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Epidemiologia

e Serviços de Saúde
R E V I S T A D O S I S T E M A Ú N I C O D E S A Ú D E D O B R A S I L

| Volume 20 - Nº 4 - outubro / dezembro de 2011 |

ISSN 1679-4974
ISSN ONLINE2237-9622

4
Epidemiologia
e Serviços de Saúde
REVISTA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE DO BRASIL

| Vol u me 20 - No 4 - outubro/dezembro de 2011 |

I S S N 1679- 4974
ISSN online 2237-9622

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Trimestral
ISSN 1679-4974, ISSN online 2237-9622

Continuação de: Informe Epidemiológico do SUS


ISSN 0104-1673

1. Epidemiologia. 2. Serviços de Saúde. I. Secretaria


de Vigilância em Saúde.
Sumário
EDITORIAL
421 O enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis:
um desafio para a sociedade brasileira

ARTIGO ORIGINAL
425 Apresentação do plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças
crônicas não transmissíveis no Brasil, 2011 a 2022
Presentation of the Strategic Action Plan for Cping with Chronic Diseases in Brazil from 2011 to 2022
Deborah Carvalho Malta, Otaliba Libânio de Morais Neto, Jarbas Barbosa da Silva Junior e Grupo Técnico de Redação

439 Fatores associados ao diabetes Mellitus em participantes do Programa ‘Academia da


Cidade’ na Região Leste do Município de Belo Horizonte, Minas Gerais,
Brasil, 2007 e 2008
Factors Associated with Diabetes Mellitus in Participants of the ‘Academia da Cidade’ Program in the
Eastern Region of the Municipality of Belo Horizonte, State of Minas Gerais, Brazil, 2007 and 2008
Mariana Carvalho de Menezes, Adriano Marçal Pimenta, Luana Caroline dos Santos e Aline Cristine Souza Lopes

449 Estudo de caso do processo de formulação da Política Nacional de Alimentação e


Nutrição no Brasil
Case Study of the Formulation of the National Policy of Diet and Nutrition in Brazil
Denise Bomtempo Birche de Carvalho, Deborah Carvalho Malta, Elisabeth Carmen Duarte, Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha,
Lenildo de Moura, Otaliba Libânio de Morais Neto, Ana Beatriz Vasconcelos e Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro

459 Perfil epidemiológico dos cidadãos de Florianópolis quanto à exposição solar


Epidemiologic Profile of Sun Exposure in Florianópolis Citizens
Karoline Rizzatti, Ione Jayce Ceola Schneider e Eleonora d’Orsi

471 Fatores associados aos componentes de aptidão e nível de atividade física de usuários
da Estratégia de Saúde da Família, Município de Botucatu, Estado de São Paulo,
Brasil, 2006 a 2007
Factors Associated with the Components of Fitness and Physical Activity Level in Users of Family Health
Strategy, Municipality of Botucatu, state of São Paulo, Brazil, 2006 to 2007
Edilaine Michelin, José Eduardo Corrente e Roberto Carlos Burini

481 Orientações de saúde reprodutiva recebidas na escola – uma análise da Pesquisa


Nacional de Saúde do Escolar nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, 2009
Reproductive Health Guidance Received at School – an Analysis of the National Survey of School Health in
the Brazilian State Capitals and the Federal District, 2009
Deborah Carvalho Malta, Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha, Ivo Brito, Maria Rebeca Otero Gomes, Martha Rabelo, Otaliba
Libânio de Morais Neto e Gerson Oliveira Penna

491 Fatores associados à mortalidade infantil no Município de Foz do Iguaçu, Paraná,


Brasil: estudo de caso-controle
Associated Factors and Infant Mortality in the Municipality of Foz do Iguaçu, State of Paraná, Brazil –
a Case Control Study
Roberto Valiente Doldan, Juvenal Soares Dias da Costa e Marcelo Felipe Nunes

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4): out-dez 2011


499 Características clínico-epidemiológicas de pacientes idosos com aids em hospital
de referência, Teresina-PI, 1996 a 2009
Clinical and Epidemiological Characteristics of Elderly Patients with AIDS in a Reference Hospital,
Teresina-PI, 1996 to 2009
Helony Rodrigues da Silva, Maria Do Ó Cunha Marreiros, Thiago Silveira Figueiredo e Maria do Livramento Fortes Figueiredo

509 Situação da Raiva no Brasil, 2000 a 2009


Rabies Situation in Brazil, 2000 to 2009
Marcelo Yoshito Wada, Silene Manrique Rocha e Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury

519 Coinfecção Leishmania-HIV no Brasil: aspectos epidemiológicos,


clínicos e laboratoriais
Co-infection Leishmania/HIV in Brazil: Epidemiological, Clinical and Laboratorial Aspects
Marcia Leite de Sousa-Gomes, Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury, Daniele Maria Pelissari, Francisco Edilson Ferreira de Lima
Junior, Joana Martins de Sena e Michella Paula Cechinel

527 Epizootias em primatas não humanos durante reemergência do vírus da febre


amarela no Brasil, 2007 a 2009
Epizootics in Nonhuman Primates during Reemergence of Yellow Fever Virus in Brazil, 2007 to 2009
Francisco Anilton Alves Araújo, Daniel Garkauskas Ramos, Arthur Levantezi Santos, Pedro Henrique de Oliveira Passos,
Ana Nilce Silveira Maia Elkhoury, Zouraide Guerra Antunes Costa, Silvana Gomes Leal e Alessandro Pecego Martins Romano

537 Caracterização clínica e epidemiológica dos casos confirmados de hantavirose com


local provável de infecção no bioma Cerrado Brasileiro, 1996 a 2008
Clinical and Epidemiological Characterization of Confirmed Cases of Hantavirus with Suspected
Infection Site in the Biome Brazilian Cerrado, 1996 to 2008
Marília Lavocat Nunes, Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury, Daniele Maria Pelissari e Mauro da Rosa Elkhoury

547 A Vigilância da fluoretação de águas nas capitais brasileiras


Water Fluoridation Surveillance in Brazilian Capitals
Kátia Cesa, Claídes Abegg e Denise Aerts

557 Detecção de bactérias do gênero Legionella em amostras de água de


sistemas de ar condicionado
Detection of the Legionella Genus in Water Samples from Air Conditioning Systems
Helder Yudji Etto e Maria Tereza Pepe Razzolini

ARTIGO DE REVISÃO
565 Revisão sistemática dos fatores associados à leptospirose no Brasil, 2000-2009
Systematic Review of Factors Associated to Leptospirosis in Brazil, 2000-2009
Daniele Maria Pelissari, Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury, Maria de Lourdes Nobre Simões Arsky e Marília Lavocat Nunes

575 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4): out-dez 2011


Editorial

O enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis:


um desafio para a sociedade brasileira
doi: 10.5123/S1679-49742011000400001

A
s doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) vêm aumentando no Brasil, hoje alcançando 72,0% do
total de óbitos. Em 1998, elas eram responsáveis por 66,0% dos DALY (anos de vida com qualidade
que são perdidos devido à doença).1 Já em 2005, no estado de Minas Gerais, elas eram responsáveis
por 75,0% dos DALY (66,0% dos DALY de mortalidade e 87,0% dos de morbidade).2 Considerando-se, entre
outros fatores, o progressivo envelhecimento da população, a tendência é de que continuem aumentando.
O desafio provocado pelas DCNT foi mundialmente debatido em 2011, culminando em uma Reunião de
Alto Nível da Organização das Nações Unidas (ONU) no mês de setembro.3 O ‘Plano de Ações Estratégicas
para o Enfrentamento das DCNT no Brasil 2011-2022’,4 apresentado nesta edição da Epidemiologia e
Serviços de Saúde,5 é a resposta do Governo Brasileiro a esse desafio.
O Plano, acertadamente, valoriza ações populacionais de Promoção da Saúde, que, com frequência,
extrapolam o setor Saúde e trazem, consigo, ao menos duas grandes vantagens: podem reduzir a incidência
das DCNT, o que é muito melhor do que combatê-las quando já instaladas; e há evidências, contundentes,
de que tais ações sejam altamente custo-efetivas.6
O combate ao fumo, que envolveu legislação e impostos, é um bem-sucedido exemplo de promoção
da saúde no Brasil: entre 1989 e 2009: as prevalências de fumo caíram de 35,0% para 17,0%, o que
poderia explicar, ao menos em parte, as quedas marcantes na mortalidade por doenças cardiovasculares
e respiratórias crônicas observadas no período.7,8 Ao ampliar essas ações, o Plano visa alcançar, em
2022, uma prevalência de fumo de apenas 10,0% (e quiçá de <5,0% em 2040!).
Ações semelhantes vêm sendo adotadas em vários países para reduzir o uso nocivo de bebidas al-
coólicas e o consumo de alimentos pouco saudáveis, hábitos estes também fortemente influenciados
por interesses comerciais e econômicos globalizados: exemplo recente é a exigência da FIFA para que
o Brasil remova suas restrições à venda de bebidas alcoólicas nos jogos da Copa do Mundo. Já foi
considerada a possibilidade de se firmar uma convenção-quadro para o controle do álcool; porém, a
vontade política e a longa história de resoluções multilaterais que resultaram na Convenção-Quadro
para o Controle do Tabaco (tratado internacional, negociado por 192 países e aprovado em 2003, que
estabelece compromissos para adoção de medidas de restrição do consumo de produtos derivados do
tabaco) ainda precisam ser construídas para o uso do álcool, um hábito bem mais antigo e disseminado.
Recolocada de forma mais ampla recentemente, a proposição é de que o controle dos demais fatores
de risco para as DCNT poder-se-ia inspirar na Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco.9 O Brasil,
ator importante na construção desta Convenção-Quadro, foi presença marcante na Reunião de Alto Nível
da ONU e poderá exercer liderança nas articulações internacionais necessárias, no sentido de se definir
uma convenção-quadro para o controle do álcool.

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):421-424,out-dez 2011 421


Talvez o maior desafio para o sucesso do Plano esteja no efetivo enfrentamento da crescente epidemia
mundial de obesidade. Os dados mais recentes do Brasil são alarmantes: devido ao aumento progressivo
do peso nas últimas três décadas, 48,0% das brasileiras e 50,0% dos brasileiros adultos se encontram,
atualmente, com peso considerado excessivo.10 O Plano contempla iniciativas importantes mas é preciso
garanti-las – quiçá ampliá-las no curto prazo. Programas para promoção de hábitos ativos de vida, como
as ‘Academias da Saúde’ e os ‘Espaços Urbanos Saudáveis’, são passos na direção certa. O grande desafio é
ampliar o leque dessas ações visando estender a promoção a toda população brasileira. Como a obesidade
se transformou em uma doença social, a sociedade precisa ser “tratada” efetivamente: espaços de convívio
mais saudáveis e alimentos saudáveis devem estar mais disponíveis a todos. Os cinco próximos anos ofere-
cem oportunidades ímpares para que os brasileiros desenvolvam hábitos mais ativos de vida, em clima de
Copa do Mundo e Olimpíadas. Essa promoção da saúde poderia ser integrada com ações visando ao uso
seguro de bebidas alcoólicas e à escolha de alimentos mais saudáveis.
Outro braço importante do Plano é o cuidado clínico integral relacionado às DCNT. É bem provável que
o maior acesso a cuidados de saúde tenha contribuído para a queda na mortalidade por DCNT observada
no Brasil.7 Dados sobre internações hospitalares sensíveis à atenção primária à saúde (APS) apóiam essa
hipótese: maior atuação das equipes de APS associou-se a quedas acentuadas11 e níveis mais baixos dessas
internações, incluindo as causadas por doenças crônicas.12 É amplamente reconhecido que uma APS orien-
tada por seus atributos essenciais – acesso, longitudinalidade, integralidade e coordenação – é central no
enfrentamento das DCNT.13-15 Outros aspectos importantes para o modelo de atenção é o cuidado centrado
na pessoa (não na doença), exercido por equipe multiprofissional, organizado em redes de atenção à
saúde e redesenhado para melhor atender pessoas com condições crônicas.16,17 Baseando-se nas melhores
evidências disponíveis,6 esse cuidado deve oferecer remédios comprovadamente custo-efetivos, empreender
ações de promoção da saúde e habilitar os portadores de doenças crônicas para seu auto-manejo.
É importante ressaltar, ademais, que o Plano de Ações da Organização Mundial da Saúde (OMS), do-
cumento orientador na preparação de Planos de Enfrentamento das DCNT, focou-se em quatro principais
doenças: cardiovascular, câncer, doença respiratória crônica e diabetes.18 Não obstante, o cuidado integral
relacionado às DCNT, necessariamente, abrange outros problemas de saúde, especialmente os neuropsiqui-
átricos e musculoesqueléticos, responsáveis por aproximadamente 25,0% da carga das DCNT. O cuidado
integral abrange, ainda, a coexistência, em um mesmo indivíduo, de múltiplas morbidades e tratamentos,
um problema frequente e que requer especial atenção.19
Dada a importância do cuidado integral no sucesso do Plano, seria importante formular metas de cober-
tura e de processo (p. ex., prontuários eletrônicos e informatização da rede, sistemas de acesso regulado
de atenção) a serem atingidas, de forma a garantir a estruturação necessária para o cuidado pretendido.
Por fim e não menos importante, o Plano contempla um conjunto de ações envolvendo vigilância,
monitoramento e avaliação de programas, políticas e tecnologias de saúde, além da produção de novos
conhecimentos sobre causa, tratamento ou prevenção dessas doenças. Universidades e centros de pesquisa
podem contribuir na geração desses dados e na formação dos novos profissionais de saúde que irão atuar
nessa jornada de enfrentamento das DCNT.

422 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):421-424,out-dez 2011


O Brasil está de parabéns por ter construído um ‘Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento
das DCNT no Brasil 2011-2022’ arrojado. Alguns êxitos do Sistema Único de Saúde (SUS) já podem ser
notados, como as quedas de mortalidade (ajustada por idade) nas DCNT,7,8 fato ainda não documentado
em outros países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e da América Latina. Tudo indica
a viabilidade das metas propostas no Plano, embora a responsabilidade por seu sucesso esteja na partici-
pação da sociedade brasileira. O ano de 2011 foi marcado por inspiradores debates e importantes ações.
Que eles continuem em 2012!

Maria Inês Schmidt e Bruce Bartholow Duncan


Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Referências

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Saúde Coletiva 2004; 9(4):897-908.
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Janeiro: Fiocruz; 2011.
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World Health Organization 2011[acessado em 23 dez 2011]. Disponível em: http://www.who.int/nmh/events/un_ncd_
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4. Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis
(DCNT) no Brasil 2011-2022. Ministério da Saúde; 2011 [acessado em 23 dez 2011]. Disponível em: portal.saude.gov.
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5. Malta DC, Morais Neto OL, Silva-Junior JB, Grupo técnico da redação do Plano. Plano de ações estratégicas para o
enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022. Epidemiologia e Serviços de
Saúde 2011; (no prelo).
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8. Duncan BB, Stevens A, Iser BP, Malta DC, Azevedo e Silva G, Schmidt MI. Mortalidade por doenças crônicas no Brasil:
situação em 2009 e tendências de 1991 a 2009. In: Silva-Junior JB, Morais Neto OL, Escalante JJ, Duarte EC, Garcia LP,
Gil E, editors. Saúde Brasil 2010. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. p.117-134.
9. Lien G, Deland K. Translating the WHO Framework Convention on Tobacco Control (FCTC): Can we use tobacco control
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10. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares. IBGE 2010 [acessado
em 23 dez 2011]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_
noticia=1699&id_pagina=1
11. Mendonca CS, Harzheim E, Duncan BB, Nunes LN, Leyh W. Trends in hospitalizations for primary care sensitive
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Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):421-424,out-dez 2011 423


13. Starfield B. Primary Care: balancing health needs, services, and technology. New York: Oxford University Press; 1998.
14. Beaglehole R, Epping-Jordan J, Patel V, Chopra M, Ebrahim S, Kidd M, et al. Improving the prevention and management
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18. World Health Organization. 2008-2013 Action Plan for the Global Strategy for the Prevention and Control of
Noncommunicable Diseases. World Health Organization 2008 [access May 7, 2010]. Available in: http://www.who.int/
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19. The Scottish School of Primary Care's Multimorbidity Research Programme. Multimorbidity in Scotland. The Scottish
School of Primary Care 2011 [acessado em 23 dez 2011]. Disponível em: http://www.knowledge.scot.nhs.uk/media/
CLT/ResourceUploads/4000952/MM%20Final_SSPC.ppt

424 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):421-424,out-dez 2011


Artigo
original Apresentação do plano de ações estratégicas para o
enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis
no Brasil, 2011 a 2022
doi: 10.5123/S1679-49742011000400002

Presentation of the Strategic Action Plan for Coping with Chronic Diseases in
Brazil from 2011 to 2022

Deborah Carvalho Malta


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Otaliba Libânio de Morais Neto


Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil
Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO, Brasil

Jarbas Barbosa da Silva Junior


Secretário de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Grupo Técnico de Redação

Resumo
Objetivo: apresentar uma síntese do ‘Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não
Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022’. Metodologia: a elaboração do Plano contou com a participação de diferen-
tes instituições, Secretarias e áreas técnicas do Ministério da Saúde (MS) e de outros órgãos governamentais. Resultados:
após dez meses de construção coletiva, o Plano de DCNT foi divulgado na Reunião de Alto Nível da Organização das Nações
Unidas, em setembro de 2011; o Plano define e prioriza as ações e os investimentos necessários ao país para enfrentar e
deter as DCNT nos próximos dez anos e fundamenta-se em três diretrizes principais: a) vigilância, informação, avaliação e
monitoramento; b) promoção da saúde; e c) cuidado integral. Conclusão: a consolidação do plano depende da mobilização
de toda a sociedade civil, para a priorização das DCNT nas políticas e nos investimentos nacionais.
Palavras-chave: doença crônica; fatores de risco; vigilância epidemiológica; cuidado integral; doenças cardiovasculares.

Summary
Objective: this work aims to present a synthesis of the ‘Strategic Action Plan to Tackle Non-Communicable Chronic
Diseases (NCD) in Brazil, 2011-2022’. Methodology: the plan elaboration counted on the participation of different
institutions, Secretariats and technical areas of the Ministry of Health, and other governmental organizations. Results:
after ten months of collective construction, NCDs Plan has been broadcast at the High Level Meeting of the United Nations,
in September 2011; the Plan defines and prioritizes actions and investments necessary to face and detain NCDs in the
next ten years based on three principles: a) surveillance, information, evaluation and monitoring, b) health promotion,
and c) integral care. Conclusion: NCDs Plan consolidation depends on the mobilizing of the entire civil society, to
contemplate NCDs as priority in national policies and investments.
Key words: chronic diseases; risk factors; epidemiologic surveillance; integral care; cardiovascular diseases.

Endereço para correspondência:


Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, SAF SUL,
Trecho 2, Lotes 5/6, Bloco F, Torre 1, Edifício Premium, Térreo, Sala 14, Brasília-DF, Brasil. CEP: 70070-600
E-mail: cgdant@saude.gov.br

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011 425


Apresentação do plano de enfrentamento de DCNT no Brasil

Introdução que são insuficientemente ativas têm de 20,0 a 30,0%


de aumento no risco de todas as causas de mortalida-
As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são de.6 Atividade física regular reduz o risco de doença
as principais causas de óbitos no mundo e têm gerado circulatória, inclusive hipertensão, diabetes, câncer de
elevado número de mortes prematuras, perda de quali- mama e de cólon, além de depressão.
dade de vida com alto grau de limitação nas atividades
de trabalho e de lazer, além de impactos econômicos Cerca de seis milhões de pessoas
para as famílias, comunidades e a sociedade em geral, morrem a cada ano pelo uso
agravando as iniquidades e aumentando a pobreza.1 do tabaco, tanto por utilização
Apesar do rápido crescimento das DCNT, seu impac-
to pode ser revertido por meio de intervenções amplas direta quanto por fumo passivo.
e custo-efetivas de promoção de saúde, para redução Até 2020, esse número deve
de seus fatores de risco, e pela melhoria da atenção aumentar para 7,5 milhões.
à saúde, detecção precoce e tratamento oportuno.
Das 57 milhões de mortes no mundo em 2008, Considera-se que o uso nocivo do álcool seja
36 milhões – ou 63,0% – aconteceram em razão das responsável por 2,3 milhões de mortes a cada ano,
DCNT, com destaque para as doenças do aparelho correspondendo a 3,8% de todas as mortes no mundo.8
circulatório, diabetes, câncer e doença respiratória Mais da metade desses óbitos são causados por DCNT,
crônica.2 Cerca de 80,0% das mortes por DCNT ocor- incluindo câncer, doenças do aparelho circulatório e
rem em países de baixa ou média renda, onde 29,0% cirrose hepática. O consumo per capita de bebidas
das pessoas têm menos de 60 anos de idade. Nos países alcoólicas é mais alto em países de alta renda.3
de renda alta, apenas 13,0% são mortes precoces.3 O consumo adequado de frutas, legumes e verduras
No Brasil, como nos outros países, as doenças reduz os riscos de doenças do aparelho circulatório,
crônicas não transmissíveis constituem o problema câncer de estômago e câncer colorretal.9,10 A maioria
de saúde de maior magnitude. São responsáveis por das populações consome mais sal que o recomen-
72,0% das causas de óbitos, com destaque para doen- dado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
ças do aparelho circulatório (DAC) (31,3%), câncer para a prevenção de doenças.11 O grande consumo
(16,3%), diabetes (5,2%) e doença respiratória de sal é um importante determinante de hipertensão
crônica (5,8%),4 e atingem indivíduos de todas as e risco cardiovascular.12 A alta ingestão de gorduras
camadas socioeconômicas e, de forma mais intensa, saturadas e ácidos graxos trans está ligada às doenças
aqueles pertencentes a grupos vulneráveis, como os cardíacas.13 A alimentação não saudável, incluindo o
idosos e os de baixa escolaridade e renda. consumo de gorduras, está aumentando rapidamente
Os principais fatores de risco para as DCNT são na população de baixa renda.3
o tabaco, a alimentação não saudável, a inatividade Estima-se que o excesso de peso e a obesidade
física e o consumo nocivo de álcool,5 responsáveis, em causem 2,8 milhões de mortes a cada ano.8 Os riscos
grande parte, pela epidemia de sobrepeso e obesidade, de doença cardíaca, acidente vascular encefálico (AVE)
pela elevada prevalência de hipertensão arterial e pelo e diabetes aumentam consistentemente com o aumento
colesterol alto. de peso.14 O índice de massa corporal (IMC) elevado
Cerca de seis milhões de pessoas morrem a cada também aumenta os riscos de certos tipos de câncer
ano pelo uso do tabaco, tanto por utilização direta (de mama, colorretal, de endométrio, rim, esôfago,
quanto por fumo passivo.6 Até 2020, esse número pâncreas).15 O excesso de peso tem crescido entre
deve aumentar para 7,5 milhões, contando 10,0% de crianças e adolescentes, no mundo.
todas as mortes.7 Estima-se que fumar cause, aproxi- A epidemia de DCNT tem afetado, sobretudo,
madamente, 70,0% dos cânceres de pulmão, 42,0% pessoas de baixa renda, mais expostas aos fatores
das doenças respiratórias crônicas e cerca de 10,0% de risco e com menor acesso a serviços de saúde.
das doenças do aparelho circulatório.8 Além disso, a presença dessas doenças cria um cír-
As estimativas mostram que 3,2 milhões de pessoas culo vicioso, levando essas pessoas a maior estado
morrem a cada ano devido à inatividade física.8 Pessoas de pobreza.3

426 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011


Deborah Carvalho Malta e colaboradores

Há forte evidência que correlaciona os determinan- e doenças respiratórias crônicas) têm quatro fatores de
tes sociais, como educação, ocupação, renda, gênero risco em comum, modificáveis: tabagismo, inatividade
e etnia, aos fatores de risco e à prevalência de DCNT.16 física, alimentação não saudável e álcool. Em termos
No Brasil, os processos de transição demográfica, de mortes atribuíveis, os grandes fatores de risco
epidemiológica e nutricional, a urbanização e o cresci- globalmente conhecidos são: pressão arterial elevada
mento econômico e social contribuem para um maior (responsável por 13,0% das mortes no mundo);
risco de desenvolvimento de doenças crônicas. Nesse tabagismo (9,0%); altos níveis de glicose sanguínea
contexto, grupos étnicos e raciais menos privilegiados, (6,0%); inatividade física (6,0%); e sobrepeso e
como a população indígena, têm tido participação obesidade (5,0%).8
desproporcional nesse aumento verificado na carga A maioria dos óbitos por DCNT é atribuída às doen-
de doenças crônicas.4 ças do aparelho circulatório, ao câncer, ao diabetes e
O tratamento para diabetes, câncer, doenças do às doenças respiratórias crônicas. Em 2007, a taxa de
aparelho circulatório e doença respiratória crônica mortalidade por DCNT no Brasil foi de 540 óbitos por
pode ser de curso prolongado, onerando os indivíduos, 100 mil habitantes.4 Apesar de elevada, observou-se
as famílias e os sistemas de saúde. Os gastos familiares redução de 20% nessa taxa na última década, princi-
com DCNT reduzem a disponibilidade de recursos palmente em relação às doenças do aparelho circula-
para necessidades como alimentação, moradia e tório e respiratórias crônicas. Entretanto, as taxas de
educação, entre outras. A OMS estima que, a cada mortalidade por diabetes e câncer aumentaram no
ano, 100 milhões de pessoas são levadas à pobreza mesmo período.
nos países em que se tem de pagar diretamente pelos Ainda preocupam os baixos níveis de atividade física
serviços de saúde.12 no lazer da população adulta (15,0%), de consumo de
No Brasil, mesmo com a existência do Sistema cinco porções de frutas e hortaliças em cinco ou mais
Único de Saúde – SUS –, gratuito e universal, o custo dias por semana (18,2%), o consumo de alimentos
individual de uma doença crônica ainda é bastante alto, com elevado teor de gordura (34,0%) e refrigerantes
em função dos custos agregados, o que contribui para cinco ou mais dias por semana (28,0%), além dos fa-
o empobrecimento das famílias. tores que contribuem para o aumento das prevalências
Para o sistema de saúde, os custos diretos das de excesso de peso e de obesidade, que atingem 48,0%
DCNT representam impacto crescente. No Brasil, as e 14,0% dos adultos respectivamente.19
DCNT estão entre as principais causas de internações Como resposta ao desafio das DCNT, o Ministério
hospitalares. da Saúde do Brasil tem implementado importantes
Recente análise do Banco Econômico Mundial políticas de enfrentamento dessas doenças, com
estima que países como Brasil, China, Índia e Rússia destaque para a Organização da Vigilância de DCNT,
perdem, anualmente, mais de 20 milhões de anos cujo objetivo é conhecer a distribuição, magnitude e
produtivos de vida devido às DCNT.17 Avaliações para tendência das doenças crônicas e agravos e seus fatores
o Brasil indicam que a perda de produtividade no de risco e apoiar as políticas públicas de promoção
trabalho e a diminuição da renda familiar resultantes da saúde. Foram organizados inquéritos de fatores
de apenas três DCNT (diabetes; doença do coração; e de risco em domicílios, monitoramentos anuais por
acidente vascular encefálico) levarão a uma perda na telefone e inquéritos em adolescentes.20 A Política
economia brasileira de US$ 4,18 bilhões entre 2006 Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), publicada
e 2015.18 em 2006, que prioriza diversas ações no campo da
O impacto socioeconômico das DCNT está afetando alimentação saudável, atividade física, prevenção do
o progresso das Metas de Desenvolvimento do Milênio uso do tabaco e álcool, tem sido uma prioridade de
(MDM), que abrangem temas como saúde e determi- governo.21 O programa ‘Academia da Saúde’, criado em
nantes sociais (educação e pobreza). Essas metas têm abril de 2011, visa à promoção de atividade física e tem
sido afetadas, na maioria dos países, pelo crescimento por meta sua expansão para quatro mil municípios até
da epidemia de DCNT e seus fatores de risco.3 2015. Entre as ações de enfrentamento do tabagismo,
As quatro doenças crônicas de maior impacto destacam-se as ações regulatórias, como proibição da
mundial (doenças cardiovasculares; diabetes; câncer; propaganda de cigarros, advertências sobre o risco

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011 427


Apresentação do plano de enfrentamento de DCNT no Brasil

de problemas nos maços do produto, e adesão, em Quanto à metodologia empregada na construção


2006, à Convenção-Quadro do Controle do Tabaco. No do Plano de DCNT, partiu-se, de um lado, do levanta-
campo da alimentação saudável, o incentivo ao aleita- mento junto às áreas técnicas responsáveis das ações
mento materno tem sido uma importante iniciativa do desenvolvidas em relação às DCNT pelo Ministério da
Ministério da Saúde, ao lado do ‘Guia de Alimentação Saúde, e por outro lado, da revisão das ações propos-
Saudável’, da rotulagem dos alimentos e dos acordos tas pela OMS, Organização Pan-Americana da Saúde
com a indústria para a eliminação das gorduras trans (OPAS) e outros países com evidências de benefício
e, recentemente, para a redução de sal nos alimentos. em DCNT.1,3 Esses processos foram conduzidos pela
Além disso, nos últimos anos, ocorreu uma importante Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Trans-
expansão da Atenção Primária em Saúde, que, hoje, missíveis (CGDANT), da Secretaria de Vigilância em
cobre cerca de 60,0% da população brasileira. As Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, e levados como
equipes de saúde atuam em território definido, com propostas à direção do Ministério, que definiu pelo
população adstrita, realizando ações de promoção, processamento das discussões do Plano no âmbito
vigilância em saúde, prevenção e assistência, além de do Comitê Gestor da Promoção da Saúde. Todas as
acompanhamento longitudinal dos usuários, o que é áreas técnicas das Secretarias do Ministério envolvidas
fundamental na melhoria da resposta ao tratamento no tema de DCNT foram convidadas para participar
daqueles com DCNT. Outro destaque refere-se à ex- da construção do Plano de DCNT, propondo ações e
pansão da atenção farmacêutica e distribuição gratuita definindo orçamentos e metas.
de medicamentos para hipertensão e diabetes (anti- Após reuniões internas nos meses de fevereiro, mar-
hipertensivos, insulinas, hipoglicemiante, estatina, ço, abril e maio de 2011, o processo foi ampliado para
entre outros) nas farmácias das Unidades Básicas diferentes segmentos da sociedade, sendo realizadas
do SUS. Em março de 2011, o programa ‘Farmácia diversas reuniões e três fóruns externos em junho, com
Popular/Saúde Não Tem Preço’ passou a ofertar me- a participação de organizações não governamentais
dicamentos para hipertensão e diabetes e, atualmente, (ONG), entidades médicas, entidades profissionais,
mais de 20 mil farmácias privadas já estão cadastradas instituições de ensino e pesquisa, sociedade civil
para a distribuição gratuita desses medicamentos. organizada e, ainda, de representantes do Conselho
Além disso, o governo brasileiro lançou, em 2011, o Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass),
programa ‘Brasil sem Miséria’, que visa à redução da do Conselho Nacional de Secretários Municipais de
pobreza destacando ações para o enfrentamento de Saúde (Conasems), da Associação Brasileira de Saúde
doenças crônicas como hipertensão arterial e diabetes. Coletiva (Abrasco) e de associações de portadores de
Entretanto, o enfrentamento das DCNT ainda exige doenças crônicas, além de outros ministérios do gover-
esforços do setor Saúde; e de outros setores, dada sua no brasileiro. Nesses fóruns, foram definidos os eixos
magnitude e complexidade de seus determinantes. O estratégicos do Plano de DCNT, bem como as ações,
Ministério da Saúde lançou, em agosto de 2011, o as metas nacionais e as metas por ações estratégicas.
‘Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento Em julho de 2011, o Plano de DCNT foi apresentado
das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no no colegiado do Gabinete do Ministro da Saúde. Em se-
Brasil, 2011-2022’. guida, o Ministro da Saúde e o Secretário de Vigilância
O objetivo deste trabalho é apresentar uma síntese em Saúde apresentaram o documento aos Secretários
desse plano de enfrentamento de doenças crônicas Executivos de dezenove ministérios do Governo Fede-
não transmissíveis, seus objetivos e eixos estratégicos, ral, colhendo sugestões de ações intersetoriais.
e suas principais ações e metas. Paralelamente, a Assessoria de Comunicação do Mi-
nistério da Saúde (Ascom) preparou o Plano Interseto-
Metodologia rial de Mobilização de DCNT, que envolveu a Secretaria
de Comunicação da Presidência da República (Secom)
A elaboração do ‘Plano de Ações Estratégicas para e os ministérios com áreas de interseção. Esse plano
o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmis- de comunicação prevê ações para os próximos anos,
síveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022’ pelo Ministério que envolvem a comunicação da Saúde com outros
da Saúde contou com diversas instituições. setores do governo.

428 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011


Deborah Carvalho Malta e colaboradores

Foi criado um sítio eletrônico institucional para O Plano de DCNT aborda os quatro principais gru-
tornar público o Plano de DCNT, possibilitando sua pos de doenças – doenças do aparelho circulatório,
ampla divulgação pela internet. Por meio desse sítio, câncer, doenças respiratórias crônicas e diabetes – e
também foi possível o envio de sugestões e a participa- fatores de risco – tabagismo, consumo nocivo de
ção, por exemplo, na Carta Aberta de Brasília, em que álcool, inatividade física, alimentação inadequada e
pessoas físicas e entidades podiam aderir à Declaração obesidade.
Brasileira para a Prevenção e o Controle das Doenças Foram propostas três diretrizes ou eixos prioritá-
Crônicas Não Transmissíveis. Essa grande mobilização, rios: vigilância, informação, avaliação e monitoramen-
estimulando a participação na elaboração do Plano to; promoção da saúde; e cuidado integral.
de DCNT e sua divulgação, foi uma preparação para a
etapa seguinte, de aprovação nas instâncias do SUS e Resultados
de lançamento nacional e internacional.
Em julho de 2011, o Plano de Enfrentamento das Síntese do Plano de Enfrentamento de DCNT
DCNT foi apresentado na Comissão de Gestores Tripar- O ‘Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamen-
tite, sendo aprovado, bem como decidida a definição to das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)
futura de metas regionais que também pudessem ser no Brasil, 2011-2022’ define e prioriza as ações e os
atingidas pelos gestores estaduais e municipais. Em 18 e investimentos necessários no sentido de preparar o
19 de agosto, o Plano foi lançado pelo Ministro da Saúde país para enfrentar e deter as DCNT nos próximos
no Fórum Nacional, em Brasília, reunindo mais de 400 dez anos.
pessoas, e amplamente divulgado para a população pela O objetivo do Plano de DCNT é promover o desen-
imprensa. O Fórum Nacional ainda serviu para a coleta volvimento e a implementação de políticas públicas
de sugestões dos diversos segmentos da sociedade para efetivas, integradas, sustentáveis e baseadas em
a versão final do Plano. evidências para a prevenção e o controle das DCNT
No início de setembro, o Plano de DCNT foi apre- e de seus fatores de risco, e fortalecer os serviços
sentado ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), que lhe de saúde voltados para a atenção aos portadores de
deu amplo apoio e onde se definiu que o mesmo seria doenças crônicas.
levado ao conhecimento da 14ª Conferência Nacional O Plano fundamenta-se no delineamento de três
de Saúde, em novembro de 2011. Antes, nos dias 19 e principais diretrizes ou eixos: a) vigilância, infor-
20 de setembro, o documento foi divulgado na Reunião mação, avaliação e monitoramento; b) promoção da
de Alto Nível da ONU, pela Presidenta Dilma Rousseff, saúde; e c) cuidado integral.
pelo Ministro da Saúde Alexandre Padilha e delegação
brasileira, sendo, na ocasião, distribuído nas versões Vigilância, informação,
para os idiomas inglês e espanhol. avaliação e monitoramento
Desde então, o Plano de DCNT tem sido apresentado Os três componentes essenciais da vigilância de
e divulgado em inúmeros eventos governamentais e da DCNT são: monitoramento dos fatores de risco; mo-
sociedade civil, como a 11ª Expo-EPI, o VIII Congresso nitoramento da morbidade e mortalidade específicas
de Epidemiologia da Abrasco e a 14ª Conferência Na- das doenças; e respostas dos sistemas de saúde, que
cional de Saúde, além de sua divulgação – permanente também incluem gestão, políticas, planos, infraestru-
– pela web (http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/ tura, recursos humanos e acesso a serviços de saúde
pdf/cartilha_dcnt_completa_portugues.pdf). Foi feita, essenciais, inclusive a medicamentos. O eixo da Vigi-
ainda, uma impressão de mais de 15 mil exemplares, lância dará sequência às ações de monitoramento de
para livre distribuição. DCNT e seus fatores de risco e ampliará novas ações
Decorreram cerca de dez meses entre o planeja- em termos de inquéritos populacionais mais amplos,
mento e a divulgação do ‘Plano de Ações Estratégicas pesquisas de monitoramento de desigualdades, entre
para o Enfrentamento das DCNT no Brasil’. Sua con- outros. As principais ações são: a) realização da Pes-
solidação foi um compromisso de todos os níveis de quisa Nacional de Saúde em 2013, em parceria com a
gestão do SUS e de diversas instituições da sociedade Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
civil organizada. (IBGE), gerando informações e conhecimentos sobre

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011 429


Apresentação do plano de enfrentamento de DCNT no Brasil

o processo saúde-doença e seus determinantes sociais, praças do PAC dentro do Eixo Comunidade Cidadã,
para formulação de políticas de saúde no Brasil. Serão além de busca pela cobertura de todas as faixas etá-
pesquisados temas como: acesso aos serviços e sua rias; as praças do PAC integram atividades e serviços
utilização; morbidade; fatores de risco e proteção a culturais, práticas esportivas e de lazer, formação e
doenças crônicas; e saúde dos idosos, das mulheres qualificação para o mercado de trabalho, serviços
e das crianças. Também serão feitas medições an- socioassistenciais, políticas de prevenção à violência
tropométricas e de pressão arterial, além de coleta e de inclusão digital.
de material biológico; b) realização de inquéritos d) Espaços urbanos saudáveis: criação do ‘Pro-
populacionais, telefônicos e em populações especiais, grama Nacional de Calçadas Saudáveis’ e construção
como adolescentes; c) realização de estudos sobre e reativação de ciclovias, parques, praças e pistas de
DCNT, como análises de morbimortalidade, avaliação caminhadas.
de intervenções em saúde, estudos sobre desigualdades e) Campanhas de comunicação: criação de cam-
em saúde, identificação de populações vulneráveis panhas que incentivem a prática de atividade física e
(indígenas, quilombolas, outras), avaliação de custos hábitos saudáveis, articuladas com grandes eventos
de DCNT, entre outros; e d) criação de um portal na como a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e as
internet, para monitorar e avaliar a implantação do Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro-RJ.
Plano Nacional de Enfrentamento das DCNT, bem como
a evolução das DCNT no país. Alimentação saudável
a) Escolas: promoção de ações de alimentação sau-
Promoção da saúde dável, pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Compreendendo a importância das parcerias para b) Oferta de alimentos saudáveis: estabelecimento
superar os fatores determinantes do processo saúde- de parcerias e acordos com a sociedade civil (agri-
doença, foram definidas diferentes ações envolvendo cultores familiares, pequenas associações e outros),
diversos ministérios (Educação, Cidades, Esporte, De- para o aumento da produção e da oferta de alimentos
senvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social, Meio in natura, visando ao acesso à alimentação adequada
Ambiente, Agricultura/Embrapa, Trabalho e Planeja- e saudável.
mento), a Secretaria Especial de Direitos Humanos, a c) Apoio a iniciativas intersetoriais, para o aumento
Secretaria de Segurança Pública, órgãos de Trânsito e da oferta de alimentos básicos e minimamente proces-
outros, além de organizações não governamentais, em- sados, no contexto da produção, do abastecimento e
presas e sociedade civil, com o objetivo de viabilizar as do consumo alimentar.
intervenções que impactem positivamente na redução d) Acordos com a indústria para redução do sal e
dessas doenças e seus fatores de risco, especialmente do açúcar: estabelecimento de acordo com o setor pro-
para as populações em situação de vulnerabilidade. dutivo e parceria com a sociedade civil, para redução
Principais ações: do sal e do açúcar nos alimentos, buscando avançar
em uma alimentação mais saudável.
Atividade física e) Redução dos preços dos alimentos saudáveis: fo-
a) Programa Academia da Saúde: construção de mento à adoção de medidas fiscais, tais como redução
espaços saudáveis que promovam ações de promoção de impostos, taxas e subsídios, visando à redução dos
da saúde e estimulem a atividade físicas-práticas corpo- preços dos alimentos saudáveis (frutas, hortaliças) e
rais, em articulação com a Atenção Primária à Saúde. o estímulo a seu consumo.
b) Programa ‘Saúde na Escola’: implantação em f) Implantação do ‘Plano Intersetorial de Obesida-
todos os municípios, incentivando ações de promoção de’, com vistas à redução da obesidade na infância e
da saúde e de hábitos saudáveis nas escolas (como as na adolescência.
cantinas saudáveis); reformulação de espaços físicos,
visando à prática de aulas regulares de educação física Tabagismo e álcool
e à prática de atividade física no contraturno. a) Adequação da legislação nacional que regula
c) Praças do Programa de Aceleração do Cres- o ato de fumar em recintos coletivos: ampliação das
cimento (PAC): fortalecimento da construção das ações de prevenção e de cessação do tabagismo, com

