão ao tratamento farmacológico de pacientes
hipertensos entre participantes do Programa Remédio
em Casa*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300021

Adherence to medication among hypertensive patients


participating in the Medicine at Home Program

Samir Nicola Mansour1


Camila Nascimento Monteiro1
Olinda do Carmo Luiz1

Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, São Paulo-SP, Brasil


1

Resumo
Objetivo: analisar a adesão ao tratamento farmacológico e fatores associados entre portadores de hipertensão arterial
participantes do Programa Remédio em Casa. Métodos: estudo transversal, com aplicação de questionário junto a pacientes
com pleno acesso a medicamentos, usuários do Programa Remédio em Casa da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo;
a análise da adesão ao tratamento segundo características sociodemográficas e comportamentais foi realizada a partir
da regressão de Poisson. Resultados: foram entrevistados 106 portadores de hipertensão arterial com pleno acesso a
medicamentos e 80,2% deles apresentaram alta adesão terapêutica; participantes aderentes e não aderentes não apresentaram
diferenças significativas (p>0,05) quanto às características sociodemográficas, comportamentais e clínicas. Conclusão: com
adequada assistência, cuidados de saúde e pleno acesso a medicamentos, os fatores sociodemográficos, comportamentais e
clínicos não influenciaram a determinação da adesão ao tratamento, indicando que a organização dos serviços e as políticas
de saúde são fundamentais no controle da hipertensão arterial.
Palavras-chave: Adesão ao Tratamento Medicamentoso; Epidemiologia nos Serviços de Saúde; Avaliação de Programas
e Projetos de Saúde; Hipertensão Arterial; Estudos Transversais.

Abstract
Objective: to analyze adherence to medication and associated among factors hypertensive individuals taking part in the
Medicine at Home Programme. Methods: this was a cross-sectional study using a questionnaire administered to patients
with full access to medication participating in the São Paulo City Health Department’s Medicine at Home Programme;
treatment adherence was analyzed according to sociodemographic and behavioral characteristics using Poisson regression.
Results: 106 patients with arterial hypertension and with full access to medication were interviewed and 80.2% had high
adherence; there were no significant differences (p>0.05) between adhering and non-adhering participants with regard
to sociodemographic, behavioral or clinical characteristics. Conclusion: with adequate provision of health care and full
access to medicine, sociodemographic, behavioral and clinical factors did not influence adherence to medicine indicating
that health service organization and health policies play a fundamental role in controlling hypertension.
Key words: Medication Adherence; Health Services Epidemiology; Health Program and Project Evaluation; Hyper-
tension; Cross-Sectional Studies.

* O manuscrito é um produto da dissertação de Mestrado defendida por Samir Nicola Mansour junto ao Departamento de Medicina
Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo de 2015.

Endereço para correspondência:


Samir Nicola Mansour – Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Departamento de Medicina Preventiva, Av. Dr.
Arnaldo, no 455, 2° andar, Cerqueira César, São Paulo-SP, Brasil
E-mail: samirfarmaceutico@yahoo.com.br; samir.pharmaceutico@gmail.com

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):647-654, jul-set 2016 647


Adesão ao tratamento farmacológico de pacientes hipertensos

Introdução consulta ou agendada para data futura. A definição da


amostra de entrevistados considerou, primeiramente,
Um dos principais problemas relacionados à a quantidade de pacientes ativos de cada unidade: 75
atenção aos pacientes crônicos é a não adesão ao pacientes ativos da UBS Guaianases 1, 254 pacientes
tratamento farmacológico, tendo como consequência ativos da UBS Jardim Robru e 225 pacientes ativos
o agravamento do caso e o aumento dos gastos com da UBS Vila Chabilândia. Com base nesses quantita-
atenção especializada.1,2 O acesso adequado – ou ina- tivos, realizou-se, de forma proporcional, a seguinte
dequado – aos medicamentos tem sido considerado o distribuição: 14 pacientes da UBS Guaianases 1, 49
principal fator da adesão – ou não adesão.3 Pouco se pacientes da UBS Jardim Robru e 43 pacientes da
conhece, no entanto, sobre como se comporta a adesão UBS Vila Chabilândia, resultando na amostra total de
quando há pleno acesso a medicamentos. 106 indivíduos atendidos pelo programa. O cálculo
O Programa Remédio em Casa, da Secretaria Mu- da amostra seguiu os seguintes parâmetros: alfa de
nicipal da Saúde de São Paulo, iniciativa pública de 0,05, poder de 0,8 e prevalência da adesão em 50%,
acesso a medicamentos em domicílio, foi criado em chegando-se aos 106 participantes.
2005 com o objetivo de organizar o atendimento à As entrevistas foram realizadas ao longo do segundo
população com hipertensão arterial, diabetes mellitus semestre de 2012 e não houve recusa de participação.
e hipotireoidismo, garantindo entrega domiciliar de O questionário aplicado foi composto por quatro blo-
medicamentos e assistência terapêutica integral.4 É cos: características sóciodemográficas; características
oportuno verificar como a adesão ao tratamento se clínicas; características do programa; e Teste de Medi-
comporta em um ambiente de pleno acesso a medi- da de Adesão (Measurement of Treatment Adherence
camentos, além do que se faz necessário observar o [MAT]), uma escala validada no Brasil e amplamente
acesso a assistência à saúde, a participação em grupos utilizado no país e no mundo.6-8
educativos e outros fatores contributivos da adesão.
O objetivo do presente trabalho foi analisar a adesão Um dos principais problemas
ao tratamento medicamentoso e fatores associados
entre portadores de hipertensão arterial participantes relacionados à atenção aos
do Programa Remédio em Casa. pacientes crônicos é a não adesão ao
tratamento farmacológico.
Métodos
Para determinar a adesão, foi utilizado o MAT,6
Estudo transversal que abordou a população re- composto por sete questões adaptadas das escalas
sidente em Guaianases, região do município de São de Morisky,7 Shea8 e Ramalhindo.9 No questionário,
Paulo com graves problemas sociais.5 as respostas atenderam a escala de Likert com as
Foram incluídas pessoas de ambos os sexos, seguintes pontuações: sempre (1), quase sempre
portadoras de hipertensão arterial com 50 anos de (2), com frequência (3), às vezes (4), raramente
idade ou mais, acompanhados em uma das seguintes (5) e nunca (6). As respostas a cada questão foram
unidades básicas de saúde (UBS): UBS Guaianases 1, somadas e divididas pelo número total de questões,
UBS Jardim Robru e UBS Vila Chabilândia. Os dados sendo o valor obtido convertido em uma escala di-
foram obtidos mediante entrevista individualizada, cotômica, construída para indicar os sujeitos por sua
realizada na própria UBS, e pela leitura do receituário. adesão ou não adesão ao tratamento farmacológico.
A seleção dos usuários do Programa Remédio em Considerou-se como não adesão os valores obtidos
Casa candidatos a participar do estudo foi realizada de 1 a 4; e como adesão, os valores 5 e 6.10 Não foi
por amostra de conveniência. Tomando a lista de cada calculado o percentual de resposta para cada item da
UBS, consultou-se o agendamento de consultas para escala de Likert; realizou-se a contagem da pontua-
se conhecer a data de retorno do paciente à unidade. ção, cujo resultado foi dividido por 7: se o número
O convite para participação no estudo foi feito no dia obtido dessa divisão fosse superior a 5, o indivíduo
da consulta do usuário com a equipe multiprofissional, participante era considerado aderente, de acordo
sendo a entrevista realizada imediatamente após a com a recomendação do MAT.10