430 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011


Deborah Carvalho Malta e colaboradores

atenção especial aos grupos mais vulneráveis (jovens, b) Capacitação e telemedicina: capacitação das
mulheres, população de menor renda e escolaridade, equipes da Atenção Primária em Saúde, expandindo
indígenas, quilombolas). recursos de telemedicina, segunda opinião e cursos
b) Fortalecimento da implementação da política de à distância, para qualificação da resposta às DCNT.
preços e de aumento de impostos dos produtos derivados c) Medicamentos gratuitos: ampliação do acesso
do tabaco e álcool, com o objetivo de reduzir o consumo. gratuito aos medicamentos e insumos estratégicos pre-
c) Apoio à intensificação de ações fiscalizatórias vistos nos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas
em relação à venda de bebidas alcoólicas a menores das DCNT e tabagismo.
de 18 anos. d) Câncer do colo do útero e de mama: aperfei-
d) Fortalecimento das ações educativas voltadas à çoamento do rastreamento do câncer do colo do
prevenção e à redução do uso de álcool e tabaco, pelo útero e de mama: universalização desses exames a
programa ‘Saúde na Escola’. todas as mulheres, independentemente de renda e
e) Apoio a iniciativas locais de legislação específica, raça/cor, reduzindo desigualdades; e garantia de
no sentido do controle de pontos de venda de álcool e 100% de acesso ao tratamento de lesões precur-
do horário noturno de fechamento de bares e outros soras de câncer.
pontos correlatos de comércio. e) Implantação do programa ‘Saúde Toda Hora’:
i. Atendimento de urgência: fortalecimento do
Envelhecimento ativo cuidado integrado ao portador de doenças
a) Implantação de um modelo de atenção integral do aparelho circulatório na rede de urgência,
ao envelhecimento ativo, favorecendo ações de promo- entre unidades de promoção, prevenção e
ção da saúde, prevenção e atenção integral. atendimento à saúde, com o objetivo de tornar
b) Promoção de envelhecimento ativo e de ações esse atendimento mais rápido e eficaz.
que envolvam a Saúde Suplementar. ii. Atenção domiciliar: ampliação do atendimen-
c) Incentivo aos idosos para a prática da atividade to em domicílio a pessoas com dificuldades
física regular no programa ‘Academia da Saúde’. de locomoção ou que precisem de cuidados
d) Capacitação das equipes de profissionais da regulares ou intensivos e não de hospitaliza-
Atenção Primária em Saúde para o atendimento, aco- ção, como idosos, acamados, portadores de
lhimento e cuidado da pessoa idosa e de pessoas com sequelas de acidente vascular encefálico –
condições crônicas. AVE –, entre outros; cuidados ambulatoriais
e) Incentivo à ampliação da autonomia e inde- e hospitalares em casa, ampliando o campo
pendência para o autocuidado e o uso racional de de trabalho dos profissionais de saúde que
medicamentos. atuam na atenção básica.
e) Criação de programas para formação do cuida- iii. Unidades coronarianas e de AVE: qualificação
dor da pessoa idosa e com condições crônicas. das estruturas hospitalares para o atendimen-
to em urgência e emergência, sem restringir
Cuidado integral as portas de entrada aos prontos-socorros;
Serão realizadas ações visando ao fortalecimento priorização dos atendimentos a traumas,
da capacidade de resposta do Sistema Único de Saúde problemas cardíacos e acidente vascular
e à ampliação das ações de cuidado integrado para a encefálico por meio da criação, dentro dos
prevenção e o controle das DCNT. Principais ações: hospitais, de unidades especializadas – uni-
a) Linha de cuidado de DCNT: definição e im- dades coronarianas e unidades de AVE –,
plementação de protocolos e diretrizes clínicas das visando qualificar a resposta a esses agravos
DCNT com base em evidências de custo-efetividade, e possibilitar a criação de novas vagas hos-
vinculando os portadores ao cuidador e à equipe da pitalares e de leitos de retaguarda, evitando
Atenção Primária, garantindo a referência e contrar- espera nas portas dos hospitais.
referência para a rede de especialidades e hospitalar, Foram propostas metas nacionais para o ‘Plano de
e favorecendo a continuidade do cuidado e a integra- Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmis-
lidade na atenção. síveis no Brasil, 2011-2022’:

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011 431


Apresentação do plano de enfrentamento de DCNT no Brasil

• Reduzir a taxa de mortalidade prematura (<70 • Reduzir o consumo médio de sal, de 12 gramas
anos) por DCNT em 2,0% ao ano (Figura 1). (2010) para 5 gramas (2022).
• Reduzir a prevalência de obesidade em crianças de • Aumentar a cobertura de mamografia em mulheres
5 a 9 anos de idade, do sexo masculino, passando entre 50 e 69 anos de idade, de 54,0% (2008) para
de 16,6% (2008) para 8,0% (2022); e em crianças 70,0% (2022).
de 5 a 9 anos de idade, do sexo feminino, passando • Ampliar a cobertura de exame preventivo de câncer
de 11,8% (2008) para 5,1% (2022) (Figura 2). de colo uterino em mulheres de 25 a 64 anos de
• Reduzir a prevalência de obesidade em adolescen- idade, de 78,0% (2008) para 85,0% (2022).
tes de 10 a 19 anos de idade, do sexo masculino, • Garantir o tratamento das mulheres com diagnóstico
passando de 5,9% (2008) para 3,2% (2022); e de lesões precursoras de câncer de colo de útero e
em adolescentes de 10 a 19 anos de idade, do sexo de mama.
feminino, passando de 4,0% (2008) para 2,7%
(2022). Discussão
• Deter o crescimento da obesidade em adultos (18
anos ou mais anos de idade), mantendo, para os A Reunião de Alto Nível da ONU, em setembro de
próximos dez anos, as prevalências de 2008: 48,1% 2011, marca um novo momento global, priorizando o
de excesso de peso; e 15,0% de obesidade. tema das DCNT e a articulação e o suporte de todos os
• Reduzir as prevalências de consumo nocivo de setores do governo no enfrentamento dessas doenças.
álcool, de 18,0% (2011) para 12,0% (2022) Ela também destaca a importância da atuação da socie-
(Figura 3). dade civil, de ONG e do setor privado para a obtenção
• Reduzir a prevalência de tabagismo em adultos (18 do sucesso contra a epidemia das DCNT.
anos ou mais anos de idade), de 15,1% (2011) para O plano brasileiro de enfrentamento das DCNT visa
9,1% (2022) (Figura 4). preparar o país para enfrentar e deter, nos próximos
• Aumentar a prevalência de atividade física no lazer, dez anos, as doenças crônicas não transmissíveis
de 14,9% (2010) para 22,0% (2022) (Figura 5). (DCNT), entre as quais acidente vascular encefálico,
• Aumentar o consumo de frutas e hortaliças, de infarto, hipertensão arterial, câncer, diabetes e doen-
18,2% (2010) para 24,3% (2022). ças respiratórias crônicas. No Brasil, essas doenças

400

350
355

353
354

348
343
Taxa por 100 mil habitantes

329

300
321
319
315
310
303
296
290
285
278

250
273
268
262
255
250
245
240
236
231
226

200
222
217
213
209
205

200
196

150

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50

0
92

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19

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19

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20

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20

20

20

20

20

20

20

Taxa de mortalidade Meta


Meta: reduzir em 2,0% ao ano a taxa de mortalidade = 196/100 mil habitantes
a) as quatro DCNT: doenças do aparelho circulatório; câncer; diabetes; e doenças respiratórias crônicas.
Fonte: Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (GDANT)/SVS/MS

Figura 1 - Projeção das taxas de mortalidade prematura (<70 anos de idade) pelo conjunto das quatro DCNTa.
Brasil, 1991 a 2022

432 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011


Deborah Carvalho Malta e colaboradores

Meta: chegar ao patamar de 1998 e atingir 8,0% em 2022

46.5
43.2
40.1
37.3
34.7
32.2
29.9
27.8
Crescimento médio anual

25.8
7,6%

24.0
22.3
20.7
Crescimento médio anual

19.2
16,6%
2,5%

17.9
8,0%

16.6
15.4
14.3
13.3
2,9% 4,1%

12.4
11.5
10.7
9.9
9.2
8.6
8.0
1998

2012
75

89

08

2011

2013

2015

2018

2021
2014

2016
2017

2019
2020
22
19

19

20

20
Prevalência Projeção Meta

Fonte: Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (GDANT)/SVS/MS

Figura 2 - Projeção da obesidade em meninos de 5 a 9 anos de idade. Brasil, 1975 a 2022

Meta: reduzir as prevalências de consumo de álcool, de 18,0% (2011) para 12,0% (2022)

24.8
24.3
23.8
23.3
22.7
22.2
21.7
21.2
20.7
20.2
19.7
19.2
18.0
18.9

17.4
17.6

16.8
17.5

16.3

15.7
16.2

15.2

14.7

14.2

13.7

13.3

12.8

12.8

12.4

Prevalência Projeção Meta 12.0


07

09
06

08

10

11

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20

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20

20

20

20

20

20

Fonte: Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (GDANT)/SVS/MS

Figura 3 - Projeção do consumo nocivo de álcool em adultos ( ≥18 anos) nas 26 capitais e no Distrito Federal.
Brasil, 2006 a 2022

constituem o problema de saúde de maior magnitude e escolaridade e renda. Na última década, observou-se
respondem por cerca de 70,0% das causas de mortes,4 redução de aproximadamente 20,0% nas taxas de
atingindo fortemente camadas pobres da população e mortalidade pelas DCNT, o que pode ser atribuído à
grupos mais vulneráveis, como a população de baixa expansão da Atenção Primária, melhoria da assistência

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011 433


Apresentação do plano de enfrentamento de DCNT no Brasil

Meta: reduzir a prevalência do tabagismo em adultos de 15,1% (2011) para 9,1% (2022)

15.0

14.6

14.3

14.0

13.7

13.4

13.1

12.8
16.6

12.5

12.1
16.1
16.2

11.8
15.5

11.5
15.1

14.6

14.1

13.6

13.2

12.7

12.3

11.9

11.5

11.1

10.7

10.4

10.0
Prevalência IC95% Projeção Meta
07

09
06

08

10

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20

20

20

20

20

20

20
Fonte: Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (GDANT)/SVS/MS

Figura 4 - Projeção do tabagismo em adultos ( ≥18 anos) nas 26 capitais e no Distrito Federal.
Brasil, 2006 a 2022

22.0
Meta: aumentar a prevalência de atividade física no lazer, de 14,9% (2010) para 22,0% (2022)

21.3
20.6
20.0
19.3
18.7
18.1
17.5
17.0
16.4
15.9
15.4
15.2

14.9
14.9

14.9

14.9

14.9

14.9

14.9

14.9
15.0

14.9

14.9

14.9

14.9

14.9
14.9

14.7

Prevalência Meta Projeção


07

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06

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20

20

20

20

Fonte: Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (GDANT)/SVS/MS

Figura 5 - Projeção da atividade física no lazer em adultos ( ≥18 anos) nas 26 capitais e no Distrito Federal.
Brasil, 2006 a 2022

e redução do consumo do tabaco desde os anos 1990, alcoólica, inatividade física e alimentação inadequada,
mostrando importante avanço na saúde dos brasileiros. tornando possível sua prevenção.
Como determinantes sociais das DCNT, são aponta- A pobreza, entendida não apenas como falta de
das as desigualdades sociais, as diferenças no acesso acesso a bens materiais como também de oportunida-
aos bens e serviços, a baixa escolaridade, as desigual- des, de opções e de voz perante o Estado e a sociedade,
dades no acesso à informação, além de fatores de risco constitui uma grande vulnerabilidade frente a imprevis-
modificáveis, como tabagismo, consumo de bebida tos e fator de risco para doenças crônicas. A epidemia

434 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011


Deborah Carvalho Malta e colaboradores

de DCNT tem um substancial impacto negativo sobre o das medidas que possam ter maior abrangência popu-
desenvolvimento humano e social. O diagnóstico das lacional, como a regulamentação da propaganda de
DCNT e de seus fatores de risco aponta para a maior alimentos, a proibição de propaganda de tabaco e ál-
carga entre populações vulneráveis, o que precisa cool, a proibição da venda de bebidas para menores,
ser enfrentado e monitorado com ações afirmativas, entre outras. O Plano de Enfrentamento de DCNT visa
no sentido de produzir mais investimentos junto a promover o desenvolvimento e a implementação de
essas populações e reduzir a iniquidade em saúde. A políticas públicas efetivas, integradas, sustentáveis e
prevenção e a promoção da saúde devem, por essa baseadas em evidências para a prevenção e o controle
razão, ser incluídas como prioridades nas iniciativas das DCNT e seus fatores de risco, além do fortale-
de desenvolvimento e investimento. O fortalecimento cimento dos serviços de saúde voltados às doenças
da prevenção e o controle de DCNT devem, também, crônicas. Medidas de prevenção e controle devem
ser considerados como parte integral dos programas estar embasadas em claras evidências de custo-
de redução da pobreza e de outros programas de as- efetividade. Intervenções de base populacional devem
sistência ao desenvolvimento. Este é outro argumento ser complementadas por intervenções individuais de
do Plano de Enfrentamento de DCNT: manter amplo atenção à saúde.22 O fortalecimento dos sistemas de
diálogo com diversos setores de governo de forma a atenção à saúde para a abordagem de DCNT inclui o
executar diversas ações em diferentes locus, o que reforço da atenção básica de saúde, articulando-a os
pressupõe a integração e o trabalho articulado entre demais níveis de atenção e às redes de serviços. É re-
diversos setores. conhecida a importância da atenção básica de saúde
O Plano de DCNT aborda os quatro principais gru- na realização de ações de promoção, vigilância em
pos de doenças (circulatórias, câncer, respiratórias saúde, prevenção e assistência e acompanhamento
crônicas e diabetes), as de maior magnitude, que cor- longitudinal dos portadores de DCNT, vinculando-se
respondem a cerca de 80,0% das DCNT. Tais doenças e responsabilizando-se pelos usuários.
têm, entre seus determinantes modificáveis, fatores Entre os fundamentos conceituais do Plano de
de risco em comum (tabagismo, álcool, inatividade DCNT, compreende-se uma abordagem integral das
física, alimentação não saudável e obesidade). Essa doenças crônicas não transmissíveis, em todos os
mesma abordagem é priorizada pela OMS, haja vista níveis de atuação (promoção, prevenção e cuidado
as inúmeras evidências de melhor custo-efetividade integral), articulando ações da linha do cuidado no
na abordagem integrada dos fatores de risco.1,3 Agir campo da macro e da micropolítica. No campo da ma-
sobre esses fatores de risco comuns também reduzi- cropolítica, situam-se ações regulatórias, articulações
rá outras DCNT não incluídas nesse primeiro rol de intersetoriais e organização da rede de serviços e do
doenças priorizadas. O Sistema único de Saúde atua sistema de saúde (fortalecimento das equipes multidis-
em todos os problemas e necessidades de saúde da ciplinares), bem como apoio aos sistemas de decisão
população; portanto, todas as doenças são objeto de (guidelines baseados em evidências, treinamento dos
cuidado,mesmo as que não foram aqui destacadas, profissionais) e ao sistema de informação clínico (in-
nos diversos serviços disponíveis no SUS. formações do portador). No campo da micropolítica,
A vigilância e o monitoramento das DCNT e seus atuação da equipe na linha do cuidado e vinculação e
fatores de risco, indispensáveis para a organização da responsabilização do cuidador, com acompanhamento
resposta dos serviços, devem ser integrados aos siste- longitudinal e a produção da autonomia do usuário.23 O
mas de informações em saúde, adotando-se indicado- modelo de atenção aos portadores de doenças crônicas
res mensuráveis e específicos. As ações de promoção implica em componentes do suporte ao autogeren-
à saúde são essenciais e visam à proteção universal, à ciamento, empoderamento e autonomização desses
comunicação em saúde, à atuação intersetorial, entre portadores, com investimento em aconselhamento,
outros. A regulação é essencial no Plano de DCNT e educação e informação e avaliação.23,24
várias das medidas adotadas passam pela articulação Outra compreensão essencial é a da abordagem
intersetorial, envolvendo temas como álcool, tabaco, precoce e abrangente das DCNT, desde a vida fetal
alimentos, os quais necessitam da integração entre até a vida adulta. Os fatores de risco para DCNT estão
governo, poder legislativo e sociedade, na definição disseminados na sociedade. Frequentemente, iniciam-

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011 435


Apresentação do plano de enfrentamento de DCNT no Brasil

se de modo precoce e estendem-se ao longo do ciclo um dos pilares de uma melhor qualidade de vida
vital. Evidências de países onde houve grandes declí- aos portadores de doenças crônicas, também está
nios em certas DCNT indicam que as intervenções de prevista no Plano de DCNT;
prevenção e tratamento são necessárias.3,22 A reversão 6) Política Nacional de Promoção da Saúde e do pro-
da epidemia de DCNT exige uma abordagem popula- grama ‘Academia da Saúde’ – promoção da saúde
cional abrangente, com intervenções preventivas e por meio de atividade física, com meta de expansão
assistenciais, desde a vida intrauterina, com pré-natal para 4 mil municípios até 2015: em 2011, foram
adequado, passando pelo aleitamento materno e o anunciados recursos para a construção de duas mil
investimento na primeira infância, até a adolescência, unidades da Academia, bem como para seu custeio;
com o propósito de minimizar riscos em todas as 7) acordos voluntários com a indústria para a redução
fases da vida. do teor do sal dos alimentos ainda em 2011, em
As metas propostas ainda serão desagregadas para quase todos os grupos de alimentos;
as unidades federadas, possibilitando o monitoramento 8) luta contra o tabaco – um ponto de grande re-
regional. Ademais, o sistema de monitoramento estará levância, com reflexos verificados no declínio da
disponível no sítio eletrônico do Ministério da Saúde, prevalência das DCNT; em novembro de 2011, com
para que seja publicizado o acompanhamento das a aprovação, pelo Congresso Nacional, de Medida
metas. Provisória do governo, muitos progressos foram
Outro ponto a ser destacado é o da articulação obtidos, como a instituição dos ambientes livres
intrasetorial. O Plano de DCNT perpassa todas as de fumo em qualquer recinto coletivo fechado,
Secretarias e diversas áreas técnicas do Ministério da ampliação das taxações do cigarro em 85,0% e ins-
Saúde. Dezenas de técnicos estiveram envolvidos em tituição da política de preço mínimo dos cigarros,
sua elaboração. O Plano foi definido como prioridade além da proibição da propaganda de cigarros, a lei
de governo e de Estado e, por isso, o tempo para sua 12.546/2011 determina, ainda, a ampliação das ad-
implementação é de dez anos, implicando diálogo vertências nos maços para 100,0% da área de uma
permanente com os próximos governos. face e para 30,0% da área na outra face, até 2016;
O Plano de Enfrentamento de DCNT dialoga com as com essas medidas, o Brasil praticamente completa
prioridades e marcas do atual governo, quais sejam: seu marco regulatório em relação ao tabaco.
1) ‘Rede Cegonha’ – compreensão da prioridade Por fim, torna-se necessária a mobilização da
do pré-natal e do investimento na gestação e na sociedade civil, dos conselhos de saúde, das comis-
primeira infância; sões sociais, ONG e setor privado. As instituições e
2) enfrentamento do câncer de mama e colo de útero; grupos da sociedade civil são importantes na cons-
3) Rede de Urgência e Emergência – na urgência, o cientização para a prevenção e o controle de DCNT.
atendimento aos usuários com infarto agudo do Cabe estabelecer esforços de advocacy, para que as
miocárdio e acidente vascular encefálico; a mortali- doenças crônicas não transmissíveis sejam comple-
dade por AVE, por exemplo, pode ser reduzida com tamente reconhecidas como prioridade da agenda
o aumento de medidas preventivas como o controle de desenvolvimento global. As empresas podem fazer
da hipertensão e o tratamento agudo dos indivíduos contribuições importantes em relação aos desafios da
que sofrem de acidente vascular encefálico;25 prevenção de DCNT, principalmente quanto à redução
4) ‘Melhor em Casa’ – atenção domiciliar aos portado- dos teores de sal, gorduras saturadas e açúcar dos
res de doenças crônicas e aos idosos, os que mais alimentos. Um setor que evite a propaganda de ali-
sofrem e podem se beneficiar com esse acompa- mentação não saudável ou de outros comportamentos
nhamento, expansão dos cuidados domiciliares e prejudiciais ou, ainda, que reformule produtos para
capacitação dos cuidadores na comunidade; proporcionar acesso a opções de alimentos saudá-
5) ‘Saúde Não Tem Preço’ – o programa oferta me- veis, dará exemplos de abordagens e ações a serem
dicamentos gratuitos para hipertensão e diabetes seguidos por parceiros de todo o setor corporativo.
nas farmácias privadas credenciadas do programa Os governos são responsáveis por estimular as par-
‘Farmácia Popular’; a possibilidade de ampliação na cerias na produção de alimentos mais saudáveis,
distribuição de medicamentos de forma contínua, bem como por monitorar os acordos estabelecidos

436 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011


Deborah Carvalho Malta e colaboradores

entre as partes. Os conselhos de saúde e as comis- dos serviços de saúde. Juntos, governos e sociedade
sões sociais devem ter essa agenda como prioritária, podem estabelecer ações concretas visando à redução
cobrando investimentos, mobilizando e tomando o dessas doenças e à melhoria da qualidade de vida da
tema transversalmente no processo de organização população brasileira, em todo o ciclo de vida.

Grupo Técnico de Redação

Betine Pinto Moehlecke Iser


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Eneida Anjos Paiva


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Gulnar Azevedo e Silva


Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Jorge Francisco Kell


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Lenildo de Moura
Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Luane Margarete Zanchetta


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Lucimar Rodrigues Coser Cannon


Organização Pan-Americana da Saúde/Representação no Brasil, Brasília-DF, Brasil

Micheline Gomes Campos da Luz


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Naiane B. F. Oliveira
Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Regina Tomie Ivata Bernal


Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil

Renata Tiene de Carvalho Yokota


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Vera Luiza da Costa e Silva


Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

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438 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):425-438,out-dez 2011


Artigo
Original Fatores associados ao diabetes Mellitus em participantes
do Programa ‘Academia da Cidade’ na Região Leste do
Município de Belo Horizonte, Minas Gerais,
Brasil, 2007 e 2008*
doi: 10.5123/S1679-49742011000400003

Factors Associated with Diabetes Mellitus in Participants of the ‘Academia da Cidade’ Program
in the Eastern Region of the Municipality of Belo Horizonte, State of Minas Gerais,
Brazil, 2007 and 2008

Mariana Carvalho de Menezes


Grupo de Pesquisa em Intervenções em Nutrição, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

Adriano Marçal Pimenta


Curso de Enfermagem, Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil
Luana Caroline dos Santos
Curso de Nutrição, Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

Aline Cristine Souza Lopes


Curso de Nutrição, Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

Resumo
Objetivo: identificar fatores de risco associados ao diabetes Mellitus (DM) entre usuários de serviço de promoção da
saúde. Metodologia: estudo transversal com indivíduos ≥20 anos de idade participantes do Programa ‘Academia da Cidade’,
no município de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, Brasil; foram coletados dados sociodemográficos e de saúde, consumo
alimentar e antropométricos; realizou-se análise descritiva e regressão logística com cálculo de odds ratio (OR) e respectivos
intervalos de confiança de 95% (IC95%). Resultados: foram avaliados 364 indivíduos, sendo 89,3% mulheres e 74,5% adultos;
a prevalência de DM foi de 15,2%; a análise multivariada mostrou, como fatores associados a DM, ter hipertrigliceridemia
[OR=1,33; IC95%: 1,07-1,65] e obesidade abdominal [muito elevada: OR=2,66; IC95%: 1,21-5,83] e relatar consumo diário de
doces [OR=0,26; IC95%: 0,08-0,83]. Conclusão: ações articuladas dos serviços de saúde podem contribuir para a prevenção
e controle de fatores de risco para DM, com destaque para a obesidade abdominal e a dislipidemia.
Palavras-chave: diabetes Mellitus; fatores de risco; hábitos alimentares; epidemiologia.

Summary
Objective: to identify risk factors associated with diabetes Mellitus (DM) in users of a health promotion service.
Methodology: cross-sectional study in individuals aged ≥20 years assisted by a health promotion program called
‘Academia da Cidade’, in the Municipality of Belo Horizonte, State of Minas Gerais, Brazil; data concerning sociode-
mographic, health, dietary intake and anthropometric characteristics were collected; bivariate and logistic regression
analyses were conducted; strength of association was measured by odds ratio (OR), according to a 95% of confidence
interval (CI95%). Results: data on 364 individuals were compiled; among the participants, 89.3% were women, and
74.5% adults; DM prevalence was of 15.2%; multivariate analysis showed factors associated with DM, which included
hipertriglyceridemia [OR=1.33; CI95%: 1.07-1.65], abdominal obesity [high elevated: OR=2.66; CI95%: 1.21-5.83], and
daily candy intake [OR=0.26; CI95%: 0.08-0.83]. Conclusion: coordinated actions of health services can contribute to
the prevention and control of risk factors for DM, especially abdominal obesity and dyslipidemia.
Key words: diabetes Mellitus; risk factors; food habits; epidemiology.

* Estudo financiado com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais e da Secretaria Municipal de
Saúde de Belo Horizonte-MG.

Endereço para correspondência:


Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais.
Avenida Professor Alfredo Balena, 190, 4º andar, Sala 420. Santa Efigênia, Belo Horizonte-MG, Brasil. CEP: 30130-100
E-mail: marysnut@gmail.com

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):439-448,out-dez 2011 439


Fatores associados ao diabetes Mellitus

Introdução (DANT) e por fração substancial da carga de doenças


atribuída a essas enfermidades.8
O diabetes Mellitus (DM), síndrome de etiologia
múltipla derivada da falta de insulina ou de sua in- Principal causa de amputações
capacidade em exercer adequadamente seus efeitos, de membros inferiores e cegueira
apresenta importância crescente para a Saúde Pública, adquirida, juntamente com
constituindo desafio para o Sistema Único de Saúde,
o SUS. Principal causa de amputações de membros a hipertensão arterial , o
inferiores e cegueira adquirida, juntamente com a diabetes constitui importante
hipertensão arterial (HA), a DM constitui importante fator de risco para as doenças
fator de risco para as doenças cardiovasculares (DCV), cardiovasculares.
primeira causa de morbimortalidade na população
brasileira.1 Ao considerar que, atualmente, o DM é uma das
O controle metabólico e o tratamento das compli- principais doenças crônicas a afetar os indivíduos e
cações decorrentes do diabetes acarretam elevados vários de seus determinantes são potencialmente mo-
custos. No Brasil, estima-se que a doença se associe dificáveis, este estudo se propõe a identificar os fatores
a um custo direto de, aproximadamente, 3,9 bilhões associados a DM em usuários de serviço de promoção
de dólares ao ano.2 da saúde no Município de Belo Horizonte-MG.
Em 1985, estimava-se a existência de 30 milhões
de adultos com diabetes no mundo, número que Metodologia
aumentou para 250 milhões em 2005 e deve chegar a
380 milhões em 2025.3 No Brasil, dados da ‘Campanha Trata-se de estudo epidemiológico, transversal e
Nacional de Detecção de Casos Suspeitos de Diabetes analítico, realizado em todos os usuários com idade
Mellitus’, realizada em diferentes regiões do país, em igual ou superior a 20 anos – total de 364 indivídu-
2001, mostrou uma prevalência de 14,6% de DM em os – que ingressaram no programa de promoção da
adultos.4 A Pesquisa Nacional sobre Vigilância de Fa- saúde denominado ‘Academia da Cidade’, localizado
tores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por na Região Leste do município de Belo Horizonte,
Inquéritos Telefônicos (Vigitel), entretanto, estimou Estado de Minas Gerais, no período de fevereiro de
em 5,8% a ocorrência média de DM na população 2007 a fevereiro de 2008.
adulta (≥18 anos de idade) em 2009.5 As Academias da Cidade representam uma das prin-
No que se refere às diferentes prevalências encon- cipais estratégias de promoção da saúde no município.
tradas, destacam-se as distintas metodologias utilizadas Seu objetivo é contribuir para a melhoria da qualidade
para sua definição. O primeiro estudo detectou a de vida da população, construindo no dia-a-dia da
presença de DM por meio do teste de glicemia capi- cidade a possibilidade de modos de vida mais saudá-
lar.4 Ademais, medidas feitas em voluntários tendem veis como a prática de atividade física, a alimentação
a superestimar a prevalência.6 O Vigitel5 baseou-se na equilibrada e o controle do hábito de fumar.9
auto avaliação do estado de saúde por informação A Academia da Cidade em estudo encontra-se em
telefônica, favorecendo menores prevalências ao área de elevada vulnerabilidade social.10 Os usuários
considerar que boa parte dos indivíduos que possuem inscritos praticam atividade física três vezes por sema-
DM desconhece sua própria condição.7 na, além de participarem de atendimento nutricional
Os fatores de risco para DM podem ser classifica- coletivo e individual.
dos em três grupos: hereditários; comportamentais; Os dados foram obtidos face a face, com o auxílio
e socioeconômicos. Entre os fatores de risco com- de questionário semiestruturado e pré-testado cuja
portamentais, destacam-se o tabagismo, o consumo aplicação teve a duração média de 40 minutos. 11
excessivo de bebidas alcoólicas, a obesidade, os O questionário foi aplicado por entrevistadores
hábitos alimentares inadequados e a inatividade física. devidamente treinados, no momento de entrada do
Esse conjunto de fatores responde pela grande maioria indivíduo na Academia da Cidade, e incluiu dados
das mortes por doenças e agravos não transmissíveis sociodemográficos (idade, sexo, escolaridade, ocu-

440 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):439-448,out-dez 2011


Mariana Carvalho de Menezes e colaboradores

pação profissional e renda mensal per capita), de O processamento de dados foi realizado com o
saúde (uso de medicamentos, morbidade referida e auxílio do programa Epi Info 6.04b; e o Statistical
percepção da saúde) e hábitos alimentares; também Package for the Social Sciences – SPSS versão 17.0
foram realizadas medidas antropométricas (peso, for Windows, utilizado para a análise estatística.
altura e circunferência da cintura).11 Realizou-se análise descritiva dos dados e teste qui-
Para avaliar o consumo de alimentos, utilizou-se quadrado de Pearson para averiguar possíveis associa-
aplicação única do ‘Recordatório Alimentar 24 horas’ ções entre a prevalência de DM e as covariáveis. A força
(R24), referente ao dia anterior. O R24 de um único de associação entre variáves foi determinada pelo odds
dia pode não representar o consumo habitual do in- ratio (OR) e seu respectivo IC95%. Foram consideradas
divíduo,12 razão porque foi associado ao ‘Questionário como candidatas ao modelo final de regressão logística
de Frequência Alimentar’ qualitativo (QFA), referente as covariáveis que apresentaram nível de significância
aos últimos seis meses. Este questionário constou estatística inferior a 20,0% (p<0,20).
de uma lista de 16 alimentos, obtida a partir de QFA Com relação à seleção do modelo final, foi adotada
calibrado para a população do interior de Minas Ge- a estratégia passo-a-passo, com a inclusão de todas
rais13 e revisado com base nos alimentos obtidos pela as variáveis selecionadas durante a análise bivariada,
análise de R24 realizado no próprio serviço de saúde, em ordem decrescente de significância estatística. As
em estudo piloto.11 variáveis que apresentaram p≥0,05 foram retiradas
As medidas antropométricas de peso, estatura e uma a uma do modelo e consideradas definitivamente
circunferência da cintura (CC) foram aferidas con- excluídas quando o decréscimo na explicação do
forme as recomendações da Organização Mundial da desfecho não era estatisticamente significativo. Para
Saúde (OMS).14 A partir das medidas de peso e altura, analisar esse parâmetro, o modelo foi avaliado a cada
calculou-se o índice de massa corporal (IMC=peso/ retirada, com o auxílio dos testes estatísticos de Wald
altura2), cuja classificação foi diferenciada para adul- e da razão de verossimilhança. Termos de interação
tos14 e idosos.15 Para avaliar a CC, foram utilizadas as também foram testados, considerando a descrição da
recomendações da OMS (complicações associadas à literatura e sua plausibilidade biológica. A avaliação
obesidade: sem risco = CC<80cm para mulheres e da qualidade do modelo final foi feita pelo cálculo
CC<94cm para homens; risco elevado = CC≥80cm de seu coeficiente de determinação (R2), pelas apli-
para mulheres e CC≥94cm para homens; risco muito cações do teste da bondade (goodness-of-fit test) e
elevado = CC≥88cm para mulheres e CC≥102cm para do linktest; e pela análise dos resíduos, baseando-se
homens).16 Para as mensurações, os entrevistadores principalmente nos pontos influenciais. O nível de
foram devidamente treinados, sendo realizadas três significância estatística foi fixado em 5,0% (p<0,05).
leituras para se obter uma média aritmética, então
registrada. Considerações éticas
O diagnóstico de diabetes Mellitus foi definido O projeto, do qual este estudo faz parte, foi apro-
pelo uso de medicamentos específicos e/ou relato da vado pelos Comitês de Ética da Universidade Federal
morbidade. de Minas Gerais (ETIC no 103/07) e da Prefeitura
Em relação à análise de dados, o consumo de Municipal de Belo Horizonte (Protocolo no 087/2007).
alimentos, registrado em medidas caseiras no R24 e
transformado em gramas,17 possibilitou o cálculo do Resultados
consumo de calorias e nutrientes. Para tal, utilizou-se o
programa DietWin® (2006), com a complementação Foram avaliados 364 indivíduos: 89,3% do sexo
de diferentes tabelas de composição de alimentos. feminino; 74,5% de adultos; e média de idade de
Quando necessário, foram utilizados produtos simila- 49,5±13,9 anos (Tabela 1).
res e rótulos de alimentos industrializados. Por fim, o A prevalência de DM correspondeu a 15,2% do
aporte calórico e os nutrientes estimados (carboidra- total de indivíduos entrevistados, sendo semelhante
tos, proteínas, lipídeos totais, ácidos graxos, colesterol, entre homens e mulheres. Na classificação por faixa
fibras, ferro, cálcio, zinco, sódio, vitaminas E, D, C e etária, observou-se aumento da prevalência de DM de
B12) foram categorizados em tercis. acordo com a idade, com 8,2% de diabéticos na faixa

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):439-448,out-dez 2011 441


Fatores associados ao diabetes Mellitus

de 20-29 anos e 25,5% entre aqueles com 60 anos e A análise bivariada mostrou como fatores asso-
mais (p=0,052). Também foram altas as prevalências ciados a DM ter HA (p=0,002), doenças do coração
das demais DANT avaliadas (Tabela 1). (p<0,001), hipercolesterolemia (p<0,001) e hiper-
Os resultados da avaliação antropométrica eviden- trigliceridemia (p<0,001) (Tabela 1). A obesidade ab-
ciaram alta prevalência de indivíduos com excesso de dominal, segundo a classificação de CC muito elevada,
peso: 38,2% de sobrepeso; 42,3% de obesidade entre os também se apresentou associada a DM (p=0,014).
adultos; e 63,4% de sobrepeso entre os idosos. Quanto No que se refere ao consumo alimentar, foram rela-
à obesidade abdominal, 70,9% apresentaram risco cionados ao desfecho: “beliscar” alimentos entre as
elevado e muito elevado de complicações associadas à refeições (p=0,055); e consumir doces diariamente
obesidade, de acordo com a CC averiguada (Tabela 1). (p=0,039) (Tabela 2).
Boa parte dos usuários apresentou inadequações Na análise multivariada, as variáveis que perma-
importantes no consumo de alimentos e nutrientes, neceram associadas de maneira independente ao
como pode ser verificado nas tabelas 2 e 3. A ingestão DM foram ter hipertrigliceridemia [OR=1,33; IC95%:
nos primeiros tercis de fibras, ácido graxo monoin- 1,07-1,65], obesidade abdominal mensurada por CC
saturado, cálcio, vitaminas C, D e B12 esteve aquém [muito elevada: OR=2,66; IC95%: 1,21-5,83] e relatar
dos valores recomendados, com exceção do sódio. consumo diário de doces [OR=0,26; IC95%: 0,08-0,83]
Ademais, comparou-se a prevalência de DM entre os (Tabela 6). Ressalta-se que a idade foi mantida no
tercis da ingestão de nutrientes (tabelas 4 e 5). modelo final apenas como variável de ajuste, tendo em

Tabela 1 - Variáveis demográficas, antropométricas e morbidade referida segundo a ocorrência de diabetes em


participantes do Programa ‘Academia da Cidade’ na Região Leste de Belo Horizonte, Estado de Minas
Gerais. Brasil, 2007 e 2008

Total Diabetes
Variáveis ORa IC95% b Valor-pc
(n=364) % (n=55) %
Classificação etária
Adulto 74,5 13,0 1,00 – –
Idoso 25,5 21,5 1,83 0,99-3,36 0,051
Morbidades
Hipertensão arterial
Não 51,7 9,4 1,0 – –
Sim 48,3 21,3 2,61 1,40-4,85 0,002
Hipercolesterolemia
Não 68,3 9,9 1,0 – –
Sim 31,7 27,4 3,45 1,91-6,22 <0,001
Hipertrigliceridemia
Não 84,8 10,7 1,0 – –
Sim 15,2 38,9 5,33 2,75-10,29 <0,001
Doença do coração
Não 84,8 12,1 1,0 – –
Sim 15,2 32,7 3,53 1,82-6,84 <0,001
Circunferência da cintura
Normal 29,1 8,5 1,00 – –
Elevada 27,7 15,0 1,90 0,79-4,56 0,150
Muito elevada 43,1 19,9 2,67 1,21-5,87 0,014
a) OR: odds ratio
b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%
c) Razão de verossimilhança

442 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):439-448,out-dez 2011


Mariana Carvalho de Menezes e colaboradores

Tabela 2 - Hábitos alimentares segundo a ocorrência de diabetes em participantes do Programa ‘Academia da


Cidade’ na Região Leste de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. Brasil, 2007 e 2008

Total Diabetes
Variáveis ORa IC95% b Valor-pc
(n=364) % (n=55) %
Número de refeições/dia
≥5 22,3 18,5 1,00 – –
<5 77,7 14,2 1,36 0,71-2,63 0,345
“Beliscar” alimentos
Não 49,2 20,1 1,00 – –
Sim 50,8 12,2 0,55 0,30-1,01 0,055
Consumo
Frutas, verduras e legumes
Não diário 78,2 15,3 1,00 – –
Diário 21,8 15,6 1,02 0,51-2,05 0,956
Banha de porco – – – – –
Não diário 90,7 15,2 1,00 – –
Diário 9,3 14,7 0,95 0,35-2,59 0,934
Refrigerante comum
Não diário 89,0 15,8 1,00 – –
Diário 11,0 10,3 0,61 0,20-1,78 0,368
Refrigerante diet
Não diário 97,0 14,8 1,00 – –
Diário 3,0 27,3 2,15 0,55-8,39 0,268
Doces
Não diário 82,6 17,1 1,00 – –
Diário 17,4 6,3 0,32 0,11-0,94 0,039
a) OR: odds ratio
b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%
c) Razão de verossimilhança

Tabela 3 - Distribuição do consumo de nutrientes, em tercis, por participantes do Programa ‘Academia da


Cidade’ na Região Leste de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. Brasil, 2007 e 2008

Tercil 1 Tercil 2 Tercil 3


Variáveis (Média ± DPa) (Média ± DPa) (Média ± DPa)
Calorias (kcal) 1.046,5±224,9 1.613,3±162,5 2.529,4±319,3
Carboidratos (%) 41,2±5,3 51,5±2,3 61,9±5,4
Proteínas (%) 9,7±1,8 14,8±1,2 21,7±4,4
Lipídeos (%) 23,9±4,3 33,1±2,9 44,5±29,8
Colesterol (mg) 59,5±29,2 155,3±30,7 372,1±186,3
Ácido graxo saturado (%) 5,9±1,3 9,4±1,1 14,8±4,1
Ácido graxo monoinsaturado (%) 5,8±1,2 8,6±0,5 11,9±1,9
Ácido graxo poliinsaturado (%) 5,8±1,2 9,0±0,8 13,9±7,7
Sódio (g) 2,9±0,6 4,9±0,6 6,4±0,9
Fibras (g) 9,4±3,5 19,1±2,8 37,4±13,2
Ferro (mg) 3,8±1,1 6,9±0,9 33,9±4,6
Cálcio (mg) 154,4±59,7 348,5±63,1 769,7±58,4
Zinco (mg) 3,5±1,2 7,1±1,0 14,2±7,3
Vitamina D (mcg) 0,3±0,1 1,5±0,4 29,2±16,9
Vitamina C (mg) 12,1±6,1 45,1±17,1 246,1±66,7
Vitamina B12 (mcg) 0,4±0,2 1,3±0,4 9,1±6,3
Vitamina E (mg) 14,4±4,2 25,3±2,5 40,6±12,4
a) DP: Desvio padrão

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Fatores associados ao diabetes Mellitus

Tabela 4 - Consumo de nutrientes, em tercis, segundo a ocorrência de diabetes em participantes do Programa


‘Academia da Cidade’ na Região Leste de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. Brasil, 2007 e 2008

Diabetes
Variáveis ORa IC95% b Valor-pc
(n=55) %
Lipídeos
Tercil 1 16,7 1,00 – –
Tercil 2 15,7 0,93 0,47-1,85 0,839
Tercil 3 13,4 0,78 0,38-1,59 0,487
Ácido graxo saturado
Tercil 1 17,5 1,00 – –
Tercil 2 16,4 0,92 0,48-1,79 0,814
Tercil 3 11,6 0,62 0,29-1,31 0,209
Ácido graxo monoinsaturado
Tercil 1 17,5 1,00 – –
Tercil 2 17,1 0,97 0,49-1,93 0,939
Tercil 3 11,6 0,62 0,30-1,27 0,191
Ácido graxo poliinsaturado
Tercil 1 14,3 1,00 – –
Tercil 2 13,3 0,92 0,44-1,92 0,822
Tercil 3 18,3 1,35 0,67-2,72 0,406
Fibras
Tercil 1 12,5 1,00 – –
Tercil 2 15,0 1,24 0,59-2,58 0,574
Tercil 3 18,3 1,57 0,77-3,20 0,213
a) OR: odds ratio
b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%
c) Razão de verossimilhança

Tabela 5 - Consumo de micronutrientes, em tercis, segundo a ocorrência de diabetes em participantes do


Programa ‘Academia da Cidade’ na Região Leste de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais.
Brasil, 2007 e 2008

Diabetes
Variáveis ORa IC95% b Valor-pc
(n=55) %
Cálcio
Tercil 1 15,3 1,00 – –
Tercil 2 15,8 1,05 0,52-2,11 0,902
Tercil 3 15,0 0,98 0,48-1,99 0,956
Zinco
Tercil 1 16,7 1,00 – –
Tercil 2 15,7 0,93 0,47-1,85 0,839
Tercil 3 13,4 0,77 0,38-1,58 0,487
Vitamina D
Tercil 1 16,0 1,00 – –
Tercil 2 14,9 0,92 0,46-1,85 0,815
Tercil 3 15,0 0,93 0,46-1,87 0,836
Vitamina C
Tercil 1 13,6 1,00 – –
Tercil 2 14,9 1,11 0,54-2,31 0,771
Tercil 3 17,5 1,35 0,67-2,74 0,403
Vitamina B12
Tercil 1 16,9 1,00 – –
Tercil 2 18,2 1,09 0,56-2,12 0,802
Tercil 3 10,7 0,59 0,28-1,25 0,168
a) OR: odds ratio
b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%
c) Razão de verossimilhança

444 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):439-448,out-dez 2011


Mariana Carvalho de Menezes e colaboradores

Tabela 6 - Modelo final de regressão logística tendo o diabetes Mellitus como variável dependente na Região
Leste de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. Brasil, 2007 e 2008

Variáveis ORa IC95% b Valor-pc

Classificação etária

Adulto 1,00 – –

Idoso 1,02 1,00-1,04 0,007

Hipertrigliceridemia

Não 1,00 – –

Sim 1,33 1,07 -1,65 0,008

Consumo de doce

Não diário 1,00 – –

Diário 0,26 0,08-0,83 0,023

Circunferência da cintura

Normal 1,00 – –

Elevada 2,11 0,86-5,12 0,099

Muito elevada 2,66 1,21-5,83 0,014

Sexo

Feminino 1,00 – –

Masculino 1,09 0,44-2,69 0,849

a) OR: odds ratio


b) IC95%: Intervalo de confiança de 95%
c) Razão de verossimilhança

vista o consenso científico sobre a importância desse procurado, em sua maioria, por demanda espontânea
parâmetro para a prevalência de diabetes.2 dos usuários e por encaminhamento das equipes da
Estratégia Saúde da Família. Ressalta-se que, entre
Discussão aqueles que procuram o serviço espontaneamente,
muitos o fazem pelas condições da doença: a Aca-
A população do estudo apresentou elevada pre- demia da Cidade, um serviço de promoção da saúde
valência de diabetes (15,2%), resultado superior ao de caráter público – oferece orientação nutricional e
encontrado pelo Vigitel em 2009,5 assim como ao prática regular de exercícios físicos.
observado em estudo multicêntrico.18 Valores mais A presença de DM foi associada positivamente com
próximos ao presente estudo foram encontrados por a ocorrência de comorbidades como hipercoleste-
Ortiz e colaboradores em Ribeirão Preto-SP (12,0%),19 rolemia, hipertrigliceridemia, HA e DCV, sendo que
e por Gomes e colaboradores (14,6%).4 apenas a variável hipertrigliceridemia manteve-se no
Tendo em vista as diferentes metodologias utilizadas modelo final.
para definição de DM, a comparação entre os estudos As dislipidemias acometem 10,0 a 15,0% da popu-
é prejudicada. A elevada prevalência de DM encontrada lação brasileira adulta, valores inferiores aos encon-
pode ser explicada, em parte, pelo local do estudo, trados neste estudo. Elas constituem importante fator

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):439-448,out-dez 2011 445


Fatores associados ao diabetes Mellitus

de risco para progressão a DM. Sua principal compli- de macro e micronutrientes, haja vista as inadequações
cação, a aterosclerose, é precoce, mais frequente e observadas em ambos os grupos.
acelerada em indivíduos diabéticos.7 É mister salientar as limitações inerentes ao de-
O conhecimento das alterações do perfil lipídico senho de um estudo de delineamento transversal. A
em indivíduos diabéticos é necessário: a dislipidemia interpretação dos resultados merece cautela, uma vez
constitui importante fator de risco para as DCV nessa que fatores associados e seus efeitos foram medidos
população, com elevadas taxas de mortalidade.20 O em um único momento. Como exemplo de possível
fenótipo lipídico aterogênico, que pode estar presente causalidade reversa, há o menor consumo diário de
nesses indivíduos, é resultado do excesso de tecido doces relatado pelos indivíduos diabéticos, reflexo
adiposo visceral, o qual, por sua vez, libera grandes de uma provável redução do consumo em função da
quantidades de ácidos graxos na circulação. Em con- presença da doença. A realização de estudo de coorte a
sequência, há menor depuração hepática de insulina e posteriori poderá fornecer informações mais acuradas
hiperinsulinemia sistêmica, redução na degradação da sobre a etiologia da doença e mesmo corroborar as
apolipoproteína B e aumento da secreção hepática de conclusões aqui apresentadas.
lipoproteínas de muito baixa densidade.21 Isso resulta Apesar da associação inversa encontrada entre DM
em maior geração de LDL (low density lipoprotein, ou e consumo diário de doces, possivelmente pelo deli-
lipoproteína de baixa densidade) pequenas e densas, neamento transversal do estudo, é digna de relevância
diminuição do colesterol na HDL (high density lipo- a atuação dos serviços de saúde sobre os fatores de
protein, ou lipoproteína de alta densidade) e aumento risco modificáveis, com destaque para as dislipidemias
dos triglicérides,22 apontados como importante fator e a obesidade abdominal, contribuindo para prevenir
de risco para a doença coronariana e possíveis razões e retardar a progressão ao DM.25,26
para o fato de indivíduos diabéticos apresentarem Sendo a integralidade um princípio de nosso sis-
maior incidência de DCV.21 tema nacional de saúde, recomenda-se a integração
No que se refere à obesidade, a incidência de de serviços de promoção da saúde – a exemplo do
DM do tipo 2 está relacionada a sua duração e serviço prestado pelo Programa ‘Academia da Cidade’
gravidade: praticamente dobra na presença de au- – com todos os eixos da Atenção Primária, sobretudo
mento de peso moderado e pode mais que triplicar com a Estratégia Saúde da Família da unidade básica
no excesso acentuado de peso.23 Na população em de saúde da área de abrangência do serviço. Essa
estudo, o excesso de peso foi expressivo, superior interface oportunizará o incremento da atenção aos
a dados nacionais.5 Provavelmente, as prevalências portadores de DM mediante o desenvolvimento de
no presente estudo foram mais elevadas devido às ações articuladas que visem à melhora da qualidade
características dessa população, usuária de serviço de vida dos indivíduos atendidos. Segundo o Ministério
de promoção da saúde. da Saúde, a vinculação de portadores ao nível primário
Neste estudo, ainda mais importante que a obesida- de atenção é imprescindível para o sucesso do controle
de total foi a abdominal: a CC muito elevada aumentou desse agravo, favorecendo a identificação precoce dos
em aproximadamente três vezes a chance de ter dia- casos, prevenção e controle dos fatores de risco.1
betes. Esses dados corroboram achados indicadores
do padrão de distribuição do tecido adiposo como Agradecimentos
principal responsável pela morbimortalidade, mais
do que o depósito total de gordura.7 À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Em relação ao consumo alimentar, há evidências na Minas Gerais e à Secretaria Municipal de Saúde de
literatura sobre a relação entre qualidade da alimenta- Belo Horizonte, pelo apoio financeiro.
ção e riscos do desenvolvimento de DM.24 No presente Ao Grupo de Pesquisa em Intervenções em Nutrição,
estudo, entretanto, o DM não foi associado ao consumo pelo incentivo e colaboração.

446 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):439-448,out-dez 2011


Mariana Carvalho de Menezes e colaboradores

Referências

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Recebido em 21/07/2010
Aprovado em 08/12/2011

448 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):439-448,out-dez 2011


Artigo
Original Estudo de caso do processo de formulação da Política
Nacional de Alimentação e Nutrição no Brasil
doi: 10.5123/S1679-49742011000400004

Case Study of the Formulation of the National Policy of Diet and Nutrition in Brazil

Denise Bomtempo Birche de Carvalho


Departamento de Serviço Social, Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Deborah Carvalho Malta


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil; Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

Elisabeth Carmen Duarte


Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Lenildo de Moura
Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Otaliba Libânio de Morais Neto


Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil
Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO, Brasil

Ana Beatriz Vasconcelos


Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição, Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde,
Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro


Departamento de Nutrição, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Resumo
Objetivo: analisar o processo de formulação da ‘Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN)’ no campo das ações públicas voltadas à
proteção e promoção da saúde. Metodologia: trata-se de estudo de caso qualitativo multicêntrico, tendo por base o período de 1998 a 2005; foram
realizadas 16 entrevistas semi-estruturadas com atores-chave do governo e sociedade civil, e analisadas diferentes fontes secundárias de informação
para reconstituição do processo, a movimentação dos atores e suas motivações; para a análise da construção da PNAN, utilizou-se uma matriz com
cinco categorias – contexto, ideias, instituições, interesses e instrumentos de política. Resultados: a PNAN foi formulada de maneira participativa,
envolvendo diversos setores do governo e sociedade organizada; sua publicação, em 1999, destacou as seguintes diretrizes político-institucionais
– estímulo às ações intersetoriais, com vistas ao acesso universal aos alimentos; garantia da segurança e da qualidade dos alimentos e da prestação
de serviços; monitoramento da situação alimentar e nutricional do país; promoção de práticas alimentares e estilos de vida saudáveis; prevenção
e controle dos distúrbios nutricionais e de doenças associadas à alimentação e nutrição; promoção do desenvolvimento de linhas de investigação;
e desenvolvimento e capacitação de recursos humanos. Conclusão: o processo de formulação da ‘Política Nacional de Alimentação e Nutrição’
constituiu um sólido aprendizado, amparado na busca do aprimoramento democrático, da participação cidadã na discussão com a sociedade civil.
Palavras-chave: vigilância nutricional; segurança alimentar e nutricional; obesidade; política de saúde.

Summary
Objective: analyze the process of the formulation of the ‘National Policy of Diet and Nutrition in Brazil (NPDN)’ in the field of
public actions turned to health protection and promotion. Methodology: multicentric qualitative case study, based on the period from
1998 to 2005; sixteen semi-structured interviews with key government and civil society actors were performed and different secondary
information sources analyzed for reconstruction of process and mobility of the actors, and their motivation; for the analysis and cons-
truction of NPDN, a matrix with 5 categories was used – context, ideas, institutions, interest, and policy instruments. Results: NPDN
was formulated in a participatory manner involving several government sectors and organized society; the publication of the NPDN
in 1999 revealed its political-institutional guidelines: stimulus to intersectoral actions, in view of universal access to food; assurance
of the safety and quality of food and services rendered; monitoring of the diet and nutrition of the country; promotion of healthy diet
practices and life styles; prevention and conrol of nutrition disorders and diseases related to diet and nutrition; development promotion
of lines of investigation; human resource developing and training. Conclusion: the process of formulation of the ‘National Policy of
Diet and Nutrition’ is a solid learning way, supported by the search democratic perfecting, with an important citizen participation and
discussion with civil society.
Key words: nutrition surveillance; food and nutrition assurance; obesity; health policy.

Endereço para correspondência:


Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, SAF SUL,
Trecho 2, Lotes 5/6, Bloco F, Torre 1, Edifício Premium, Térreo, Sala 14, Brasília-DF, Brasil. CEP: 70070-600
E-mail: cgdant@saude.gov.br
Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):449-458,out-dez 2011 449
Formulação Política de Alimentação

Introdução os principais achados do estudo de caso brasileiro,


cujo relatório completo se encontra disponível em
A intervenção do poder público na realidade social publicação prévia.1 O atual trabalho cumprirá a função
é complexa. A formulação de políticas e/ou programas da difusão da pesquisa para um público mais amplo,
de governo é dependente da dinâmica de interação contribuindo para a compreensão do processo de
entre os grupos políticos no interior do Estado, e formulação da PNAN.
deste com a sociedade organizada, resultando daí a O tema Alimentação e Nutrição entrou na agenda
necessidade de considerar o peso político da ação pública brasileira em vários momentos históricos,
governamental, sobretudo quando o que se pretende com suas peculiaridades políticas e econômicas.
analisar é o processo de formulação de políticas pú- Vasconcelos3 enfatiza três períodos-chave da cons-
blicas governamentais. trução da agenda pública nessa área. O primeiro
Com o objetivo de contribuir com a capacidade técnica período (1930-1963) corresponde à emergência
para a análise e avaliação de políticas relacionadas às das políticas sociais relacionadas ao tema, com
doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) na região maior influencia dos estudos de Josué de Castro. O
das Américas e Caribe, a Organização Mundial da Saúde segundo momento (1964-1984) se refere às tenta-
(OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), tivas de incorporação das técnicas de planejamento
em parceria com o Centro Colaborador em DCNT da nutricional e econômico, conduzidas pelo Instituto
Organização Mundial da Saúde no Canadá, implantaram Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN). E o
em 2004 o Observatório de Políticas para Prevenção terceiro período (1985-2003) é vinculado às lutas
das DCNT. O Observatório de Politicas foi criado com o pela redemocratização do país.
objetivo de sistematizar e analisar as informações relacio- Este trabalho aborda, mais especificamente, o
nadas com as políticas que atuam nessa área, assim como último período. Descreve-se as ideias, valores e
difundir os resultados de suas análises.1,2 interesses presentes no processo de formulação da
‘Política Nacional de Alimentação e Nutrição no Brasil
A formulação de políticas e/ou (PNAN)’, priorizando-se as análises do período entre
1998 e 2005.1
programas de governo é dependente
O objetivo deste trabalho é analisar o processo
da dinâmica de interação de formulação da ‘Política Nacional de Alimentação
entre os grupos políticos no e Nutrição (PNAN)’ no campo das ações públicas
interior do Estado, e deste voltadas à proteção e promoção da saúde, no período
com a sociedade organizada, de 1998 a 2005.
resultando daí a necessidade de Metodologia
considerar o peso político da ação
governamental. Tratar-se de estudo de caso empregando-se a
metodologia qualitativa para analisar o processo de
Visando propiciar maior reflexão sobre as politicas formulação da ‘Política Nacional de Alimentação e
implantadas na região das Américas, foi realizado Nutrição’. Para análise foram usados fontes de dados
estudo multicêntrico focalizando os processos de for- primários e secundários. Para os dados primários,
mulação de políticas em DCNT em três países: Brasil, foram realizadas 16 entrevistas com atores-chave,
Costa Rica e Canadá.1 O tema eleito por esses países foi com roteiro semi-estruturado e questões sobre
Alimentação e Nutrição, sendo definidos em comum contextos sociais, institucionais e políticos que
o foco das pesquisas, instrumentos e metodologias viabilizaram a formulação da PNAN, assim como
empregadas. No Brasil, o estudo de caso foi coorde- sua inserção na prevenção das DCNT e na agenda
nado pelo Ministério da Saúde e resultou na criação pública, problemas de saúde coletiva e alternativas
de um observatório de DCNT no Brasil que envolveu de enfrentamento e solução dos problemas relativos a
pesquisadores de diversas instituições governamentais alimentação e nutrição, pelos atores governamentais
e de ensino e pesquisa. O presente estudo destaca e não governamentais.1

450 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):449-458,out-dez 2011


Denise Bomtempo Birche de Carvalho e colaboradores

A escolha da PNAN como unidade de análise para O período de 1998 a 2005 foi adotado como marco
estudo de caso brasileiro deveu-se aos seguintes temporal para a pesquisa, por ser o período de for-
motivos: a) diretriz do Governo Federal, de caráter mulação da PNAN e da organização da área técnica
multissetorial, de responsabilidade do Ministério da competente no Ministério da Saúde.
Saúde; b) coerência com objetivos nacionais relativos Foram realizados os seguintes procedimentos de
à prevenção de DCNT; e também, por se tratar de c) análise das entrevistas: a) transcrição completa das
uma política de abrangência nacional, envolvendo entrevistas gravadas, objetivando a pré-análise do conte-
um dos principais fatores de proteção das DCNT údo; e b) constituição do corpo discursivo, que objetiva
(alimentação). resguardar o contexto e a unidade das entrevistas.
Os intrumentos utilizados na pesquisa foram co- Para a análise da construção da PNAN, utilizou-se
muns aos três países do estudo multicêntrico (Canadá, uma matriz com cinco categorias interligadas – contexto,
Brasil, e Costa Rica),2 pré-testado e validado no Brasil. ideias, instituições, interesses e instrumentos de política
Para as entrevistas, semi-estruturadas, foram usados –6 com o objetivo de responder às seguintes perguntas:
os seguintes critérios de seleção dos entrevistados: a) Como as ideias e valores de diversos atores do Estado, da
indicação dos participantes do observatório de Políti- sociedade e do mercado foram incorporados no texto
cas sobre DCNT; b) gestores públicos que participaram da PNAN? Como as ideias foram construídas? Seriam
do processo de formulação da PNAN em vários setores construções sociais da realidade sobre os problemas e
da política pública; c) especialistas e acadêmicos da as soluções relativos à alimentação e nutrição no Brasil?
área de Alimentação e Nutrição; e d) especialistas com Afinal, como se deu esse processo? Como os atores
experiência comprovada na formulação de programas negociaram, concertaram, persuadiram, argumentaram
e ações de alimentação e nutrição. no campo das ideias e valores?
As seguintes instituições tiveram informantes-chave: Os dados secundários foram coletados por meio de
Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nu- legislação em vigor no Brasil que regulamenta ações e
trição (CGPAN) do Ministério da Saúde (MS), Coorde- programas (Decretos Presidenciais, Portarias), entre
nação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis outros documentos governamentais: planos, boletins,
(CGDANT) da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS)/ relatórios expedidos; publicações de organismos in-
MS, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)/ ternacionais; artigos de jornais de circulação nacional;
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da discursos, pareceres; atas de reuniões interministeriais
Republica, Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz)/ e intraministeriais, grupos de trabalho e memórias de
MS, Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Escola eventos realizados.
Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP)/Fio- Para análise dos dados secundários, foram respon-
cruz/MS, Universidade Federal de Pernambuco (UFPe), didos os seguintes tópicos: a) instituições governa-
Universidade Federal da Bahia (UFBa) e Universidade mentais e não governamentais que influenciaram; b)
de São Paulo (USP). Também foram entrevistados ideias e valores presentes; e c) interesses e conflitos
um técnico da Organização Mundial da Saúde (OMS/ inseridos no processo.
Genebra) e um informante da organização não go-
vernamental Associação Brasileira de Alimentação e Considerações éticas
Nutrição e Direitos Humanos (ABRANDH). Foi feita O estudo obteve aprovação da Comissão Nacional
a transcrição das entrevistas gravadas, guardando a de Ética em Pesquisa (CONEP)/Ministério da Saúde,
unidade das narrações e preservando o contexto no segundo o Parecer nº 449/2006, por se tratar de pes-
qual o discurso foi produzido. A análise das entrevistas quisa institucional financiada pelo Ministério da Saúde.
foi realizada em etapas, segundo o método da ‘Análise
de conteúdo’ desenvolvido por Bardin.4 Trata-se de Resultados
um conjunto de técnicas de análise de comunicação
visando obter o significado dos conteúdos enunciados A PNAN foi aprovada pela Portaria Ministerial n°
pelos entrevistados, em suas entrelinhas, seus ditos e 710/1999, como parte integrante da Política Nacional
não ditos, ou seja, os significados manifestos e latentes, de Saúde, inserindo-se no contexto da Segurança
a partir de material qualitativo.5 Alimentar e Nutricional (SAN).7

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):449-458,out-dez 2011 451


Formulação Política de Alimentação

No âmbito institucional, a área gestora da Alimenta- da Reforma Agrária, do Planejamento e Orçamento,


ção e Nutrição possuía elementos indispensáveis para a das Relações Exteriores, da Ciência e Tecnologia, do
formulação da política: a) relevância epidemiológica, Trabalho e Emprego. No SUS, especificamente, houve
relativa à transição nutricional; b) conjuntura favorável a participação dos gestores nacionais de saúde por
de reorganização da área da Alimentação e Nutrição meio do Conselho Nacional de Secretários de Saúde
dentro do Ministério da Saúde (recursos humanos, (Conass) e do Conselho Nacional de Secretários Mu-
técnicos, orçamento); e c) pressão política de atores nicipais de Saúde (Conasems).
do Estado e da sociedade civil para a redefinição das
ações do governo em alimentação e nutrição.
Para o alcance de seus propósitos, a PNAN definiu as
O processo de elaboração da PNAN
seguintes diretrizes político-institucionais:7 estímulo às iniciou-se no âmbito do Ministério
ações intersetoriais, com vistas ao acesso universal aos da Saúde, locus do Estado, espaço
alimentos; garantia da segurança e da qualidade dos concreto em que suas diretrizes
alimentos e da prestação de serviços nesse contexto;
políticas foram construídas,
monitoramento da situação alimentar e nutricional do
país; promoção de práticas alimentares e estilos de debatidas e negociadas entre
vida saudáveis; prevenção e controle dos distúrbios gestores de políticas governamentais,
nutricionais e de doenças associadas à alimentação atores da sociedade civil e do mercado.
e nutrição; promoção do desenvolvimento de linhas
de investigação; e desenvolvimento e capacitação de Contribuíram com evidências empíricas na
recursos humanos. formulação da PNAN os Centros Colaboradores do
A seguir, são descritos os três eixos analíticos do Ministério da Saúde na área de Nutrição, alocados
processo de formulação da PNAN. em universidades [Universidade Federal do Para-
ná (UFPr), Universidade Federal de Goiás (UFG),
Instituições governamentais Universidade Federal do Pará (UFPa), Universidade
e não governamentais que influenciaram Federal da Bahia (UFBa), Instituto de Medicina
o processo de formulação da PNAN Integral de Pernambuco (IMIP) e Escola Nacional
O processo de elaboração da PNAN iniciou-se no de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP)/Fiocruz),
âmbito do Ministério da Saúde, locus do Estado, es- Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Uni-
paço concreto em que suas diretrizes políticas foram versidade Federal de Pelotas (UFPel) e Universidade
construídas, debatidas e negociadas entre gestores de Federal de Pernambuco (UFPe). O processo também
políticas governamentais, atores da sociedade civil e contou com a participação da sociedade civil, com
do mercado. as entidades Solo Brasileiro de Segurança Alimentar
O ponto de partida para a elaboração da política (SBSA), Instituto Brasileiro e Análises Sociais e
foi um documento com elementos de evidência cien- Econômicas (Ibase), Instituto Superior de Ensino e
tífica que argumentava a necessidade de formulação Pesquisa (Inesp), Instituto Brasileiro de Defesa do
da política, elaborado por um grupo de especialistas, Consumidor (Idec), Pastoral da Criança, Conselho
ex-integrantes do INAN. Conforme Majone,8 a política Federal de Nutricionistas (CFN), Associação Brasilei-
pública é feita de palavras. Em forma escrita ou oral, ra de Nutrição (Asbran) e Associação para Educação
a argumentação é essencial em todas as etapas de seu em Administração Empresarial (ABAI). Os parceiros
processo de formulação.8 internacionais, Organização Pan-Americana da Saúde
Havia consenso no grupo de trabalho: era necessário – OPAS – e Organização Mundial da Saúde – OMS
desenhar uma política com contornos intersetoriais, –, deram seu apoio físico e financeiro à realização
embora coordenada pelo setor Saúde, explicitando a das oficinas de trabalho. O processo, segundo um
responsabilidade de cada executor da política, seja ou informante da presente pesquisa, contou com a
não integrante do Sistema Único de Saúde (SUS). “participação em vários momentos da discussão, seja
No processo intersetorial de discussão, partici- em reuniões físicas ou por intermédio da internet na
param os Ministérios da Agricultura, da Educação, circulação de documentos”.

452 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):449-458,out-dez 2011


Denise Bomtempo Birche de Carvalho e colaboradores

Após a elaboração do documento básico, este foi teriais, elaboração de protocolo de resultados, entre
submetido à consulta dos estados da Federação, por outros aspectos. O pacto foi devidamente firmado em
meio das Coordenações Estaduais de Alimentação e documento oficial.
Nutrição e da sociedade civil organizada representada Com a aprovação da PNAN, desencadeou-se um
em Fórum de discussão da OPAS. Sobre os atores da processo permanente de capacitação de recursos
sociedade civil, os informantes ressaltaram a impor- humanos envolvidos em atividades de planejamento,
tância do trabalho de consulta ao Fórum Brasileiro monitoramento e avaliação, de forma descentralizada
de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSAN), com como preconiza a Constituição Federal e o SUS; ou seja,
ampla representação da sociedade, inclusive rema- “capacitamos todos os estados (da Federação) em
nescentes da ‘Ação da Cidadania Contra a Fome e a um processo interessante, depois os estados fizeram
Miséria’ (1992-1994). Um dos entrevistados afirma os seus planos de capacitação dos municípios,
que “o processo de formulação da PNAN foi bastante treinaram todos os municípios”.
inclusivo, consultivo, ao mesmo tempo em que O processo de capacitação baseou-se na re-
tentávamos reconhecer os programas, extinguindo construção de dois conceitos: segurança alimentar
umas ações e melhorando outras”. Sem dúvida, essa nutricional e direito humano à alimentação. A me-
ampliação da participação contribuiu para a sustenta- todologia de aprendizagem usada foi a construção
bilidade do processo. dos conceitos à luz das experiências pessoais e o
Porém, ao mesmo tempo em que significava um resultado foi que “começavam a perceber que eram
avanço no campo da concepção, das ideias e valores, capazes de fazer alguma coisa para modificar
o grupo redator da PNAN não tinha clareza de como aquela realidade”.
proceder para incorporar essa nova terminologia Ao longo das últimas décadas, as ações do Minis-
na agenda governamental, ou seja, a alimentação tério da Saúde nesse campo mudaram de escopo,
e nutrição como direito humano. Como ilustra um evoluíram da distribuição de leite para crianças e
informante-chave, “como lidar com isso, um campo gestantes, realizada à época pelo extinto INAN, para
novo, inclusive ainda o é, o que isso significa concei- o Programa Bolsa Alimentação em 2001 e, em 2004,
tualmente em termos de discurso, mas o que significa o Bolsa Família. Este último, mais inclusivo e agrega-
em termos programáticos, tínhamos pouca ideia”. dor de outras ações intersetoriais, foi e permanece
Necessário se fez que os técnicos demandassem a sendo conduzido pelo Ministério do Desenvolvimento
área de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Social.9
para releitura do texto sob a ótica do direito humano O processo de elaboração da PNAN, na argumenta-
à alimentação. ção de um entrevistado, foi inclusivo, participativo e
Na esfera institucional, o Ministério da Saúde sólido, tanto que essa política permanece até os dias
criou a Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição atuais como política oficial do Ministério da Saúde:
(CGPAN), que organizou uma área específica de Ali- “porque uma política, ela tem que ter uma vida
mentação e Nutrição. Esta processou as implicações mais longa”.
da compreensão do “direito humano à alimentação”
a partir das seguintes indagações: O que significa esse Ideias e valores presentes
novo discurso? Trata-se de mais uma retórica ou ele no processo de formulação da PNAN
tem consistência programática? Como a extinção do INAN em 1997, em função de
A CGPAN decidiu pela escolha do tema da Anemia denúncias de corrupção, os técnicos e a maioria das
como primeiro exemplo para a materialização do funções do órgão extinto, passam para o Ministério da
conceito de direito humano à alimentação. Como fazer Saúde. Entretanto o grupo técnico de nutricionistas
para que os programas de combate à anemia ferropriva mantém uma série de apoios externos, por meio do
pudessem contribuir para a realização desse direito? O Conselho Nacional de Alimentação e Nutrição, e forte
Direito implicaria deveres dos vários atores. Estes deve- apoio de Universidades, conseguindo se rearticular
riam ser pactuados com prazos definidos, indicadores internamente no aparelho de estado, dentro do Mi-
estabelecidos, divulgação da informação e mobilização nistério da Saúde, que criou a Coordenação-Geral de
da sociedade, alocação de recursos humanos e ma- Alimentação e Nutrição, responsável pelo tema, mas

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):449-458,out-dez 2011 453


Formulação Política de Alimentação

também em outras estruturas do governo. Uma das Ministério da Saúde. Exemplos de ações de natureza
maneiras de manter a articulação foi a formulação de tipicamente intersetorial seriam a regulamentação
uma política na área de Alimentação e Nutrição. Para da rotulagem nutricional dos alimentos, a restrição
tanto, foram articulados apoios externos que envolve- da publicidade de alimentos não saudáveis, a regula-
ram instituições médicas, o Conselho Federal de Nutri- mentação da quantidade máxima de sal nos alimentos
cionistas e algumas organizações internacionais, como industrializados, a promoção da alimentação saudável
o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e nas escolas e nos ambientes de trabalho, o incentivo
a OMS, “os atores mais relevantes da implantação da à produção de frutas e hortaliças, políticas fiscais
Política Nacional de Alimentação e Nutrição” segundo diferenciadas para a taxação de alimentos mais e
a percepção de um informante-chave. menos saudáveis, medidas de planejamento urbano
A construção da Política baseou-se em evidências para o estímulo da atividade física, campanhas de
científicas sobre o perfil alimentar e nutricional no esclarecimento usando os meios de comunicação de
Brasil à época. Por um lado, existiam alguns estudos massa, entre outras.
multicêntricos, dados sobre a avaliação do programa
do leite e questões sobre a necessidade de se criar o
Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan).
O documento brasileiro defendia
Como enfatizou um informante-chave, “era como uma que os alimentos deveriam ter
colcha de retalhos, costurando diversas questões temá- qualidade, respeitar nossa
ticas, conceituais, estratégicas que eram fundamentais diversidade cultural, social e
para se ter o próprio escopo da política”.
No campo das ideias e valores que influenciaram a
econômica, além de
formulação da PNAN, cita-se a extinção do Conselho serem ambientalmente
de Segurança Alimentar, em 1994, e a criação do sustentáveis.
Programa ‘Comunidade Solidária’, propositado a
articular programas e ações de governo com a socie- Segundo um entrevistado, houve um impasse na
dade civil. Ademais, o Governo Brasileiro apresentou formulação da PNAN: pretendia-se uma política de
um documento na reunião da Cúpula Mundial para segurança alimentar intersetorial que abarcasse toda
a Alimentação, em Roma, 1996, levantando pontos a dimensão da segurança alimentar, desde a produção
sobre segurança alimentar e nutricional. O docu- até a utilização biológica do alimento; ou uma política
mento brasileiro defendia que os alimentos deveriam setorial (da Saúde), inserida em uma política mais
ter qualidade, respeitar nossa diversidade cultural, ampla de segurança alimentar?
social e econômica, além de serem ambientalmente A decisão foi pelo recorte setorial da Saúde,
sustentáveis. não só para que compusesse a Política Nacional de
Esses elementos influenciaram a formulação da Saúde como também porque a agenda da Saúde, no
PNAN e a definição das suas diretrizes, a saber: a) campo da segurança alimentar, todavia era frágil,
estímulo às ações intersetoriais, com vistas ao acesso inacabada.
universal aos alimentos; b) garantia da segurança e O Conselho Nacional de Saúde foi um ator-chave
da qualidade dos alimentos e da prestação de serviços na necessidade de argumentação em torno da ideia
neste contexto; c) monitoramento da situação alimen- da intersetorialidade, de um lado, e da amplitude da
tar e nutricional; d) promoção de práticas alimentares ideia da segurança alimentar de outro. Desse debate
e estilos de vida saudáveis; e) prevenção e controle e da força argumentativa dos especialistas, nasceu a
dos distúrbios nutricionais e das doenças associadas primeira diretriz da PNAN: a necessidade de ações
à alimentação e nutrição; f) promoção de linhas de intersetoriais para garantia da alimentação humana
investigação; e g) desenvolvimento e capacitação de como dever do Estado – portanto, política pública – e
recursos humanos. direito de cidadania.7
Os atores destacaram que muitas das ações pro- Na opinião de outro informante-chave, uma ideia
postas pela PNAN dependeriam do engajamento de não contemplada na PNAN e que precisa ser equacio-
outras esferas de governo e não apenas instaladas no nada no Brasil é o relacionamento do setor público

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Denise Bomtempo Birche de Carvalho e colaboradores

com o privado, pois o papel da indústria de alimentos programas e atividades com objetivos explícitos,
é relevante no país. Não só no campo da Alimentação e traduzidos em dispositivos político-administrativos
Nutrição mas em outros setores de políticas públicas, coordenados, 13 bem como às ações ou omissões
verifica-se a dificuldade dos gestores públicos em lidar do mesmo Estado em relação às demandas da
com a iniciativa privada, haja vista que “a tendência sociedade. 14-16
é recuar e não querer muito diálogo porque se tem Para se entender os processos de formulação de
medo de conflito de interesses, ainda mais em um políticas públicas, devemos compreender as carac-
momento de crise como a que estamos vivendo. Isso terísticas dos atores, suas instituições, os papéis que
é uma coisa que a política não aborda e temos que desempenham, as autoridades que representam, como
dar conta disso em algum momento”. se relacionam e controlam uns aos outros17 e, sobre-
Entre as diretrizes prioritárias da PNAN, a prevenção tudo, que interesses, ideias e instituições defendem.
e controle dos distúrbios nutricionais e das doenças Sabemos que os atores envolvidos e interessados no
associadas à alimentação e nutrição, inicialmente, processo de formulação de uma determinada política
apresentavam destaque para a desnutrição; poste- pública não coincidem plenamente sobre os proble-
riormente, esse componente foi ampliado, a partir da mas, as alternativas de solução e, especialmente, a
publicação dos resultados da Pesquisa de Orçamento solução a ser escolhida.
Familiar (POF 2003), que demonstraram que o Brasil Aqui, interessa analisar os processos cognitivos de
possuía 40,0% da população adulta com excesso de formulação de políticas públicas – como paradigmas,
peso, reforçando-se, a partir daí, a importância da ideias e referenciais. Segundo a concepção de Yves
‘Estratégia Global em Alimentação Saudável, Atividade Surel e Pierre Muller,13 trata-se de uma abordagem
Física e Saúde’.10,11 que estabelece a importância das dinâmicas de
No plano das ideias, os entrevistados enfatizaram construção social da realidade na determinação de
que a PNAN deveria ser aprimorada no que concerne quadros e de práticas socialmente legítimas, em uma
à prevenção das DCNT, “porque a obesidade está dada conjuntura.13
ganhando, cada vez mais força”. Nesse contexto, ideias representam informações
que os formuladores de políticas utilizam para
Interesses e conflitos presentes reconhecer um problema de Saúde Pública e deci-
no processo de formulação da PNAN dir a melhor maneira de agir. Os valores pessoais
Os formuladores de políticas recebem informa- constituem importante fonte de informações na
ções individuais, expressão das opiniões pessoais formulação de políticas públicas. Na área da Pro-
(ativistas), ou a opinião coletiva, comum de grupos moção da Saúde, pesquisas recentes, no Canadá e
de indivíduos.12 Por exemplo, grupos de interesse nos Estados Unidos da América, sugerem que as
representam associações profissionais (médicos, convicções pessoais dos legisladores sobre o pa-
enfermeiros, professores), cidadãos ou setores indus- pel do governo na promoção de comportamentos
triais. Juntamente com agências governamentais, essas saudáveis são um fator significativo de influência
várias partes interessadas formam comunidades de em seu apoio à legislação de controle do tabaco,
interesse próximas a campos específicos de políticas em particular, e a políticas de promoção da saúde
públicas (da Saúde, Educação, Agricultura). Dentro em geral.18
dessas comunidades, pequenos agrupamentos de As ideias e valores perpassam a elaboração de
partes interessadas interagem para tratar de questões políticas públicas. As políticas públicas definem não
específicas dessas políticas, como por exemplo, a só o discurso governamental mas, principalmente,
publicação de informações nutritivas em rótulos de sua própria ação. A formulação da ‘Política Nacional
alimentos ou atividades físicas nas escolas.12 de Alimentação e Nutrição’ processou-se de forma
bastante participativa. Não por acaso, os profissionais
Discussão que trabalhavam na área tomaram a política como
marco regulatório – nos planos político, técnico e
Quando se fala de política pública, remete-se ético – e estratégia de atuação na operacionalização
não só à perspectiva do Estado em ação, seus de suas diretrizes.19

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):449-458,out-dez 2011 455


Formulação Política de Alimentação

A realização de entrevistas com atores governa- no Estado Brasileiro. Estudos, como a Pesquisa
mentais e não governamentais envolvidos nas etapas Nacional de Demografia e Saúde de 1996, em 2003,
de formação da agenda pública e na formulação das a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 200210 e
ações/programas permitiu a reconstituição do pro- a Pesquisa de Fatores de Risco em Doenças Crônicas
cesso, bem como as motivações e interesses visando em 2002-2003 (da Secretaria de Vigilância em Saú-
à alimentação e nutrição no Brasil. de e do Instituto Nacional do Câncer)21 mostraram
Foram destacadas algumas ações importantes na o crescimento do sobrepeso e da obesidade no
articulação com o setor privado/indústrias de ali- país e a necessidade de se investir em prevenção
mentos, como a implementação de medidas relativas de DCNT,22 alterando o marco técnico-científico
ao enriquecimento e/ou correção dos alimentos – a inicial do processo de constituição e aprovação
obrigatoriedade de adicionar iodo no sal para consu- da Política Nacional de Alimentação e Nutrição –
mo da população, por exemplo. PNAN – no Brasil.
Ressalta-se que a PNAN, “avançada e moderna” para A experiência acumulada pelo Ministério da Saúde
um dos atores-chave, foi assumida como política de na construção da PNAN foi importante, durante o
governo, inclusive na busca da operacionalização de processo de discussão internacional com a OMS,
suas diretrizes, caso dos programas ‘Bolsa Alimen- Organização das Nações Unidas para Alimentação e
tação’ (2001-2003) e ‘Bolsa Família’ (2004 até os Agricultura (FAO) e Unicef sobre a proposição e apro-
dias atuais). vação da ‘Estratégia Global em Alimentação Saudável,
Um mérito da PNAN foi a implantação do Sisvan – Atividade Física e Saúde’.11
resultado de uma de suas diretrizes – com o propósito A alimentação e nutrição e a vigilância de DCNT
de reunir informações que subsidiem políticas públicas devem trabalhar de forma integrada na implantação
para a melhoria das condições nutricionais da popu- da Estratégia Global e, por fim, da Promoção da
lação e a manutenção de um eixo de convergência Saúde enquanto prioridade do Ministério da Saúde.
setorial importante na Saúde Pública. Ao contrário de alguns pensamentos recorrentes, a
À época da formulação da PNAN, os marcos regu- alimentação e nutrição sempre fez parte da agenda
latórios sobre produção, comercialização, estoque, pública do país, embora variasse o nível de prioridade
rotulagem de alimentos, subsídios à produção de ou a capacidade dos governos darem conta de toda a
alimentos e controle da propaganda nos meios de complexidade inerente à questão.
comunicação eram incipientes. Com o advento da
globalização, os brasileiros, cada vez mais, aderiam A alimentação e nutrição e a vigilância
à dieta ocidentalizada, produtora de distúrbios nutri- de DCNT devem trabalhar de forma
cionais – por exemplo, o excesso de peso. Um avanço integrada na implantação da
significativo foi a colocação do tema na agenda, no
sentido da formulação de uma política pública, no
Estratégia Global e, por fim,
campo da alimentação e nutrição, com um marco da Promoção da Saúde
regulatório (Portaria Ministerial).7 enquanto prioridade do
No processo de implementação da PNAN – que Ministério da Saúde.
não constituiu o objeto central da atual investigação
–, foram tomadas importantes medidas por outros O processo de formulação da PNAN constituiu-se
órgãos do Ministério da Saúde, como a Agência Na- em um sólido aprendizado, amparado pela busca
cional de Vigilância Sanitária (Anvisa), destacando-se do aprimoramento democrático, importante parti-
a rotulagem de alimentos.20 cipação cidadã e ampla discussão com a sociedade
Em 1998, quando da aprovação da PNAN, a civil. Foi também o desencadeador da formulação
preocupação com a segurança alimentar e as ações de outras políticas públicas no âmbito do Ministério
de combate à desnutrição eram muito presentes da Saúde.

456 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):449-458,out-dez 2011


Denise Bomtempo Birche de Carvalho e colaboradores

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Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):449-458,out-dez 2011 457


Formulação Política de Alimentação

22. Malta DC, Cezário AC, Moura L, Morais Neto OL, Silva Recebido em 19/01/2011
Júnior JB. A construção da vigilância e prevenção das Aprovado em 16/12/2011
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Sistema Único de Saúde. Epidemiologia e Serviços de
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458 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):449-458,out-dez 2011


Artigo
original Perfil epidemiológico dos cidadãos de Florianópolis
quanto à exposição solar
doi: 10.5123/S1679-49742011000400005

Epidemiologic Profile of Sun Exposure in Florianópolis Citizens

Karoline Rizzatti
Acadêmica de Medicina, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil

Ione Jayce Ceola Schneider


Mestre em Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil

Eleonora d’Orsi
Departamento de Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil

Resumo
Objetivo: descrever as características de exposição e medidas de proteção solar contra câncer da pele no município de
Florianópolis, estado de Santa Catarina, Brasil. Metodologia: estudo transversal, do Inquérito Domiciliar sobre Comporta-
mento de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos não Transmissíveis. Foram calculadas medidas de frequência
e aplicado o teste qui-quadrado. Resultados: dentre os 851 entrevistados, 77,1% declararam se expor ao Sol. A exposição
solar foi mais freqüente entre homens, jovens, solteiros e fisicamente ativos. Entre as medidas de proteção solar adotadas
pela população exposta ao Sol, a mais utilizada foi o filtro solar (36,7% das mulheres e 10,5% dos homens). A utilização de
filtro solar foi positivamente associada à escolaridade. Conclusão: a frequência de exposição ao Sol sem nenhum tipo de
proteção foi elevada. Estes dados visam a colaborar na implementação de políticas públicas específicas para o fator de risco
prevenível na carcinogênese do câncer da pele: a exposição inadequada ao Sol.
Palavras-chave: neoplasia cutânea/prevenção & controle; neoplasia cutânea/etiologia; luz solar/efeitos adversos; estudos
transversais.