648 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):647-654, jul-set 2016


Samir Nicola Mansour e colaboradoras

Calculou-se a prevalência de adesão segundo as O pequeno número de participantes, principal


variáveis independentes. As associações foram ana- limitação da pesquisa, pode explicar a ausência de
lisadas pelo teste do qui-quadrado; e as razões de diferenças significantes. Outra limitação na compa-
prevalência, por meio da regressão de Poisson. Foi ração com a literatura é a forma como a adesão foi
utilizado o programa STATA 11. Considerou-se o nível medida, já que diferentes abordagens de adesão são
de significância de 5%. encontradas em uma gama de estudos sobre o tema,
Todos os participantes do estudo assinaram o Ter- por exemplo, em pesquisas que realizam a contagem
mo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto de comprimidos, que avaliam os níveis sanguíneos
de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em do princípio ativo e outras, ainda, que utilizam tão
Pesquisa da Secretaria Municipal da Saúde de São somente a aplicação de questionários.6,7 A literatura
Paulo – Parecer no 114/2012 e pelo Comitê de Ética recomenda que sejam realizadas duas medidas de
da Faculdade de Medicina da Universidade de São adesão e que as mesmas sejam comparadas, o que
Paulo – Parecer no 862.583/2012. não foi possível no presente estudo.
Em geral, a adesão a medicamentos em portadores
Resultados de doenças crônicas é baixa – em torno de 50% –10
e diversos fatores podem influenciar essa proporção.
Foram entrevistados 106 portadores de hiperten- Vergetti, Melo e Nogueira11 e Jin e colaboradores,12
são arterial com pleno acesso a medicamentos. A além de outros pesquisadores,13,14 mostraram asso-
idade dos participantes variou entre 50 e 90 anos, ciação da adesão com a idade: de acordo com esses
com média de 65,8±2,2 anos e predomínio do sexo estudos, pacientes mais idosos diferenciaram-se por
feminino; a maioria deles vivia com companheiro, era apresentar dificuldades físicas e cognitivas. A situação
predominantemente negra e tinha entre 5 e 11 anos econômica também pode influenciar a adesão: menor
de estudo, com renda acima de 2 salários mínimos à poder aquisitivo está relacionado com menor acesso
época (Tabela 1). a medicamentos.14-18
Entre as medidas não farmacológicas para controle O acesso a medicamentos no Brasil ainda é um
da hipertensão arterial, destaca-se a reeducação ali- problema, apesar das diversas políticas para sua
mentar e a prática de atividade física; 79,3% dos en- oferta gratuita. Enquanto a Política Nacional de Medi-
trevistados passaram por avaliação clínica nos últimos camentos visa o acesso aos medicamentos essenciais,
seis meses, 82,9% disseram nunca haver falha na entre- o desabastecimento ainda ocorre devido a problemas
ga do medicamento (falha da remessa postal), 83,1% complexos e multifatoriais.18-23 A falha no abastecimen-
responderam que retiraram os medicamentos na UBS to de medicamentos essenciais nas unidades públicas
e 82,6% não tiveram qualquer dificuldade para obter de saúde penaliza, predominantemente, indivíduos
os medicamentos nas unidades. Dos 106 participantes, mais vulneráveis e de menor renda.2
80,2% foram considerados aderentes. Do ponto de Estudos mostram que um dos fatores importantes
vista estatístico, não houve diferenças significativas na na adesão é o acesso ao medicamento e o acompa-
adesão quanto às características sociodemográficas, nhamento da equipe multiprofissional.16-18 O presente
clínicas e do Programa Remédio em Casa; optou-se estudo observou que a falha na entrega domiciliar,
por apresentar apenas a análise descritiva e as razões nas poucas ocasiões em que ocorreu, foi contornada
de prevalência ajustadas por idade e sexo (Tabela 1). pela pronta entrega na unidade de saúde. Ademais,
quando os participantes foram questionados sobre a
Discussão existência de impedimento para retirar medicamentos
na farmácia da UBS, 82,6% responderam que nunca
Os portadores de hipertensão arterial com pleno tiveram esse problema e 40% dos entrevistados ale-
acesso a medicamentos apresentaram alta adesão garam que o principal motivo de não ter feito seu uso
terapêutica. Os poucos participantes não aderentes adequado foi a falta do medicamento na rede de servi-
não diferiram dos demais, do ponto de vista das ços. Portanto, a entrega do medicamento em domicílio
características sociodemográficas, comportamentais parece não influenciar a adesão, já que as atividades
e clínicas. do programa exigem a presença dos participantes na

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):647-654, jul-set 2016 649


Adesão ao tratamento farmacológico de pacientes hipertensos

Tabela 1 – Prevalência de adesão a medicamentos segundo características sociodemográficas e clínicas dos


participantes e do Programa Remédio em Casa no município de São Paulo, 2012

Prevalência da adesão Razão de prevalência a


Característica n Valor p c
n (%) (IC95%) b
Sexo
Feminino 72 57 (79,2) 1 0,86
Masculino 34 28 (82,3) 1,04 (0,66;1,63)
Faixa etária (em anos)
50-59 27 24 (88,9) 1 0,56
≥60 79 61 (77,2) 0,87 (0,54;1,39)
Estado civil
Com companheiro 55 43 (78,2) 1 0,81
Sem companheiro 51 42 (82,3) 1,05 (0,69;1,61)
Cor da pele/raça
Branca 45 32 (71,1) 1 0,65
Negra 58 50 (86,2) 1,21 (0,78;1,89)
Não sabe/não respondeu 3 3 (100,0) 1,41 (0,43;4,59)
Religião
Evangélico 58 49 (84,5) 1 0,59
Outras 48 36 (75,0) 0,89 (0,58;1,36)
Escolaridade (em anos de estudo)
5-11 84 65 (77,4) 1 0,53
0-4 22 20 (90,9) 1,17 (0,71-1,94)
Renda (em salarios mínimos) d
<1 até 2 27 23 (85,2) 1 0,74
>2 até 5 79 62 (78,5) 0,92 (0,57-1,49)
Reside sozinho
Não 90 72 (80,0) 1 0,96
Sim 16 13 (81,2) 1,02 (0,56-1,83)
Tempo com hipertensão (em anos) (em anos)
1-5 33 24 (72,7) 1 0,90
6-10 30 27 (90,0) 1,23 (0,71;2,14)
11-15 14 11 (78,6) 1,08 (0,53;2,20)
≥16 29 23 (79,3) 1,09 (0,61;1,93)
Medidas não farmacológicas
Atividade física 38 33 (86,8) 1 0,88
Uso de chá 8 6 (75,0) 0,86 (0,36;2,06)
Reeducação alimentar 44 32 (72,7) 0,84 (0,51;1,36)
Não faz 16 14 (87,5) 1,01 (0,54;1,88)
Última consulta médica (em meses)
≤6 91 73 (79,3) 1 0,81
>6 14 12 (85,7) 1,08 (0,59;1,99)
Participação nos grupos educativos
Sim 3 3 (100,0) 1 0,71
Não 103 82 (79,6) 0,80 (0,25;2,52)
Internação nos últimos 12 meses
Não 99 80 (80,8) 1 0,78
Sim 7 5 (71,4) 0,88 (0,36;2,18)
Continua