Summary
Objective: to describe the characteristics of exposure and sun protection measures in Florianopolis/SC.
Methodology: it is a cross-sectional study with sun exposure data from the city of Florianópolis househould survey
Risk Behavior and Reported Morbity of Diseases and Harm non-transmissibles. Results: it was used simple frequencies
and proportions with chi-squared test. For this module 851 people were interviewed, while 77.1% are exposed to the
sun, more frequent among men, young, single and physically active. Among the sun exposure protection factors used
by the population exposed to the sun, sunscreen was the most used one (36,7% of women and 10,5% of men make
use). Conclusion: high scholarity level was associated with the use of sunscreen. The obtained results can colaborate
on the implementation of specific public policies for the most preventable risk factor on skin cancer carcinogenesis:
the inadequate exposure to sun.
Key words: skin neoplasm/prevention & control; skin neoplasm/etiology; sunlight/adverse effects; cross-sectional
studies.

Endereço para correspondência:


Rua Luiz Gualberto, 250, Estreito, Florianópolis-SC, Brasil. CEP: 88070-360
E-mail: karolinerizzatti@hotmail.com

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):459-469,out-dez 2011 459


Perfil da exposição solar em Florianópolis-SC

Introdução e condições climáticas.1 A intensidade da radiação


UV é classificada pelo comprimento de onda: UVC,
Os cânceres da pele têm se tornado cada vez mais onda curta; UVB, onda média; e UVA, onda longa.
frequentes e alcançaram proporções epidêmicas na Em decorrência da destruição da camada de ozônio,
segunda metade do século XX, em muitas partes do as radiações UVB, intrinsecamente relacionados ao
mundo. A propensão a desenvolver câncer da pele câncer da pele, têm aumentado progressivamente sua
durante a vida está relacionada tanto a características incidência sobre o planeta. Por sua vez, as radiações
individuais quanto ambientais, incluindo tipo de pele UVA independem dessa camada, possuem intensidade
e fenótipo, história familiar positiva para câncer da praticamente constante durante o dia e durante o ano e
pele e nível de exposição à radiação ultravioleta (UV), são os maiores responsáveis pelo fotoenvelhecimento e
cumulativa ao longo da vida.1 bronzeamento pigmentar imediato, além de causarem
O câncer da pele não melanoma é o tipo mais fre- câncer da pele em quem se expõe continuamente a ela,
quente no Brasil e corresponde a 25,0% de todos os no decorrer de muitos anos.1
tumores malignos registrados no país. Estes tumores O Brasil, país de dimensão continental, tem índices
são abordados principalmente nos ambulatórios, são de radiação UVA e UVB que variam muito de região
de baixa mortalidade e não existe obrigatoriedade de para região.1 O clima tropical, a grande quantidade de
notificação pelos órgãos de vigilância epidemiológica. praias, a ideia de beleza associada ao bronzeamento
Estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA) – principalmente entre os jovens – e o trabalho rural
para esse tipo de neoplasia em 2010, no estado de favorecem a exposição excessiva à radiação solar. É
Santa Catarina (SC), giram em torno de 7.160 casos frequente o hábito de exposição solar com objetivo
novos, sendo destes 4.050 homens e 3.110 mulheres. de bronzeamento da pele, de alta valorização estética
Na capital do estado, Florianópolis, este número no país, o que acarreta maior risco, assim como a
corresponde a 450 casos novos, sendo 180 homens indução à crença de que apenas se deve utilizar pro-
e 270 mulheres.2 teção solar quando há a intenção de bronzeamento e
durante o verão.4
O Brasil, país de dimensão As pessoas de pele clara, que vivem em locais de alta
continental, tem índices de incidência de luz solar, são as que apresentam maiores
riscos de desenvolver câncer da pele. Como cerca
radiação UVA e UVB que variam de 50,0% da população brasileira têm pele clara,5
muito de região para região. expõe-se ao sol descuidadamente – seja por trabalho,
seja por lazer – e o país se situa, geograficamente,
O melanoma é o câncer da pele de maior gravidade, em uma zona de alta incidência de radiações UV, é
devido à sua alta probabilidade de originar metástases, previsível e explicável a alta ocorrência do câncer da
mas representa apenas 4,0% das neoplasias malig- pele entre os brasileiros.2 A exposição cumulativa e
nas do órgão. Nos últimos anos, houve uma grande excessiva nos primeiros 10-20 anos de vida aumenta
melhora na sobrevida dos pacientes com melanoma, muito o risco de desenvolvimento de câncer da pele.
principalmente devido à detecção precoce do tumor.2 A infância é uma fase especialmente vulnerável aos
As estimativas do INCA foram de 480 casos novos em efeitos nocivos do sol.1
Santa Catarina, para o ano de 2010, sendo 250 homens Santa Catarina apresenta a maior incidência de
e 230 mulheres. Em Florianópolis-SC, a incidência câncer da pele no Brasil. A combinação de dois fatores,
se encontra próxima a 40 casos novos, igualmente possivelmente, explica essa condição: a população
distribuídos entre homens e mulheres.2 catarinense é composta, em sua maior parte, de a)
A exposição à radiação UV proveniente do sol é indivíduos com ascendência europeia, com as caracte-
considerada a principal causa de câncer da pele.3 rísticas fenotípicas supracitadas, e b) estaria expostos
Aproximadamente 5,0% da radiação solar incidente a grande intensidade de radiação UV.6-8
na superfície da Terra compõe-se de radiação UV, em Para a prevenção não só do câncer da pele como
intensidade que varia se acordo com a localização também das outras lesões provocadas pelas radiações
geográfica (latitude), hora do dia, estação do ano UV, é fundamental evitar a exposição solar sem a ado-

460 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):459-469,out-dez 2011


Karoline Rizzatti e colaboradores

ção de medidas fotoprotetoras adequadas. O Ministério contra a exposição excessiva à luz solar – e secundária
da Saúde (MS), por intermédio do INCA, recomenda a – diagnóstico precoce e tratamento oportuno.10
adoção de medidas preventivas básicas para diminuir O presente estudo propõe-se a descrever as carac-
os efeitos maléficos e deletérios da excessiva exposição terísticas epidemiológicas da exposição e medidas de
ao sol: evitar exposição solar entre as 10 e as 16 horas; proteção solar na população de Florianópolis.
usar chapéu, óculos escuros, camisa, viseiras, guarda-
sol, boné; aplicar filtro solar com fator de proteção Metodologia
(FPS) 15 ou mais, 30 minutos antes da exposição ou
ao sair da água – não se esquecer de proteger lábios Trata-se de um estudo observacional, transversal
e orelhas com protetor solar.1 e descritivo,11 realizado com dados do Inquérito Do-
As campanhas de prevenção do câncer da pele miciliar sobre Comportamento de Risco e Morbidade
são atividades de rastreamento para o diagnóstico Referida de Doenças e Agravos não Transmissíveis.12
precoce dessa doença, possibilitam tratamento rápido, Os dados analisados são da população residente
diminuição da morbidade e aumento da sobrevida do do município de Florianópolis-SC, entrevistada
paciente.7 para o referido Inquérito12 coordenado pelo INCA.
A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) A população-alvo foi composta por indivíduos com
promove, desde 1999, a Campanha Nacional de Pre- idade igual ou superior a 15 anos no momento da
venção ao Câncer da Pele, com exame dermatológico pesquisa.
e orientação sobre exposição, tendo registrado dados O Inquérito Domiciliar Sobre Comportamentos de
demográficos, hábitos de exposição solar e diagnósti- Risco e Morbidade Referida de Agravos não Transmis-
cos.7 Como achado demográfico, entre 1999 e 2005, síveis representa a linha de base necessária à consti-
foram verificados os maiores índices de câncer da pele tuição do Sistema de Vigilância de Comportamentos
nos estados de Tocantins, Rio Grande do Norte e Santa de Risco para Doenças e Agravos não Transmissíveis
Catarina, corroborando as estimativas do INCA, que (DANT), ação estratégica para o controle de agravos
prevê para Florianópolis e Natal as maiores incidências como hipertensão arterial, tabagismo, consumo de
do país para câncer da pele não melanoma.2 álcool, inatividade física, obesidade, hipercoleste-
No Brasil, nos anos de 2002 e 2003, foi realizado rolemia. O inquérito foi realizado com o objetivo
um Inquérito Domiciliar sobre Comportamento de de identificar os grupos mais vulneráveis às DANT e
Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos orientar o enfoque das políticas e ações educativas,
não Transmissíveis,9 o qual, entre outros objetivos, legislativas e econômicas desenvolvidas, aumentando
avaliou as formas de proteção à radiação solar mais sua efetividade e eficiência.12,13
adotadas nas cidades que participaram do estudo. O modelo de amostragem adotado para a pesquisa foi
Esse inquérito representou a primeira tentativa de o de uma amostra auto-ponderada em dois estágios de
obter, em nível nacional, informação sobre nossos seleção, os setores censitários e os domicílios. A seleção
hábitos de proteção à exposição solar, contribuindo desses setores foi feita de forma sistemática, com probabi-
para melhorar o conhecimento do nível de exposição lidade de seleção proporcional ao número de domicílios
solar cumulativa no Brasil e fornecer subsídios para em cada um deles por ocasião do censo demográfico.
programas de prevenção em nível nacional.9 Uma seleção sistemática dos domicílios dentro dos
Conhecendo a importância da exposição solar no setores escolhidos também foi realizada. As entrevistas
desenvolvimento do câncer da pele, faz-se necessário aconteceram nos domicílios selecionados. As informações
um estudo que demonstre as características socioeco- sobre o domicílio foram fornecidas pelo responsável do
nômicas e demográficas mais relacionadas à exposição domicílio. Todos os moradores de 15 anos ou mais de
solar prolongada. idade residentes no domicílio foram contatados para a
Além da grande magnitude do problema, há evi- realização das entrevistas individuais.12,13
dências de uma tendência de aumento da morbidade e Para a cidade de Florianópolis, foram sorteados 45
mortalidade por câncer da pele, o que impõe sua con- setores censitários, e 12 domicílios por setor, totali-
sideração como problema de Saúde Pública, embora zando 540 domicílios. Nestes domicílios esperava-se
de controle factível pela prevenção primária – proteção encontrar 994 pessoas com 15 anos ou mais.12,13

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):459-469,out-dez 2011 461


Perfil da exposição solar em Florianópolis-SC

Nessa pesquisa, foi utilizado o banco do módulo Resultados


referente à exposição solar, com questões envolven-
do exposição à radiação solar por, pelo menos, 30 O inquérito domiciliar sobre Comportamento
minutos, mesmo exporadicamente. Os instrumentos de Risco e Morbidade não Referida de Doenças e
de coleta de dados do inquérito foram elaborados Agravos não Transmissíveis13 avaliou 947 mora-
após a revisão do WHO Standard Risk Factor Ques- dores acima de 15 anos em Florianópolis. Destes,
tionnaire e do Behavioral Risk Factor Surveillance 851 (89,9%) responderam o módulo de exposição
System (BRFSS/Centers for Disease Control and solar, revelando que 77,1% se expõem ao sol por
Prevention/USA).12,13 pelo menos 30 minutos diários.
Todas as variáveis do Inquérito Domiciliar sobre A Tabela 1 apresenta a frequência das variáveis:
Comportamento de Risco e Morbidade Referida de sexo, faixa etária, estado civil, escolaridade, IMC e
Doenças e Agravos não Transmissíveis 13 foram atividade física, e a exposição solar de cada categoria.
coletadas de acordo com os módulos de unidade A maioria dos entrevistados era do sexo feminino,
domiciliar e exposição solar. As variáveis utilizadas com idade média dos entrevistados foi de 39,86 anos
foram: faixa etária (15-24; 25-39; 40-59; 60 anos (desvio-padrão, DP=16,87), variando de 15 a 92 anos,
ou mais); situação conjugal (casado(a)/uniãocon- casado/união consensual, com 12 anos ou mais de
sensual; separado(a)divorciado(a)/desquitado(a); estudo, e suficientemente ativos. Em relação à exposi-
solteiro(a), viúvo(a)); sexo (feminino; masculino); ção solar, se expõe mais os homens (82,6%), pessoas
grau de escolaridade em anos de estudo (0 a 4; 5 com idade entre 15 a 24 anos (87,1%), solteiros, que
a 8; 9 a 11; 12 ou mais); nível de atividade física possuem 12 anos ou mais de estudo (84,1%) e sufi-
mensurada através do questionário internacional cientemente ativos (85,3%). As variáveis, sexo, faixa
de atividade física versão curta, medido em mi- etária, estado civil, escolaridade e atividade físicas,
nutos [suficientemente ativo(≥150 min); insufi- foram associadas com a exposição solar.
cientemente ativo(<150 min)]; índice de massa A Tabela 2 relaciona as variáveis ‘sexo’, ‘faixa etária’,
corporal (normal ou abaixo do peso (IMC<25 ‘estado civil’, ‘escolaridade’, ‘índice de massa corporal’
kg/m²); sobrepeso (IMC>25 kg/m²); exposição e ‘atividade física’ das pessoas que responderam expor-
à radiação solar por pelo menos 30 minutos por se ao sol por pelo menos 30 minutos diários, em três
qualquer motivo, lazer, trabalho e locomoção; situações: lazer, trabalho e locomoção. A exposição
utilização de sombra, filtro solar, chapéu sempre solar no lazer foi de 78,0%, no trabalho foi de 38,4%,
que se expõe ao sol. e na locomoção, de 54,3%.
Os dados foram analisados por estatística descritiva Ao analisar a exposição solar por sexo nas diferen-
com proporções para variáveis categóricas, e médias tes situações, não houve diferença significativa entre
e desvios-padrão para variáveis contínuas. Estes os sexos no lazer ou na locomoção. Observou-se, sim,
resultados serão apresentados em tabelas de contin- associação entre sexo e exposição à radiação solar
gência, aplicando-se o teste do qui-quadrado com ocupacional, ou seja, exposição solar por motivo de
nível de significância de 5%. A análise foi realizada no trabalho. Em relação à faixa etária, houve associação
programa Stata SE 9.0, utilizando o comando svy para com a exposição solar em todas as situações: no lazer
considerar o efeito de delineamento e incorporar os e durante a locomoção, com maiores prevalências
pesos amostrais. de exposição entre os indivíduos de 15 a 24 anos de
idade, enquanto no trabalho, são as pessoas de 60 anos
Considerações éticas ou mais anos as mais afetadas. Quanto à escolaridade
As recomendações da Comissão de Ética do Instituto verificou-se que, conforme ela aumenta, maior é a
Nacional do Câncer e do Conselho Nacional de Ética proporção de exposição ao sol por lazer; em relação
em Pesquisa (CONEP) foram seguidas.13 O inquérito à exposição no trabalho, essa relação é inversa.
foi desenvolvido de forma a proteger a privacidade As pessoas suficientemente ativas são as que mais
dos indivíduos, garantindo-lhes participação anônima se expõem ao sol por motivo de trabalho (42,8%) e
e voluntária mediante assinatura de um Termo de locomoção (60,2%), sendo essa associação signifi-
Consentimento Livre e Esclarecido. cativa; em relação à exposição por lazer, não houve

462 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):459-469,out-dez 2011


Karoline Rizzatti e colaboradores

Tabela 1 - Características sociodemográficas e exposição solarem segundo o inquérito de saúde do INCA,a em


Florianópolis-SC. Brasil, 2003

  Exposição solar
Variáveis N % Valor de p
  Sim %
Sexo
Feminino 472 55,5 343 72,7
0,001
Masculino 379 44,5 313 82,6
Total 851 100,0 656 77,1
Faixa etária (anos)
15-24 194 22,8 169 87,1
25-39 258 30,3 195 75,6
<0,0010,000
40-59 287 33,7 222 77,4
60 ou mais 112 13,2 70 62,5
Total 851 100,0 656 77,1
Estado civil
Casado (a) /união consensual 479 56,3 355 74,1
Separado (a) /divorciado(a)/desquitado(a) 72 8,5 52 72,2
<0,0010,000
Solteiro (a) 248 29,1 219 88,3
Viúvo (a) 52 6,1 30 57,7
Total 851 100,0 656 77,1
Escolaridade
12 ou mais 258 31,3 217 84,1
9-11 217 26,4 173 79,7
<0,0010,000
5-8 156 19,0 120 76,9
0-4 192 23,3 124 64,6
Total 823 100,0 634 77,0
IMC
<25 Kg/m² 481 61,4 383 79,6
0,717
>25 Kg/m² 303 38,6 238 78,5
Total 784 100,0 621 79,2
Atividade física
Insuficientemente ativo 344 44,4 239 69,5
<0,0010,000
Suficientemente ativo 430 55,6 367 85,3
Total 774 100,0 606 78,3

a) INCA: Instituto Nacional do Câncer

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):459-469,out-dez 2011 463


Tabela 2 - Características sociodemográficas e tipo de exposição solar segundo o inquérito de saúde do INCA,a em Florianópolis-SC. Brasil, 2003

464
Exposição solar
Variáveis Exposição solar (N) Lazer   Trabalho   Locomoção
N % Valor de p   N % Valor de p   N % Valor de p
Sexo
Feminino 343 269 78,4 108 31,5 197 57,4
0,807 <0,001 0,088
Masculino 313 243 77,6 144 46,0 159 50,8
Faixa etária (anos)
15-24 169 156 92,3 38 22,5 113 66,9
25-39 195 140 71,8 86 44,1 104 53,3
Perfil da exposição solar em Florianópolis-SC

<0,0010,000 <0,0010,000 <0,001


40-59 222 173 77,9 95 42,8 96 43,2
60 ou mais 70 43 61,4 33 47,1 43 61,4
Estado civil
Casado(a) /união consensual 355 264 74,4 162 45,6 178 50,1
Separa(a)/divorciado(a)/desquitado(a) 52 33 63,5 26 50,0 29 55,8
<0,0010,000 <0,0010,000 0,103
Solteiro(a) 219 193 88,1 54 24,7 133 60,7
Viúvo(a) 30 22 73,3 10 33,3 16 53,3
Escolaridade
12 ou mais 217 195 89,9 45 20,7 102 47,0
9-11 173 155 89,6 60 34,7 95 54,9
<0,0010,000 <0,0010,000 0,025
5-8 120 85 70,8 60 50,0 75 62,5
0-4 124 61 49,2 80 64,5 74 59,7

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):459-469,out-dez 2011


IMC
<25 Kg/m² 383 315 82,2 126 32,9 216 56,4
0,002 0,001 0,050
>25 Kg/m² 238 170 71,4 110 46,2 115 48,3
Atividade física
Insuficientemente ativo 239 190 79,5 71 29,7 108 45,2
0,984 0,001 <0,001
  Suficientemente ativo 367 292 79,6   157 42,8   221 60,2
a) INCA: Instituto Nacional do Câncer
Karoline Rizzatti e colaboradores

associação. Quanto ao IMC, as pessoas com peso mais preocupadas com a estética e em evitar os efeitos
normal sofrem maior exposição solar durante o lazer maléficos do sol.4,9,14-17
(p<0,05), enquanto as pessoas com sobrepeso ou Em Florianópolis, a alta escolaridade relacionou-
obesidade apresentam maior exposição no trabalho se com maior exposição solar por motivo de lazer,
(p=0,05). diferentemente da região Centro-oeste, onde a expo-
A Tabela 3 apresenta três tipos de proteção utiliza- sição solar esteve mais relacionada a baixos níveis de
dos pelas pessoas que são expostas ao sol: sombra, escolaridade e motivos ocupacionais.9 Robinson e co-
filtro solar e chapéu. A sombra foi utilizada por 15,2% laboradores,18 em 1997, observaram que a exposição
dos expostos, o filtro solar, por 24,2%, e o chapéu, prolongada ao sol durante os finais de semana estava
por 18,8%. Em relação à proteção solar utilizando associada a maior renda e a trabalhos em ambientes
como método a sombra, a faixa etária foi a única internos; e a exposição prolongada durante a semana,
variável associada. ao menor grau de escolaridade e ao trabalho ao ar
Em relação ao filtro solar, são as mulheres as que livre. Sabe-se, conforme aumenta o nível de escolari-
mais o utilizam como instrumento de proteção. Das dade, do ensino fundamental ao superior, eleva-se o
pessoas com 40 a 59 anos de idade expostas ao sol, percentual de indivíduos conhecedores dos danos ou
31,5% usam filtro solar. Esta foi a maior proporção en- consequências da fotoexposição.14
contrada entre as faixas etárias. Sobre a escolaridade, A escolaridade pode ser utilizada para inferir o nível
existe diferença significativa entre o uso de filtro solar: socioeconômico da população, como observado em
35,5% das pessoas com 12 ou mais anos de estudo estudos, principalmente no que se refere a medidas
utilizam-no, frente à adesão de tão-somente 12,1% das protetoras como uso de filtro solar.9 Duquia e colabo-
pessoas com até 4 anos de escolaridade. radores,16 em estudo realizado na cidade de Pelotas-RS,
No uso de chapéu, percebe-se uma associação com observaram uma relação positiva entre uso de filtro
sexo, faixa etária e prática de atividade física. Entre os solar e maior escolaridade. A exposição solar em situ-
homens, 21,1% utilizam o acessório como forma de ações de lazer, como em praias e prática de esportes,
proteção à exposição solar, homens e mulheres com foi maior entre a população de maior escolaridade,
60 anos ou mais de idade são quem mais usa chapéu enquanto no trabalho, a população mais exposta foi
(27,1%), assim como 19,9% das pessoas suficiente- a de menor escolaridade.16 Ainda foi constatado que
mente ativas. os trabalhadores são o grupo de maior risco para os
danos cumulativos causados pela radiação UV: eles que
Discussão se expõem mais são, todavia, os que menos utilizam
medidas de proteção.
Os resultados obtidos em nosso estudo podem Em nosso país o filtro solar ainda é um produto
ser comparados àqueles obtidos no estudo de Szklo caro por receber a classificação de cosmético e por
e colaboradores,9 que analisaram o comportamento isso recebe inúmeras taxações sendo muitas vezes
relativo à exposição e proteção solar na população inacessível a população de menor renda. O SunSmart
brasileira. Corroborando as conclusões desse estudo, Program,19 implementado na Austrália há mais de 20
Florianópolis apresentou maior prevalência de expo- anos, teve como um dos objetivos a pressão constante
sição solar no sexo masculino e indivíduos jovens. para a redução do custo dos filtros solares, acompa-
Em outro estudo realizado por Costa & Weber,4 entre nhando as campanhas de proteção solar.
universitários de Porto Alegre-RS, a maioria que não Florianópolis foi a capital com maior prevalência
usava filtro solar era de homens (62,5%) com menos de uso de filtros solares entre todas as outras capitais
de 25 anos (85,0%). brasileira, seguida de Curitiba-PR e Vitória-ES. A ca-
O sexo feminino associou-se, no presente estudo, pital do Estado do Pará, Belém, registrou os menores
com menor exposição solar e maior uso de medidas índices de uso de filtro solar.9 Segundo o sistema de
de proteção ao sol, principalmente uso de filtro solar. Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças
Essa constatação não é nova, muitos outros estudos Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel),20 realizado
demonstraram que as mulheres utilizam protetor solar em 2009, Florianópolis é a cidade brasileira pesqui-
no dia-a-dia mais frequentemente do que os homens, sada que conta com as maiores frequências de adulto

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):459-469,out-dez 2011 465


Tabela 3 - Características sociodemográficas e tipos de proteção solar segundo o inquérito de saúde do INCA,a em Florianópolis-SC. Brasil, 2003

466
Proteção ao sol
Exposição solar
Variáveis Sombra   Filtro   Chapéu
(N)
N % Valor de p   N % Valor de p   N % Valor de p
Sexo
Feminino 343 57 16,6 126 36,7 57 16,6
0,742 <0,0010,000 0,028
Masculino 313 43 13,7 33 10,5 66 21,1
Faixa etária
15-24 anos 169 16 9,5 24 14,2 20 11,8
Perfil da exposição solar em Florianópolis-SC

25-39anos 195 24 12,3 53 27,2 28 14,4


0,013 0,001 0,008
40-59anos 222 48 21,6 70 31,5 56 25,2
60 ou mais 70 12 17,1 12 17,1 19 27,1
Estado civil
Casado (a) /união consensual 355 56 15,8 94 26,5 71 20,0
Separado(a)/divorciado(a)/desquitado(a) 52 8 15,4 16 30,8 10 19,2
0,996 0,512 0,679
Solteiro (a) 219 30 13,7 42 19,2 32 14,6
Viúvo (a) 30 6 20,0 7 23,3 10 33,3
Escolaridade
12 ou mais 217 29 13,4 77 35,5 34 15,7
9 a 11 173 31 17,9 44 25,4 33 19,1
0,539 <0,0010,000 0,684
5a8 120 17 14,2 18 15,0 22 18,3
0a4 124 19 15,3 15 12,1 33 26,6

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):459-469,out-dez 2011


IMC
<25 Kg/m² 383 50 13,1 100 26,1 68 17,8
0,142 0,308 0,782
>25 Kg/m² 238 42 17,6 54 22,7 45 18,9
Atividade física
Insuficientemente ativo 239 36 15,1 75 31,4 40 16,7
0,318 0,175 0,036
  Suficientemente ativo 367 55 15,0   77 21,0   73 19,9
a) INCA: Instituto Nacional do Câncer
Karoline Rizzatti e colaboradores

que referem se proteger da radiação ultravioleta: dos mais atraente, de que o bronzeamento traz benefícios à
adultos florianopolitanos entrevistados, 59,2% utilizam saúde e de que o bronzeamento prévio previne os efeitos
algum tipo de proteção ao sol. indesejáveis de futuras exposições ao sol.21
Assim como observado nas demais capitais bra- No que concerne à atividade física, os indivíduos su-
sileiras os jovens florianopolitanos são a faixa etária ficientemente ativos foram os mais expostos ao sol. Em
mais vulnerável à exposição solar sem proteção. A estudo realizado em academias de ginástica de Recife,
literatura é farta em estudos comprovando que os encontrou-se a seguinte frequência de exposição solar:
jovens se expõem ao sol por um período maior, em 48,5% dos sujeitos se expunham à ação solar eventual;
horários de alta índices de radiação UV e sem o uso 36,1%, nos finais de semana; e 15,5% diariamente. Do
adequado de medidas de proteção.4,14,21 Haack e cola- total de entrevistados que se expunham ao sol, somente
boradores22 relataram a prevalência de queimaduras 29,9% utilizavam filtro solar diariamente.14 No estudo
solares em jovens moradores de Pelotas-RS, de 10 a ora apresentado, a relação entre atividade física e uso
29 anos de idade, entre outubro e dezembro de 2005, de filtro solar e procura por sombra não mostrou
e observou ao menos um episódio de queimadura associação; já o uso de chapéu, sim.
solar em 48,0%, e três ou mais episódios de quei- Lawler e colaboradores,17 em um trabalho sobre
madura em 24,0%. Aproximadamente metade dos atividade física, comportamento de proteção ao sol e
entrevistados não fez uso de fotoprotetor no período preocupação com exposição solar, observaram que
estudado e apenas 29,0% o utilizaram sempre quando as mulheres relataram uso mais frequente de filtro
expostos ao sol. solar e procura por sombra durante atividade física
As crianças e os adolescentes menores de 15 ao ar livre, enquanto os homens referiram maior uso
anos não foram pesquisados neste inquérito. Esse de chapéu. A preocupação com a exposição solar
grupo, porém, é o mais vulnerável: estima-se que foi associada com menor atividade física: as pessoas
50,0 a 80,0% dos danos causados à pele pelo sol classificadas com alto grau de preocupação sobre
ocorram durante a infância e adolescência, quando exposição ao sol eram 370% menos comprometidas
a intensa e intermitente exposição solar é causa de com atividades físicas, frente àquelas sem qualquer
queimaduras relacionadas ao aumento do risco de preocupação quanto a essa exposição. De acordo
desenvolver melanoma na fase adulta.23 Estudo reali- com os autores, os indivíduos inativos estavam mais
zado com crianças italianas24 revelou que 99,0% das preocupados com a exposição solar e lesões de pele
310 crianças com 6 a 14 anos de idade referiram não causadas pelo sol, sendo isso uma barreira para se
ter medo dos efeitos do sol e somente 60,0% delas tornarem fisicamente ativos.
usavam constantemente filtro solar. No contexto da O IMC, apesar de não apresentar dados estatis-
exposição solar em crianças e adolescentes, estudos ticamente significativos quanto à exposição solar e
mostram que a informação dos pais sobre os métodos fotoproteção em nosso estudo, possivelmente reflete
de proteção adequada promove a redução da inci- uma relação inversa com a intensidade de atividade
dência de queimaduras em seus filhos,24 provocada física. Szklo e colaboradores 9 encontraram, em
pelo sol; e que, quanto maior a idade das crianças seu trabalho, essa mesma constatação; ademais,
por ocasião da orientação, mais elas se tornam in- verificou-se que, entre os indivíduos com índice de
dependentes da supervisão dos pais e, com as suas massa corpórea ≥25kg/m2, havia menor proporção
próprias ideias, aumentam os riscos de exposição de uso de filtro solar quando comparada à dos in-
incorreta e perigosa ao sol.25 divíduos de IMC<25kg/m2. Esse fato está associado,
O hábito de bronzear-se nas praias de Florianópolis provavelmente, à combinação de fatores como menor
pode ter contribuído para os resultados encontrados cuidado com a saúde e maior dificuldade de aplicação
aqui. Apesar de algum conhecimento sobre os riscos adequada do filtro solar.
da exposição excessiva à radiação solar e as práticas Em países como a Austrália, onde a incidência de
visando à proteção da pele, prevalece o costume de câncer da pele é muito elevada, observou-se redução
expor-se intencionalmente ao sol. O comportamento das da exposição dos indivíduos ao sol no decorrer dos
pessoas em relação ao bronzeado é alimentado, em par- últimos anos. Essa redução é resultado de longos
te, pela crença de que a pele bronzeada torna a pessoa anos de campanha e ações efetivas para aumentar a

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):459-469,out-dez 2011 467


Perfil da exposição solar em Florianópolis-SC

proteção ao sol, e do planejamento de áreas urbanas específicas para o fator de risco mais prevenível
que proporcionem opções de sombra aos cidadãos na carcinogênese do câncer da pele: a exposição
como forma de promoção a saúde, através do Creating inadequada a radiação UV.
Shade at Public Facilities – Policy and Guidelines for Aos trabalhadores expostos ao sol, há urgên-
Local Government.26 cia em informar e conscientizar a respeito de
O presente estudo está sujeito a limitações carac- medidas educativas para redução de exposição
terísticas dos estudos transversais, particularmente desprotegida.
aquelas relacionadas à temporalidade e possibilidade As medidas educativas quanto à proteção ao sol
de informação, uma vez que o estudo deriva de infor- devem ser entendidas a toda população, como o
mações auto-referidas pelos entrevistados. estímulo ao uso de chapéus, sombrinhas e filtro
Os resultados obtidos com este trabalho escla- solar. A arborização de espaços públicos deve fazer
recem o perfil de exposição solar na população parte do planejamento da infraestrutura da cidade,
da cidade de Florianópolis. Esses dados objetivam ampliando a proteção em todas as situações de
colaborar na implementação de políticas públicas exposição solar.

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Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):459-469,out-dez 2011 469


Artigo
Original Fatores associados aos componentes de aptidão e nível
de atividade física de usuários da Estratégia de Saúde
da Família, Município de Botucatu, Estado de São Paulo,
Brasil, 2006 a 2007
doi: 10.5123/S1679-49742011000400006

Factors Associated with the Components of Fitness and Physical Activity Level in Users of
Family Health Strategy, Municipality of Botucatu, state of São Paulo, Brazil, 2006 to 2007

Edilaine Michelin
Centro de Metabolismo em Exercício e Nutrição, Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina de Botucatu,
Universidade Estadual Paulista, Botucatu-SP, Brasil

José Eduardo Corrente


Departamento de Bioestatística, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu-SP, Brasil

Roberto Carlos Burini


Centro de Metabolismo em Exercício e Nutrição, Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina de Botucatu,
Universidade Estadual Paulista, Botucatu-SP, Brasil

Resumo
Objetivo: diagnosticar o nível de atividade, aptidão física e fatores associados entre usuários da Estratégia Saúde da Fa-
mília (ESF) do distrito de Rubião Jr., município de Botucatu-SP, Brasil, entre 2006 e 2007. Metodologia: estudo transversal
que avaliou níveis de atividade física (NAF), informações demográficas, socioeconômicas e estado de saúde (NAF-IPAQ 8),
composição corporal [índice de massa corporal (IMC) e circunferência abdominal (CA)], flexibilidade de tronco (FLEX) e
força de preensão manual (FPM) entre os 394 usuários da ESF (35-85 anos de idade) estudados. Resultados: observou-se
baixo e alto NAF em, respectivamente, 17,0% e 36,3% da amostra, com maior inaptidão para flexibilidade (77,2%) do que
para FPM (48,4%); no modelo de regressão logística ajustado, indivíduos com estado de saúde regular/ruim apresentaram
60,0% menos chance de terem NAF alto, e mulheres e indivíduos com CA alterada tiveram, respectivamente, 90,0% e 60,0%
menos chances de inaptidão para FPM; indivíduos com escolaridade até o ensino fundamental e má percepção de saúde
tiveram, respectivamente, 3,2 e 2,7 vezes mais chance de terem FPM ruim. Conclusão: o conhecimento do perfil de atividade
e aptidão física nas ESF pode contribuir para o diagnóstico de saúde de seus usuários.
Palavras-chave: atividade motora; aptidão física; questionários; atenção primária à saúde; estudos transversais.

Summary
Objective: to diagnose physical activity level and fitness, and related factors among users of the Family Health
Strategy (FHS) of Rubião Junior District, Municipality of Botucatu-SP, Brazil, from 2006 to 2007. Methodology: a
cross-sectional study that evaluated physical activity levels (PAL), demographic, socioeconomic, and health conditions
(PAL-IPAQ-8), body composition [Body Mass Index (BMI), and waist circumference (WC)], trunk flexibility (FLEX),
and handgrip strength (HGS) of 394 FHS studied users (aged 35-85 years). Results: there was a low and high PAL in,
respectively, 17.0% and 36.3% of the sample with greater unfitness for flexibility (77.2%) than HGS (48.4%); after ad-
justment of the regression model, individuals with fair/poor health had 60.0% less likely to show high PAL, and women
and individuals with altered WC showed, respectively, 90.0% and 60.0% less chance of being unfit for HGS; individuals
with education level until elementary school and poor health perception showed, respectively, 3.2 and 2.7 times more
likely to have bad HGS. Conclusion: the knowledge of FHS’s activity and physical fitness profile may contribute to
health diagnosis of their users.
Key words: motor activity; physical fitness; questionnaires; primary health care; cross-sectional studies.

Endereço para correspondência:


Rua Padre Salústio Rodrigues Machado, 540, Vila dos Lavradores, Botucatu-SP, Brasil. CEP: 18609-610
E-mail: edimichelin@yahoo.com.br

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Fatores associados à aptidão e nível de atividade em ESF

Introdução Foi com essa convicção que se implantou, em uma


unidade da Estratégia de Saúde da Família localizada
A transição epidemiológica, caracterizada pela re- no Município de Botucatu, Estado de São Paulo, um
dução das doenças infectocontagiosas e aumento das programa para mudança do estilo de vida com a prática
doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), transfor- de exercícios físicos (5x/semana) e aconselhamento
ma o perfil de morbidade/mortalidade no mundo. Nos nutricional (1x/mês). Esse programa de ações, ofe-
países pobres, as incapacidades e os óbitos por DCNT recido a todos os indivíduos cadastrados na unidade,
superam aqueles por doenças contagiosas.1 por meio de convite realizado pelos agentes comu-
No Brasil, observa-se aumento da expectativa de nitários de saúde, médicos e enfermeiros da mesma
vida e crescimento expressivo da população idosa. unidade, também contou com a equipe do Centro de
A maior longevidade populacional, entretanto, se Metabolismo em Exercício e Nutrição, composta por
não acompanhada de investimentos na promoção da profissionais de educação física, nutricionistas, fisiote-
saúde, pode resultar em aumento de anos vividos com rapeutas, médico, biomédicos e biólogos, responsáveis
DCNT e incapacidades.2 Há, portanto, a necessidade pela implantação e execução do programa.
de preparar e adequar os serviços de saúde, e estru-
turar, formar e qualificar profissionais com vistas ao
atendimento dessa nova demanda.3
A atividade física influencia
O Ministério da Saúde, por meio da Política Nacio- positivamente os componentes da
nal de Promoção da Saúde (PNPS), enfatiza, no Pacto aptidão física relacionados à
pela Vida, a importância do aprimoramento do acesso e saúde, como a flexibilidade e força.
da qualidade dos serviços prestados pelo Sistema Único
de Saúde – SUS –, a promoção de atividade física e A participação ainda se mostra pequena. Porém,
hábitos alimentares saudáveis, bem como o controle a divulgação entre os participantes e amigos e os
do tabagismo, do uso abusivo de bebidas alcoólicas e, primeiros resultados alcançados pelos usuários farão
não menos importante, os cuidados especiais dirigidos com que a adesão ao programa aumente.
ao processo de envelhecimento.4 O presente estudo tem por objetivo diagnosticar o
Entre as ações citadas, a prática regular de atividade nível de atividade e aptidão física e fatores associados,
física mostra-se importante opção profilática e tera- entre usuários da Estratégia de Saúde da Família do
pêutica para diversas DCNT, em adultos e idosos.5-10 Distrito de Rubião Júnior, município de Botucatu-SP,
Mesmo diante dos benefícios comprovados da ativida- no período de 2006 a 2007.
de física, estudos populacionais brasileiros verificaram
prevalências elevadas de inatividade.3,11-15 o que pode Metodologia
gerar elevados custos ao sistema público de saúde.15
A atividade física influencia positivamente os com- A unidade da Estratégia de Saúde da Família de
ponentes da aptidão física relacionados à saúde, como Rubião Júnior (ESF/Botucatu-SP) apresenta, em seu
a flexibilidade e força;16 esses, por sua vez, têm sido cadastro, 1.811 indivíduos com 35 anos de idade e
estudados como significantes preditores de incapa- mais.22 Em estudo transversal, com amostra de con-
cidades, limitações funcionais e de mortalidade, em veniência, de demanda espontânea, foram avaliados
adultos como em idosos.17-21 394 indivíduos.
Diante da necessidade de transformar a atividade Para avaliação do nível de atividade física (NAF) e
física da população em estilo de vida, medidas simples, caracterização demográfica e socioeconômica (sexo;
se possível com a participação da Atenção Básica e seus faixa etária; estado civil; renda familiar; escolaridade;
profissionais, podem significar um grande impacto e estado de saúde) utilizou-se informações obtidas
na melhoria dos índices de saúde populacional, e pelo Questionário Internacional de Atividades Físicas
consequente redução dos custos a ela relacionados. A (IPAQ versão 8 – forma longa), o qual permite estimar
mudança no estilo de vida torna-se, portanto, caminho o tempo gasto em caminhadas, atividades físicas de
promissor no sentido de minimizar os prejuízos fun- moderada e vigorosa intensidades, no trabalho, trans-
cionais característicos da idade e da inatividade física. porte, tarefas domésticas e de lazer em uma semana

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usual ou nos últimos sete dias.23 A classificação do NAF (grupo referência) e Ruim; e FPM – ótimo/bom (grupo
obedeceu às orientações fornecidas pelo Guidelines referência) e ruim.
for Data Processing and Analysis of the International Utilizou-se análise de frequência para as variáveis
Physical Activity Questionnaire (IPAQ) – Short and qualitativas (sexo; faixa etária; estado civil; estado de
Long Forms, o qual considera: a) baixo NAF menos que saúde; renda familiar; escolaridade) e categorizadas
150 minutos/semana, b) moderado NAF o daqueles (IMC; CA; FLEX; FPM; e NAF), para caracterização da
que acumulam pelo menos 150 minutos/semana e c) amostra.
alto NAF indivíduos que acumulam pelo menos 750 Utilizou-se o teste de qui-quadrado (χ2) para
minutos/semana em atividades vigorosas, moderadas verificar a associação dos desfechos NAF alto e baixo
e caminhadas.24 e das inaptidões de flexibilidade e força com fatores
Optou-se pela aplicação do questionário na for- demográficos, socioeconômicos e antropométricos.
ma de entrevista individual. Desta forma, colhe-se Considerando-se os mesmos desfechos, utilizou-se
exemplos de atividades comuns à população entre- modelo de regressão logística múltipla para ajuste de
vistada e não se incorre no risco de incompreensão, possíveis fatores de confusão, considerando NAF alto
por essa população, dos termos técnicos contidos versus baixo/moderado e NAF baixo versus moderado/
em um questionário lido, a ser preenchido. Outro alto; e para aptidão, NAF ruim versus ótimo/bom.
fator que contribuiu para essa opção foi o fato de a O programa utilizado foi SAS for Windows, versão
recusa em responder às questões ser menor, quan- 9.1, e o nível de significância adotado para todos os
do comparada à de outras formas de aplicação de testes foi de 5% ou p-valor correspondente.
questionário.14
Peso corporal e estatura foram aferidos segundo Considerações éticas
as técnicas preconizadas por Heyward & Stolarczyk;25 Os usuários da ESF de Rubião Junior, Botucatu-SP,
e o índice de massa corporal (IMC), calculado por na qualidade de participantes, assinaram Termo de
meio do quociente peso/estatura². A classificação para Consentimento Livre e Esclarecido sobre a proposta e
IMC, bem como a medida da circunferência abdominal procedimentos do estudo. A coleta de dados ocorreu
(CA), seguiram as recomendações da Organização no período de outubro de 2006 a setembro de 2007,
Mundial da Saúde (OMS): IMC maior que 25kg/m2 de maneira a evitar vieses de sazonalidade.
foi considerado alterado; e foi adotado, como ponto Os preceitos éticos da Resolução nº 196/96 foram
de corte para risco cardiovascular, CA acima de 88cm seguidos e o estudo recebeu parecer favorável do Co-
para mulheres e de 102cm para homens.26 mitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina
Como indicadores funcionais da aptidão física, de Botucatu/UNESP em 4 de setembro de 2006, sob
avaliaram-se a flexibilidade de tronco (FLEX) pelo teste nº OF. 460/2006.
de sentar e alcançar; e a força de preensão manual
(FPM) foi aferida por dinamômetro hidráulico com Resultados
escala de 0 a 100kg, cujo valor adotado é a máxima
pressão exercida com o membro dominante em três Foram avaliados 394 usuários da ESF de Rubião Jr.
tentativas. Para ambas as aptidões, adotaram-se clas- com média de idade de 53,9±11,6 anos e detectou-se
sificações segundo sexo e idade.27,28 baixo e alto NAF em, respectivamente, 17,0% e 36,3%
As variáveis foram assim categorizadas: NAF – baixo, da amostra. Houve predomínio de indivíduos do sexo
moderado e alto; sexo – masculino (grupo referência) feminino, idade inferior a 60 anos, casados, renda
e feminino; faixa etária – <60 anos (grupo referência) familiar de até dois salários mínimos, ensino funda-
e ≥60 anos; estado civil – casado (grupo referência) mental, estado de saúde regular e ruim e inaptidão
e outros; escolaridade – ensino fundamental e ensino para flexibilidade (Tabela 1).
médio/superior (grupo referência); estado de saúde No presente estudo, optou-se por analisar somente
– excelente/muito bom/bom(E/MB/B, grupo refe- NAF baixo e alto, pretendendo, dessa forma, avaliar
rência) e regular/ruim (Reg/Ru); IMC – ≤24,9kg/m2 apenas aqueles indivíduos pouco ou muito ativos. Entre
(grupo referência) e >25kg/m2; CA – normal (grupo os indicadores estudados, estado de saúde mostrou as-
referência) e alterada –; flexibilidade – ótimo/bom sociação positiva com NAF baixo (χ2=9,5; p=0,0021).