650 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):647-654, jul-set 2016


Samir Nicola Mansour e colaboradoras

Tabela 1 – Continuação

Prevalência da adesão Razão de prevalência a


Característica n Valor p c
n (%) (IC95%) b
Doenças associadas
Não 44 33 (75,0) 1 0,61
Sim 62 52 (83,9) 1,12 (0,72;1,73)
Fumante
Não 7 4 (57,1) 1 0,52
Sim 54 43 (79,6) 1,39 (0,50;3,88)
Ex-fumante 45 38 (84,4) 1,48 (0,53;4,14)
Etilista
Não 94 75 (83,3) 1 0,89
Sim 12 10 (83,3) 1,04 (0,53;2,02)
Uso de medicamentos além dos disponibilizados pelo Programa Remédio em Casa
Não 27 19 (70,4) 1 0,50
Sim 79 66 (83,5) 1,19 (0,71;1,98)
Falha na entrega dos medicamentos
Nunca aconteceu 35 29 (82,9) 1 0,48
Pega na unidade 65 54 (83,1) 1,01 (0,64;1,57)
Comprou o medicamento 2 1 (50,0) 0,60 (0,82;4,42)
Esperou entregar e ficou sem tomar 4 1 (25,0) 0,30 (0,04;2,21)
Dificuldade de obter os medicamentos?
Não 98 81 (82,6) 1 0,29
Sim 8 4 (50,0) 0,60 (0,22;1,65)
Motivo da dificuldade
Nenhum 98 81 (82,6) 1 0,50
Medicamento em falta 5 2 (40,0) 0,48 (0,11;1,97)
Outros 3 2 (66,7) 0,81 (0,20;3,28)
Número de medicamentos por receita
1-3 53 44 (83,0) 1 0,90
4-6 47 37 (78,7) 0,95 (0,62;1,47)
≥7 6 4 (66,7) 0,80 (0,22;2,32)
Automedicação
Não 98 78 (79,6) 1 0,81
Sim 8 7 (87,5) 1,10 (0,51;2,38)
Quantidade de medicamentos para hipertensão
1 9 05 (55,6) 1 0,43
2-3 44 37 (84,1) 1,51 (0,59;3,85)
4-5 29 28 (96,5) 1,73 (0,67;4,50)
≥6 24 15 (62,5) 1,12 (0,41;3,09)
Tempo no Programa Remédio em Casa (em anos)
1-4 18 17 (94,4) 1 0,47
≥5 88 68 (77,3) 0,81 (0,48;1,39)
Reações adversas
Não 86 68 (79,1) 1 0,79
Sim 20 17 (85,0) 1,08 (0,63;1,89)
Continua

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):647-654, jul-set 2016 651


Adesão ao tratamento farmacológico de pacientes hipertensos

Tabela 1 – Continuação

Prevalência da adesão Razão de prevalência a


Característica n Valor p c
n (%) (IC95%) b
Administração de acordo com a prescrição
Sim 67 59 (88,1) 1 0,22
Não 14 7 (46,7) 0,53 (0,24;1,16)
Parcialmente 24 19 (79,2) 0,90 (0,53;1,51)
Conhece a indicação dos medicamentos
Sim 65 53 (81,5) 1 0,91
Não 18 13 (72,2) 0,88 (0,48;1,62)
Parcialmente 23 19 (82,6) 1,01 (0,60;1,71)
Forma de identificação do medicamento
Por nome 11 8 (72,7) 1 0,98
Por cor 18 15 (83,3) 1,14 (0,48;2,70)
Por tamanho/forma 26 20 (76,9) 1,06 (0,46;2,40)
Por embalagem 51 42 (82,3) 1,13 (0,53;2,41)
a) Ajustada por idade e sexo
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%
c) Teste do qui-quadrado
d) Valor do salário mínimo em 2012, ano do estudo: R$622,00

unidade, ocasião em que os medicamentos podem ser com a equipe multiprofissional minimizam riscos
retirados na farmácia. futuros de adoecimento e morte.18,21
Outro aspecto importante do Programa Remédio É plausível supor que em situação de adequada as-
em Casa é o acompanhamento médico: 79,3% dos sistência, fatores relacionados aos aspectos individuais
usuários referiram ter-se consultado nos últimos perdem influência na determinação da não adesão,
seis meses. Se o absenteísmo é baixo nas consul- sendo superados pela oferta efetiva de atenção à saúde
tas médicas individuais, nos grupos educativos e pleno acesso a medicamentos.
observa-se um elevado número de faltosos, o que Poucos são os estudos avaliativos da adesão à far-
corrobora estudos anteriores.18,23 No estudo reali- macoterapia em um cenário de total disponibilidade de
zado na cidade de Ribeirão Preto-SP em 2005, que medicamentos. Portanto, novas pesquisas envolvendo
avaliou 245 pacientes hipertensos, 23 89,7% dos maior número de participantes e diversificação na men-
entrevistados compareceram às consultas médicas e suração da adesão ainda são necessários, para entender
apresentaram maior aderência quando comparados detalhadamente a complexa dinâmica da determinação
aos pacientes faltosos. da adesão ao tratamento das doenças crônicas.
O estudo sobre adesão ao tratamento antirretro-
viral realizado com 73 pacientes no mesmo muni- Contribuição dos autores
cípio de São Paulo-SP, em 2014, apontou índices
significativos de adesão irregular aos antirretrovirais, Mansour SN realizou a concepção do trabalho,
com correlações entre adesão e suporte familiar.24 coleta e análise dos dados e redação.
O estudo sobre adesão ao tratamento farmacológico Monteiro CN atuou na análise e interpretação dos
para depressão realizado em Uberlândia-MG no ano dados, revisão crítica do artigo e redação.
de 2009, com 24 pacientes, identificou que a ade- Luiz OC atuou na concepção do trabalho, análise
são está relacionada ao contexto do tratamento.25 A dos dados e redação.
adequada estrutura e organização do serviço, com Todos os autores aprovaram a versão final do manus-
garantia de acompanhamento e consultas, pleno crito e declaram-se responsáveis por todos os aspectos
acesso a medicamentos e fortalecimento do vínculo do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

652 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):647-654, jul-set 2016


Samir Nicola Mansour e colaboradoras

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654 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):647-654, jul-set 2016


Nota de
pesquisa Fatores associados ao conhecimento sobre a toxoplasmose
entre gestantes atendidas na rede pública de saúde do
município de Niterói, Rio de Janeiro, 2013-2015*
doi: 10.5123/S1679-49742016000300022

Factors associated to toxoplasmosis-related knowledge among pregnant women attending


public health services in the municipality of Niterói, Rio de Janeiro, Brazil, 2013-2015

Fernanda Loureiro de Moura1


Patrícia Riddell Millar Goulart2
Ana Paula Pereira de Moura1
Thais Silva de Souza1
Ana Beatriz Monteiro Fonseca3
Maria Regina Reis Amendoeira1

1
Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Laboratório de Toxoplasmose e outras Protozooses, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
2
Universidade Federal Fluminense, Departamento de Microbiologia e Parasitologia, Niterói-RJ, Brasil
3
Universidade Federal Fluminense, Departamento de Estatística, Niterói-RJ, Brasil

Resumo
Objetivo: analisar os fatores associados ao conhecimento sobre a toxoplasmose entre gestantes atendidas na rede pública
de saúde do município de Niterói, Rio de Janeiro. Métodos: trata-se de um estudo transversal, realizado com gestantes
atendidas em oito unidades de saúde; os dados foram coletados por meio de questionário padronizado, no período de abril
de 2013 a fevereiro de 2015. Resultados: entre as 405 gestantes entrevistadas, 173 (42,7%) conheciam a toxoplasmose e
destas, 24,3% receberam informações por amigos; a proporção de gestantes com conhecimento sobre toxoplasmose aumentou
com a idade (p<0,001), a escolaridade (p<0,001) e o número de gestações (p=0,031); a história de aborto também esteve
associada com o conhecimento sobre toxoplasmose (p=0,019). Conclusão: as variáveis ‘faixa etária’, ‘escolaridade’, ‘número
de gestações’ e ‘história de aborto’ foram importantes para o conhecimento sobre toxoplasmose entre as gestantes da rede
pública de Niterói.
Palavras-chave: Toxoplasmose Congênita; Gestantes; Prevenção Primária; Estudos Transversais.