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Fatores associados à aptidão e nível de atividade em ESF

Tabela 1 - Características demográficas, socioeconômicas, antropométricas, de aptidão e nível de atividade


física de adultos usuários da Estratégia de Saúde da Família de Rubião Júnior (n=394), município de
Botucatu-SP. Brasil, 2006 a 2007

Indicadores Frequência Percentual


Sexo
Masculino 115 29,2
Feminino 279 70,8
Faixa etária
< 60 anos 273 69,3
≥ 60 anos 121 30,7
Estado civil
Casado 266 67,7
Outros 127 32,3
Renda familiar
> 2SM 158 40,6
≤2SM 231 59,4
Escolaridade
Médio/Superior 40 10,2
Fundamental 353 89,8
Estado de saúdea
E/MB/B 132 34,0
Reg/Ru 256 66,0
Índice de massa corporal
≤ 24,9 kg/m2 70 22,7
> 25 kg/m2 239 77,4
Circunferência abdominal
Normal 94 34,4
Alterada 179 65,6
Flexibilidade
Ótimo/Bom 59 22,8
Ruim 200 77,2
Força preensão manual
Ótimo/Bom 149 51,6
Ruim 140 48,4
Nível atividade física
Alto 143 36,3
Moderado 184 46,7
Baixo 67 17,0

Estado de saúde: E, excelente; MB, muito bom; B, bom; Reg, regular; Ru, ruim.

Todavia, após ajuste do modelo de regressão logística, todas as possíveis variáveis confundidoras, apenas
a referida associação perdeu significância e isso se os indivíduos com percepção de saúde regular/ruim
deve à inclusão no modelo de todos os possíveis fatores apresentaram 60,0% menos chances de terem NAF
confundidores (Tabela 2). alto, enquanto as demais variáveis deixaram de ser
O NAF alto associou-se negativamente com idade significantes (Tabela 2).
(χ2=6,1; p=0,0132) e estado de saúde (χ2=14,4; Quanto às aptidões físicas, força de preensão
p=0,001) e CA (χ2=6,0; p=0,0140). Porém, após manual ruim mostrou associação negativa com sexo
ajuste de modelo de regressão logística, incluindo (χ2=40,2; p<0,0001), CA (χ2=17,5; p<0,0001),

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Tabela 2 - Ajuste do modelo de regressão logística do nível de atividade física e indicadores demográficos,
socioeconômicos, antropométricos e de aptidão física de adultos usuários da Estratégia de Saúde da
Família de Rubião Júnior (n=394), município de Botucatu-SP. Brasil, 2006 a 2007

Nível de atividade física


Indicadores Baixoa (n=67) Altob (n=143)
OR (IC95%) c OR (IC95%) c
Sexo
Masculino 1,0 1,0
Feminino 0,3 (0,1-1,1) 0,7 (0,3-1,5)
Faixa etária
<60 anos 1,0 1,0
≥60 anos 1,5 (0,6-3,9) 0,6 (0,3-1,2)
Estado civil
Casado 1,0 1,0
Outros 0,4 (0,1-1,1) 0,9 (0,5-1,8)
Renda familiar
>2SM 1,0 1,0
≤2SM 1,1 (0,4-2,8) 0,9 (0,5-1,7)
Escolaridade
Médio/Superior 1,0 1,0
Fundamental 3,0 (0,4-25,5) 0,7 (0,3-1,9)
Estado de saúded
E/MB/B 1,0 1,0
Reg/Ru 3,0 (0,95-9,5) 0,4 (0,2-0,8)
Índice de massa corporal
≤24,9 kg/m2 1,0 1,0
>25 kg/m 2
0,5 (0,1-2,0) 1,4 (0,6-3,3)
Circunferência abdominal
Normal 1,0 1,0
Alterada 2,6 (0,7-9,9) 0,5 (0,2-1,2)
Flexibilidade
Ótimo/Bom 1,0 1,0
Ruim 1,6 (0,5-4,8) 0,9 (0,4-1,8)
Força preensão manual
Ótimo/Bom 1,0 1,0
Ruim 0,7 (0,3-2,0) 1,6 (0,8-3,2)
a) NAF baixo versus moderado/alto
b) NAF alto versus baixo/moderado
c) OR, odds ratio; IC, intervalo de confiança.
d) Estado de saúde: E, excelente; MB, muito bom; B, bom; Reg, regular; Ru, ruim.

IMC (χ 2=4,1; p=0,0431); e associação positiva Após ajuste do modelo de regressão, incluídos todos
com faixa etária (χ2=10; p=0,0016), escolaridade os possíveis fatores confundidores, encontrou-se que
(χ2=3,9; p=0,0480) e estado de saúde (χ2=5,4; mulheres e indivíduos com CA alterada mostraram,
p=0,0201). respectivamente, 90,0% e 60,0% menos chances de

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Fatores associados à aptidão e nível de atividade em ESF

Tabela 3 - Ajuste do modelo de regressão logística para flexibilidade de tronco (n=259) e força de preensão
manual (n=289) com indicadores demográficos, socioeconômicos, antropométricos e de aptidão
física de adultos usuários da Estratégia de Saúde da Família de Rubião Júnior, município de
Botucatu-SP. Brasil, 2006 a 2007

Inaptidãoa
Indicadores Flexibilidade Força de preensão manual
OR (IC95%) b OR (IC95%) b
Sexo
Masculino 1,0 1,0
Feminino 1,8 (0,7-4,2) 0,1 (0,06-0,3)
Faixa etária
<60 anos 1,0 1,0
≥60 anos 0,7 (0,4-1,4) 1,7 (0,8-3,4)
Estado civil
Casado 1,0 1,0
Outros 1,4 (0,7-2,9) 1,5 (0,7-3,1)
Renda familiar
> 2SM 1,0 1,0
≤2SM 0,8 (0,4-1,7) 0,8 (0,4-1,7)
Escolaridade
Médio/Superior 1,0 1,0
Fundamental 0,6 (0,2-2,1) 3,2 (1,02-10,1)
Estado de saúdec
E/MB/B 1,0 1,0
Reg/Ru 1,7 (0,9-3,3) 2,7 (1,3-5,3)
Índice de massa corporal
≤24,9 kg/m2 1,0 1,0
>25 kg/m2 1,4 (0,6-3,4) 0,9 (0,4-2,4)
Circunferência abdominal
Normal 1,0 1,0
Alterada 1,4 (0,6-3,5) 0,4 (0,2-0,9)
Flexibilidade
Ótimo/bom – 1,0
Ruim – 1,5 (0,7-3,3)
Força de preensão manual
Ótimo, bom 1,0 –
Ruim 1,6(0,7-3,4) –
a) ruim versus bom/ótimo; p<0,05.
b) OR, odds ratio; IC, intervalo de confiança;
c) Estado de saúde: E, excelente; MB, muito bom; B, bom; Reg, regular; Ru, ruim.

serem inaptas para FPM. De maneira semelhante, regressão, incluindo todas as variáveis estudadas,
indivíduos com escolaridade até o ensino fundamental não foi possível determinar a magnitude dessa
e má percepção de saúde exibiram, respectivamente, associação (Tabela 3).
3,2 e 2,7 vezes mais chances de apresentarem FPM
ruim. As associações com faixa etária e IMC não foram Discussão
confirmadas pela análise de regressão (Tabela 3).
Flexibilidade de tronco ruim associou-se ne- A amostra, de conveniência, com abordagem em
gativamente com sexo χ 2=5,5; p=0,0192) e CA sala de espera contou com a participação de 394
(χ 2=4,5; p=0,0341). Contudo, após ajuste de usuários da ESF os quais representaram 12,0% dos

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homens, 32,0% das mulheres, 20,4% com menos de de lazer poderiam ser explicadas pela existência, há
60 anos e 25,4% com idade igual ou superior a 60 quatro anos, de programa de mudança de estilo de vida
anos dos indivíduos cadastrados na ESF. (exercício físico diário e orientação nutricional), ofe-
Sugere-se precaução na extrapolação dos resul- recido a todos os indivíduos cadastrados na ESF local
tados desta pesquisa para a população geral, em e conduzido por equipe multiprofissional do Centro
razão das diferenças no padrão cultural e estilo de de Metabolismo em Exercício e Nutrição, vinculado
vida específicos da amostra. Outra limitação é o tipo ao Departamento de Saúde Pública da Faculdade de
de amostra, de conveniência, com abordagem em Medicina de Botucatu-SP, além de a amostra ser predo-
sala de espera e que, embora pareça tendenciosa, minantemente composta por mulheres de baixa renda,
atingiu indivíduos que realmente se utilizavam dos responsáveis pelos serviços domésticos.
serviços públicos de saúde, mais especificamente Os resultados observados estudo foram plausíveis.
da Atenção Primária, não representativa da popu- Trata-se de uma população de baixa renda (59,4%),
lação de fato. usuária dos serviços públicos de saúde, que tem como
Dos avaliados, apenas 17,0% apresentaram baixo atividades físicas cotidianas a caminhada – como meio
NAF e tais resultados não são consistentes com estu- de transporte – e a realização de tarefas domésticas
dos que detectaram atividade física insuficiente em para elevar seu nível de atividade física, e ademais,
amostra populacional de Joaçaba-SC – 57,4% –11 e conta com exercícios físicos diários para os interes-
entre indivíduos residentes em Pelotas-RS – 41,1%.14 sados no programa.
Sedentários e insuficientemente ativos totalizaram A utilização de questionários como método diag-
46,4% da população do estado de São Paulo.15 Pes- nóstico do nível de atividade física pode não ser o
quisa nas capitais dos estados brasileiros e Distrito ‘padrão-ouro’ e, dessa forma, significar uma limita-
Federal observou maior prevalência de indivíduos ção da metodologia adotada, porém se mostra um
fisicamente inativos em Rio Branco-AC (22,1%) e instrumento viável em estudos populacionais. O IPAQ
menor em Manaus-AM (10,7%),13 ademais de encon- – testado em 12 países, inclusive o Brasil – foi criado
trar 31,8% de sedentarismo em adultos residentes em para produzir medida de atividade física mundialmente
áreas de abrangência de unidades básicas de saúde comparável, o que o torna altamente recomendável,23
de duas regiões do país.3 embora ainda seja necessário padronizar os termos
A maioria dos estudos supracitados utilizou a versão utilizados, principalmente quando se trata da classifi-
curta do IPAQ, a qual tende a superestimar a inativida- cação do nível de atividade física.
de física.11,14,23 Diante de tal constatação, no presente A associação entre níveis de atividade física e
estudo, optou-se pela versão longa do instrumento indicadores demográficos e socioeconômicos vem
buscando, assim, distinguir atividades de transporte, despertando o interesse de epidemiologista e profis-
ocupacionais, de lazer e tarefas domésticas. sionais ligados à Saúde Pública. No presente estudo,
Nos países em desenvolvimento, as atividades físicas indivíduos com percepção de saúde regular/ruim
no trabalho e meio de transporte ativo representam exibiram 60,0% menos chances de terem alto NAF, re-
parcela substancial na atividade física total dos indiví- sultados que corroboram aqueles obtidos em pesquisa
duos,14 confirmando os dados apurados no presente com industriários de Santa Catarina29 e em adultos e
estudo, os quais mostraram que a inexistência de idosos das áreas de abrangência de unidades básicas
atividades físicas vigorosas e moderadas no trabalho, a de saúde de municípios das regiões Sul e Nordeste
não utilização da bicicleta e da caminhada como meios do Brasil:3 os dois estudos detectaram percepção de
de transporte e, também, o fato de não constarem saúde positiva naqueles com maiores níveis de NAF,
registros de tarefas domésticas moderadas externas e vice-versa.
foi determinante para o baixo NAF (resultados não A inaptidão para FLEX atingiu mais de 2/3 da amos-
mostrados). tra e apresentou significativa associação com sexo.
Contrariamente, NAF alto (36,3%) foi definido pela Por exemplo, a avaliação da aptidão física de adultos
presença de caminhadas e atividades físicas moderadas participantes de projeto de extensão universitária e
no lazer e tarefas domésticas moderadas internas e um estudo com 8.116 adultos canadenses observaram
externas (resultados não mostrados). As atividades menor FLEX no sexo masculino do que no feminino.16,19

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Fatores associados à aptidão e nível de atividade em ESF

Esse indicador não se apresenta como preditor sig- Diante do exposto e da estreita relação da FPM com
nificativo de mortalidade;20 por ser específico para as atividades da vida diária, com qualidade de vida e
cada articulação, a relação da FLEX – em diferentes mortalidade, a FPM merece atenção das autoridades
articulações – com saúde ou mortalidade constitui em saúde, podendo ser adotada como indicador de
importante área para futuras pesquisas. saúde. Seu método de avaliação simples, relativamente
Os achados do presente estudo apuraram FPM barato e não invasivo poderia, facilmente, ser inserido
deficiente em aproximadamente metade da amostra, na prática das ESF.
e associação com sexo: as mulheres apresentaram O acesso e qualidade dos serviços prestados pelo SUS,
90,0% menos chances de serem inaptas para esse enfatizando o fortalecimento e qualificação da Saúde da
componente quando comparadas aos homens. Estudos Família, a promoção, informação e educação em saúde
com adultos participantes de projeto de extensão uni- com ênfase nas promoções da atividade física e hábitos
versitária e com amostra representativa da população alimentares saudáveis, o controle do tabagismo e do uso
adulta canadense mostraram o sexo masculino mais abusivo de álcool e os cuidados especiais direcionados ao
forte do que o feminino.16,19 Possível explicação para processo de envelhecimento são prioridades do Ministério
nossos resultados é a constituição da amostra, de da Saúde e se encontram no Pacto pela Vida.4 No que diz
conveniência e de predominância feminina. respeito à atividade física, a inserção dos Núcleos de Apoio
Indivíduos com CA alterada exibiram 60,0% menos à Saúde da Família – NASF –, em fase de estruturação, com
chances de terem FPM regular/ruim. Sabe-se que indivídu- a efetiva participação de profissionais de educação física na
os idosos são mais acometidos por perda de massa muscu- prescrição e orientação de atividade física, é promissora.
lar e consequente aumento de gordura corporal, inclusive Contrariando as estatísticas populacionais brasi-
a visceral, o que resulta em redução da força muscular. leiras, a amostra estudada apresentou prevalência
A presente amostra apresentou 69,3% de indivíduos com reduzida de baixo nível de atividade física e isso se
menos de 60 anos de idade, ou seja, adultos com massa deve, principalmente, às tarefas domésticas, meios
muscular preservada, resultando na manutenção da força de transportes ativos e à prática de exercícios físicos
independentemente do acúmulo de gordura. diariamente, por esses indivíduos.
Quase 90,0% dos indivíduos avaliados apresen- Conhecer o perfil de atividade física nas ESF e fato-
taram escolaridade até o ensino fundamental e esse res associados pode contribuir para o planejamento
nível educacional aumentou em 3,2 vezes as chances de ações e políticas públicas que minimizem os efeitos
de a amostra apresentar FPM ruim. Essa deve ser deletérios da inatividade física na saúde dos usuários
considerada uma característica peculiar da presente da rede básica de saúde.
amostra, pois indivíduos com maior escolaridade são A proposta de avaliação da aptidão física também
aqueles que, normalmente, apresentam menor força, acrescenta informações objetivas relacionadas à saúde
por referirem mais atividades cotidianas sedentárias. e pode trazer contribuições preciosas ao diagnóstico
A percepção de saúde regular/ruim apontou para de saúde dos usuários das ESF.
2,7 vezes mais chances de os indivíduos serem inap-
tos para FPM. Por ser uma aptidão bastante utilizada Agradecimentos
nas atividades da vida diária, a força muscular,
quando diminuída, pode impactar negativamente a Ao Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São
percepção de saúde. Paulo – FAPESP –, pelo apoio financeiro a este estudo.

478 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):471-480,out-dez 2011


Edilaine Michelin e colaboradores

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Recebido em 28/02/2011
Aprovado em 09/12/2011

480 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):471-480,out-dez 2011


Artigo
original Orientações de saúde reprodutiva recebidas na escola –
uma análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar
nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, 2009
doi: 10.5123/S1679-49742011000400007

Reproductive Health Guidance Received at School – an Analysis of the National Survey of


School Health in the Brazilian State Capitals and the Federal District, 2009

Deborah Carvalho Malta


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha


Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Ivo Brito
Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Maria Rebeca Otero Gomes


Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Brasília-DF, Brasil

Martha Rabelo
Ministério da Educação, Brasília-DF, Brasil

Otaliba Libânio de Morais Neto


Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil
Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO, Brasil

Gerson Oliveira Penna


Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Resumo
Objetivo: descrever as orientações recebidas pelos adolescentes na escola quanto a saúde sexual, DST/aids, prevenção de gravidez
e aquisição gratuita de preservativos. Metodologia: inquérito populacional realizado por meio de amostra por conglomerados em
dois estágios, totalizando 60.973 alunos do 9º ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas das 26 capitais de estados
brasileiros e o Distrito Federal. Resultados: 89,4% (IC95%: 88,5-90,2) dos alunos das escolas privadas e 87,5% (IC95%: 86,9-88,0)
das escolas públicas relataram ter recebido orientação na escola sobre doenças sexualmente transmissíveis; sobre gravidez na
adolescência, não houve diferenças entre as escolas privadas 82,1% (IC95%: 81,1-83,1) e as públicas 81,1% (IC95%: 80,5-81,8); e
com relação à informação sobre a aquisição gratuita de preservativo, a maior frequência foi em escolas públicas, 71,4% (IC95%:
70,7-72,2), comparativamente às privadas, 65,6% (IC95%: 64,2-66,7). Conclusão: constatou-se que o tema tem sido abordado nas
escolas, podendo contribuir para a mudança de comportamentos relacionados a sexualidade.
Palavras-chave: comportamento sexual; adolescente; medicina reprodutiva; gravidez na adolescência.

Summary
Objective: to describe the guidance received by adolescents on guidance at school on sexual health STD/AIDS, pregnancy
prevention and free condom acquisition. Methodology: population inquire performed with a sample by conglomerates, in
two stages, of 60,973 students in the 9th year of the basic level, at public and private schools in 26 Brazilian State capitals
and the Federal District. Results: 89.4% (CI95%: 88.5-90.2) of the students of private schools and 87.5% (CI95%: 86.9-88.0)
of public schools reported having received guidance at school on sexually communicable diseases; on pregnancy in adoles-
cence, there was no difference between private 82.1% (CI95%: 81.1-83.1) and public schools, 81.1% (CI95%: 80.5-81.8); and on
free condom acquisition, the greater frequency was in public, 71.4% (CI95%: 70.7-72.2), rather than private schools, 65.6%
(CI95%: 64.2-66.7). Conclusion: the authors found that the theme has been approached in schools, contributing for behavior
changes related to sexuality.
Key words: sexual behavior; adolescents; reproductive medicine; pregnancy in adolescence.

Endereço para correspondência:


Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Coordenação-Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, SAF SUL,
Trecho 2, Lotes 5/6, Bloco F, Torre 1, Edifício Premium, Térreo, Sala 14, Brasília-DF, Brasil. CEP: 70070-600
E-mail: deborah.malta@saude.gov.br

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):481-490,out-dez 2011 481


Orientação sobre saúde reprodutiva na escola

Introdução consideradas de risco são a iniciação sexual precoce,


múltiplos parceiros, uso de álcool e drogas antes do
A adolescência constitui uma importante etapa da sexo.1 Uma constatação da literatura é que parcela
vida, na qual ocorrem inúmeras mudanças de com- dos adolescentes tem a primeira relação sexual na
portamento. A Organização Mundial da Saúde (OMS) adolescentes normalmente de forma desprotegida.2
define a adolescencia como a idade compreendida A análise dos dados aponta da PeNSE (Pesquisa
entre dez e 20 anos de idade. No Brasil, o Estatuto Nacional de Saúde do Escolar) mostrou que 30,5%
da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece para a dos adolescentes já tiveram relação sexual alguma vez
adolescência outra faixa etária: dos 12 aos 18 anos.1 na vida, sendo mais duas vezes frequente em meni-
O contato com a escola, grupos de amigos, socie- nos, naqueles que estudam em escola pública, com
dade, levam a transformações cognitivas, emocionais, idade acima de 15 anos e 40,1% dos adolescentes
sociais, corporais, além da constante exposição a relataram ter tido um único parceiro na vida. O uso
inúmeros fatores de risco e comportamentais.2 do preservativo na ultima relação sexual foi de 75,9%
Dentre as mudanças que ocorrem na adolescência e de método contraceptivo na última relação sexual
destacamos as questões relativas à sexualidade e as foi de 74,7%.7,8
inúmeras mudanças psicológicas, físicas que estão Torna-se importante a implantação e o fortaleci-
associadas à puberdade.2 mento de programas junto aos escolares que realizem
A iniciação sexual tem sido cada vez mais precoce orientações quanto à gravidez precoce, e prevenção
em inúmeros países, embora ocorram diferenças de DST/aids e sexualidade, visando minimizar vulne-
culturais importantes na prática. No Brasil, segundo rabilidades.
Pantoja, a primeira experiência sexual para as meninas
ocorre entre 12 e 15 anos e para os meninos entre 11 e
13 anos.3 A gravidez precoce é uma das consequências Existe uma associação entre
negativas da iniciação sexual entre adolescentes. No comportamento na primeira relação
caso da gravidez levada a termo, consequências adver- sexual e o estabelecimento de padrões
sas podem ser esperadas para ambos, criança e mãe.2-4 comportamentais que podem
Outro problema decorrente da iniciação sexual
precoce é a disseminação de doenças sexualmente permanecer por toda vida.
transmitidas, entre elas o HIV/aids [vírus da imunode-
ficiência humana (HIV)/síndrome da imunodeficiência Em função disto o Ministério da Educação (MEC)
adquirida (aids)]. Os adolescentes são uma população no que dispõe a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que
vulnerável às infecções pelo HIV, sendo que 25,0% de disciplina a educação escolar em conjunto com o
todos novos infectados no mundo são menores de 21 Ministério da Saúde (MS) tem realizado inúmeras
anos2,5 e a incidência e prevalência de DST (Doença ações visando inserir nos currículos escolares o tema
Sexualmente Transmissível) em aumentado, mesmo da saúde sexual e reprodutiva mesmo antes do início
entre adolescentes.5 da atividade sexual. Outra importante ação tem sido a
Existe uma associação entre comportamento na implantação de programa de nas escolas para acesso
primeira relação sexual e o estabelecimento de pa- aos meios e métodos anticonceptivos para evitar uma
drões comportamentais que podem permanecer por gravidez precoce e prevenir-se das doenças sexual-
toda vida. Por isso a importância da educação sexual mente transmissíveis e aids (DST/aids), respeitando a
nas escolas para preparar estes adolescentes com liberdade individual de escolha, ajudando-os de forma
informações sobre a prevenção de novas infecções positiva e responsável a adquirirem comportamentos
pelo HIV ou da gravidez, entre outras.6 de prevenção e auto-cuidado.9
O uso de preservativos protege de gravidez e Uma fonte de monitoramento destas ações pelos
também das DST, incluindo HIV. Preservativos mas- MS e MEC tem sido a realização do Censo Escolar,
culinos são os métodos de contracepção mais usados introduzindo um encarte específico sobre questões
entre jovens. O não uso de preservativos constitui um relativas às políticas implantadas, que tem apoiado no
marcador de relação sexual de risco. Outras condutas planejamento das ações.

482 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):481-490,out-dez 2011


Deborah Carvalho Malta e colaboradores

Outra ação para monitoramento dos escolares Foi utilizado o Personal Digital Assistant (PDA)
consiste na parceria firmada pelo Ministério da Saúde para coleta dos dados individuais. O questionário
e a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís- estruturado, auto-aplicável, contém módulos temáticos
tica (IBGE), com apoio do MEC, para a realização da sobre diversos fatores de risco e proteção; entre eles,
primeira Pesquisa Nacional de Saúde do Adolescente no tema da Sexualidade, sobre orientações recebidas
(PeNSE) em 2009. O objetivo da pesquisa foi ampliar na escola acerca de DST/aids e uso de preservativo.
o conhecimento sobre a saúde desta população, Neste estudo, são analisados os seguintes indica-
contendo informações sobre alimentação, atividade dores: a) orientação na escola sobre prevenção de
física, iniciação sexual, orientações recebidas na escola gravidez (% de escolares que receberam orientação na
sobre estes temas, dentre outros. A pesquisa visa gerar escola sobre prevenção à gravidez); b) orientação na
evidências para orientar ações de promoção da saúde escola sobre DST/aids (% de escolares que receberam
neste grupo etário. orientação na escola sobre DST/aids); e c) orientação
Neste sentido, o objetivo deste trabalho é descrever na escola sobre aquisição gratuita de preservativo (%
as orientações recebidas pelos adolescentes na escola de escolares que receberam orientação na escola sobre
quanto a saúde sexual, DST/aids, prevenção de gravidez aquisição gratuita de preservativo).
e aquisição gratuita de preservativos a partir da PeNSE. Os resultados foram descritos para o conjunto das
capitais brasileiras e o Distrito Federal e em seguida
Metodologia analisados segundo a ocorrência por capitais e de-
pendência administrativa: pública e privada. O estudo
Trata-se de estudo descritivo de corte transversal que atual descreve frequências simples, com intervalo de
utilizou dados da primeira Pesquisa Nacional de Saúde confiança de 95,0% das variáveis. Foi utilizado o pacote
do Escolar (PeNSE), realizada entre escolares do 9ª ano estatístico SPSS (versão 8.0.0).12
(8º série) do ensino fundamental de escolas públicas e
privadas das capitais dos estados brasileiros e do Distrito Considerações éticas
Federal, entre março e junho de 2009. A escolha dessa O Estudo foi aprovado no Conselho de Ética em
série deve-se ao fato de ser nessa época da vida que os Pesquisas do Ministério da Saúde, sob a emenda nº
alunos iniciam a novas práticas, exposição a fatores de 005/2009, referente ao Registro nº 11.537 do CO-
risco – como tabaco, álcool – e iniciação sexual. Pela NEP/MS em 10/06/2009. A realização do estudo foi
escolarização nessa faixa etária, o questionário pode precedida do contato com as secretarias de estado e
ser auto-preenchido e ademais, alunos com idade se- municipais de educação e com a direção das escolas
melhante são pesquisados por outros países, facilitando selecionadas em cada município.
a comparabilidade internacional.10 O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a
Foi desenhada uma amostra de alunos por con- autonomia do adolescente para tomar iniciativas como
glomerados, em dois estágios; no primeiro estágio, responder a um questionário que não ofereça riscos
foi feita a seleção de escolas; e no segundo, a seleção a sua saúde. Como a pesquisa visa subsidiar políticas
de turmas, pesquisando todos os alunos das turmas de proteção à saúde para essa faixa etária, optou-se
selecionadas.7,10 Utilizou-se o cadastro do Censo Es- pela autonomia do adolescente em definir sobre sua
colar 2007.11 participação na pesquisa. O estudante escolhia parti-
A amostra foi calculada para fornecer estimativas de cipar – ou não – e poderia responder o questionário
proporções (ou prevalências) de algumas característi- completo ou em parte. Todas as informações do aluno
cas de interesse, em cada um dos estratos geográficos, foram confidenciais e não identificadas, bem como as
com um erro máximo de 3 pontos percentuais e nível da escola.10
de confiança de 95,0%.7,10
Em cada uma das turmas do 9º ano (8º série) Resultados
selecionadas, todos os alunos foram convidados a
responder ao questionário da pesquisa. Aqueles que Foram selecionadas para a pesquisa 1.453 escolas
não se sentiam motivados a preencher o questionário e 2.175 turmas, nas quais havia 68.735 alunos fre-
eram dados como perda. quentes: 63.411 estavam presentes no dia da coleta,

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):481-490,out-dez 2011 483


Orientação sobre saúde reprodutiva na escola

totalizando 7,7% de perdas nessa etapa. Foram ex- e alunos das escolas públicas, 81,1% (IC95%: 80,5-
cluídos da amostra 501 estudantes que se negaram a 81,8). Nas escolas privadas, as maiores frequências
participar e aqueles que não preencheram a variável foram em: Salvador-BA, 90,2% (IC95%: 86,9-93,5);
sexo. Assim, foram analisados dados referentes a Florianópolis-SC, 88,4% (IC 95%: 85,4-91,3); São
60.973 escolares, com uma taxa de não resposta geral Paulo-SP, 87,5% (IC95%: 84,5-90,6); Belo Horizonte-
de 11,3% (Tabela 1). MG, 87,2% (IC95%: 84,3-90,0); Curitiba-PR, 86,6%
Com relação à orientação na escola sobre o (IC95%: 83,0-90,2); e Goiânia-GO, 85,5% (IC95%: 83,1-
tema de doenças sexualmente transmissíveis, 89,4% 88,0). E as menores, em: Belém-PA, 73,4% (IC95%:
(IC95%: 88,5-90,2) dos alunos das escolas privadas 69,3-77,5); Cuiabá-MT, 75,9% (IC95%: 71,2-80,6);
e 87,5% (IC95%: 86,9-88,0) dos alunos das escolas Vitória-ES, 76,1% (IC 95%: 72,5-79,7); Recife-PE,
públicas relataram ter recebido essa informação. 76,4% (IC95%: 73,2-79,6); e Rio de Janeiro-RJ, 76,5%
Houve grande variação entre as capitais, quanto a (IC95%: 73,0-80,0). (Figura 2A).
esse indicador e apenas Salvador-BA, 96,0% (IC95%: Para os alunos das escolas públicas, receber
93,7-98,4), apresentou frequência significativa informações na escola sobre gravidez na adoles-
acima da média nacional. Nas escolas privadas, as cência tem as maiores frequências em: Rio Branco-
menores frequências foram encontradas em: Belém- AC, 92,1% (IC95%: 90,6-93,7); Macapá-AP, 87,3%
PA, 83,5% (IC95%: 80,0-87,0); Vitória-ES, 82,4% (IC95%: 85,8-88,8); Florianópolis-SC, 86,7% (IC95%:
(IC 95%: 79,0-85,8); e Manaus-AM, 81,5% (IC 95%: 84,8-88,6); Porto Velho-RO, 86,6% (IC 95%: 84,7-
75,7-87,4) (Figura 1A). 88,4); Manaus-AM, 86,6% (IC95%: 84,6-88,7); Porto
Nas escolas públicas, as frequências significativas Alegre-RS, 85,9% (IC95%: 83,6-88,1); São Luis-MA,
acima da média foram encontradas em: Rio Branco-AC, 85,76% (IC95%: 84,0-87,4); Vitória-ES, 85,6% (IC95%:
95,7% (IC95%: 94,3-97,1); Porto Velho-RO, 92,6% (IC95%: 83,5-87,8); Palmas-TO, 85,3% (IC95%: 83,2-87,4);
91,1-94,1); Macapá-AP, 92,0% (IC95%: 90,7-93,3); Cam- Teresina-PI, 85,3% (IC95%: 83,4-87,3); e Maceió-
po Grande-MS, 91,5% (IC95%: 90,0-93,0); São Luis-MA, AL, 84,4% (IC95%: 81,9-87,0). E as menores, em:
91,4% (IC95%: 89,9-92,8); Porto Alegre-RS, 91,4% (IC95%: Aracaju-SE, 77,5% (IC 95%: 75,0-79,9); Belém-PA,
89,6- 93,3); Manaus-AM, 90,8% (IC95%: 88,9-92,6); 72,2% (IC95%: 69,7-74,7); e Recife-PE, 77,1% (IC95%:
Palmas-TO, 90,6% (IC95%: 88,7-92,4); e Teresina-PI, 74,9-79,2) (Figura 2B).
90,6% (IC95%: 88,9- 92,2). E as menores frequências, Quanto a receber informações nas escolas sobre
em: Belém-PA, 79,6% (IC95%: 77,4-81,9); e Aracajú-SE, aquisição gratuita de preservativo, a frequência de alu-
83,8% (IC95%: 81,5-86,1). (Figura 1B). nos que abordam esse assunto foi menor nas escolas
Quanto a receber informações nas escolas sobre privadas, 65,6% (IC95%: 64,2-66,7), se comparada à
gravidez na adolescência, não há diferenças entre alu- das escolas públicas, 71,4% (IC95%: 70,7-72,2). Para
nos das escolas privadas, 82,1% (IC95%: 81,1-83,1), as escolas públicas, as maiores frequências – estatis-

Tabela 1 - Percentual (% e IC95%) a de escolares do 9º ano do ensino fundamental que receberam orientação na
escola sobre doenças sexualmente transmissíveis, prevenção de gravidez e aquisição gratuita de
preservativo, por dependência administrativa da escola, segundo as capitais de estados e o Distrito
Federal. Brasil, 2009

Dependência administrativa da escola


Variável Privada Pública
% IC95% b % IC95% b
Orientação sobre doenças sexualmente transmissíveis 89,4 88,5 90,2 87,5 86,9 88,0
Orientação para prevenção de gravidez 82,1 81,1 83,1 81,1 80,5 81,8
Orientação sobre aquisição gratuita de preservativo 65,4 64,2 66,7 71,4 70,7 72,2

a) Percentual ponderado para representar a população de escolares matriculados e frequentando o 9º ano do ensino fundamental em 2008.
b) IC95%: intervalo de confiança de 95%.

484 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):481-490,out-dez 2011


Deborah Carvalho Malta e colaboradores

1A - Escola privada
100,0
95,0

90,0
85,0

80,0

75,0

70,0

o P as

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a) Percentual ponderado para representar a população de escolares matriculados e frequentando o 9º ano do ensino fundamental em 2008.
Obs: Prevalência, LI (Limite inferior) e LS (Limite Superior) considerando intervalo de confiança de 95% (IC95%).

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Prevalência LI LS
a) Percentual ponderado para representar a população de escolares matriculados e frequentando o 9º ano do ensino fundamental em 2008.
Obs: Prevalência, LI (Limite inferior) e LS (Limite Superior) considerando intervalo de confiança de 95% (IC95%).

Figura 1 - Percentual (% e IC95%) a de escolares do 9º ano do ensino fundamental que receberam orientação
na escola sobre doenças sexualmente transmissíveis, por dependência administrativa da escola,
segundo as capitais de estados e o Distrito Federal. Brasil, 2009

ticamente significativas – foram em: Florianópolis-SC, frequências – estatisticamente significativas – nas


84,9% (IC95%: 82,9-86,8); Rio Branco-AC, 84,1% capitais foram: Natal-RN, 67,7% (IC95%: 65,1-70,2); e
(IC95%: 82,1-86,2); Curitiba-PR, 79,8% (IC95%: 77,6- Belém-PA, 54,8% (IC95%: 52,1-57,5).
81,8); Porto Alegre-RS, 79,8% (IC95%: 77,2-82,3); Ao analisar as escolas privadas, as maiores fre-
Manaus-AM, 77,3% (IC 95%: 74,8-79,8); Campo quências foram observadas em São Paulo-SP, 73,6%
Grande-MS, 76,8% (IC95%: 74,7-79,0); Porto Velho-RO, (IC95%: 69,5-77,6); e Rio Branco-AC, 72,5% (IC95%:
75,9% (IC95%: 73,7-78,2); Boa Vista-RR, 75,8% (IC95%: 66,7-78,2). E as menores, em Belém-PA, 50,9% (IC95%:
73,5-78,0); Vitória-ES, 75,6% (IC95%: 73,1-78,0); e 46,5-55,3); e Vitória-ES, 51,6% (IC95%: 47,6-55,7).
Macapá-AP, 74,9% (IC95%: 73,0-76,9). As menores (Figuras 3A e 3B).

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):481-490,out-dez 2011 485


Orientação sobre saúde reprodutiva na escola

2A - Escola privada
100,0
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Prevalência LI LS
a) Percentual ponderado para representar a população de escolares matriculados e frequentando o 9º ano do ensino fundamental em 2008.
Obs: Prevalência, LI (Limite inferior) e LS (Limite Superior) considerando intervalo de confiança de 95% (IC95%).

2B - Escola privada
100,0
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Prevalência LI LS
a) Percentual ponderado para representar a população de escolares matriculados e frequentando o 9º ano do ensino fundamental em 2008.
Obs: Prevalência, LI (Limite inferior) e LS (Limite Superior) considerando intervalo de confiança de 95% (IC95%).

Figura 2 - Percentual (% e IC95%) a de escolares do 9º ano do ensino fundamental que receberam orientação na
escola para prevenção de gravidez, por dependência administrativa, segundo as capitais de estados
e o Distrito Federal. Brasil, 2009

Discussão e proteção para as doenças crônicas não transmis-


síveis, acidentes e violências, saúde sexual e outros,
O monitoramento sobre a saúde dos adolescentes constituindo-se importante instrumento de apoio aos
já foi implantado em mais de 40 países no mundo, e gestores, pais, profissionais de saúde e educadores.7,10
tem auxiliado na modificação de currículos e rees- Com as mudanças sociais vividas nas últimas déca-
truturação de programas de saúde voltados para essa das, verifica-se o início da vida sexual dos adolescentes
faixa etária.13-15 cada vez mais cedo. Esse fato é determinado por várias
A PeNSE, primeira iniciativa no Brasil, pergunta formas de desigualdade, se analisado segundo gênero,
diretamente aos adolescentes sobre fatores de risco raça-cor, escolaridade e condição socioeconômica.

486 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):481-490,out-dez 2011


Deborah Carvalho Malta e colaboradores

3A - Escola privada
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Prevalência LI LS
a) Percentual ponderado para representar a população de escolares matriculados e frequentando o 9º ano do ensino fundamental em 2008.
Obs: Prevalência, LI (Limite inferior) e LS (Limite Superior) considerando intervalo de confiança de 95% (IC95%).

3B - Escola privada
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Prevalência LI LS
a) Percentual ponderado para representar a população de escolares matriculados e frequentando o 9º ano do ensino fundamental em 2008.
Obs: Prevalência, LI (Limite inferior) e LS (Limite Superior) considerando intervalo de confiança de 95% (IC95%).