Abstract
Objective: to analyze the factors associated toxoplasmosis-related knowledge among pregnant women attending
public health services in the municipality of Niterói, Rio de Janeiro, Brazil. Methods: this is a cross-sectional
study conducted with pregnant women assisted in eight health care units; data was collected using a standardized
questionnaire, from April 2013 to February 2015. Results: among the 405 pregnant women interviewed, 173 (42.7%)
knew about toxoplasmosis and, of those, 24.3% knew about it through friends; the proportion of pregnant women
with toxoplasmosis-related knowledge increased with age (p<0.001), education level (p<0.001) and the number of
pregnancies (p=0.031); the history of abortion was also associated with toxoplasmosis-related knowledge (p=0.019).
Conclusion: the variables ‘age’, ‘education level’, ‘number of pregnancies’ and ‘abortion history’ were important
factors for toxoplasmosis-related knowledge among pregnant women assisted in the public health care sector of Niterói.
Key words: Toxoplasmosis, Congenital; Pregnant Women; Primary Prevention; Cross-Sectional Studies.

*Artigo baseado na tese de Doutorado da autora Fernanda Loureiro de Moura, intitulada ‘Ocorrência de toxoplasmose congênita,
avaliação do conhecimento sobre toxoplasmose e do acompanhamento sorológico das gestantes e implantação de medidas de
prevenção primária nos programas de pré-natal da Rede Pública de Saúde do município de Niterói-RJ’, apresentada junto ao Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Medicina Tropical da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), graças ao convênio entre a
Fiocruz e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)/Ministério da Educação (MS): Brasil sem Miséria.
A tese, desenvolvida sob orientação da Dra. Maria Regina Reis Amendoeira e co-orientação da Dra. Patrícia Riddell Millar Goulart, foi
defendida em 2016. Agência financiadora: Capes/MS. Bolsista do Programa Brasil sem Miséria: Fernanda Loureiro de Moura.

Endereço para correspondência:


Fernanda Loureiro de Moura – Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Laboratório de Toxoplasmose e outras Protozooses, Av. Brasil,
nº 4365, Manguinhos, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. CEP: 21045-900
E-mail: fernanda.loureiro@ioc.fiocruz.br; fernanda.loureiro@outlook.com

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):655-661, jul-set 2016 655


Fatores associados ao conhecimento sobre a toxoplasmose entre gestantes

Introdução rede pública de saúde do município de Niterói, Rio


de Janeiro, Brasil.
A infecção congênita pelo Toxoplasma gondii é um
problema de Saúde Pública e, se as gestantes não forem Métodos
tratadas, pode acarretar sequelas fetais.1-4 A infecção
fetal acontece quando a mulher suscetível é infectada Foi realizado estudo transversal com dados co-
durante a gestação,5 e ocorrem reagudizações de letados por meio de entrevistas, utilizando-se de
infecções crônicas3 ou reinfecções pelo protozoário.6 questionários padronizados e validados em estudos
Ainda não existe uma vacina comercial contra anteriores.16,21
toxoplasmose para gestantes, de modo que é impor- A coleta de dados foi realizada no período de abril
tante a adoção de medidas preventivas.7 A prevenção de 2013 a fevereiro de 2015, com a participação de
primária caracteriza-se por programas de educação gestantes atendidas na Policlínica Regional do Largo
em saúde, principalmente para as soronegativas, no da Batalha e em sete módulos do Programa Médico
sentido de evitar a soroconversão.8,9 A secundária de Família (PMF) da Fundação Municipal de Saúde
consiste no rastreamento sorológico para detecção de Niterói-RJ, localizados nos seguintes bairros: Iti-
da soroconversão, para que o tratamento seja o mais tioca, Atalaia, Vila Ipiranga, Lagoinha, Maceió, Grota
precoce possível e não haja infecção fetal.8 A pre- I e Preventório II.
venção terciária atua no recém-nascido já infectado, As participantes foram selecionadas por conveniên-
buscando tratar e prevenir complicações.10 cia. Todas as gestantes presentes nos locais de pesquisa
durante o período do estudo foram convidadas a par-
A ocorrência da infecção pelo T. gondii ticipar respondendo ao questionário; as gestantes que
durante a gestação tem sido relatada se recusaram, as portadoras de demências e aquelas
em diferentes regiões do país. com déficit auditivo ou de compreensão não foram
incluídas na amostra. Após a aplicação do questioná-
No Brasil, não há notificação da toxoplasmose rio, todas receberam um folheto e informações sobre
congênita em muitas localidades, dificultando a toxoplasmose.
a vigilância do agravo. 11,12 Muitas mulheres não Para a análise dos dados, utilizou-se estatística
realizam o pré-natal ou procuram o serviço tardia- descritiva, expressa por frequências absolutas e re-
mente,13 o que também pode dificultar o controle lativas. As associações foram analisadas pelo teste do
da toxoplasmose. qui-quadrado de Pearson, com nível de significância
A ocorrência da infecção pelo T. gondii durante a de 5%. O coeficiente V de Cramér foi usado para
gestação tem sido relatada em diferentes regiões do quantificar o grau de associação entre as variáveis:
país, tendo-se encontrado soroprevalência de 2% para 0=V<0,1 para associação fraca ou nenhuma associa-
anticorpos IgM anti-T. gondii em gestantes de São José ção; 0,1≤V<0,3 para associação baixa; 0,3≤V<0,5
do Rio Preto-SP,14 3,6% na Região do Alto Uruguai-RS,2 para associação moderada; e V≥0,5 para associação
2,4% em Porto Alegre-RS,15 0,25% em Niterói-RJ,16 forte. Os resultados da regressão logística múltipla
5,33% em Gurupi-TO4 e 0,9% em Caxias-MA.17 Há mais foram expressos por odds ratio (OR) e intervalo de
de uma década, estudos mostraram taxas de incidência confiança de 95% (IC95%).
da toxoplasmose congênita no Brasil de 0,2 a 5,0/1.000 Os dados foram digitados em planilhas do progra-
nascimentos.2,18,19 Entretanto, esses mesmos estudos ma Microsoft Excel 2010 e analisados com auxílio
são difíceis de comparar devido às grandes variações do programa IBM® Statistical Package for the Social
regionais e metodológicas.20 Sciences (SPSS)® versão 17.0.
Tendo em vista que a prevenção primária é a única As entrevistas foram realizadas individualmente,
forma disponível de se evitar a infecção materna pelo após prestação de esclarecimentos pelos pesquisado-
Toxoplasma gondii e que muitas gestantes não têm res sobre os objetivos da pesquisa, leitura e assinatura
informação sobre a doença, este estudo teve por ob- do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelas
jetivo analisar os fatores associados ao conhecimento gestantes. O projeto do estudo foi aprovado pelo
sobre a toxoplasmose entre gestantes atendidas na Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Instituto