Figura 3 - Percentual (% e IC95%) a de escolares do 9º ano do ensino fundamental que receberam orientação na
escola para aquisição de preservativo, por dependência administrativa da escola, segundo as capitais
de estados e o Distrito Federal. Brasil, 2009

Essas desigualdades, por sua vez, influenciam as rela- mais frequente entre meninos que meninas,8 o que é
ções de saúde desse segmento da população, gerando bastante elevado nesse grupo etário. Pesquisa realizada
estatísticas perversas de morbimortalidade.2,9 Iniciação pela OMS em cerca de 40 países revelou média de
sexual precoce está associada com não uso, ou uso 22,0% dos adolescentes que já haviam tido relação
inadequado de preservativos e suas consequências – sexual aos 15 anos.2
gravidez precoce, DST/aids –, além de estar associado A Pesquisa PeNSE mostrou, ainda, que entre os alu-
ao uso do tabaco, de álcool e outras drogas.1 nos que já haviam tido relação sexual, cerca de 76,0%
A PeNSE mostrou que a iniciação sexual nessa faixa usaram preservativo na última relação sexual.8 O fato
ocorreu em cerca de um terço dos adolescentes, sendo de 24,0% não terem usado o preservativo demonstra a

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):481-490,out-dez 2011 487


Orientação sobre saúde reprodutiva na escola

importância desse conteúdo ser mais disseminado na e reprodutiva e prevenção das DST/aids entre seus
escola, visando à ampliação da prática de prevenção. estudantes, informando-os, inclusive, sobre disponi-
No Brasil, o Ministério da Saúde, por intermédio bilidade de preservativos.
do Departamento de DST e Aids e Hepatites Virais, e o Os dados obtidos pela PeNSE foram auto-referidos
Ministério da Educação implantaram, desde 2003, o – diferentemente do Censo Escolar, cujos dados são
programa ‘Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE)’, que declarados pela direção da escola, captados de forma
consiste em integrar os setores da Educação e da Saúde distinta –, reforçando a percepção de que a informação
no desenvolvimento de ações voltadas à promoção da sobre saúde sexual e reprodutiva tem sido destinada
saúde sexual e da saúde reprodutiva de adolescentes ao público-alvo, os adolescentes, tanto nas escolas
e jovens e redução de sua vulnerabilidade às DST e públicas quanto privadas.
à aids.9 Em 2008, esse programa foi potencializado Segundo o Censo Escolar, 40,0% dessas escolas
pela criação do ‘Programa Saúde na Escola (PSE)’, oferecem essas informações de forma esporádica, com
articulando o SPE ao PSE. Essa medida veio ampliar periodicidade semestral ou anual. Isso mostra que, em
suas ações, e demais relativas à promoção da saúde no uma parcela considerável das escolas, essa orientação
âmbito escolar, para os municípios com baixo Índice ainda não constitui uma estratégia pedagógica adequa-
de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).16 da, contínua e inserida em projetos pedagógicos.17
Os dados aqui descritos mostram que os alunos têm Os adolescentes respondentes do questionário da
recebido esses conteúdos nas escolas. Os programas PeNSE são do 9º ano do ensino fundamental, na sua
implantados – SPE e PSE – tem cumprindo seu objetivo maioria (89,1%) entre 13 e 15 anos, o que mostra
de inserir as temáticas sobre saúde sexual e reprodu- que mais de 80,0% receberam informações sobre
tiva na escola. Contudo, os dados aqui analisados não sexualidade, prevenção de DST/aids.
permitem inferir se o conteúdo tem sido absorvido e se Essas diferenças na detecção de temas diferentes
ele tem sido capaz de provocar mudanças de práticas. podem acontecer em função do universo pesquisado.
Um estudo com esse propósito necessitaria de outras A PeNSE constitui uma amostra de escolares de 13 a
metodologias de abordagem. 15 anos de idade nas capitais, onde, pressupõe-se, há
Há diferenças entre as capitais, para cada um maior implantação das ações de promoção e, especi-
dos indicadores. Em geral, Belém-PA apresentou ficamente, orientações do SPE. Já o Censo Escolar, que
frequências menores em quase todos os indicadores acontece anualmente e é respondido pelo gestor de
e Florianópolis-SC e Rio Branco-AC, ao contrário, cada escola, abrange o universo das escolas; inclusive
mostraram, para a maioria dos indicadores, maior as do interior, onde o programa ainda não se encontra
frequência, haja vista esses conteúdos terem sido consolidado. Torna-se importante inserir o tema de
mais relatados pelos adolescentes nestas duas capi- prevenção de DST/aids e orientação sexualidade no
tais. Estudos mais aprofundados sobre as diferenças conjunto das escolas, especialmente nos primeiros
regionais podem ajudar a compreender o quadro anos do ensino básico, conforme orientação dos
apresentado. organismos internacionais.18
O MEC e o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pes- Apesar de aproximadamente 70,0% dos alunos, se-
quisas Educacionais Anísio Teixeira) realizam, desde gundo a pesquisa PeNSE (71,4% nas escolas públicas;
1991, o Censo Escolar com o propósito de observar e 65,4% nas escolas privadas) receberem informações
analisar atividades desenvolvidas nas escolas do país. sobre preservativos nas escolas, ainda há contingente
Visando ao monitoramento das ações realizadas pelo a ser atingido por informação ou por disponibilização
SPE, o Censo Escolar incluiu um encarte sobre saúde do próprio insumo. O acesso a insumos de prevenção
reprodutiva. Esses dados, reunidos a outras pesquisas e informações de como utilizá-los é essencial para
de âmbito nacional, constituem importantes fontes prevenir as DST/aids e a gravidez nos adolescentes.
de informações para a construção dos indicadores Entre os possíveis limites deste estudo, é importante
de impacto e resultados das políticas públicas no destacar que a população escolar representa uma
setor. O Censo Escolar de 2008 foi respondido por aproximação da população adolescente, ao excluir
99.316 escolas de educação básica, das quais 93,8% os jovens que se encontram fora da escola. A cober-
declararam que trabalham o tema da saúde sexual tura do sistema de educação no país tem aumentado,

488 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):481-490,out-dez 2011


Deborah Carvalho Malta e colaboradores

aproximando-se, cada vez mais, de sua universaliza- o envolvimento dos jovens, especialmente na educação
ção.19 Outro limite do presente estudo refere-se ao fato por pares, essencial no desenvolvimento de atividades
da amostra, ao representar as capitais, não refletir, que objetivem mudar comportamentos relacionados à
necessariamente, as condições de representatividade sexualidade, e fortalecer o protagonismo juvenil com
do interior do país. ações de promoção da saúde e prevenção de DST/aids
As informações dos alunos vão de encontro às do e gravidez precoce.
Censo Escolar, mostram que o tema tem se inserido Práticas de promoção da saude e de saúde sexual
no contexto das escolas e reforçam a necessidade de são bem-vindas no contexto da escola. O tema deve
aprofundar os conteúdos das variáveis de orientação ser, cada vez mais, inserido no cotidiano de alunos,
abordadas, na medida em que 30,0% dos alunos já se educadores, profissionais de saúde e famílias. Dessa
iniciaram sexualmente. Faz-se necessário antecipar e forma, estaremos promovendo maior conhecimento
inserir a saúde sexual e reprodutiva, de maneira defini- do tema e semeando – assim se espera – práticas
tiva, nos currículos escolares. Igualmente importante é mais responsáveis.

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Avaliação). pnad2008/brasilpnad2008.pdf

Recebido em 19/01/2011
Aprovado em 16/12/2011

490 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):481-490,out-dez 2011


Artigo
original Fatores associados à mortalidade infantil no
Município de Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil:
estudo de caso-controle*
doi: 10.5123/S1679-49742011000400008

Associated Factors and Infant Mortality in the Municipality of Foz do Iguaçu,


State of Paraná, Brazil – a Case Control Study

Roberto Valiente Doldan


Mestrado Profissionalizante de Saúde Pública Baseada em Evidências, Centro de Pesquisas Epidemiológicas,
Universidade Federal de Pelotas, RS, Brasil.

Juvenal Soares Dias da Costa


Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas-RS, Brasil
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo-RS, Brasil

Marcelo Felipe Nunes


Curso de Fisioterapia, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo-RS, Brasil

Resumo
Objetivo: identificar fatores relacionados à mortalidade infantil em Foz do Iguaçu, estado do Paraná, Brasil. Metodologia: foi
realizado um estudo de caso-controle utilizando-se dados secundários obtidos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos e
do Sistema de Informações sobre Mortalidade; os casos estudados foram crianças que morreram em 2007 antes de completarem
um ano de vida; para cada caso foram definidas como controles duas crianças do mesmo sexo, nascidas no mesmo hospital e que
ainda estivessem vivas; foi realizada análise multivariada com regressão logística. Resultados: participaram do estudo 69 casos
e 138 controles; a idade gestacional inferior a 37 semanas, baixo peso ao nascimento, crianças com anomalias congênitas e com
escore de Apgar menor de 7 aos cinco minutos foram considerados fatores de risco, apresentando odds ratios ajustadas de 5,96
(IC95%: 1,35-26,4), 4,32 (IC95%: 1,14-16,4), 7,87 (IC95%: 2,0-30,9) e 4,44 (IC95%: 1,21-16,2), respectivamente. Conclusão: excluído
as anomalias congênitas, os fatores de risco para mortalidade infantil identificados em Foz do Iguaçu estão relacionados à oferta e
qualidade dos serviços de saúde, principalmente em seu componente neonatal.
Palavras-chave: mortalidade infantil; fatores de risco; mortalidade neonatal; estudos de casos e controles; prematuridade;
anomalias congênitas.

Summary
Objective: to identify factors related to infant mortality in Foz do Iguaçu, State of Paraná, Brazil. Methodology: a
case-control study was conducted using secondary data obtained from Brazil’s Live Birth Information System and Mortality
Information System; the study cases were children who died in 2007 before reaching one year; for each case, the authors de-
fined as controls two children born of the same sex, in the same hospital, and still alive; multivariate analysis was performed
with logistic regression. Results: there were 69 cases and 138 controls; gestational age less than 37 weeks, low birth weight,
children with congenital anomalies and Apgar score less than 7 at five minutes were considered risk factors, with odds ratios
of 5.96 (CI95%: 1.35-26.4), 4.32 (CI95%: 1.14-16.4), 7.87 (CI95%: 2.0-30.9) e 4.44 (CI95%: 1.21-16.2), respectively. Conclusion:
excluding congenital anomalies, the risk factors for infant mortality identified in Foz do Iguaçu are related to the supply and
quality of health services, especially in its neonatal component.
Key words: infant mortality; risk factors; perinatal mortality; case-control studies; prematurity; congenital anomalies.

* Apresentado originalmente como Dissertação no Mestrado Profissional em Saúde Pública Baseada em Evidências,
Universidade Federal de Pelotas/Ministério da Saúde.

Endereço para correspondência:


Av. Unisinos, 950, Cristo Rei, São Leopoldo-RS, Brasil. CEP: 93022-000
E-mail: episoares@terra.com.br

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):491-498,out-dez 2011 491


Fatores associados à mortalidade infantil em Foz do Iguaçu-PR

Introdução agravos comuns à fronteira e, consequentemente,


refletem-se em oscilações na taxa de mortalidade
A mortalidade infantil, do ponto de vista epide- infantil do município. Por exemplo, embora o Paraná
miológico, é um dos principais indicadores de saúde tenha apresentado taxas decrescentes ao longo dos
e de desenvolvimento social, pois está vinculada às anos, sua TMI em 2006 foi de 13,7/1000, inferior à do
condições socioeconômicas e sanitárias da população.1 ano seguinte, 2007, quando aumentou para 16/1000.5
Nos últimos anos, tem se observado o declínio O objetivo deste estudo foi descrever as principais
das taxas de mortalidade infantil (TMI) em todas as causas de mortalidade infantil em Foz do Iguaçu, Para-
macrorregiões do Brasil, com algumas diferenças ná, no ano de 2007 e determinar os fatores associados
regionais. Segundo Victora e colaboradores, os de- ao óbito infantil.
créscimos anuais da mortalidade infantil aumentaram
após 1980: ocorreram 47 mortes por 1000 nascidos A redução das taxas de mortalidade
vivos em 1990, 27 mortes/1000 em 2000 e 19/1000 em
2007, representando uma redução de 4,4% no período infantil no Brasil é ainda um
2000-2008.2 Isto indica uma tendência decrescente da desafio para a sociedade e para
mortalidade; porém, esses números ainda são alar- o sistema de saúde.
mantes, na medida em que muitas dessas mortes são
consideradas evitáveis.3 Vários estudos associam esse Metodologia
decréscimo às condições socioeconômicas em que
vivem essas populações, bem como a fatores associa- Foz do Iguaçu está localizada na região oeste do
dos às mães e às crianças, mostrando concentração de Estado do Paraná, na fronteira com o Paraguai e a
óbitos entre os estratos mais pobres.1,4 Mesmo com o Argentina, e segundo a Fundação Instituto Brasileiro de
decréscimo observado, este se processa de forma lenta, Geografia e Estatística (IBGE), possui uma população
nem sempre gradual, resultando em patamares ainda estimada de 316.753 habitantes em 2007.
não satisfatórios e distantes dos registrados em países Foi realizado um estudo de caso-controle para iden-
desenvolvidos. A redução das taxas de mortalidade tificar fatores associados ao óbito infantil em crianças
infantil no Brasil é ainda um desafio para a sociedade cujas mães fossem residentes em Foz do Iguaçu-PR.
e para o sistema de saúde.2 A população do estudo esteve conformada pelas
Em relação às diferenças regionais, pode-se afirmar crianças registradas nos bancos de dados do Sistema
que a TMI do Nordeste ainda é muito maior que a do de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e do
Sudeste, que, por sua vez, é maior que a da região Sul, Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), da
caracterizando condições socioeconômicas diferentes Secretaria Municipal de Saúde de Foz do Iguaçu. A
e demonstrando a falta de uniformidade na formulação articulação entre o SIM e Sinasc ocorreu via utilização
de políticas públicas do setor Saúde direcionadas à da informação da data e local de nascimento dos casos
área materno-infantil.2 registrados nas Declarações de Óbito (SIM), para a
Em relação à mortalidade infantil, o Paraná, a exem- seleção dos controles no Sinasc. A mensuração e o
plo de outros estados da região Sul, tem apresentado acompanhamento das taxas de mortalidade infantil
valores decrescentes nos últimos anos: em 2006, essa têm sido feitos no município utilizando-se de sistemas
taxa situou-se em 14/1000; e em 2007, reduziu-se de informações de mortalidade.
para 13,2/1000,5 o que indica uma situação bastante O acesso aos bancos foi realizado em setembro
favorável no Paraná, comparativamente a outros de 2008.6
estados do País. Os casos foram definidos como crianças nascidas
Foz do Iguaçu sofreu um crescimento urbano no Município de Foz do Iguaçu que foram a óbito no
acelerado durante a construção da usina hidroelétri- próprio município ano de 2007 antes de completarem
ca de Itaipu Binacional. Atualmente, com o término um ano de idade. A relação dos óbitos obtida do SIM
dessa obra de proporções excepcionais, observa-se totalizou 69 casos. Os controles (dois controles por
o empobrecimento da população. Tais situações con- caso) foram selecionados entre crianças do mesmo
tribuíram sobremaneira para o surgimento de alguns sexo nascidas imediatamente após o caso, no mesmo

492 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):491-498,out-dez 2011


Roberto Valiente Doldan e colaboradores

hospital e que sobreviveram durante o primeiro ano de afecções do período perinatal (47,8%); malformações
vida – ou seja, não registradas no SIM do ano 2007 –; congênitas (14,5%); e doenças do sistema respiratório
a partir da relação de controles obtida do Sinasc, foram (4,3%).
incluídas 138 crianças. Cumpre destacar que todos Na análise bruta das características maternas,
os controles foram filtrados no SIM, para verificar se nenhuma das variáveis desse grupo apresentou as-
permaneciam vivos no período de coleta dos dados sociação estatisticamente significativa com o óbito
Construiu-se a base de dados do estudo a partir (Tabela 1).
dos bancos do Sinasc e do SIM, selecionando-se as Quanto às variáveis relacionadas à assistência e
seguintes variáveis: a) características demográficas às características dos recém-nascidos, apresentaram
e antecedentes obstétricos maternos (cor da pele, maior risco de óbito os recém-nascidos cujas mães
escolaridade, idade, estado civil e número de filhos fizeram menos do que quatro consultas durante o
mortos; b) assistência à gestante (número de consul- pré-natal (OR=2,56), as crianças que nasceram com
tas de pré-natal e tipo de parto); e c) condições do peso menor de 2.500g (OR=17,9), com menos de
recém-nascido (idade gestacional, peso ao nascer, 37 semanas de idade gestacional (OR=32,2), com
presença de anomalias congênitas e escore Apgar no anomalias congênitas (OR=10,1) e com escore Apgar
5º minuto). As informações sobre os óbitos foram no 5o minuto igual ou menor de 7 (OR=20,3). Deve-se
coletadas do SIM. destacar que a idade gestacional inferior a 37 semanas
Em virtude do tamanho da amostra e da logística foi o principal fator de risco para os óbitos infantis
para obtenção dos dados, foram mantidos os recém- (Tabela 2).
nascidos gemelares, podendo impactar nos resultados Os resultados da análise de regressão logística
estatísticos relacionados às variáveis ‘baixo peso’ e múltipla condicional estão apresentados na Tabela
‘prematuridade'. 3. As variáveis que permaneceram estatisticamente
Por meio do programa Access versão 23, elaborou- significativas foram: idade gestacional menor de 37
se uma base de dados para o estudo com as variáveis semanas; peso ao nascimento menor de 2.500g; pre-
de interesse dos casos e controles, posteriormente sença de anomalias congênitas; e escore Apgar ao 5o
transferidas para o SPSS versão 13.0. Em seguida, minuto não superior a 7 (Tabela 3).
utilizando-se do programa Stata versão 11.0, foi reali-
zada a regressão logística bruta (bivariada) com todas Discussão
as variáveis, estimando-se o valor da razão de chances
(odds ratio, OR) individualmente, com intervalo de Muitos autores questionam estudos baseados em
confiança de 95%. Posteriormente, foi feita a regressão bancos de dados secundários quanto aos problemas
logística ajustada (multivariada) incluindo no modelo de subnotificação e classificação, pois se sabe que
as variáveis que atingiram nível de significância igual em algumas regiões do Brasil, esses sistemas funcio-
ou superior a 0,20 na análise bruta. nam de forma ainda precária. Porém, a cobertura e
a qualidade dos dados no município, comparados
Considerações éticas às regiões, são bastante satisfatórios. Foi avaliada a
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de qualidade do Sistema de Informações sobre Nascidos
Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas, Vivos no Estado do Paraná, no período de 2000 a
conforme ofício no 067/09, de 18 de março de 2009. 2005. O estudo descritivo, sobre dados secundários
fornecidos por esse banco de dados, demonstrou
Resultados que a qualidade do Sinasc no Paraná melhorou nesse
período, considerada excelente para a maioria das
Em 2006, segundo dados do SIM, as três principais variáveis em 2005. Uma variável de exceção encontrada
causas de morte foram: afecções do período perinatal no estudo, por exemplo, foi ‘ocupação da mãe’, com
(53,0%); malformações congênitas (21,0%); e doen- pequenas variações entre as regionais de saúde.7 Além
ças do sistema respiratório (4,4%). Em 2007, as duas disso, ambos os sistemas de informação, SIM e Sinasc,
primeiras causas sofreram uma pequena redução são amplamente utilizados para construção de indi-
em sua frequência, sendo as três principais causas: cadores epidemiológicos e, segundo Laurenti, Jorge e

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):491-498,out-dez 2011 493


Fatores associados à mortalidade infantil em Foz do Iguaçu-PR

Tabela 1 - Óbitos infantis e controles, razão de chances (OR) brutas e intervalos de confiança de 95%, segundo
características demográficas e antecedentes obstétricos maternos em Foz do Iguaçu, Estado do
Paraná. Brasil, 2007

Casos Controles
Variável N=69 N=138 OR IC95% Pa
n (%) n (%)
Cor da pele 0,53

Branca 64 (92,8) 131 (94,9) 1,0 –

Não branca 5 (7,2) 7 (5,1) 1,46 0,38-5,39

Escolaridade materna (anos) 0,42

12 ou mais 5 (7,2) 18 (13,0) 1,0 –

8-11 32 (46,4) 64 (46,4) 1,80 0,56-6,13

0-7 32 (46,4) 56 (40,6) 2,06 0,64-7,04

Idade materna (anos) 0,16

< 16 8 (11,6) 7 (5,1) 2,56 0,79-8,35

17-34 54 (78,3) 121 (87,7) 1,0 –

Mais de 35 7 (10,1) 10 (7,2) 1,57 0,51-4,78

Estado civil 0,33

Casada 16 (23,2) 41 (29,7) 1,0 –


1,40
Outro 53 (76,8) 97 (70,3) 0,79-2,89

Filhos mortos 0,07

Não 63 (91,3) 134 (97,1) 1,0 –

Sim 6 (8,7) 4 (2,9) 3,19 0,76-14,04


a) Teste do Qui-quadrado

Gotlieb,8 os dados vitais, aliados a outros sistemas de evitabilidade dos óbitos perinatais. Entre os 512 óbitos
informações de morbidade, constituem na principal analisados, 50,0% foram considerados evitáveis, suge-
fonte para se conhecer o perfil epidemiológico de rindo uma inadequação no pré-natal; também se con-
uma área. Esses mesmos dados, ademais, subsidiam firmou a associação do baixo peso, da prematuridade e
numerosas análises epidemiológicas, reconhecidas do crescimento intra-útero restrito com a mortalidade
nacional e internacionalmente.9 perinatal. Victora11 publicou uma subdivisão detalhada
No presente estudo, foi mostrado que as principais da mortalidade por causas perinatais em 1985. A sín-
causas de mortalidade infantil em Foz do Iguaçu, como drome do sofrimento respiratório (21,0%), a hipóxia
no Brasil,2 foram aquelas classificadas como afecções ou a anoxia (11,7%) e outros problemas respiratórios
do período perinatal. Fonseca e Coutinho10 procura- (28,7%), juntos, contabilizaram 61,4% dessas mortes.
ram, por meio de um estudo de coorte realizado em Prematuridade e baixo-peso ao nascer foram responsá-
maternidade no Município do Rio de Janeiro-RJ, de veis por 13,0%, infecções neonatais (excluindo tétano)
1999 a 2003, identificar as variáveis biológicas e a por 12,7% e outras causas por 14,0% dos óbitos. Victo-

494 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):491-498,out-dez 2011


Roberto Valiente Doldan e colaboradores

Tabela 2 - Óbitos infantis e controles, razão de chances (OR) brutas e intervalos de confiança de 95%, segundo
características da assistência e do recém-nascido em Foz do Iguaçu, Estado do Paraná. Brasil, 2007

Casos Controles
Variável N=69 N=138 OR IC95% Pa
n (%) n (%)

Características da assistência

N° de consultas pré-natal <0,01

4 ou + 19 (27,5) 68 (49,3) 1,0 –

Menos de 4 50 (72,5) 70 (50,7) 2,56 1,31-5,02

Tipo de parto 0,84

Vaginal 43 (62,3) 88 (63,8) 1,0 –

Cesáreo 26 (37,7) 50 (36,2) 1,06 0,56-2,02

Características do recém nascido

Idade gestacional <0,0001

37 ou + 28 (40,6) 132 (95,7) 1,0 –

Menos de 37 41 (59,4) 6 (4,3) 32,2 11,63-94,12

Peso ao nascer (g) <0,0001

≤2.500 44 (63,8) 9 (6,5) 17,9 7,18-46,06

>2.500 e < 4.000 24 (34,8) 88 (63,8) 1,0 –

≥4.000 1 (1,4) 6 (4,3) 0,61 0,03-5,60

Anomalias congênitas <0,001

Não 53 (76,8) 134 (97,1) 1,0 –

Sim 16 (23,2) 4 (2,9) 10,1 2,98-37,71

Apgar 5 minutos <0,0001

8 a 10 38 (56,7) 133 (96,4) 1,0 –

7 ou menos 29 (43,3) 5 (3,6) 20,3 6,85-64,53


a) Teste do Qui-quadrado

ra11 também ressaltou as intervenções necessárias para realizado no período 2001-2002 tampouco encontrou
reverter esse quadro, com destaque para a atenção essa associação.12 Em Campinas, Estado de São Paulo,
pré-natal, ao parto e ao recém-nascido. Esperava-se porém, outro estudo de caso-controle apontou, sim,
encontrar associação entre as variáveis relacionadas relação entre o número de visitas ao pré-natal e a
à assistência e à mortalidade infantil; entretanto, não ocorrência dos óbitos neonatais.13
foi encontrada associação entre mortalidade infantil e A literatura tem demonstrado, não obstante a re-
número de consultas de pré-natal. Em Caxias do Sul, dução na mortalidade pós-neonatal, o maior número
Estado do Rio Grande do Sul, estudo de caso-controle de óbitos concentrado no período neonatal precoce,

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):491-498,out-dez 2011 495


Fatores associados à mortalidade infantil em Foz do Iguaçu-PR

Tabela 3 - Resultados da análise de regressão logística ajustada segundo características da assistência e do


recém-nascido em Foz do Iguaçu, Estado do Paraná. Brasil, 2007

Variável OR IC95% Pa

Características da assistência

N° de consultas pré-natal 0,45

4 ou + 1,0 –

Menos de 4 1,39 0,59-3,24

Características do recém nascido

Idade gestacional 0,02

37 ou + 1,0 –

Menos de 37 5,96 1,35-26,4

Peso ao nascer (g) <0,0001

≤2.500 4,32 1,14-16,4

>2.500 e < 4.000 1,0 –

≥4.000 1,36 0,15-12,1

Anomalias congênitas 0,02

Não 1,0 –

Sim 7,87 2,0-30,9

Apgar 5 minutos <0,001

8 a 10 1,0 –

7 ou menos 4,44 1,21-16,2


Nota: Variáveis ajustadas entre si.
a) Teste de Wald

compreendido entre zero e seis dias de vida. Este com- infantil no Município de Caxias do Sul.2 O baixo peso
ponente da mortalidade infantil, mesmo em declínio, também foi associado à mortalidade infantil e neonatal
mantém-se proporcionalmente maior que os óbitos em Campinas.13
pós-neonatais e constitui um problema de Saúde Sabe-se que o maior índice de mortes ainda cor-
Pública, haja vista os diversos fatores que colaboram responde ao período neonatal, quase sempre ligado
para seu evento.3 à prematuridade e, por consequência, ao nascimento
No presente estudo, idade gestacional inferior a de crianças com baixo peso (<2.500g). É este o
37 semanas, baixo peso ao nascimento, presença de segundo mais importante indicador de mortalidade
anomalias congênitas e escore Apgar no 5º minuto apontado pelo estudo de Mendonça e Duarte,14 rea-
não superior a 7 representaram fatores de risco para lizado em quatro maternidades do Município do Rio
a mortalidade infantil. A prematuridade, o baixo de Janeiro-RJ.
peso ao nascimento e o escore Apgar baixo já foram Os fatores de risco relacionados às condições do
reconhecidos como fatores de risco para mortalidade recém-nascido contribuem, sobretudo, para a elevação

496 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):491-498,out-dez 2011


Roberto Valiente Doldan e colaboradores

da mortalidade não somente perinatal, também neona- mortalidade infantil, ainda que as novas tecnologias
tal tardia e pós-neonatal. Com o objetivo de identificar permitam um cuidado de maior qualidade ao recém-
fatores de risco para óbitos neonatais, Paulucci e Nas- nascido.17 No Município de Londrina, também no
cimento15 desenvolveram um estudo de caso-controle Estado do Paraná, foi realizado um estudo longitudinal
em Taubaté-SP, no ano de 2003, em que as variáveis com 360 recém-nascidos pesando entre 500 e 1.500g,
‘baixo peso ao nascimento’, ‘prematuridade’, ‘Apgar observados durante o período intra-hospitalar até sua
no 5o minuto menor que 8’ e ‘anomalias congênitas’ alta ou óbito. Apesar do uso das tecnologias, a mor-
apresentaram significância estatística. Os estudiosos talidade observada naqueles de muito baixo peso foi
demonstraram a importância da prevenção do baixo alta, quando comparada à dos países desenvolvidos.
peso e do bom atendimento na sala de parto. Quanto ao O presente estudo demonstrou haver importantes
escore Apgar no 5o minuto, sabe-se que esse indicador fatores de risco envolvidos da assistência ao recém-
está intimamente relacionado à qualidade do cuidado nascido. A redução da mortalidade infantil constitui o
no momento do parto: se esta assistência apresentar maior desafio para os gestores de saúde, principalmen-
deficiências, pode resultar em sofrimento fetal, com te no seu componente neonatal. Sabe-se, excluídas as
baixa pontuação no escore Apgar, mesmo em crianças anomalias congênitas, que as demais variáveis estão
a termo e com peso adequado.16 intrinsecamente relacionadas à oferta de serviços de
Percebe-se, na maioria dos estudos relacionados à saúde de qualidade, principalmente pelo programa de
mortalidade infantil, que os recém-nascidos de muito pré-natal e assistência ao parto, para a melhoria das
baixo peso representam uma parcela significativa na condições de vida da população geral.18

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498 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):491-498,out-dez 2011


Artigo
original Características clínico-epidemiológicas de pacientes
idosos com aids em hospital de referência, Teresina-PI,
1996 a 2009
doi: 10.5123/S1679-49742011000400009

Clinical and Epidemiological Characteristics of Elderly Patients with AIDS in a Reference


Hospital, Teresina-PI, 1996 to 2009

Helony Rodrigues da Silva


Mestranda em Enfermagem, Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil

Maria Do Ó Cunha Marreiros


Mestranda em Enfermagem, Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil

Thiago Silveira Figueiredo


Graduando em Enfermagem, Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil

Maria do Livramento Fortes Figueiredo


Departamento de Enfermagem, Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relaçoes de Gênero,
Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil

Resumo
Objetivo: investigar as características epidemiológicas de pacientes idosos com aids notificados em hospital de referência
no município de Teresina, estado do Piauí, Brasil. Metodologia: foram revisadas as fichas de notificação de idosos com
aids, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, de 1996 a 2009, em hospital de
referência de Teresina-PI. Resultados: entre os casos notificados (n=69), a maioria era procedente do Piauí (68,1%), com
idade entre 60 e 69 anos (88,8%), do sexo masculino (72,4%) e com baixa escolaridade (86,9%); a principal categoria
de exposição foi a heterossexual (73,9%) e quase metade dos casos (44,9%) era de residentes em cidades com menos de
50 mil habitantes; as manifestações clínicas mais frequentes observadas foram caquexia, astenia, anemia, diarreia crônica,
infecção por fungo e toxoplasmose cerebral; 27,5% dos indivíduos investigados haviam falecido. Conclusão: os resultados
apontam a aids entre idosos heterossexuais com baixa escolaridade.
Palavras-chave: idoso; aids; epidemiologia.

Summary
Objective: to investigate the epidemiological characteristics of elderly patients reported with AIDS in a referral
hospital, in the Municipality of Teresina, State of Piauí, Brazil. Methodology: review investigation of the compulsory
AIDS notification forms of elderly people, in the Information System for Notifiable Diseases (Sinan) of the Brazilian
Ministry of Health, from 1996 to 2009, in a referral hospital in Teresina-PI. Results: among the individuals investigated
(n=69), 68.1% were from the State of Piauí, 72.4% were male, and 86.9% had less than eight years of scholarship; 73.9%
were infected by heterosexual exposure, and 44.9% were residents in cities with less than 50 thousand inhabitants; the
most frequent clinical manifestations were cachexia, asthenia, anemia, chronic diarrhea, yeast infection and cerebral
toxoplasmosis; 27.5% of the individuals investigated had died. Conclusion: results suggest heterosexual AIDS among
elderly with low education.
Key words: elderly; aids; epidemiology.

Endereço para correspondência:


Condomínio Jardins São Cristovão, Bloco B, Apto 204, Santa Isabel, Teresina-PI, Brasil. 64055-100
E-mail: helonyrs@hotmail.com

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):499-507,out-dez 2011 499


Aids em idoso em Teresina-PI

Introdução 2005, contudo, o total de casos passou para 6.935,


demonstrando um acelerado incremento da dissemi-
O envelhecimento da população no planeta é uma nação desse agravo.1
realidade. Estima-se que em 2050 existirão cerca de A problemática do envelhecimento da população
dois bilhões de pessoas com 60 anos e mais, e que brasileira é repleta de agravos sociais, econômicos e
os países em desenvolvimento albergarão a maioria sanitários, somados à emergência das doenças sexual-
delas. No Brasil, atualmente, existem cerca de 17,6 mente transmissíveis, incluindo a aids. Esta, por ser uma
milhões de idosos. Esse envelhecimento é uma resposta doença que tem sua transmissão ligada à sexualidade e,
à mudança de alguns indicadores de saúde, tais como por isso, revestida de mitos e preconceitos, apresenta-
a queda da fecundidade e da mortalidade e o aumento se como um desafio para os profissionais de saúde,
da expectativa de vida.1 Esse acelerado envelhecimento que todavia necessitam ser melhor preparados para o
populacional, no entanto, passa a ser uma questão diálogo sobre a saúde sexual com os pacientes.1 Outro
preocupante de Saúde Pública, uma situação que cer- aspecto que amplia a problemática da aids refere-se
tamente desencadeará demandas sociais e assistenciais a seu caráter pandêmico e sua letalidade, apesar de a
em breve espaço de tempo e exigirá a implantação e mortalidade ter reduzido muito, inclusive no Brasil.5
implementação de políticas públicas de assistência, No Estado do Piauí, o primeiro caso de aids registra-
educação e pesquisa, com consequente crescimento do no Sistema de Informação de Agravos de Notificação
da produção de conhecimentos em todas as áreas.1,2 (Sinan) data do ano de 1986. No que se refere a indiví-
No Brasil, em menos de quatro décadas, passou-se duos com 60 anos e mais, o primeiro registro ocorreu
de um panorama de morbimortalidade característico naquele mesmo ano. Até 2009, o número acumulado
de países de população jovem para um quadro de de casos de aids entre idosos residentes no Piauí é de
morbidades complexas e dispendiosas, encontradas 41 registros, sendo que apenas a capital, Teresina,
geralmente na população de pessoas com 60 anos e notificou 27 casos.6,7 Esses dados, provavelmente, não
mais. Nesta faixa etária, identificam-se pessoas com representam a realidade da doença devido à subnotifi-
doenças crônico-degenerativas de grandes diversida- cação nessa faixa etária, decorrente de vários fatores,
des, de longa duração, com demandas assistenciais entre os quais se destacam a assistência negligenciada
igualmente diversas e ininterruptas, exigência de me- a essa população. A falsa crença da assexualidade entre
dicamentos contínuos, exames periódicos e atenção idosos, presente no imaginário sociocultural leva os
interdisciplinar envolvendo diferentes setores.3 profissionais de saúde a não abordarem a saúde sexual
Como agravante, soma-se a essas doenças crônico- dessa clientela e, consequentemente, não investigarem
degenerativas a ocorrência de HIV/aids em pessoas idosas, a infecção pelo HIV na população idosa.8
uma realidade em diversos países. A Organização Mundial
da Saúde (OMS) estima a infecção de 40 milhões de pes- A falsa crença da assexualidade
soas no planeta. Deste total, 2.8 milhões de indivíduos têm entre idosos, presente no imaginário
idade acima de 50 anos, entre eles os idosos. São dados
que se projetam de forma crescente, considerando-se a
sociocultural leva os profissionais de
aceleração e ampliação da longevidade mundial.4 saúde a não abordarem a saúde
No Brasil, a aids tem emergido como um problema sexual dessa clientela .
de Saúde Pública pelo aumento da circulação do vírus
na população geral. Dos casos registrados da doença, Ainda é escasso o número de pesquisas que abor-
2,1% são de idosos, um perfil de notificação que vem dam pessoas na faixa etária de 60 anos e mais com
aumentando e tem como forma predominante de aids, no Piauí. Nessa perspectiva, o presente estudo
infecção a relação sexual. Alguns aspectos são apon- tem como objetivo descrever o perfil da população
tados para o aumento dos casos encontrados nessa idosa notificada com aids em hospital de referência
população: o incremento da notificação de infecção para a doença no estado do Piauí. Nessa instituição de
pelo HIV após os 60 anos de idade e o envelhecimento saúde, são realizadas todas as notificações do agravo
de pessoas que vivem com o vírus. No início da década na capital, Teresina, o que representa mais de 60,0%
de 1980, foram notificados 287 idosos. Até junho de dos registros do Sinan no estado.7,6

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Helony Rodrigues da Silva e colaboradores

Metodologia Considerações éticas


Os aspectos ético-legais foram resguardados, em
O local do estudo foi o hospital de referência em do- conformidade com a Resolução no 196/96, do Con-
enças transmissíveis no Piauí, situado em Teresina-PI, selho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (CNS/
capital do Estado. A cidade conta com uma população MS), uma vez que o estudo levantou informações sobre
estimada em 802.556 habitantes9 e, como pólo de seres humanos. O projeto de pesquisa recebeu autori-
referência em saúde do meio norte do Brasil, atende zação da Comissão de Ética do hospital de referência
a clientela do próprio estado e pacientes proveniente em doenças transmissíveis no Estado do Piauí, para
de estados vizinhos. O hospital possui equipe multi- coleta de dados junto a seu Núcleo de Epidemiologia,
profissional no atendimento aos pacientes com aids e bem como parecer favorável do Comitê de Ética em
segue as diretrizes do Programa Nacional de DST/Aids. Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (CEP/UFPI),
Escolheu-se esse serviço de saúde por ser o local onde mediante carta de aprovação nº 0094.0.045.000-
está centralizado o registro de todas as notificações do 09.13, de 13/07/09.
Sinan para o agravo na capital do Estado, independen-
temente da unidade de saúde primária e/ou secundária Resultados
que tenha diagnosticado a doença.7
Realizou-se um estudo descritivo, cuja população No período investigado, foram notificados 69 casos
compreendeu os casos de aids entre idosos (≥60 anos) de aids entre pessoas idosas, dos quais 50 (72,5%)
notificados no hospital. Os dados foram coletados no eram do sexo masculino e 19 (27,5%) do sexo femi-
mês de julho de 2009, a partir das fichas de notificação nino. Em relação à procedência, 47 (68,1%) eram
e investigação do Sinan, disponíveis no Núcleo Hospi- residentes no estado do Piauí, dos quais 28 (40,6%)
talar de Epidemiologia do hospital. Optou-se por essa na capital, Teresina. Os demais eram provenientes,
fonte de informação porque o Sinan é o sistema oficial respectivamente, do vizinho estado do Maranhão, 20
de registro de agravos em saúde no Brasil, acessível (29,0%), e somente dois idosos (2,9%) eram do Pará.
aos profissionais de saúde, gestores e pesquisadores,10 Observou-se elevado percentual (44,9%) de casos
adequado para utilização como ferramenta assisten- notificados entre indivíduos procedentes de cidades
cial, gerencial e de pesquisa. com menos de 50 mil habitantes (Tabela 1).
Foram selecionadas as fichas referentes aos A idade dos idosos variou de 60 a 82 anos e o maior
casos notificados em idosos no período de janeiro número de notificações foi no grupo etário entre 60
de 1996 a 2 de julho de 2009, excluídas aquelas do e 69 anos (88,5%).
período anterior por apresentarem dados ilegíveis. No tocante à escolaridade, o percentual de analfabe-
Nessas notificações, foram consideradas as seguintes tos somados aos que possuíam o ensino fundamental
variáveis: número do registro; data da notificação foi de 86,9%. Apenas 4,3% dos idosos com aids havia
e do diagnóstico; idade; sexo; raça; escolaridade; cursado mais de oito anos de estudo. Em seis fichas
procedência; ocupação; provável via de infecção; analisadas (8,7%), não foi possível identificar a esco-
evidência laboratorial; e manifestações clínicas mais laridade dos indivíduos (Tabela 1).
frequentes da doença, segundo os dois critérios de Segundo a categoria de exposição, 51 (73,9%)
definição de casos de aids, denominados de ‘Rio de eram heterossexuais e cinco (7,2%) homossexuais.
Janeiro/Caracas’ e ‘CDC Adaptado’. Considerou-se Foi identificado um caso (1,4%) de infecção por uso
também o local de tratamento após confirmação do de drogas injetáveis (UDI) (Tabela 1).
caso e a evolução do caso registrada no Núcleo de Nos anos 1996 e 1997, as notificações foram seme-
Epidemiologia. lhantes, em número, para ambos os sexos. A partir de
Foi criado um banco de dados no programa estatís- 1999, passou-se a observar um crescimento gradativo
tico Epi Info™, versão 6.04b, do Centers for Diseases da doença em pacientes do sexo masculino, com maior
Control and Prevention dos Estados Unidos da América número de notificações em 2007. Já 2008 – mesmo
(CDC/USA), em da OMS, 1996. Os resultados são apre- que elas não tenham superado o número de homens
sentados na forma de tabelas e um gráfico, com seus com aids – foi o ano com o maior crescimento da
respectivos valores absolutos e percentuais. doença entre as mulheres (Figura 1).