656 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):655-661, jul-set 2016


Fernanda Loureiro de Moura e colaboradoras

Oswaldo Cruz – Parecer nº 110.045, em 28 de setem- pré-natal por período gestacional. Cabe destacar que
bro de 2012 – e realizado em conformidade com as entre as gestantes entrevistadas na primeira consulta do
recomendações da Resolução do Conselho Nacional pré-natal (n=139), 40,3% (n=56) tinham 13 semanas
de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012. ou mais de gestação, ou seja, estavam iniciando o pré-
natal tardiamente.
Resultados
Discussão
Foram entrevistadas 405 gestantes com idade de
13 a 43 anos e nível de escolaridade do analfabetismo O estudo revelou que fatores como aumento da
ao Ensino Superior – 28,9% tinham Ensino Médio idade e escolaridade, maior número de gestações e
completo –; 25,9% foram entrevistadas no primeiro aborto podem influenciar na aquisição do conheci-
trimestre da gestação, 45,2% na primeira gestação, mento sobre a toxoplasmose, o que, possivelmente,
34,3% realizavam a primeira consulta do pré-natal e terá um papel importante na adoção da prevenção
19,5% relataram história de aborto (Tabela 1). primária entre a população estudada.
A maioria das entrevistadas (57,3%) desconhecia Estudos anteriores com gestantes e puérperas de
a protozoose (Tabela 1). O conhecimento sobre toxo- Niterói-RJ, realizados entre 2010 e 2011,16,21 demons-
plasmose cresceu com a idade (p<0,001). A chance de traram que o risco da infecção pelo T. gondii aumenta
conhecer a toxoplasmose aumentou nas faixas etárias com a idade e que maior nível de escolaridade pode
elevadas: 4,38 vezes (IC95% 2,39;8,01) entre gestantes atuar como fator protetor contra a infecção.
de 31 a 43 anos, na comparação com a mesma chance Não houve associação entre o conhecimento sobre
entre as gestantes de 13 a 20 anos (Tabela 1). a toxoplasmose e a idade gestacional das participan-
Gestantes com maior nível de escolaridade tiveram tes; porém, seria esperado que gestantes com maior
mais chance de conhecer a toxoplasmose (p<0,001), idade gestacional tivessem mais conhecimento sobre
principalmente as mães com Ensino Médio comple- a doença. Este fato pode ser explicado pelo início
to (OR=6,26; IC95% 3,51;11,19), Ensino Superior tardio do pré-natal e, consequentemente, pelo nú-
incompleto (OR=27,3; IC95% 5,85;127,40) e Ensino mero reduzido de consultas no pré-natal observado
Superior completo (OR=8,49; IC95% 2,05;35,24), na pesquisa. Estudo realizado nos Estados Unidos da
em comparação àquelas com Ensino Fundamental América em 200322 não encontrou diferenças no nível
incompleto (Tabela 1). de conhecimento sobre a toxoplasmose por trimestre
O número de gestações mostrou-se associado ao co- gestacional ou número de gestações.
nhecimento sobre toxoplasmose. Mães com três gestações Os resultados mostraram que o número maior
ou mais tiveram 1,87 vezes (IC95% 1,16;3,02) a chance de de gestações foi associado ao conhecimento sobre a
conhecer toxoplasmose de mães primíparas (Tabela 1). toxoplasmose, assim como a história de aborto. Esses
O conhecimento sobre toxoplasmose foi maior achados já eram esperados. Observou-se, durante as
entre as gestantes com história de aborto (p=0,019; entrevistas, que as gestantes nessas condições pro-
OR=1,80; IC95% 1,10;2,96). curam mais informações sobre doenças capazes de
O grau de associação entre as variáveis analisadas causar problemas graves no feto. O fato de as gestantes
e o conhecimento sobre toxoplasmose variou de baixo serem sororreagentes também é uma variável associa-
a moderado (V de Cramér de 0,1 a 0,5). da ao conhecimento sobre a toxoplasmose.21
A idade gestacional e o número de consultas no Não foi observada associação entre o número de
pré-natal não estavam associados ao conhecimento consultas no pré-natal e o conhecimento sobre toxo-
sobre toxoplasmose (p>0,05). plasmose, sugerindo que esse tema não está sendo
Entre as gestantes que conheciam a toxoplasmose, abordado durante o pré-natal, fato possivelmente
as informações foram recebidas, principalmente, em relacionado com a demora na entrega dos exames, ou
conversas com amigos(as) (24,3%) e de médicos uma grande demanda de pacientes e reduzido número
(19,6%) (Tabela 2). de profissionais.12
Na Tabela 3, é apresentada a distribuição de Um estudo publicado em 2012,23 com gestantes
gestantes de acordo com o número de consultas no adolescentes do estado do Ceará, mostrou associação

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):655-661, jul-set 2016 657


Tabela 1 – Distribuição de gestantes atendidas na rede pública de saúde segundo a faixa etária, escolaridade, idade gestacional, número de gestações, número de

658
consultas no pré-natal, história de aborto e conhecimento sobre a toxoplasmose no município de Niterói, Rio de Janeiro, 2013-2015

Conheciam a toxoplasmose Desconheciam a toxoplasmose Total Coeficiente Odds ratio


Variáveis p-valor a
n (%) n (%) n (%) V de Cramér (intervalo de confiança de 95%)
Faixa etária (em anos)
13-20 37 (26,4) 103 (73,6) 140 (34,6) <0,001 0,259 1,00
21-30 92 (47,7) 101 (52,3) 193 (47,6) 2,54 (1,59;4,06)
31-43 44 (61,1) 28 (38,9) 72 (17,8) 4,38 (2,39;8,01)
Escolaridade
Ensino Fundamental incompleto 25 (25,6) 91 (78,4) 116 (28,6) <0,001 0,402 1,00
Ensino Fundamental completo 16 (50,0) 16 (50,0) 32 (7,9) 3,64 (1,60;8,28)
Ensino Médio incompleto 36 (32,1) 76 (67,9) 112 (27,7) 1,72 (0,95;3,12)
Ensino Médio completo 74 (63,2) 43 (36,8) 117 (28,9) 6,26 (3,51;11,19)
Ensino Superior incompleto 15 (88,2) 2 (11,8) 17 (4,2) 27,3 (5,85;127,40)
Ensino Superior completo 7 (70,0) 3 (30,0) 10 (2,5) 8,49 (2,05;35,24)
Analfabeta – 1 (100,0) 1 (0,2) –
Idade gestacional
Primeiro trimestre (2-12 semanas) 40 (38,1) 65 (61,9) 105 (25,9) 0,384 0,069 1,00
Segundo trimestre (13-24 semanas) 75 (42,4) 102 (57,6) 177 (43,7) 1,20 (0,73;1,96)
Fatores associados ao conhecimento sobre a toxoplasmose entre gestantes

Terceiro trimestre (25-41 semanas) 58 (47,2) 65 (52,8) 123 (30,4) 1,45 (0,85;2,46)
Número de gestações
1 66 (36,1) 117 (63,9) 183 (45,2) 0,031 0,131 1,00
2 50 (45,1) 61 (54,9) 111 (27,4) 1,45 (0,90;2,35)
≥3 57 (51,3) 54 (48,7) 111 (27,4) 1,87 (1,16;3,02)
Número de consultas no pré-natal

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):655-661, jul-set 2016


1 55 (39,6) 84 (60,4) 139 (34,3) 0,079 0,112 1,00
2-5 83 (40,9) 120 (59,1) 203 (50,1) 1,06 (0,68;1,64)
>5 35 (55,6) 28 (44,4) 63 (15,6) 1,91 (1,05;3,49)
Aborto
Sim 43 (54,4) 36 (45,6) 79 (19,5) 0,019 0,117 1,80 (1,10;2,96)
Não 130 (39,9) 196 (60,1) 326 (80,5) 1,00
Total 173 (42,7) 232 (57,3) 405 (100,0)
a) Teste do qui-quadrado de Pearson
Fernanda Loureiro de Moura e colaboradoras

Tabela 2 – Fontes de informação sobre toxoplasmose relatadas pelas gestantes atendidas na rede pública de saúde
do município de Niterói, Rio de Janeiro, 2013-2015

Fonte de informações sobre a toxoplasmose n (173) %


Conversa com amigos(as) 42 24,3
Médico(a) 34 19,6
Televisão 24 13,9
Escola 23 13,3
Outros (familiares que tiveram a doença; cursos e palestras no local de trabalho; gestações anteriores) 15 8,8
Panfletos 12 6,9
Enfermeiro(a) 11 6,3
Internet 11 6,3
Jornal 1 0,6

Tabela 3 – Distribuição de gestantes de acordo com o número de consultas no pré-natal por período gestacional no
município de Niterói, Rio de Janeiro, 2013-2015

Número de consultas no pré-natal


Total
Idade gestacional 1 2a5 mais de 5 n (%)
n (%) n (%) n (%)
Primeiro trimestre (2-12 semanas) 83 (79,0) 22 (21,0) – 105 (25,9)
Segundo trimestre (13-24 semanas) 50 (28,2) 121 (68,4) 6 (3,4) 177 (43,7)
Terceiro trimestre (25-41 semanas) 6 (4,9) 60 (48,8) 57 (46,3) 123 (30,4)
Total 139 (34,3) 203 (50,1) 63 (15,6) 405 (100,0)

positiva entre adoção de medidas preventivas e duas ou profissionais de saúde realizarem a prevenção pri-
mais consultas no pré-natal. Durante a pesquisa, foram mária da toxoplasmose congênita, ação para a qual
observados diversos fatores capazes de explicar o nú- são requeridas mudanças comportamentais e de
mero reduzido de consultas no pré-natal na população hábitos alimentares por parte das gestantes. É muito
estudada, como o atraso na suspeita e confirmação da importante que os profissionais sejam capacitados, e
gravidez, a demora em agendar a consulta do pré-natal e as medidas de educação das gestantes realizadas de
o fato de muitas gestantes estarem realizando o pré-natal forma contínua, para que a prevenção primária da
na rede privada mas, sem condições financeiras de arcar toxoplasmose congênita seja efetiva.
com os custos do parto, procurarem o serviço público de
saúde quando já no terceiro trimestre de gestação – de Contribuição das autoras
acordo com os relatos das gestantes durante as entrevis-
tas. Estudos realizados na Europa, em 200124 e 2008,25 Moura FL, Amendoeira MRR, Goulart PRM, Moura
comprovaram o efeito positivo da prevenção primária APP, Souza TS e Fonseca ABM contribuíram na con-
da toxoplasmose sobre o conhecimento e exposição aos cepção e delineamento do estudo, redação e revisão
fatores de risco para a doença. Porém, em Niterói como crítica do conteúdo intelectual, análise e interpretação
em outros municípios brasileiros, essa prática ainda não dos resultados, e aprovação da versão final do manus-
era valorizada, segundo estudos prévios.9,12,17,21,23,26,27 crito. Todas as autoras declaram serem responsáveis
Evidenciou-se a falta de conhecimento sobre a por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua
toxoplasmose, configurando um desafio para os precisão e integridade.

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):655-661, jul-set 2016 659


Fatores associados ao conhecimento sobre a toxoplasmose entre gestantes

Referências

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660 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):655-661, jul-set 2016


Fernanda Loureiro de Moura e colaboradoras

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behavior for congenital toxoplasmosis: the Recebido em 29/01/2016
Aprovado em 17/05/2016
experience in Pozna, Poland. Health Educ Res. 2001
Aug;16(4):493-502.

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):655-661, jul-set 2016 661


Guia de Vigilância em Saúde
ISBN: 978-85-334-2179-0

O Guia de Vigilância em Saúde contempla as dimensões de


“protocolos de conduta” em vigilância em saúde, baseadas na
aplicação do conhecimento científico e nas normas técnicas que
orientam a atuação dos profissionais para o controle de doenças
de importância em saúde pública. A publicação visa disseminar
os procedimentos relativos aos fluxos, prazos, instrumentos,
definições de casos suspeitos e confirmados, funcionamento
dos sistemas de informação em saúde, condutas, medidas de
controle e demais diretrizes técnicas para operacionalização do
Sistema Nacional de Vigilância em Saúde.
Acesse o Guia de Vigilância em Saúde: www.saude.gov.br/svs.

ISSN 2358-9450

O Boletim Epidemiológico é uma publicação de caráter técnico-científico, de acesso livre, em formato


eletrônico, editada pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. O boletim traz
informações acerca do monitoramento de eventos com possibilidades de desencadear emergência de
Saúde Pública, análises epidemiológicas sobre doenças e agravos de importância para o Sistema Único
de Saúde, investigações de surtos e outros temas de interesse da Vigilância em Saúde no Brasil.
Acesse o Boletim Epidemiológico: www.saude.gov.br/svs.

Revista Pan-Amazônica de Saúde


ISSN 2176-6223

Com periodicidade trimestral, a Revista Pan-Amazônica de


Saúde, editada pelo Instituto Evandro Chagas, publica artigos nos
campos epidemiológico, entomológico, ecológico, antropológico,
socioeconômico, dos imunobiológicos, do meio ambiente e outros
relacionados à saúde humana. Aceita contribuições em português,
inglês e espanhol e, na versão eletrônica, disponibiliza artigos
completos nos três idiomas. É QUALIS/CAPES B4 em Enfermagem,
História, Interdisciplinar, Saúde Coletiva (2014), Medicina Veterinária,
Odontologia (2013); e B5 em Medicina II (2014), Ciências Ambientais,
Ciências Biológicas I, Medicina I (2013).
Acesse o Revista Pan-Amazônica de Saúde: http://revista.iec.pa.gov.br.

662
Avaliação
Econômica Desfechos em estudos de avaliação econômica em saúde
doi: 10.5123/S1679-49742016000300023

Outcomes in health economic evaluation studies

Marcus Tolentino Silva1


Everton Nunes da Silva2
Maurício Gomes Pereira3

1
Universidade de Sorocaba, Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Sorocaba-SP, Brasil
2
Universidade de Brasília, Faculdade de Ceilândia, Brasília-DF, Brasil
3
Universidade de Brasília, Faculdade de Medicina, Brasília-DF, Brasil