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Aids em idoso em Teresina-PI

Tabela 1 - Casos de aids em indivíduos com 60 anos de idade e mais, segundo variáveis sociodemográficas e
provável categoria de exposição por sexo em Hospital de Referência de Teresina, capital do Estado do
Piauí. Brasil, 1996 a 2009a

Masculino Feminino Total


Variáveis
n % n % n %
Faixa etária (anos)
60-69 43 86,4 18 94,7 61 88,5
70-79 7 13,6 – – 7 10,1
≥80 – – 1 5,3 1 1,4
Anos de estudo
Nenhum 16 32,0 5 26,3 21 30,4
Fundamental (até 8 anos) 28 56,0 11 57,9 39 56,5
Médio/superior (>8 anos) 2 4,0 1 5,3 3 4,3
Ignorado 4 8,0 2 10,5 6 8,7
Município de procedência (nº de habitantes)
<50.000 23 46,0 8 42,2 31 44,9
50.000-200.000 5 10,0 5 26,3 10 14,5
2001.000-500.000 – – – – – –
>500.000 22 44,0 6 31,5 28 40,6
Estado de procedência
Piauí 32 46,4 15 21,2 47 68,1
Maranhão 16 23,2 4 5,8 20 29,0
Pará 2 2,9 – – 2 2,9
Provável via de exposição
Homossexual 5 10,0 – – 5 7,2
Heterossexual 35 70,0 16 84,2 51 73,9
UDI 1 1,4 – – – 1,4
Ignorado 9 13,0 3 15,8 12 17,4
TOTAL 50 100,0 19 100,0 69 100,0

a) Até 02 de julho de 2009


Fonte: Banco de dados do Núcleo Hospitalar de Epidemiologia

Entre as ocupações mais frequentes, constam os Quanto às manifestações clínicas segundo o critério
lavradores, com 15 registros (21,7%), e ocupação do ‘CDC-adaptado’, destacam-se a candidíase, a mais
lar, com oito (11,7%). Destaca-se o número de apo- frequente, presente em 11 pacientes (15,9%), seguida
sentados, com 16 notificações (23,6%), (Tabela 2). de toxoplasmose cerebral em quatro casos (5,7%) e
Quanto à procedência, o número de notificações da da pneumonia por pneumocystis carinii, registra-
doença em cidades com menos de 50 mil habitantes foi de da em dois casos (2,8%). Dos 69 casos, 19 idosos
31 casos, o que equivale a 44,9% dos registros no hospital. evoluíram para óbito e mais de 90,0% dos pacientes
Em relação às manifestações clínicas, de acordo deram seguimento ao tratamento, após o diagnóstico,
com o primeiro critério de definição de casos de aids, no próprio hospital.
‘Rio de Janeiro-Caracas’, as mais frequentes foram a
caquexia, presente em 62 idosos (89,8%), seguida de Discussão
astenia (n=57; 82,6%). Outras manifestações foram
observadas, em menores proporções: anemia (n=42; A aids em idosos vem apresentado uma tendência
60,8%), diarreia crônica (n=40; 57,9%) e manifesta- parcialmente distinta, em relação à estabilização e/ou
ções fúngicas (n=37; 53,6%). redução da incidência nos últimos anos, sinalizada

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Helony Rodrigues da Silva e colaboradores

10

0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Masculino Feminino
a) Até 02 de julho de 2009.
Fonte: Banco de dados do Núcleo Hospitalar de Epidemiologia

Figura 1 - Casos de aids em indivíduos com 60 anos de idade e mais (n= 69), segundo ano de notificação por
sexo em Hospital de Referência de Teresina, capital do Estado do Piauí. Brasil, 1996 a 2009a

Tabela 2 - Casos de aids em indivíduos com 60 anos de idade e mais, segundo tipo de ocupaçãoem Hospital de
Referência de Teresina, capital do Estado do Piauí. Brasil, 1996 a 2009a

Ocupação n %
Agente administrativo 1 1,4
Agricultor 1 1,4
Alfaiate 1 1,4
Aposentado 16 23,6
Auxiliar de escritório 1 1,4
Auxiliar de serviços gerais 1 1,4
Caminhoneiro 1 1,4
Comerciante 2 2,9
Costureira 1 1,4
Desempregado 2 2,9
Do lar 8 11,7
Domestica 1 1,4
Fotografo 1 1,4
Lavrador 15 21,7
Motorista 2 2,9
Pedreiro 2 2,8
Pescador 1 1,4
Sem informação 6 8,2
Serralheiro 1 1,4
Serviço gerais 1 1,4
Sociólogo 1 1,4
Vendedor ambulante 1 1,4
Vigia 1 1,4
Vigilante 1 1,4
TOTAL 69 100,0
a) Até 02 de julho de 2009.
Fonte: Banco de dados do Núcleo Hospitalar de Epidemiologia

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Aids em idoso em Teresina-PI

em outras faixas etárias.11 A tendência de aumento da enquanto a apresentação da exposição homossexual


doença em idosos registrada no hospital de referência foi pouco citada, diferenciando-se de estudo realizado
para aids, verificada nesta pesquisa (Figura 1), vem no estado do Ceará, que registrou números maiores
corroborar os números já identificados em estudos para a categoria de homo e bissexual.21
estatísticos do Ministério da Saúde1,12 e outros, reali- Na presente investigação, a categoria bissexual não
zados no Brasil.8,13,14 foi referenciada. Porém, devem-se considerar os fatores
Nesta investigação, entre as variáveis analisadas, socioculturais que, provavelmente, influenciaram para
observa-se a relevância da provável categoria de expo- que essa categoria não fosse relatada entre os casos
sição à doença – homo/heterossexual –, o que eviden- notificados. Declarar-se bissexual significa, muitas ve-
cia uma vida sexual ativa entre os idosos. Neste caso, o zes, enfrentar-se com os diversos valores reproduzidos
agravante é que o sexo, frequentemente, ocorre sem o pelo senso comum do que seja ser ‘homem’, onde a
uso de práticas sexuais seguras.15 Somado a isso, a falsa bissexualidade ainda é vista como um desvio de norma-
crença do consciente coletivo da assexualidade nessa lidade e, portanto, vivida de forma fragmentada, entre a
faixa etária desencadeia graves consequências, haja identidade sexual e a identidade de gênero.22
vista a via sexual ser a forma que mais contribui para A forma como a sociedade lida com as questões
a disseminação do HIV nessa faixa etária.1 Ressalta-se de gênero possui raízes profundas, que tendem a
que a infecção pelo ato sexual também se apresenta confundir o conceito sobre sexualidade e dificultar sua
como o modo de transmissão mais importante em expressão real, tanto no entendimento pessoal como
outras faixas etárias.16 no convívio coletivo. As escolhas que as pessoas fazem
A constatação de que os idosos têm vida sexual em relação à forma de manifestar-se sexualmente são
ativa e que os profissionais de saúde não abordam fortemente influenciadas pelas questões de gênero,
a prática sexual entre eles foi evidenciada por Brasi- uma construção sociocultural com papeis sociais
leiro17 e Olivi.18 Essas autoras sugerem que a falta de pré-estabelecidos, geralmente em uma abordagem
investigação da aids nos idosos decorre do fato desses binominal – homem ou mulher –, que desconsidera
profissionais de saúde considerarem-nos assexuados, outras opções.23
negligenciando, a abordagem da sexualidade desses A aids trouxe à tona a discussão de preconceitos
indivíduos. Essas autoras apontam que o retardamento arraigados na sociedade. Sabe-se que até bem pouco
do diagnóstico da aids na população idosa ocorre em tempo, para as ciências da Saúde, ser homossexual era
função de uma tríade de falsas informações: o idoso sofrer de uma patologia, ser doente. Na era da aids,
não se supõe ou não se imagina com a doença; o a palavra homoerotismo teve lugar de destaque: nas
profissional de saúde não acredita que o idoso possa práticas sexuais realizadas da forma não convencional,
estar infectado com o HIV; e, por isso, não é pedido o como parte da própria construção do masculino, ser
exame imediatamente, diante dos primeiros sintomas. o sujeito que penetra o outro é sinônimo de poder
O presente estudo chama atenção para o número ligado à masculinidade, é ser forte, é ser macho.22,24
de notificações da doença em cidades com menos de Além desse aspecto de construção do masculino,
50 mil habitantes (Tabela1) quando, até bem pouco emerge o poder do ‘Ser Homem’ na decisão do uso
tempo, a aids era considerada um agravo típico dos ou não do preservativo, pois prevalece a ideia de que a
grandes centros urbanos. A consolidação do processo esposa deve confiar no marido. Isto aponta para a ne-
de interiorização da doença foi citada em um estudo cessidade de se considerar a importância das questões
exploratório sobre a mortalidade por aids no Brasil.19 de gênero na transmissão do HIV.23,24 Fica evidente a im-
Trata-se de um debate que todavia não chegou a um portância do trabalho preventivo com ações educativas
consenso, como demonstra recente artigo científico com ele (o parceiro), no controle da doença.
sobre essa particularidade.20 Entre as ações educativas divulgadas pelo Ministério
Entre os números apresentados, a maioria dos ido- da Saúde, o uso do preservativo é tido como o principal
sos era do sexo masculino, o que sinaliza a importância instrumento na prevenção do HIV/aids mas são inúme-
de serem consideradas as questões de gênero nessa ras as dificuldades apontadas pelos homens para seu
problemática. A provável via de exposição heterosse- uso, como por exemplo: alto custo, mudança na cor
xual foi referida na maioria dos casos investigados, do pênis, interrupção do “clima” durante a colocação

504 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):499-507,out-dez 2011


Helony Rodrigues da Silva e colaboradores

do preservativo, dificuldade em manter a ereção, perda instrumento, imprescindível para o real conhecimento
da sensibilidade, além da crença de que a camisinha da situação epidemiológica da aids e posterior pla-
só é necessária em relações extraconjugais ou com nejamento das ações de prevenção e controle pelos
profissionais do sexo.24 serviços de saúde.
Os idosos que viveram uma juventude culturalmente Em relação às limitações desta investigação, aponta-
estimulada na manutenção de múltiplas parceiras se que o uso de dados secundários não permite ao
como sinal de masculinidade, sem o apelo à utilização pesquisador controlar possíveis erros decorrentes
de preservativo por não incorporar a necessidade do registro nas fichas do Sinan, além de prováveis
de seu uso, colocam inúmeras dificuldades para sua subnotificações. Acredita-se, no entanto, que, por ser
utilização. tratar de dados locais oficiais e de preenchimento
Somado a essa dificuldade no manuseio na rea- obrigatório, seus resultados permitiram alcançar o
lidade de relações estáveis, para o homem é muito objetivo proposto: caracterizar os idosos notificados
comprometedor propor o uso do condom; para com aids em um hospital de referência para a doença
muitos, esse pedido configura uma declaração da no estado do Piauí.
infidelidade entre o casal e pode assumir dimensões Estudos complementares a este são necessários,
dramáticas.24 para traçar um perfil epidemiológico do idoso com
Além do uso do preservativo, Janssen25 refere que aids mais completo e abrangente, em todo o Piauí,
uma estratégia importante na prevenção da infecção dada a relevância da questão para o estado, haja vista
pelo HIV é aumentar o número de indivíduos que essa investigação ter se restringido à população idosa
realizam o teste anti-HIV, pois mais da metade das notificada em um hospital de referência para a doença.
infecções são transmitidas por pessoas que não Outras investigações também são imprescindíveis
conhecem seu status sorológico. Normalmente, ao porque, até o momento atual, a notificação de aids na
conhecerem sua condição sorológica para o HIV, mui- maior parte do país é baseada em casos da doença,
tos procuram medidas para proteger seus parceiros.25 sem considerar o número de pessoas infectadas pelo
Confirmando o exposto pelo autor, pesquisa realizada HIV. Como o período de incubação do vírus é longo,
nos Estados Unidos da América estimou um milhão de provavelmente, a maioria de idosos notificados no
pessoas infectadas, das quais um terço desconhece Sinan adquiriu a infecção antes dos 60 anos.
essa condição.4 Alerta-se para a necessidade de a rede de saúde con-
Um indicador importante para o aumento das taxas siderar a importância da investigação e do diagnóstico
de idosos infectados é o baixo nível de escolaridade. da infecção pelo HIV/aids em populações pertencentes
Na presente investigação, apesar de o número final de a grupos de faixa etária mais elevada.
notificações encontradas não caracterizar uma popu- Espera-se que a divulgação deste estudo estimule
lação, a baixa escolaridade foi predominante entre os a produção de próximas investigações com o objetivo
casos registrados. Pessoas com menos tempo de estudo de auxiliar e orientar os profissionais de saúde que
tendem a assimilar as informações de forma inadequada prestam atendimento a essa clientela, e contribua para
e sabe-se que o aumento da doença pode ser maior pela informar os gestores sobre a necessidade de imple-
falta de informações tecnicamente fundamentadas.26 mentar políticas públicas de educação para pessoas
A baixa escolaridade também influencia nas opções com 60 anos e mais, voltadas para uma sexualidade
de ocupação profissional. Baixos salários e uma con- saudável e para a prevenção da aids, contendo a cres-
dição socioeconômica relativamente precária influen- cente disseminação do HIV nessa faixa etária.
ciam o acesso a uma maior qualidade na prevenção e
na assistência aos idosos com HIV/aids.8 Agradecimentos
Observou-se, em algumas fichas investigadas, o item
sobre anos de estudo com o registro ‘Ignorado’, sina- À equipe do Núcleo Hospitalar de Epidemiologia,
lizando o pouco cuidado do profissional no momento pelo acesso aos documentos essenciais para a reali-
do preenchimento. Essa lacuna ressalta a importância zação desta pesquisa.
do investimento em educação permanente para os Ao Profº Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas/SVS/
profissionais de saúde no sentido de valorizarem esse MS, SMS/Teresina-Pi, pelas críticas e sugestões.

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):499-507,out-dez 2011 505


Aids em idoso em Teresina-PI

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Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):499-507,out-dez 2011 507


Artigo
original Situação da Raiva no Brasil, 2000 a 2009
doi: 10.5123/S1679-49742011000400010

Rabies Situation in Brazil, 2000 to 2009

Marcelo Yoshito Wada


Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Silene Manrique Rocha


Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury


Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Resumo
Objetivo: descrever a situação epidemiológica da raiva, bem como, as atividades do Programa Nacional de Profilaxia
da Raiva (PNPR) realizadas no Brasil, no período de 2000 a 2009. Metodologia: foi realizada uma análise descritiva dos
casos de raiva humana e atendimento antirrábico humano com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação
(Sinan), da ficha de vigilância epidemiológica nº 7 e de planilhas padronizadas utilizadas pelo PNPR. Resultados: observou-
se redução dos casos humanos e caninos e uma mudança no perfil de ocorrência e transmissão, nos últimos cinco anos,
com 78,0% dos casos humanos transmitidos por morcegos, além do aumento na detecção de casos em espécies silvestres.
Conclusão: a situação atual da raiva no país impõe a necessidade de aprimoramento e manutenção das ações de vigilância
voltadas para o ciclo urbano, implementação no ciclo silvestre e reforça a importância da profilaxia humana, visando prevenir
ocorrência de casos humanos.
Palavras-chave: raiva; epidemiologia; vigilância em saúde pública.

Summary
Objective: to describe the epidemiological situation of rabies and the activities of the National Program for Pre-
vention of Human Rabies in Brazil, 2000 to 2009. Methodology: it was realized a descriptive analysis of the human
rabies and prophylaxis based on reports of the National System of Reporting (Sinan), Surveillance Epidemiological
Report-7 and standard sheets. Results: it was observed reduction of human cases and rabid dogs and changes in the
profile, of occurence and transmission in last five years, 78.0% of the human cases were transmitted by bats, and an
increase of reports of rabies in wild animals. Conclusion: the actual rabies situation in this country imposes the
necessity to maintain the actions in surveillance directed to urban cycle, implementation in sylvatic cycle reinforce
the importance of human rabies prophylaxis aiming to prevent human rabies cases.
Key words: rabies; epidemiology;surveillance in public health.

Endereço para correspondência:


Setor Comercial Sul, Quadra 04, Bloco A, Edifício Principal lote 67/97, 2º andar, Brasília-DF, Brasil. CEP: 70304-000
E-mail: marcelo.wada@saude.gov.br

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Raiva no Brasil, 2000 a 2009

Introdução concluída, em todo território nacional, em 1977.6


Essas ações foram fortalecidas quando, em 1983,
A raiva é uma doença infecciosa, de etiologia viral a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)
e caráter zoonótico, que causa encefalite aguda em desenvolveu o ‘Plano de Ação para Eliminação da
mamíferos. De alta transcendência e uma letalidade Raiva Urbana das Principais Cidades da América
de aproximadamente 100,0%, ainda é considerada Latina’, resultando no compromisso internacional
um grave problema de Saúde Pública.1 da eliminação da raiva humana transmitida por cães
Estima-se que ocorram cerca de 55.000 óbitos de nas Américas até 2012.7-10
raiva humana ao ano, a maioria transmitida por cães, O Sistema de Informação de Agravos de Notificação
principalmente na África e Ásia.2 Segundo Coleman,3 a (Sinan) foi desenvolvido no início de 1990, como
carga de doença da raiva é de 1.160 milhões de DALY objetivo de coletar e processar dados sobre agravos
(Disability Adjusted Life Years) por 1.000 habitantes, o de notificação. Embora sua implantação tenha se
que representa os anos de vida perdidos por incapaci- iniciado em 1992 e ampliado gradativamente, para
dade em pessoas acometidas e quantifica seu impacto todas as unidades federadas, seu uso foi regulamentado
em relação a outras doenças. Ao contrário de outras somente em 1998, mediante a publicação de Portaria
zoonoses, a raiva humana é totalmente prevenível pelo ministerial obrigando a alimentação regular da base
controle do reservatório animal, o que indica que tal de dados nacional de municípios, estados e Distrito
quantidade de DALY poderia, teoricamente, ser evitada Federal.1,11,12 Segundo os critérios estabelecidos para
mediante intervenções veterinárias.2-4 notificação dos agravos, todo caso suspeito ou confir-
Devido ao elevado número de casos de raiva mado de raiva humana é de notificação compulsória e
humana transmitida principalmente por cães nas imediata.1,12 Apesar de não contemplado o atendimento
décadas de 1950 e 1960 no Brasil, municípios e antirrábico humano na lista de notificação compulsória
estados desenvolveram atividades e regulamentações no período estudado, recomenda-se sua notificação,
direcionadas ao controle de zoonoses; em particular, independentemente da indicação do uso da vacina ou
da raiva. Um exemplo foi a Lei Orgânica dos Municí- soro antirrábico.1
pios publicada em 1969, no estado de São Paulo, que Com a publicação da Portaria SVS nº 5, de 21 de
estabelecia a identificação e o controle dos fatores fevereiro de 2006, as epizootias e/ou mortes de animais
determinantes e condicionantes da saúde individual passaram a ser reconhecidas como eventos-sentinela
e coletiva mediante ações de vigilância sanitária para a ocorrência de doenças em humanos e entraram
e epidemiológica. Para o controle da raiva, eram para a lista de notificação compulsória e imediata,1 o
necessárias atividades de vacinação animal, captura que representou um importante passo na vigilância e
e controle de animais errantes e bloqueios de focos controle das zoonoses.
em áreas com circulação de vírus.5 Alguns avanços foram obtidos no controle dessa
doença, a exemplo da redução dos casos humanos e
Ao contrário de outras zoonoses, caninos devido, principalmente, às atividades direciona-
a raiva humana é totalmente das ao controle da raiva em cães. No Brasil, entretanto,
ainda existem áreas endêmicas para o ciclo urbano, o
prevenível pelo controle do qual envolve reservatórios domésticos – como cães e
reservatório animal. gatos. Por sua vez, tem se observado a emergência do
ciclo silvestre e seus reservatórios selvagens, como
Em 1973, foi instituído no país o Programa Na- morcegos, cachorros do mato, raposas e primatas não
cional de Profilaxia da Raiva Humana (PNPR) com humanos.1,13-15
o objetivo de reduzir o número de casos humanos Considerando-se a relevância do tema para a Saúde
mediante o controle dessa zoonose em animais Pública, o presente estudo tem por objetivo descrever
domésticos e a realização de profilaxia em pesso- a situação e a mudança no perfil epidemiológico da
as mordidas ou que tiveram possível contato com raiva, bem como as atividades do Programa Nacional
animais com raiva.5,6 As ações do PNPR foram se de Profilaxia da Raiva Humana – PNPR – no Brasil, no
expandindo gradativamente até sua implantação ser período de 2000 a 2009.

510 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):509-518,out-dez 2011


Marcelo Yoshito Wada e colaboradores

Metodologia Resultados

Realizou-se um estudo descritivo dos casos de raiva Raiva humana


humana e atendimento antirrábico humano notificados No período de 2000 a 2009, foi registrada uma
no Sinan. Para os registros dos casos de raiva animal média de 16 casos de raiva humana ao ano no Bra-
e coberturas vacinais realizadas pelos estados e Dis- sil, demonstrando uma tendência de redução linear
trito Federal, foram utilizadas as Fichas de Vigilância (y=2,406x+29,53; R2=0,268) (Figura 1). No total de
Epidemiológica 7 (VE-7) e planilhas padronizadas 163 casos, predominaram homens (64,0%; 105/163)
encaminhadas à Coordenação do PNPR no período na faixa etária de 2 a 29 anos (78,0%; 128/163), com
de 2000 a 2009. média de idade de 20 anos e mediana de 13,5 anos
Para os casos de raiva humana foram avaliadas as (Tabela 1).
variáveis demográficas (sexo e idade) e epidemioló- Em relação à região político-administrativa,
gicas (região e unidade federada de infecção, zona 52,0% (85/163) dos casos humanos ocorreram no
de ocorrência, espécie transmissora e ano) e foi Nordeste, 38,0% (61/163) no Norte, 6,0% (10/163)
calculada a tendência linear dos mesmos por meio do no Sudeste e 4,0% (7/163) no Centro-oeste do país.
Excel. O atendimento antirrábico humano foi avaliado A região Sul não apresenta raiva humana desde
no período proposto; porém, para o perfil dos casos 1987: o último caso, transmitido por morcego, tem
atendidos, que contemplou variáveis demográficas por referência geográfica o Estado do Paraná.6 Em
(sexo; e idade) e epidemiológicas (região e unidade relação à ocorrência em capitais e grandes cidades,
federada de atendimento; esquema profilático; espécie somente Salvador, a capital da Bahia, apresentou
transmissora; e ano), foi considerado o período de casos de raiva nesse período.
2007 a 2009, uma vez que houve mudança no sistema Não obstante a tendência de redução linear da raiva
de informação e a partir de 2007 as variáveis apresen- humana no Brasil, observa-se que as regiões Norte e
taram melhor completitude. Para os casos de raiva Nordeste referiram um aumento de casos em 2004
animal, foram analisadas as variáveis epidemiológicas: e 2005, enquanto as regiões Sudeste e Centro-oeste
região; unidade federada e município de infecção; apresentaram casos esporádicos ao longo dos anos
cobertura vacinal; espécie animal; e ano. avaliados (Figura 1).
Com o propósito de caracterizar os diferentes Observa-se que 69,0% (112/163) dos casos
circuitos de transmissão da raiva no país, eles foram humanos ocorreram em zona rural. Quando esses
didaticamente classificados em quatro ciclos epide- casos foram estratificados por espécie transmissora,
miológicos: a) ciclo aéreo, que envolve os morcegos; verificou-se que, dos casos transmitidos por cães,
b) ciclo rural, representado pelos animais de produ- 56,0% (43/77) foram em zona urbana; e quanto aos
ção; c) ciclo urbano, relacionado aos cães e gatos; transmitidos por morcegos, 97,0% (72/74) foram em
e d) ciclo silvestre terrestre, que engloba os saguis, zona rural (Tabela 2).
cachorros-do-mato, raposas e guaxinins, entre outros As espécies transmissoras dos casos humanos fo-
animais selvagens.1 ram, em ordem decrescente de frequência: cães, com
O índice de ocorrência de raiva canina foi calcu- 47,0% (77/163); morcego, 45,0% (74/163); primata
lado pela razão do número de cães positivos em cada não humano, 3,0% (5/163); felino 2,0% (3/163);
100.000 cães; e as coberturas vacinais caninas, pela herbívoro, 2,0% (3/163); e de origem ignorada, 1,0%
razão do número de cães vacinados sobre a população (1/163) (Tabela 2).
canina. Essas informações foram obtidas a partir de A média dos casos de raiva humana transmitidos
duas fontes: censos animais realizados pelos municí- por morcegos no período avaliado foi de 7/ano, no
pios e unidades federadas; e estimativa da população entanto observaram-se dois picos nos anos de 2004 e
canina entre 10,0 e 15,0% da população humana infor- 2005, com um total de 62 casos notificados nos estados
mada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia do Pará (38) e Maranhão (24), decorrentes de surtos
e Estatística (IBGE).14 ocasionados por morcegos hematófagos. Com isso, o
As análises foram realizadas utilizando os softwares número de casos humanos transmitidos por morcegos
Epi Info 6,04d, Excel e TabWin32. ultrapassou os transmitidos por cães.

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):509-518,out-dez 2011 511


Raiva no Brasil, 2000 a 2009

30

25

20
Número de casos

15

10

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Região Norte Região Nordeste Região Sudeste Região Centro-oeste Região Sul

Figura 1 - Casos de raiva humana segundo região. Brasil, 2000 a 2009

Tabela 1 - Casos de raiva humana segundo gênero, espécie transmissora e faixa etária. Brasil, 2000 a 2009

Faixa etária Gênero Espécie agressora


Canino Felino Primata Ignorado
(anos) Masculino Feminino Quiróptero Herbívoro
<2 1 1 1 – 1 – – –
2-9 32 20 24 – 27 – – 1
10-19 30 17 20 – 25 – 2 –
20-29 21 6 13 1 9 2 2 –
30-39 6 3 4 – 5 – – –
40-49 7 4 9 – 2 – – –
50-59 6 4 3 1 4 1 1 –
≥60 2 3 3 1 1 – – –
TOTAL 105 58 77 3 74 3 5 1

Tabela 2 - Casos de raiva humana segundo espécie transmissora e zona de infecção, Brasil, 2000 a 2009

Zona de infecção Canina Felina Herbívora Ignorada Morcego Primata Total


Ignorado 2 – – – – – 2
Rural 32 – 3 1 72 4 112
Urbana 43 3 – – 2 1 49
TOTAL 77 3 3 1 74 5 163

512 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):509-518,out-dez 2011


Marcelo Yoshito Wada e colaboradores

Ressalta-se, ainda, que no período avaliado, foram Raiva animal


confirmados três casos de raiva humana transmitida Ciclo urbano
por herbívoros; nas três situações, a transmissão ocor- Em 2000, foram registrados 921 casos de raiva
reu pela manipulação direta da saliva, sem agressão canina (taxa de 4,57/100.000 cães) em 21 unidades
por essas espécies. federadas, sendo 45% (415/921) no Centro-oeste,
32,0% (299/921) no Nordeste, 19,0% (174/921) no
Atendimento antirrábico humano Norte e 4,0% (33/921) no Sudeste. Em 2009, foram
Para o período de 2000 a 2009, foram notificados 26 casos (0,11/100.000 cães), distribuídos em 23
4.177.409 atendimentos antirrábicos humanos no municípios pertencentes a oito unidades federadas,
país: 234.093 em 2000, aumentando gradualmente sendo 81,0% (21/26) no Nordeste, 12,0% (03/26) no
o número de notificações até atingir 447.908 atendi- Norte, 4,0% (01/26) no Centro-oeste e 4,0% (01/26)
mentos em 2009. no Sul (Figuras 2 e 3). A redução do número de casos
De 2007 a 2009, houve 1.444.130 notificações de de raiva canina, observada nessa década, acompanha
atendimento antirrábico humano, com uma média anual o decréscimo de raiva em humanos, pois o cão é o
de 481.377, das quais 55,0% (795.363/1.444.130) principal reservatório e responsável por manter a
ocorreram em homens e 57,0% (819.571/1.444.130) circulação do vírus no ciclo urbano.
na faixa etária de 0 a 29 anos. A região Sudeste apre- Em 2006, foi registrada a introdução da variante
sentou 39,0% (559.554/1.444.130) dos atendimentos, viral 1 (canina) no Brasil, no município de Corumbá,
seguida do Nordeste com 27,0% (391.644/1.444.130), Mato Grosso do Sul. Essa variante nunca antes fora
Sul com 16,0% (232.422/1.444.130), Norte com detectada em território brasileiro. Posteriormente, em
11,0% (157.984/1.444.130) e Centro-oeste com 7,0% 2009, entre os 26 casos caninos notificados naquele
(102.526/1.444.130). ano, a mesma variante foi identificada em um cão no
Os esquemas de profilaxia no Brasil são recomen- município de Ladário-MS; foram também detectados
dados de acordo com as normas técnicas preconizadas três casos com variante 3 (em Umuarama-PR, Lauro de
pelo Ministério da Saúde, variando da dispensa de pro- Freitas-BA e Dias d´Ávila-BA); e um caso em Ribeira do
filaxia à indicação de vacina antirrábica com ou sem Pombal-BA, de variante não compatível com os perfis
soro heterólogo ou imunoglobulina.1 Até 2002, a vacina pré-estabelecidos no painel de anticorpos monoclo-
disponibilizada foi a Fuenzalida & Palacios, produzida nais, comumente encontrada em animais silvestres.
em cérebro de camundongo lactente, substituída, a Para as ações de vigilância e controle da raiva no
partir de 2003, pela vacina de cultivo de células. ciclo urbano, intensificaram-se as campanhas de va-
Quanto à orientação e conduta de esquema cinação antirrábica animal, realizadas anualmente, no
de profilaxia da raiva humana, 3,5% dos casos segundo semestre, exceto nos estados do Rio Grande
(50.695/1.444.130) apresentaram dispensa do es- do Sul e Santa Catarina. O Paraná realizou a campanha
quema profilático, 5,4% (78.667/1.444.130) tiveram nacional apenas em municípios fronteiriços com o
informação ignorada, 19,7% (285.551/1.444.130) Paraguai. No estado de Santa Catarina, especialmente
mantiveram o animal (cão ou gato) em observação, em 2006, a campanha foi realizada em dois municípios
4,0% (58.582/1.444.130) realizaram pré-exposição, devido à ocorrência de casos positivos em cães e gatos
67,0% (966.215/1.444.130) pós-exposição e 0,4% com a variante 3.
(4.420/1.144.130) re-exposição. No período de 2003 a 2009, foi adotada a estratégia
As espécies transmissoras relatadas durante os aten- de realizar uma segunda campanha no primeiro semes-
dimentos foram: cão, 83,0% (1.201.455/1.444.130); tre do ano, denominada ‘campanha de intensificação',
gato doméstico, 11,0% (155.844/1.444.130); morce- recomendada apenas para os municípios considerados
go, 0,7% (10.665/1.444.130); primata não humano e de risco, ou seja, aqueles que apresentaram cobertura
canídeo silvestre, 1,0% (13.077/1.444.130); herbívo- inferior a 80,0% na campanha nacional, que tiveram
ro, 0,4% (5.646/1.444.130); e outras espécies, 3,0% casos de raiva canina ou humana e, ainda, para os
(41.927/1.444.130). Destaca-se que em 0,9% dos municípios fronteiriços com outros países.
casos notificados (12.997/1.444.130), a informação A vacina antirrábica canina adquirida pelo Minis-
da espécie foi ignorada. tério da Saúde e distribuída às unidades federadas até

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):509-518,out-dez 2011 513


Raiva no Brasil, 2000 a 2009

100 1000

90 900

80 800

Número de casos de raiva canina


70 700
% de cobertura vacinal canina

60 600

50 500

40 400

30 300

20 200

10 100

0 0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Campanha nacional Campanha de intensificação Casos caninos

Figura 2 - Casos de raiva canina e coberturas vacinais em campanha de vacinação contra raiva animal.
Brasil, 2000 a 2009

1.600

1.400

1.200

1.000
Número de casos

800

600

400

200

0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Rural Urbano Aéreo Silvestre terrestre

Figura 3 - Casos de raiva animal segundo ciclo epidemiológico. Brasil, 2002 a 2009

514 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):509-518,out-dez 2011


Marcelo Yoshito Wada e colaboradores

2009 foi aquela produzida em cérebros de camun- Discussão


dongos lactentes (Fuenzalida & Palacios). Em 2008,
no estado do Ceará e no município de Corumbá-MS, O número reduzido de raiva humana no Brasil
iniciou-se sua substituição pela vacina de cultivo ce- acompanha a situação epidemiológica das Américas
lular, um imunobiológico mais potente e seguro que e reforça a tendência de diminuição de casos neste
o utilizado anteriormente.1 No ano seguinte, houve continente.7,16
uma expansão gradativa da distribuição dessa nova Não foram observadas alterações no perfil dos casos
vacina para as áreas com circulação viral da variante de raiva humana no Brasil durante a década estudada,
2, que abrangem os estados da região Nordeste, logo ou seja, o gênero masculino foi o mais prevalente e
ampliada para todo o território brasileiro em 2010. as crianças as mais acometidas, como descrito em
AAs coberturas de vacinação antirrábica canina nas estudos anteriores.6
campanhas nacionais apresentaram uma média de Os casos se concentraram nas regiões Nordeste e
86,0% (81,0% – 94,0%), com vacinação anual média Norte do país, possivelmente pelas dificuldades em
de 21.373.620 animais (18.021.321 – 23.088.229), realizar as atividades estabelecidas pelo PNPR, o que
dos quais 82,0% eram cães. As campanhas de inten- se reflete em coberturas vacinais muito baixas e ma-
sificação tiveram cobertura média de 75,0%, variando nutenção de grande contingente de suscetíveis; além
de 70,0 a 81,0% (Figura 2). disso, a ocorrência de surtos na região da bacia Ama-
zônica em 2004 e 2005, ocasionados por morcegos
Ciclo silvestre terrestre hematófagos, aumentou a ocorrência da doença acima
No ciclo silvestre terrestre, a raiva está relacionada a dos níveis habituais naquela região. A predominância
dois principais reservatórios: o cachorro-do-mato (Cer- da transmissão da raiva por morcegos hematófagos na
docyonthous) e os saguis (Callythrixjacchus). A partir região da bacia Amazônica resultou na equivalência
de 2002, as atividades de monitoramento de animais do número de casos humanos transmitidos por cães
encontrados mortos, envio de material para diagnóstico e morcegos, o que difere do perfil de outras décadas,
laboratorial e educação em saúde foram intensificadas quando a maior proporção de casos de raiva humana
e, em 2003, o Ministério da Saúde realizou, em parceria era transmitida por cães.6,17,18 Quando analisados os
com a Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, o ‘I Curso casos dos últimos cinco anos, é evidente a mudança
de Captura de Mamíferos Silvestres Terrestres e Coleta nesse perfil, pois 78,0% (46/59) foram transmitidos
de Material para a Vigilância da Raiva’, que significou a por morcegos.
implantação a vigilância passiva conforme a experiência Os três casos de raiva humana transmitidos por
dos Centers for Disease Control and Prevention, dos Esta- herbívoros, relatados neste estudo, demonstram a
dos Unidos da América (CDC/EUA). No período de 2002 importância ocupacional da doença e a necessidade
a 2009, foram notificados 329 casos de raiva: 88,0% do esquema de pré-exposição em grupos considera-
em canídeos silvestres (289/329), 9,0% em primatas e dos de maior risco, permanentemente expostos aos
saguis (29/329), 3,0% em ‘mão-pelada’ (9/329); um animais ou ao vírus. Assim recomenda do Ministério
caso em gato-do-mato; e um em cotia (Figura 3). Todos da Saúde.1
esses casos ocorreram na região Nordeste. Os dois casos de cura registrados no mundo – um
deles no Brasil – e a elaboração do protocolo para
Ciclo aéreo tratamento de raiva humana representam um avanço
De 2002 a 2009, foram registrados casos de raiva na ciência. Porém, a profilaxia da raiva humana é a
em 1.163 morcegos: 80,0% deles não hematófagos melhor maneira de evitar uma doença cuja letalidade
(933/1.163); e 20,0% hematófagos (230/1.163) está próxima dos 100,0%.19,20
(Figura 3). No que se refere ao atendimento antirrábico humano,
No mesmo período, o maior número de notifica- observa-se um incremento de 48,0% quando comparado
ções de raiva ocorreu para os animais de produção, se compara 2009 ao ano 2000. No período de análise
com 9.277 positivos para raiva: 88,0% bovinos do perfil dos casos atendidos, o Brasil apresentou uma
(8.173/9.277); 10,0% equinos (918/9.277); e 2,0% média de 481.377 atendimentos ao ano, número que
(186/9.277), outros animais de produção (Figura 3). demonstra um aumento no número de pessoas que

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):509-518,out-dez 2011 515


Raiva no Brasil, 2000 a 2009

foram agredidas e buscaram assistência médica: as exposta, evitando novas infecções: passou-se de 635
médias de atendimento encontradas são superiores às casos de raiva canina em 2003 para 274 em 2009.13
verificadas em estudos realizados no Brasil da década Considerando-se a atual situação do perfil da raiva
de 1980 e nos EUA.6,21 Como ocorre em outros países, canina e visando sua eliminação no ciclo urbano, além
cães e gatos são as principais espécies transmissoras, da vacinação animal e monitoramento de circulação
responsáveis por 94,0% dos atendimentos.22 viral, outras atividades devem ser implementadas: blo-
A mudança da vacina humana representou um gran- queio de foco em até 72 horas; vacinação dos animais
de avanço para a profilaxia da raiva humana: a vacina na rotina; revisão periódica da estimativa populacional
de cultivo de células confere resposta imunológica animal; captura e eutanásia de animais não passíveis
mais precoce e mais duradoura, além de causar menos de vacinação.1,6,24
eventos adversos que a Fuenzalida & Palácios.23 Essa A estimativa da populacional animal é de fundamental
mudança pode ter contribuído para o incremento de importância no estabelecimento de metas para as ações
49,0% no percentual de atendimento em que houve implantadas com vistas ao controle da raiva canina, tais
indicação de vacina, quando comparado com outros como cobertura vacinal e monitoramento de circulação
estudos.6 A redução dos casos humanos no Brasil está viral. Observou-se, no período avaliado, um acréscimo
diretamente relacionada com a diminuição dos casos de 21,0% da população animal, fato indicador da
de raiva canina, acompanhando o que vem acontecen- importância da avaliação sistemática das estimativas
do em outros países das Américas.7 Em 1980, a taxa de populacionais e da implementação de políticas públicas
raiva canina era de 38,38 por 100.000 cães, passando frente a uma situação que extrapola as ações de controle
para 5,45/100.000 cães em 1990.6 Em 2000, essa taxa de zoonoses e, consequentemente, o âmbito da Saúde.
foi reduzida para 4,57/100.000 cães, e em 2009, para Os ciclos silvestres estão em expansão no país, com
0,11/100.000 cães, representando uma redução de maior detecção de casos. Não obstante o maior registro
97,0% no período de estudo. de casos de raiva em canídeos do que em primatas não
A distribuição dos casos de raiva canina no Brasil humanos, há mais casos de raiva humana envolvendo
demonstra diferentes situações epidemiológicas. saguis (5 casos) do que cachorros-do-mato (sem ca-
Verificaram-se alterações no perfil de distribuição da sos registrados), possivelmente decorrentes da maior
raiva canina: no início dessa década, a região Centro- busca de atendimento em razão da gravidade do feri-
oeste contribuía com 45,0% e atualmente, a região mento causado pela agressão do Cerdocyonthous.25,26
Nordeste concentra 81,0% dos casos. A partir da primeira capacitação em animais
Destaca-se, ademais, a importância e necessidade silvestres, realizada em 2003, a vigilância dessas
da realização de trabalhos integrados com outros espécies vem sendo implementada na forma de ‘vigi-
países para a vigilância em áreas de fronteiras: por lância passiva em estradas’, com o envio de animais
exemplo, entre a região de Corumbá-MS e a Província encontrados mortos ou atropelados para diagnóstico
de German Busch, sua fronteira com a Bolívia, dada a laboratorial cujo objetivo é determinar as áreas de
persistência do foco de raiva canina e a comprovação risco e orientar a população em como se prevenir da
da introdução no município sul-matogrossense da infecção.27 O número crescente de animais positivos
variante 1, não detectada no Brasil até então. para raiva nessas espécies reforça a mudança do perfil
As campanhas de vacinação antirrábica canina da doença no país.
foram as principais medidas adotadas para o controle Em relação aos morcegos não hematófagos, a vi-
da raiva no ciclo urbano, sendo preconizada pelo gilância passiva, que preconiza o envio dos morcegos
Ministério da Saúde a cobertura vacinal canina de no encontrados em situação não usual para realização
mínimo 80,0%.1 Apesar de essa cobertura apresentar de diagnóstico laboratorial da raiva, tem sido útil
uma média de 86,0%, ela não foi homogênea entre os na detecção de casos da doença, principalmente em
municípios. A estratégia da campanha de intensificação áreas urbanas.13 Municípios que enviam amostras
nos municípios considerados de risco, iniciada em regularmente têm encontrado altos índices de positi-
2003, contribuiu para a célere redução dos casos de vidade, demonstrando a importância dessa vigilância
raiva canina. Essa campanha de intensificação permitiu como sentinela para adoção de medidas de controle
a manutenção de níveis protetores na população canina e prevenção de casos humanos.28

516 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):509-518,out-dez 2011


Marcelo Yoshito Wada e colaboradores

Apesar do número reduzido de morcegos hema- estimada para monitoramento de circulação viral; c)
tófagos encontrados positivos para raiva, e consi- envio de 100,0% dos morcegos encontrados mortos para
derando-se o grande número de bovinos positivos, diagnóstico laboratorial; e d) esquema profilático de pós-
recomenda-se utilizar animais de produção para fins exposição completo em 100,0% das pessoas agredidas
de monitoramento da circulação viral e adoção de me- por morcegos, notificadas pelo sistema de informação.
didas de prevenção e controle, visto que a transmissão Por fim, é importante destacar a alteração no perfil
do vírus para essas espécies acontece, principalmente, epidemiológico da raiva nessa década, os avanços
pela mordedura dos morcegos hematófagos. no controle no ciclo urbano e a expansão do ciclo
O manejo e o controle de morcegos hematófagos silvestre. As atividades de vigilância e controle em cães
são de responsabilidade do Departamento da Agricul- devem ser mantidas e as dos ciclos silvestres, intensifi-
tura e suas ações de vigilância devem ser realizadas em cadas. Reforça-se a necessidade de a população buscar
parceria com a área da Saúde. Ressalta-se que a única atendimento em qualquer situação de agressão; e de
espécie de morcego em que é permitido o controle é os profissionais de saúde permanecerem atentos à ava-
a Desmodus rotundus.29 liação e indicação adequada e oportuna da profilaxia,
Apesar dos avanços no controle da raiva no Brasil quando esta se fizer necessária.
nessa década, decorrentes de um trabalho integrado
das três esferas de gestão que compõem o Sistema Único Agradecimentos
de Saúde, o SUS, muitos desafios ainda persistem. O
momento requer uma vigilância permanente para os Aos coordenadores dos programas estaduais da
diferentes componentes da cadeia de transmissão da raiva, centros de controle de zoonoses, Secretarias
doença. Como forma de reforçar essas atividades, bem de Estado e Municipais de Saúde e laboratórios de
como para manter o compromisso internacional de diagnóstico da raiva. Aos agentes de saúde. Aos mé-
eliminação da raiva humana transmitida por cães nas dicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem que
Américas, foram pactuadas ações entre os três níveis atenderam os pacientes. A todos que contribuíram
de gestão, quais sejam:1 a) cobertura vacinal canina de para o controle da raiva no país.
no mínimo 80,0%, pela campanha de vacinação antir- Finalmente, a Daniele Maria Pelissari, pela revisão
rábica nacional; b) envio de 0,2% da população canina desse artigo.