Os estudos de avaliação econômica são realizados sanitário competente. Esta conduta induz em viés de
de diferentes maneiras, em função, principalmente, relato seletivo de desfechos, quando se realçam apenas
dos desfechos de saúde selecionados.1 No presente os resultados que deram certo.3 Ademais, deve-se evitar o
artigo, abordam-se os principais tipos de desfechos uso de desfechos substitutos – por exemplo, parâmetros
utilizados, apresentam-se as suas características, a bioquímicos ou fisiológicos que não necessariamente
forma de mensurá-los e as evidências científicas que estão relacionadas com resultados importantes para
proporcionam. Também são comentados alguns tipos os pacientes.4 No uso de desfechos substitutos, convém
de análises complementares utilizadas para testar a justificá-los por meio de evidência clínica pertinente.
robustez e a confiabilidade dos achados. Uma opção para aumentar o poder estatístico de
pesquisas clínicas é a utilização de desfechos com-
Desfechos clínicos binados.5 Agrupam-se diversos resultados clínicos
em um único desfecho, como a presença de duas ou
Desfechos clínicos compreendem os sinais e sintomas mais comorbidades.
resultantes de um agravo ou de seu manejo, usualmente
mensurados em consulta médica.2 Alguns desfechos Desfechos de utilidade
são de fácil mensuração, como sequelas relevantes e
óbito. Outros dependem do conhecimento da história Utilidade expressa a preferência do indivíduo por
natural da doença, sendo exemplo a retinopatia desen- determinado estado de saúde.6 São muito utilizados os
cadeada pelo diabetes não controlado. Ainda há aqueles anos de vida ajustados por qualidade (quality-adjusted
decorrentes da intervenção, como reações adversas. life years – QALY) e os anos de vida ajustados por
Por vezes, os estudos de avaliação econômica prio- incapacidade (disability-adjusted life years – DALY).
rizam apenas os desfechos usados em ensaios clínicos O QALY tende a ser o indicador mais comum. É obtido
ou aqueles utilizados nos dossiês de registro no órgão pela aplicação de técnicas ou instrumentos que aferem o

Endereço para correspondência:


Marcus Tolentino Silva – Rod. Raposo Tavares, Km 92,5, Sorocaba-SP, CEP: 18023-000
E-mail: marcusts@gmail.com

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):663-666, jul-set 2016 663


Desfechos em estudos de avaliação econômica em saúde

impacto de um agravo em diversas dimensões.7 Entre as O incremento salarial é geralmente baseado no salário
dimensões mais utilizadas em instrumentos indiretos de médio, estratificado por sexo, idade ou ocupação.
mensuração estão a mobilidade, a ansiedade e depressão, O método disposição a pagar é o mais recomendado.8
o cuidado próprio, a dor e o mal-estar. No Brasil, dois Determinam-se os gastos evitados e o quanto as pessoas
instrumentos estão validados, o EQ-5D (EuroQol five estão decididas a desembolsar para reduzir a chance
dimensions questionnaire) e o SF-6D (Short-form de evento indesejável à saúde. Desse modo, benefícios
6 dimensions). Técnicas diretas de mensuração do intangíveis também são computados na análise. Para de-
QALY incluem o time-trade-off, o standard gamble e duzir seus valores, elaboram-se entrevistas com cenários
a escala visual analógica.6 Essas estratégias empregam hipotéticos, a fim de se obter a intenção de pagamento.
escalas ou simulação de cenários.
O DALY retrata a quantidade de anos perdidos Fontes de informação sobre desfechos
devido à incapacidade e à morte.7 A partir da ex-
pectativa de vida esperada, diminuem-se os anos de Diretrizes clínicas confiáveis estabelecem os cri-
improdutividade em decorrência de um dano e os térios de diagnóstico, o algoritmo de tratamento e os
anos de vida perdidos. mecanismos para o monitoramento clínico. Assim, tais
Independentemente do método de aferição da uti- documentos são as primeiras fontes a serem consultadas
lidade, recomenda-se que esta seja feita em amostra na identificação de desfechos clinicamente importantes.
representativa de indivíduos com a condição clínica Independentemente do tipo de desfecho, a confia-
de interesse. Além disso, a utilidade é influenciada bilidade do dado é influenciada pela característica do
por fatores intrínsecos ao contexto estudado, como os estudo. Revisões sistemáticas da literatura informam de
valores e as percepções da sociedade frente a situações maneira consistente o desempenho das estratégias em
adversas. Assim, usar dados de utilidade de outros países investigação. É possível usar dados do próprio local,
pode comprometer a robustez do estudo. quando essa mensuração puder ser feita. As melhores
aferições são provenientes de ensaios clínicos randomi-
Desfechos monetários zados. Estes são particularmente importantes quando
agregam conhecimento sobre a principal intervenção
Análises de custo-benefício mensuram os desfechos ou estratégia em análise.
em unidades monetárias.1 Essa estratégia é particu- Na ausência de ensaios clínicos sobre o tema,
larmente útil quando há necessidade de comparação recorre-se aos delineamentos observacionais. Mais
entre intervenções de áreas distintas, por exemplo recentemente, os pesquisadores têm optado pelo uso
entre campanha de vacinação e aquisição de leitos de de grandes bases de dados (big data) e prontuários
Unidade de Terapia Intensiva (UTI). No entanto, há eletrônicos como fontes de informação. Os estudos de
preocupações éticas e metodológicas ao se atribuir coorte são hierarquicamente superiores ao de caso-
valor monetário à vida humana. controle, e estes são preferidos aos estudos transversais.
Converter consequências clínicas em unidades monetá- Ainda é possível recorrer a painéis de especialistas,
rias requer o balanceamento de preferências individuais e que geram informações situadas em posição inferior
valores sociais. As técnicas de capital humano e de dispo- na hierarquia das evidências.
sição a pagar são as mais empregadas.8 Os procedimentos
objetivam estimar os custos que seriam evitados caso a Análises complementares
intervenção ou estratégia sob investigação fosse adotada.
Tomando como exemplo a comparação entre o teste rápido Tanto os custos como os resultados em saúde preci-
da malária e a microscopia, o benefício monetário a aferir sam ser corrigidos se o horizonte temporal for superior
poderia ser os custos evitados decorrentes de despesas a um ano. Para compatibilizar diferentes períodos de
médico-hospitalares e a perda de produtividade evitada tempo, uma taxa de desconto deve ser utilizada, além
devida à incapacidade e à morte precoce.9 do ajuste para inflação. No Brasil, sugere-se aplicação
O método de capital humano parte do pressuposto de uma taxa de desconto de 5%.10
de que o valor do benefício à saúde é igual aos ganhos Desfechos são aferidos em amostras, de modo que
de rendimentos causados pela intervenção ou estratégia. existe uma variabilidade esperada para os resultados,

664 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):663-666, jul-set 2016


Marcus Tolentino Silva e colaboradores

normalmente expressa por intervalos de confiança. Tais avaliação econômica. A Figura 1 contém uma lista de
resultados são usados em análises de sensibilidade, verificação para nortear o trabalho. A escolha pode ser
tópico a ser discutido nesta série. por desfechos de fácil mensuração – por exemplo, a
Na maior parte das vezes, é possível segmentar a ocorrência de óbito –, assim como por outros de maior
população-alvo em estratos de melhor ou pior prog- complexidade de obtenção, por serem multidimensionais,
nóstico. Também pode ser de interesse investigar a como a qualidade de vida.
presença ou ausência de comorbidades na análise. A escolha por determinado desfecho reflete a pers-
Esses detalhamentos aumentam a validade externa do pectiva do estudo, o entendimento do curso clínico da
modelo econômico. doença e a conjectura analítica. Equipes com diversidade
profissional tendem a fazer melhores escolhas. Ainda
Considerações finais há uma lacuna importante na pesquisa de desfechos
no Brasil. Instrumentos que mensuram a qualidade de
Este artigo apresenta os princípios adotados na vida deveriam ser mais extensivamente empregados,
seleção de desfechos a serem usados em estudos de mesmo na rotina dos serviços.

Etapas Questão central

Inicia-se com os desfechos clínicos. A depender da conjectura, os


1. Identifique desfechos primários e secundários que resultados são ponderados em termos de utilidade (exemplo: anos de
respondam diretamente às questões de pesquisa vida ajustados por qualidade – QALY) ou valores monetários.

Os desfechos devem refletir a história natural da doença e os potenciais


efeitos das intervenções ou estratégias em análise. Na maior parte das
2. Faça definição clara e objetiva dos desfechos clínicos vezes, os métodos de mensuração devem ser válidos – por exemplo,
recomendados por diretriz clínica.

Os instrumentos precisam refletir as condições específicas do curso clínico


3. Assinale os instrumentos de aferição nos estudos de da doença ou do tratamento. Sugere-se a mensuração dos anos de vida
custo-utilidade ajustados por qualidade (QALY). Existem estimações diretas e indiretas
(ver texto).

4. Especifique o método de mensuração nos estudos de Os resultados clínicos são convertidos para valores monetários. Sugere-se
custo-benefício o uso do método disposição a pagar.

Identifique estratos populacionais ou subgrupos clínicos importantes.


Realize análises de sensibilidade considerando a variação observada,
5. Considere análises adicionais usando, por exemplo, intervalos de confiança. Ajuste as projeções dos
desfechos para períodos superiores a um ano, mediante aplicação da taxa
de desconto.

Figura 1 – Itens a serem verificados na identificação e mensuração dos desfechos em estudos de avaliação
econômica em saúde

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Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):663-666, jul-set 2016 665


Desfechos em estudos de avaliação econômica em saúde

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state utilities for resource allocation: review and 10. Vanni T, Luz PM, Ribeiro RA, Novaes HMD, Polanczyk
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Oct;307:924-6

666 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):663-666, jul-set 2016


Errata
doi: 10.5123/S1679-49742016000300024

No artigo “Heterogeneidade e viés de publicação em revisões sistemáticas”, com número de doi: 10.5123/
S1679-49742014000400021, publicado na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, 23(4): 775-778, na
página 776. Correção na Figura 1b.

onde se lia:
Vitamina D Controle Risco relativo Risco relativo
Estudo ou subgrupo Peso
Eventos Total Eventos Total M-H, Randômico, IC95% M-H, Randômico, IC95%

Vitamina D 700-800 UI/dia


Chapuy 1994 255 1.176 308 1.127 50,5% 0,79 [0,69, 0,92]
Dawson-Hunghes 1997 11 202 26 187 6,1% 0,39 [0,20, 0,77]
Pfeifer 2000 3 70 6 67 1,6% 0,48 [0,12, 1,84]
Chapuy 2002 97 393 55 190 25,5% 0,85 [0,64, 1,13]
Trived 2003 43 1.345 62 1.341 16,3% 0,69 [0,47, 1,01]
Subtotal (IC95%) 3.186 2.912 100,0% 0,75 [0,63, 0,89]
Total de eventos 409 457
Heterogeneidade: Tau=0,01; Chi=5,33, df= 4 (P=0,26); I=25%
Teste do efeito global: Z=3.24 (P=0.001)
Vitamina D 400 UI/dia
Lips 1996 135 1.291 122 1.287 63,2% 1,10 [0,87, 1,39]
Meyer 2002 69 569 76 575 36,8% 0,92 [0,68, 1,24]
Subtotal (IC95%) 1.860 1.862 100,0% 1,03 [0,86, 1,24]
Total de eventos 204 198
Heterogeneidade: Tau=0,00; Chi=0,89, df= 1 (P=0,35); I=0%
0.2 0.5 1 2
Teste do efeito global: Z=0,32 (P=0,75) Favorece vitamina D Favorece controle
Adaptado de Bischoff-Ferrari et al.,2005.5

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):667-669, jul-set 2016 667


Errata

leia-se:
Vitamina D Controle Risco relativo Risco relativo
Estudo ou subgrupo Peso
Eventos Total Eventos Total M-H, Randômico, IC95% M-H, Randômico, IC95%

Vitamina D 700-800 UI/dia


Chapuy 1994 255 1.176 308 1.127 50,5% 0,79 [0,69, 0,92]
Dawson-Hunghes 1997 11 202 26 187 6,1% 0,39 [0,20, 0,77]
Pfeifer 2000 3 70 6 67 1,6% 0,48 [0,12, 1,84]
Chapuy 2002 97 393 55 190 25,5% 0,85 [0,64, 1,13]
Trived 2003 43 1.345 62 1.341 16,3% 0,69 [0,47, 1,01]
Subtotal (IC95%) 3.186 2.912 100,0% 0,75 [0,63, 0,89]
Total de eventos 409 457
Heterogeneidade: Tau=0,01; Chi=5,33, df= 4 (P=0,26); I=25%
Teste do efeito global: Z=3.24 (P=0.001)
Vitamina D 400 UI/dia
Lips 1996 135 1.291 122 1.287 63,2% 1,10 [0,87, 1,39]
Meyer 2002 69 569 76 575 36,8% 0,92 [0,68, 1,24]
Subtotal (IC95%) 1.860 1.862 100,0% 1,03 [0,86, 1,24]
Total de eventos 204 198
Heterogeneidade: Tau=0,00; Chi=0,89, df= 1 (P=0,35); I=0%
0.2 0.5 1 2
Teste do efeito global: Z=0,32 (P=0,75) Favorece vitamina D Favorece controle
Adaptado de Bischoff-Ferrari et al.,2005.5

Errata publicada na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, 25(3):668-669, acesse: http://www.scielo.br/pdf/


ress/v25n3/2237-9622-ress-25-03-00668.pdf.

Para o artigo original acesse: http://www.scielo.br/pdf/ress/v23n4/2237-9622-ress-23-04-00775.pdf

668 Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):667-669, jul-set 2016


Errata

No artigo “Utilização do método de captura-recaptura de casos para a melhoria do registro dos acidentes de
trabalho fatais em Belo Horizonte, Minas Gerais, 2011”, com número de doi: 10.5123/S1679-49742016000100009,
publicado na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, 25(1): 85-94, na página 94. Correção na referência 18.

onde se lia:
18. Instituto Brasileiro de Epidemiologia e Estatística. Censo Demográfico de 2010 [Internet]. Rio de Janeiro:
Instituto Brasileiro de Epidemiologia e Estatística; 2010 [citado 2015 nov 09]. Disponível em: Disponível em:
http://censo2010.ibge.gov.br/

leia-se:
18. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 2010 [Internet]. Rio de Janeiro:
Insti­tuto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010 [citado 2015 nov 09]. Disponível em: Disponível em: http://
censo2010.ibge.gov.br/

Errata publicada na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, 25(3):669, acesse: http://www.scielo.br/pdf/ress/


v25n3/2237-9622-ress-25-03-00669.pdf.

Para o artigo original acesse: http://www.scielo.br/pdf/ress/v25n1/2237-9622-ress-25-01-00085.pdf

No artigo “Notificações de transtornos mentais relacionados ao trabalho entre trabalhadores na Bahia:


estudo descritivo, 2007-2012”, com número de doi: 10.5123/S1679-49742016000200015, publicado na revista
Epidemiologia e Serviços de Saúde, 25(2): 363-372, na página 363. Correção do título em espanhol.

onde se lia:
Aspectos relativos a la notificación de trastornos mentales relacionados al trabajo entre trabajadores de Bahía:
un estudio descriptivo, 2007-2012.

leia-se:
Notificaciones de transtornos mentales relacionados al trabajo en trabajadores de Bahia: un estudio descriptivo,
2007-2012.

Errata publicada na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, 25(3):669, acesse: http://www.scielo.br/pdf/ress/


v25n3/2237-9622-ress-25-03-00669.pdf.

Para o artigo original acesse: http://www.scielo.br/pdf/ress/v25n2/2237-9622-ress-25-02-00363.pdf

Epidemiol. Serv. Saude, Brasília, 25(3):667-669, jul-set 2016 669

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