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518 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):509-518,out-dez 2011


Artigo
original Coinfecção Leishmania-HIV no Brasil:
aspectos epidemiológicos, clínicos e laboratoriais
doi: 10.5123/S1679-49742011000400011

Co-infection Leishmania/HIV in Brazil: Epidemiological, Clinical and Laboratorial Aspects

Marcia Leite de Sousa-Gomes


Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury


Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Daniele Maria Pelissari


Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Francisco Edilson Ferreira de Lima Junior


Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Joana Martins de Sena


Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Michella Paula Cechinel


Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Resumo
Objetivo: o objetivo deste estudo foi descrever o perfil epidemiológico, clínico e laboratorial dos casos de leishmaniose
visceral (LV) coinfectados com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) no Brasil, em 2007 e 2008. Metodologia: foi
realizado um estudo descritivo dos casos de LV coinfectados com HIV, registrados no Sistema de Informação de Agravos de
Notificação (Sinan); foram contempladas características demográficas, epidemiológicas, clínicas, laboratoriais e de evolução.
Resultados: de 7.556 casos de LV, 3,7% eram coinfectados com HIV; o sexo masculino representou 78,1% desses casos
e a média de idade foi de 34,7 anos; os casos estavam distribuídos em quatro macrorregiões do país e suas manifestações
clínicas mais prevalentes foram febre, emagrecimento, esplenomegalia e hepatomegalia. Conclusão: o perfil dos pacientes
coinfectados por Leishmania-HIV não difere daqueles com LV clássica, à exceção da letalidade (9,7%); faz-se necessário
integrar as vigilâncias de leishmanioses e aids e aprimorar a vigilância da coinfecção leishmanioses-HIV-aids.
Palavras-chave: leishmaniose visceral; HIV; coinfecção.

Summary
Objective: the aim of this study was to describe the epidemiological, clinical and laboratorial cases of Visceral
Leishmaniases (VL) coinfected with Human Immunodeficiency Virus (HIV) in Brazil in 2007 and 2008. Methodology:
it was conducted a descriptive study of cases of VL coinfected with HIV, reported in the Reportable Diseases Information
System (RDIS). It was considered demographic, epidemiological, clinical, laboratorial variables and clinical evolution.
Results: among 7.556 cases of VL, 3.7% were coinfected with HIV. The males represented 78.1% and the average age
was 34.7 years. The cases were distributed into four regions of the country. The most prevalent clinical manifestations
were fever, weight loss, splenomegaly and hepatomegaly. Conclusion: the characteristics of coinfected Leishmania/HIV
patients are not different from those only infected with VL, with the exception of the lethality (9.7%). It is necessary to
integrate the surveillance of leishmaniasis and AIDS and improve the monitoring of coinfection leishmaniasis/HIV/AIDS.
Key words: visceral leishmaniasis, HIV, co-infection.

Endereço para correspondência:


Coordenação de Vigilância de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses (COVEV/SVS/MS), Setor Comercial Sul,
Quadra 4, Bloco A, 2º andar, Edifício Principal, Asa Sul, Brasília-DF. CEP: 70304-000
E-mail: marcia.sousa@saude.gov.br

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):519-526,out-dez 2011 519


Coinfecção Leishmania/HIV no Brasil

Introdução achados, observou-se que, nos pacientes coinfectados


Leishmania-HIV, a esplenomegalia apresentou menor
A leishmaniose visceral (LV) e a infecção pelo vírus incidência quando comparada à dos indivíduos HIV
da imunodeficiência humana (HIV) são consideradas de negativos (80,8% versus 97,4%), sendo esta estatisti-
grande importância para a Saúde Pública devido a sua camente significativa (p=0,02).10
magnitude, transcendência e expansão geográfica.1,2 De
acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), A leishmaniose visceral (LV) e a infecção
ambas as infecções estão entre os eventos de maior pelo vírus da imunodeficiência humana
relevância no mundo: a LV ocorre em 67 países, com a
ocorrência aproximada de 500.000 casos novos e 59.000 (HIV) são consideradas de grande
mortes ao ano;1 e estima-se que, em todo o mundo, 33,2 importância para a Saúde Pública devido
milhões (30,6 – 36,1) de pessoas estejam infectadas pelo a sua magnitude, transcendência e
HIV, com a ocorrência de 2,5 milhões de novas infecções expansão geográfica.
e 77.000 mortes (66.000 – 89.000) a cada ano.2
Na América Latina, 1,7 milhões (1,3 a 2,5 milhões) No Brasil, as informações disponíveis na literatura
de pessoas estão infectadas pelo HIV. A prevalência científica restringem-se aos estudos de relatos de
de infecções no Brasil é estimada em 630.000, com casos11 e análises de LV-aids;12,13 porém, não há uma
aproximadamente 34.500 novos casos de aids por análise sistematizada da ocorrência da coinfecção
ano. Desde os primeiros casos da doença no país até Leishmania-HIV no país, sua descrição clínica e
junho de 2009, foram registrados 544.846 casos e epidemiológica. Justifica-se, então, a realização deste
217.091 óbitos por aids, distribuídos em mais de 5.000 estudo cujo objetivo principal é descrever o perfil
municípios brasileiros.3 clínico e epidemiológico dos casos de LV coinfectados
Atualmente, a LV está distribuída em 21 unidades com HIV (LV-HIV) no Brasil e sua distribuição espacial,
federadas (UF) com média anual de 3.500 casos.4 É nos anos de 2007 e 2008.
uma doença sistêmica que, se não tratada, pode evo-
luir para óbito em mais de 90,0% dos casos.5 Atinge Metodologia
principalmente populações de baixa renda, sendo
considerada emergente devido a sua urbanização e a Estudo descritivo dos casos confirmados de LV
coinfecção Leishmania-HIV.1 coinfectados com HIV, independentemente de terem
O primeiro caso de coinfecção Leishmania-HIV foi desenvolvido aids, notificados no Brasil, nos anos de
descrito em 1985, no sul da Europa,6 e atualmente, há 2007 e 2008.
registro de sua presença em 35 países.7 A experiência A área de estudo foi o Brasil e a fonte de dados
mundial, especialmente a europeia, evidencia aumento utilizada foram os casos confirmados de LV registrados
importante do número de casos de coinfecção nesta no Sistema de Informação de Agravos de Notificação
década, levando a modificações na história natural (Sinan). O banco de dados foi previamente validado
das leishmanioses.8 pelo grupo técnico responsável pelas leishmanioses
As recentes alterações nos perfis epidemiológicos na Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da
da aids e da LV no Brasil, como a interiorização da in- Saúde, por meio da exclusão de duplicidades.
fecção pelo HIV3 simultânea à urbanização da LV,9 bem As variáveis estudadas foram: data da notificação;
como o aumento do número de casos na faixa etária idade; sexo; raça/cor; escolaridade; UF; município
de 20 a 49 anos e a letalidade de aproximadamente de residência; zona; manifestações clínicas (sinais e
23,0% nos maiores de 50 anos, apontam para maior sintomas); coinfecção HIV; diagnóstico parasitológico;
exposição da população às duas infecções.4 diagnóstico imunológico; droga inicial administrada;
As manifestações clínicas mais frequentes nos classificação final; critério de confirmação; e evolução
indivíduos coinfectados Leishmania-HIV são febre, do caso. Variáveis contínuas foram analisadas por meio
esplenomegalia e hepatomegalia, semelhantes às de média, mediana e desvio-padrão (DP).
dos casos de LV imunocompetentes. Embora estudo A ‘Ficha de Investigação de LV’ possui a variável
realizado por Pintado e colaboradores reforce esses ‘coinfecção HIV’. Por meio dessa informação, os casos

520 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):519-526,out-dez 2011


Márcia Leite de Sousa-Gomes e colaboradores

foram selecionados para o estudo. Foram incluídos do número de casos em 2008, em todas as macrorre-
os pacientes com diagnóstico confirmados de LV e giões do país (Figura 1).
sororeagentes para HIV, sendo excluídos aqueles cuja Os estados de Minas Gerais e São Paulo concentra-
variável ‘coinfecção HIV’ foi preenchida como negativa ram 38,2% dos casos de coinfecção – 19,1% em cada
(65,9%), ignorada (23,1%) ou se encontrava em um –, seguidos dos estados do Ceará (12,6%) e Mato
branco (7,4%). Grosso do Sul (12,2%) (Tabela 2).
Os indicadores estudados foram a proporção de Os casos de coinfecção estavam distribuídos em
casos com diagnóstico parasitológico confirmado e a 120 municípios, com predominância em áreas urba-
letalidade; esta foi calculada como a proporção entre o nas – 83,5% dos casos. Os maiores registros foram
total de óbitos por LV registrados no período do estudo em Belo Horizonte-MG (11,1%), Campo Grande-MS
sobre o total de casos de coinfecção confirmados no (7,5%), Fortaleza-CE (6,4%) e Araçatuba-SP (5,7%)
mesmo período. (Figura 2).
As análises foram feitas por meio dos softwares Ar- Em 64,7% do total de casos coinfectados LV-HIV,
cView e MapInfo, para a distribuição espacial dos casos o diagnóstico de LV foi confirmado pelo exame pa-
segundo município de residência, EpiInfo 2000® e rasitológico. De 2007 para 2008, observou-se um
Microsoft Excel 2007®. incremento nesse percentual, de 59,8% para 68,1%.
As manifestações clínicas mais prevalentes foram febre
Considerações éticas (87,4% dos casos), emagrecimento (83,8%), espleno-
Os dados foram obtidos de fonte secundária, sem megalia (77,0%) e hepatomegalia (73,0%). A droga
a identificação nominal dos pacientes, razão pela qual inicialmente administrada – em 45,0% dos casos – foi
o estudo não foi submetido a um Comitê de Ética em o antimoniato de meglumina, seguido da anfotericina B
Pesquisa. em 28,1% dos casos (Tabela 3). Evoluíram para óbito
27 pacientes coinfectados: uma letalidade de 9,7%,
Resultados com média de idade de 37,9 anos – mediana de 40,8
anos e DP de 13,2 anos.
Foram confirmados 3.565 casos de LV em 2007
e 3.991 em 2008, totalizando 7.556. Destes, 3,1% Discussão
(112/3.565) eram coinfectados com HIV em 2007
e 4,2% (166/3.991) em 2008, perfazendo o total O percentual de coinfectados LV-HIV aqui obser-
de 3,7% (278/7.556) dos casos de LV com HIV no vado encontra-se dentro dos valores de outros países
período de estudo. endêmicos em desenvolvimento, que variam de 2,0 a
Os pacientes coinfectados LV-HIV eram predomi- 9,0%,14 o que difere de países como a Etiópia, cujo
nantemente do sexo masculino e representavam 78,1% percentual de pacientes de LV coinfectados com HIV
dos casos, uma diferença estatisticamente significativa varia de 15,0 a 30,0%.15
(p<0,001). A média de idade foi de 34,7 anos – media- A distribuição dos casos foi predominante no sexo
na de 35,1 anos e DP de 13,6 anos – e as faixas etárias masculino, mantendo-se o padrão encontrado para
mais prevalentes foram as de 20 a 49 anos (77,7% dos os casos de LV-aids no Brasil, no período de 2001 a
casos) e a de 50 ou mais anos (10,4% dos casos). Dos 2005.12 Esse valor assemelha-se ao encontrado para
pacientes coinfectados, 57,9% eram predominante- Leishmania-HIV em Uganda7 e no Sudoeste da Eu-
mente negros e pardos, 27,7% eram brancos e 12,2% ropa,16 e inferior ao de estudos realizados em Mato
indígenas. E no que se refere à escolaridade, 38,8% Grosso do Sul13 e no grupo de pacientes notificados à
tinham ensino fundamental completo ou incompleto, rede de coinfecção Leishmania-HIV no Brasil.17
destacando-se que, para 39,6% dos casos, essa variável Ainda em relação ao sexo, tanto a LV clássica quanto
era ignorada/em branco (Tabela 1). a aids são predominantes no sexo masculino,3,4 o que
Os casos estavam distribuídos em quatro macror- seria uma possível justificativa para os resultados
regiões nacionais: Nordeste, com 38,1% dos casos; encontrados por este estudo. Não obstante, a razão
Sudeste, também com 38,1%; Centro-oeste, com de sexo dos pacientes com aids vem diminuindo ao
16,2%; e Norte, com 7,2%. Observou-se um aumento longo dos anos: de cerca de seis casos de aids no sexo

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):519-526,out-dez 2011 521


Coinfecção Leishmania/HIV no Brasil

Tabela 1 - Casos de leishmaniose visceral coinfectados com HIV segundo características demográficas.
Brasil, 2007 e 2008

2007 2008 Total


Características demográficas
Número de casos % Número de casos % Número de casos %
Sexoa
Masculino 91 81,3 126 75,9 217 78,1
Feminino 21 18,8 40 24,1 61 21,9
Idadeb
< 10 10 8,9 13 7,8 23 8,3
10-19 2 1,8 3 1,8 5 1,8
20-49 89 79,5 127 76,5 216 77,7
50 e mais 9 8,0 20 12,0 29 10,4
Ignorado/em branco 2 1,8 3 1,8 5 1,8
Raça/Cor
Preta e parda 62 55,4 9 5,4 161 57,9
Branca 29 25,9 48 28,9 77 27,7
Indígena 16 14,3 18 10,8 34 12,2
Amarela 2 1,8 – 0,0 2 0,7
Ignorado e branco 3 2,7 1 0,6 4 1,4
Escolaridade
Não se aplica 9 8,0 9 5,4 18 6,5
Analfabeto 5 4,5 2 1,2 7 2,5
Fundamentalc 40 35,7 68 41,0 108 38,8
Médioc 9 8,0 20 12,0 29 10,4
Superiorc 3 2,7 3 1,8 6 2,2
Ignorado/em branco 46 41,1 64 38,6 110 39,6
TOTAL 112 100,0 166 100,0 278 100,0
a) p< 0,001
b) Média = 34,7 anos; Mediana = 35,1 anos; DP = 13,6 anos
c) Completo ou incompleto
Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação/Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde

70

60

50

40
Casos LV-HIV

30

20

10

0
Norte Nordeste Sudeste Centro-oeste
2007 2008
Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação/Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde

Figura 1 - Casos de leishmaniose visceral coinfectados com HIV segundo macroregião de residência.
Brasil, 2007 e 2008

522 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):519-526,out-dez 2011


Márcia Leite de Sousa-Gomes e colaboradores

Tabela 2 - Distribuição dos casos de leishmaniose visceral coinfectados com HIV segundo unidade federada (UF)
de residência. Brasil, 2007 e 2008

2007 2008 Total


UF de Residência
Número de casos % Número de casos % Número de casos %

Ceará 17 15,2 18 10,8 35 12,6

Maranhão 17 15,2 13 7,8 30 10,8

Minas Gerais 26 23,2 27 16,3 53 19,1

Mato Grosso do Sul 12 10,7 22 13,3 34 12,2

Piauí – 0,0 18 10,8 18 6,5

São Paulo 21 18,8 32 19,3 53 19,1

Outras 19 17,0 36 21,7 55 19,8

TOTAL 112 100,0 166 100,0 278 100,0

Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação/Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde

Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação/Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde

Figura 2 - Distribuição dos casos de leishmaniose visceral coinfectados com HIV segundo município de
residência. Brasil, 2007 e 2008

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):519-526,out-dez 2011 523


Coinfecção Leishmania/HIV no Brasil

Tabela 3 - Casos de leishmaniose visceral coinfectados com HIV segundo droga inicialmente administrada.
Brasil, 2007 e 2008

2007 2008 Total


Droga inicial administrada
n % n % n %

Antimoniato de meglumina 66 58,9 59 35,5 125 45,0

Anfotericina B 25 22,3 53 31,9 78 28,1

Anfotericina B lipossomal 0 0,0 0 0,0 0 0,0

Pentamidina 12 10,7 39 23,5 51 18,3

Outras 2 1,8 4 2,4 6 2,2

Não utilizada 1 0,9 4 2,4 5 1,8

Ignorado e branco 6 5,4 7 4,2 13 4,7

TOTAL 112 100,0 166 100,0 278 100,0

Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação/Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde

masculino para cada caso no sexo feminino, em 1989, Os casos de coinfecção LV-HIV predominaram nos
a 1,6 casos em homens para um caso em mulheres em estados de Minas Gerais e São Paulo, enquanto os
2009. Essa diferença poderia explicar a diminuição da de coinfecção LV-aids concentraram-se no estado do
proporção de casos de coinfecção segundo sexo, entre Maranhão.12 A diferença desses resultados pode estar
2007 (81,3%) e 2008 (75,9%).18 relacionada às diferentes fontes de dados consultadas
A média de idade dos casos foi inferior à encontrada e distintas metodologias utilizadas, em cada uma das
em alguns estudos. No Brasil, essa média em pacientes análises. Vale ressaltar que os municípios com maior
coinfectados foi de 37 anos,12,13,17 valor semelhante ao registro de casos de coinfecção estão entre os 20
encontrado para o Sudoeste da Europa.16 Na Etiópia, é municípios com maior incidência de aids.3
mister destacar, mais de 60,0% dos casos de coinfecção As manifestações clínicas mais frequentes nos pacien-
LV-HIV eram menores de 15 anos de idade.15 tes coinfectados são semelhantes àquelas observadas
No que refere a raça, chama a atenção o percentual em pacientes com LV clássica.4 Quanto ao tratamento,
de indígenas coinfectados, possivelmente relacionado observou-se que a droga inicial de escolha foi o antimo-
a uma limitação no preenchimento da variável raça/cor niato, embora houvesse um aumento do uso de anfoteri-
ou à investigação propriamente; ou, ainda, trata-se de cina B quando comparados os anos de 2007 e 2008, o
um achado que reafirma o processo de interiorização que corrobora as novas recomendações de tratamento
da aids no Brasil.3 de pacientes coinfectados Leishmania-HIV no Brasil.5
O percentual de pacientes coinfectados com ensi- O percentual de pacientes deste estudo que iniciaram o
no fundamental completo ou incompleto foi inferior tratamento com o antimoniato de meglumina foi inferior
ao observado entre os casos de aids no ano 2000.17 ao encontrado em estudo realizado no Mato Grosso do
Porém, esses resultados necessitam de reavaliação, Sul (73,9%; 17/23); entretanto, 70,6% (12/17) desses
pois a variável escolaridade teve elevado percentual de pacientes usaram a posteriori a anfotericina B.13
casos com informação ignorada/em branco (39,6%). Conforme constatado em outros países,10,19,20 a leta-
As regiões do país com maior percentual de casos lidade de pacientes coinfectados LV-HIV, maior que a de
de coinfecção foram o Nordeste e o Sudeste, justamente pacientes com LV no Brasil de 2008,4 provavelmente
onde predominam, respectivamente, os casos de LV associada a fatores relacionados ao HIV, mostrou-se
clássica e aids.3,4 inferior à letalidade encontrada pelo estudo que ana-

524 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):519-526,out-dez 2011


Márcia Leite de Sousa-Gomes e colaboradores

lisou os casos de coinfecção LV-aids.12 Esse achado recomenda-se o aperfeiçoamento e melhoria da qua-
reforça a importância de se oferecer o teste HIV aos lidade do banco de dados da LV no Sinan.
pacientes com LV visando ao diagnóstico precoce da O perfil dos pacientes coinfectados LV-HIV não
coinfecção e redução de sua letalidade. difere do perfil dos pacientes com LV na forma clás-
Alguns dos resultados aqui apresentados merecem sica, à exceção da letalidade. A análise da coinfecção
uma interpretação cautelosa. A principal variável de evidenciou a interiorização do HIV e a urbanização da
análise, ‘coinfecção HIV’, apresentou 30,5% de notifi- LV no Brasil, constatando-se sobreposições das áreas
cações em branco/ignorada. Ademais, desconhece-se de transmissão.
o valor real de casos de LV dada a subnotificação. Faz-se necessária a integração das vigilâncias de LV
Maia-Elkhoury e colaboradores21 estimaram que o e aids e o aprimoramento da vigilância da coinfecção
valor do Sinan foi de 42,2% em relação ao Sistema leishmanioses-HIV-aids. Também é de fundamental
de Informações Hospitalares do Sistema Único de importância a oferta de testes sorológicos para HIV ao
Saúde (SIH/SUS) e de 45,0% em relação ao Sistema grupo de pacientes com leishmanioses, cujas condutas
de Informações sobre Mortalidade (SIM). Portanto, são distintas.

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526 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):519-526,out-dez 2011


Artigo
original Epizootias em primatas não humanos durante
reemergência do vírus da febre amarela no Brasil,
2007 a 2009
doi: 10.5123/S1679-49742011000400012

Epizootics in Nonhuman Primates during Reemergence of Yellow Fever Virus in Brazil,


2007 to 2009
Francisco Anilton Alves Araújo
Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde,
Brasília-DF, Brasil

Daniel Garkauskas Ramos


Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde,
Brasília-DF, Brasil

Arthur Levantezi Santos


Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde,
Brasília-DF, Brasil

Pedro Henrique de Oliveira Passos


Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde,
Brasília-DF, Brasil

Ana Nilce Silveira Maia Elkhoury


Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde,
Brasília-DF, Brasil

Zouraide Guerra Antunes Costa


Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde,
Brasília-DF, Brasil

Silvana Gomes Leal


Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde,
Brasília-DF, Brasil

Alessandro Pecego Martins Romano


Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde,
Brasília-DF, Brasil

Resumo
Objetivo: descrever e analisar a mudança do perfil epidemiológico da febre amarela silvestre no Brasil – que passa a ocorrer
fora da Amazônia – a partir de 1999, quando a detecção do vírus em primatas permitiu a aplicação oportuna de novas medidas
de vigilância. Metodologia: este estudo faz uma análise descritiva das epizootias em primatas notificadas ao Ministério da Saúde
(MS) entre 2007 e 2009; para captação dos dados, foram utilizadas a Ficha de Notificação de Epizootia do Sistema de Informação
de Agravos de Notificação (Sinan) e planilha de notificação diária. Resultados: No período, foram notificadas 1.971 epizootias
em primatas, sendo 73 no ano de 2007, 1.050 em 2008 e 848 em 2009; essas epizootias ocorreram em 520 municípios de 19
estados; do total de epizootias notificadas, 209 (10,6%) foram confirmadas para febre amarela. Conclusão: as informações aqui
discutidas são fundamentais para o aperfeiçoamento da vigilância e a consolidação da notificação de epizootias em primatas, como
instrumento de prevenção de casos humanos da doença.
Palavras-chave: epizootia; febre amarela; primatas não humanos.

Summary
Objective: to describe and analyze the change in the epidemiological profile of sylvatic yellow fever – whose cases began
to occur outside the Amazon region, in Brazil – from 1999, when the detection of the virus in primates has led to the timely
implementation of new surveillance measures. Methodology: this study is a descriptive analysis of epizootics in primates
notified to the Ministry of Health between 2007 and 2009; data were captured using the Epizootic Notification Form of the
Brazilian Information System for Notifiable Diseases (Sinan) and daily reporting spreadsheet. Results: from 1,971 epizoo-
tics reported during the period, 73 occurred in 2007, 1,050 in 2008, and 848 in 2009; and 209 (10.6%) were confirmed for
yellow fever; these epizootics have been registered in 520 municipalities of 19 states. Conclusion: the information discussed
herein is fundamental for improving the surveillance and consolidating the notification of epizootics in primates, as a tool
for preventing human cases of the disease.
Key words: epizootic; yellow fever; nonhuman primates.
Endereço para correspondência:
Coordenação de Vigilância de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses (COVEV/SVS/MS), SCS, Quadra 4, Bloco A,
Edifício Principal, 2º andar, Asa Sul, Brasília-DF. CEP: 70304-000
E-mail: francisco.araujo@saude.gov.br
Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):527-536,out-dez 2011 527
Epizootias em primatas não humanos

Introdução insuficiência hepática e renal e albuminúria devido à


necrose hepática.7
A febre amarela (FA) é uma zoonose cujo agente A febre amarela silvestre manifesta-se sob a forma
etiológico é um vírus, protótipo da família Flaviviridae, de casos esporádicos em regiões onde a população
que possui de 40 a 60nm de diâmetro, envelopado, humana é vacinada; entretanto, ela também pode se
com genoma constituído por RNA que se replica no apresentar na forma de surtos ou epidemias, geral-
citoplasma das células infectadas.1 Embora existam mente precedidas de epizootias em primatas. A ob-
pequenas alterações genéticas entre as cepas da servação histórica mostra que nos primatas, a doença
América e da África, atualmente, apenas um sorotipo se manifesta periodicamente, em intervalos de tempo
é reconhecido e a vacina contra febre amarela (vírus suficientes para o surgimento de novas populações
atenuado) 17 DD, utilizada no Brasil, protege contra de símios suscetíveis, após cada onda epizoótica.
todas as suas cepas.2 Isso reforça as constatações de que os surtos de FA
O vírus da FA apresenta dois ciclos distintos de nestes animais são seguidos por períodos longos de
transmissão: o urbano e o silvestre, que se diferenciam imunidade contra reinfecção, até que uma população
pela espécie do mosquito transmissor e ambiente de de símios se reproduza e se desenvolva formando uma
ocorrência. Na América Latina, a transmissão do vírus nova geração suscetível ao vírus.7,8,1
se dá, geralmente, pelo ciclo silvestre, que envolve
primatas não humanos (PNH) e mosquitos dos gêneros A febre amarela silvestre manifesta-
Haemagogus (Hg. janthinomys, Hg. albomaculatus
e Hg. leucocelaenus) e Sabethes (Sa. chloropterus), se sob a forma de casos esporádicos
os quais infectam acidentalmente o homem.3 em regiões onde a população
No Brasil, a espécie Hg. janthinomys é a que mais humana é vacinada; entretanto,
se destaca na manutenção do vírus no ambiente sil- ela também pode se apresentar
vestre. Esses mosquitos têm hábitos diurnos e vivem
nas copas das árvores, onde picam os hospedeiros,
na forma de surtos ou epidemias,
às vezes descendo ao solo, na presença do homem ou geralmente precedidas de epizootias
quando a densidade de macacos é baixa.4 em primatas.
Apesar de o último registro da febre amarela urbana
no Brasil ter ocorrido no Acre, em 1942,5,3 ainda se A partir de 1999, houve mudança no perfil epide-
considera a possibilidade de reemergência da doença miológico da FA, quando a maioria dos casos passou
nesse ambiente, especialmente após o final da década a ser registrada fora das regiões Norte e Centro-oeste,
de 1970, quando o mosquito Aedes aegypti reinfestou consideradas focos naturais da doença no Brasil. Tal
o Brasil,3,4 até, atualmente, estar presente em mais de condição suscitou novas estratégias de vigilância,
4.000 municípios brasileiros.6 prevenção e controle no país.9,10 Até então, a vigilância
Entre os símios neotropicais, a doença se apresenta da FA era baseada na ocorrência de casos humanos.
em proporções epizoóticas, sobretudo nos do gênero A partir daquele ano, com a observação de mortes de
Alouatta, nos quais pode causar elevada mortalidade. PNH em vários municípios dos estados de Tocantins
Outros primatas gravemente afetados são: macaco- (TO) e Goiás (GO) e com a subsequente emergência da
aranha (Ateles sp.), macaco-da-noite (Aotus sp.) e doença na população humana, tais eventos passaram a
espécies dos gêneros Saguinus, Cebus, Callithrix ser vistos como indicadores de risco (evento-sentinela)
e Callicebus. Os macacos do gênero Cebus, apesar e alerta para a ocorrência de casos humanos de febre
de se infectarem facilmente, apresentam baixa taxa amarela silvestre.9,10
de letalidade e geralmente desenvolvem imunidade.7 Com o propósito de aumentar a sensibilidade do
Os primatas desenvolvem viremia a partir de três sistema de vigilância da febre amarela e a oportunidade
a quatro dias após a picada do mosquito infectado, da resposta dos serviços de Saúde Pública em seu con-
apresentando febre e apatia, e podem se recuperar trole, foi implantada de forma gradativa, em todo o país,
em duas semanas ou evoluir para morte. Podem a notificação e investigação de epizootias em primatas,
apresentar icterícia, êmese, desidratação, hemorragia, visando à detecção oportuna da circulação do vírus.

528 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):527-536,out-dez 2011


Francisco Anilton Alves Araújo e colaboradores

A partir de 2006, com a publicação da Portaria laboratorial e resultado específico, conclusivo


Ministerial Nº 5/2006,a vigilância de epizootias em para FA.
primatas foi incluída na lista de doenças e agravos de - Critério Epidemiológico:
notificação compulsória, como evento-sentinela para a • Morte de primata com presença de achados ma-
FA, visando à detecção precoce da circulação do vírus croscópicos sugestivos de FA, tais como: rinorragia,
e consequente aplicação das medidas de prevenção icterícias, hemorragias petequiais na pele, pulmões,
antes da ocorrência de casos humanos.9-12 coração, encéfalo, estômago, pâncreas e outros,
Este trabalho teve por objetivo analisar as epizoo- registrada durante o período de transmissão, em
tias em PNH ocorridas no período de 2007 a 2009, município com circulação do vírus da FA.
durante a reemêrgencia da febre amarela no Brasil, • Morte de primata com achados macroscópicos
depois de quatro anos sem registro do vírus fora da sugestivos de FA durante o período de transmissão,
região amazônica. notificada em município contíguo a município com
circulação do vírus da FA.
Metodologia • Epizootia em primata descartada para FA – morte
de primata com encaminhamento de amostra para
Trata-se de um estudo do tipo descritivo das epizootias diagnóstico laboratorial e resultado conclusivo
em primatas notificadas ao Ministério da Saúde durante afastando a FA como causa.
a reemergência do vírus da febre amarela fora da região A identificação dos animais foi feita pelos técnicos
amazônica. O período de estudo, a partir de outubro de das Secretarias de Estado de Saúde (SES) e de Secreta-
2007 até junho de 2009, foi considerado por compreen- rias Municipais de Saúde (SMS), ou por colaboradores
der o intervalo entre o primeiro registro do vírus da febre que realizaram as investigações de campo, e registrada
amarela fora da região amazônica depois do ano de 2003, na ficha ou planilha de notificação.
até o último registro no período, em junho de 2009. O diagnóstico foi realizado na rede de laboratórios
Para captação dos dados, foram utilizados dois de referência para a vigilância da febre amarela do
instrumentos: a) Ficha de Notificação de Epizootia do Ministério da Saúde, Instituto Adolfo Lutz, em São
Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Si- Paulo-SP, e Instituto Evandro Chagas, em Belém-PA.
nan); e b) planilha padronizada de notificação diária As técnicas laboratoriais realizadas foram: exame
de epizootia, como instrumento de notificação rápida anatomopatológico, prova de imuno-histoquímica,
para o monitoramento das epizootias em primatas pesquisa de vírus por isolamento em culturas celulares
suspeitas de febre amarela no Brasil. e provas biomoleculares, além de sorologia pela prova
Os dados contidos nestes instrumentos foram con- de inibição da hemaglutinação.
solidados em planilha eletrônica (Excel 2003). Foram As informações foram analisadas e apresentadas
incluídas as seguintes variáveis: localidade; município na forma de gráficos, tabelas e mapas. Para a análise
e unidade federada de ocorrência da epizootia; data do das varáveis, foi utilizado o aplicativo Excel, do Mi-
início da epizootia; semana epidemiológica; número de crosoft Office 2007; e para a elaboração de mapas, o
animais envolvidos na epizootia; gênero dos animais; Terraview 3.2.0.
coleta de material; e resultado laboratorial.
A definição de epizootia suspeita de febre amarela Resultados
foi: primata não humano de qualquer espécie, en-
contrado morto (incluindo ossadas) ou doente, em De outubro de 2007 a maio de 2009, foram noti-
qualquer local do território nacional.13 ficadas ao Ministério da Saúde 1.971 epizootias em
Para caracterização das mortes de macacos noti- primatas suspeitas de febre amarela, sendo 73 no
ficadas, foram consideradas as seguintes definições: ano de 2007, 1.050 em 2008 e 848 em 2009. Essas
• Morte de macaco – morte de um ou mais primatas sem epizootias ocorreram em 520 municípios de 19 estados
encaminhamento de amostra para diagnóstico de FA. e envolveram 3.602 animais, com média de 1,8 animais
• Epizootia em primata confirmada para FA por epizootia, variando de 1 a 20 animais.
- Critério laboratorial: morte de macaco com Para caracterizar os diferentes períodos de trans-
encaminhamento de amostra para diagnóstico missão durante o estudo, os registros de epizootias

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):527-536,out-dez 2011 529


Epizootias em primatas não humanos

foram distribuídos em três momentos distintos: o Quando observados os dados referentes à atividade
primeiro período, de outubro de 2007 a maio de de investigação entomológica e coleta de mosquitos
2008, foi caracterizado por intensa transmissão na para tentativa de isolamento do vírus na ocasião de
região Centro-oeste e totalizou 596 epizootias notifi- epizootias em primatas, em apenas 0,5% (11/1971)
cadas, envolvendo a morte de 987 primatas em 259 das epizootias foi realizada a coleta vetorial, sugerindo
municípios de 16 unidades federativas; o segundo investigação integrada somente em 7 epizootias no
período foi caracterizado pela baixa ocorrência de Paraná (PR) e 4 no Rio Grande do Sul (RS).
epizootias suspeitas e ausência de epizootias confir- Das 1.971 epizootias notificadas no período,
madas para a febre amarela, e se estendeu de junho em 88,0% (1.735/1.971) foi possível identificar os
a setembro de 2008, com 71 epizootias notificadas, animais segundo o gênero: 29,0% (503/1.735) do
distribuídas em 33 municípios de nove estados; o gênero Callithrix; 64,4% (1.118/1735) do gênero
terceiro período esteve compreendido entre outubro Alouatta; e 6,6% (114/1735) do gênero Cebus.
de 2008 e junho de 2009 e totalizou 1.304 epizootias Em uma única epizootia ocorrida no RS, houve o
notificadas, distribuídas em 226 municípios de 15 envolvimento dos três gêneros simultaneamente;
estados (Figura 1). em duas, ocorridas em Goiás (GO) e Minas Gerais
Entre as epizootias notificadas, 209 foram con- (MG), foram acometidos Callithrix e Cebus; quatro
firmadas para FA: 18 no primeiro período de trans- epizootias em GO, Tocantins (TO) e Mato Grosso
missão, entre o final de 2007 e o início de 2008, do Sul (MS) atingiram Callithrix e Alouatta; e em
caracterizado pela maior concentração de registros na outras cinco, ocorridas em GO, PR, Roraima (RR) e
região Centro-oeste; e 191 no terceiro período, entre RS, Alouatta e Cebus. A média de animais do gênero
outubro de 2008 e junho de 2009, segundo momento Alouatta mortos foi de 2,1 por epizootia, enquanto
de transmissão no período do estudo, caracterizado que para os gêneros Cebus e Callithrix, foi de 1,4 e
pela confirmação de epizootias em primatas por febre 1,2, respectivamente.
amarela nas regiões Sul e Sudeste (Figura 2). Quando Foram encaminhadas amostras de primatas para
comparados os dois períodos de transmissão, observa- diagnóstico da FA em 22,2% (n=437/1971) do total
se maior número de confirmações em 2008-2009 de epizootias notificadas no período do estudo. As
(OR=5,51; IC95%: 3,29-9,33). vísceras foram os principais materiais clínicos para o

800
700
600
500
400
300
200
100
0
o

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Ma

Ju

Ma
Ma

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Ab

Se
Ou

Ou
De

De
No
No

Fe
Fe

Ag
Ju

2007-2008 2008-2009

Epizootias Animais acometidos

Figura 1 - Distribuição do número de epizootias em primatas notificadas e o número de animais acometidos


segundo os diferentes períodos de transmissão e meses de ocorrência. Brasil, 2007 a 2009

530 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):527-536,out-dez 2011


Francisco Anilton Alves Araújo e colaboradores

Figura 2 - Epizootias em primatas notificadas e confirmadas para febre amarela segundo município de
ocorrência. Brasil 2007 a 2009

diagnóstico, com 69,3% (303/437) das amostras, se- estados de GO (7/226), TO (1/42), Distrito Federal
guidas de cérebro, com 4,1% (18/437), e sangue/soro, (DF) (3/65), MS (2/5), MG (2/134), São Paulo (SP)
com 2,5% (11/437) das amostras. Em 106 epizootias, (2/64) e PR (1/18) (Tabela 1). Destas, 11 foram
foram encaminhadas amostras de mais de um tipo de confirmadas por vínculo epidemiológico.
material clínico para diagnóstico, assim distribuídas: em No período de baixa ocorrência de epizootias, entre
15,5% (68/437), vísceras e cérebro; em 5,6% (25/437), junho e setembro de 2008, foram notificadas 71 epi-
vísceras e sangue/soro; e em 3,0% (13/437), foram zootias, com média de 17,7 epizootias/mês, distribuídas
coletados vísceras, cérebro e sangue/soro. em 33 municípios de nove estados, provenientes prin-
Do total de amostras de primatas encaminhadas cipalmente de SP, com 52,1% (37/71), da Bahia (BA),
para laboratório, 43,7% (191/437) foram confirma- com 16,9% (12/71), de MG, com 9,8% (7/71), e do RS,
das para FA, 55,8% (244/437) foram descartadas e com 5,6% (4/71). Nesse período, foram encaminhadas
duas tiveram resultados inconclusivos. Ademais, 18 somente quatro amostras para diagnóstico laboratorial
epizootias foram confirmadas para FA por vínculo epi- (duas provenientes de Ribeirão Preto-SP, uma de São
demiológico, totalizando 209 epizootias confirmadas José do Rio Preto-SP e uma de Montes Claros-MG), as
no período estudado.. quais tiveram resultado negativo para FA.
No período de transmissão 2007-2008, foram No segundo período de transmissão do estudo,
notificadas 596 epizootias em primatas entre outubro entre outubro de 2008 e maio de 2009, foram noti-
de 2007 e maio de 2008, com maior número de ficadas 1.304 epizootias envolvendo 2.526 primatas,
notificações em janeiro de 2008 (Figura 3). Foram com média de 163,4 epizootias/mês e 1,9 animais
confirmadas 18 epizootias por FA, distribuídas nos por epizootia, distribuídas em 14 estados, sendo o

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):527-536,out-dez 2011 531


Epizootias em primatas não humanos

Mortes de PNH Epizootias descartadas para FA Epizootias confirmadas para FA


%
100,0 2 11 1
1
90,0 3

80,0
2
70,0

60,0

50,0 47 1 39 17
8 392 61

40,0
11
30,0

20,0

10,0

0,0
t

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Ma
Ma

Ab
Ou

De
No

Fe

Figura 3 - Proporção das epizootias confirmadas, descartadas e mortes de PNH do total de epizootias
notificadas segundo o mês de ocorrência, durante o período de transmissão. Brasil, 2007 e 2008

maior número de notificações proveniente do RS, com 4,0% (50/1.253). Do total de amostras positivas
com 72,8% (950/1.304), seguido de SP, com 9,4% para FA, 96,7% eram do gênero Alouatta e em 3,3%
(123/1.304), e do Rio de Janeiro (RJ), com 5,1% não foi possível identificar o gênero.
(67/1.304) (Tabela 1). No mesmo período, em SP, foram notificadas 123
No período de reemergência 2008-2009, observou- epizootias, ocorridas em 53 municípios, entre outubro
se aumento do número de epizootias a partir de de 2008 (SE-40) e maio de 2009 (SE-20); 33,3%
outubro de 2008 (semana epidemiológica SE-40), (41/123) delas tiveram encaminhamento de amostras
persistindo até meados de maio de 2009 (SE-19). e destas, duas tiveram confirmação laboratorial para
Nesse período, foi observado um pico no número de FA, nos municípios de Buri-SP e Itapetininga-SP, e
epizootias em dezembro (SE-49) e outro entre março uma foi confirmada por vínculo epidemiológico, em
(SE-12) e abril (SE-17) (Figura 4). Urupês-SP. Não foi notificada a coleta de vetores em
Do total de epizootias notificadas no período de qualquer das epizootias ocorridas no estado.
transmissão 2008-2009, foram confirmadas para FA No PR, ocorreram 21 epizootias em 17 municípios,
191 (14,6%), sendo 96,3% (184/191) por laboratório entre dezembro de 2008 (SE-49) e maio de 2009
e 3,7% (7/191) por vínculo epidemiológico. A con- (SE-16), envolvendo 55 animais dos três gêneros mais
firmação de epizootias para febre amarela aconteceu frequentemente registrados. Foram encaminhadas para
nos estados do RS, com 19,7% (187/950) positivas, laboratório amostras de 38,1% das epizootias notifi-
SP, com 2,4% (3/123), e PR, com 4,8% (1/21) (Tabela cadas (8/21), com coleta de vetores em cinco delas.
1). Foram identificados os gêneros dos primatas em O resultado laboratorial de uma amostra proveniente
96,1% (1.253/1.304) das epizootias notificadas, sen- do município de Ribeirão Claro-PR, divisa com SP, foi
do o Alouatta o mais acometido, presente em 81,6% o único conclusivo para FA, e o material encaminhado
(1.023/1.253) das epizootias, seguido do gênero Calli- a partir da coleta de vetores não teve seu resultado
thrix, com 14,8% (186/1.253), e do gênero Cebus, laboratorial informado.

532 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):527-536,out-dez 2011


Tabela 1 - Epizootias em primatas notificadas, confirmadas, percentual de epizootias confirmadas, número de epizootias com amostras enviadas para laboratório
e percentual de positividade laboratorial, segundo a UF e período de transmissão. Brasil, 2007 a 2009

2007/2008   2008/2009

UF Número Número
Total de Número de % de % de Total de Número de % de % de
de amostras de amostras
epizootias epizootias epizootias positividade   epizootias epizootias epizootias positividade
enviadas para enviadas para
notificadas confirmadas confirmadas laboratorial notificadas confirmadas confirmadas laboratorial
laboratório laboratório
AP 2 0 0,0 0 0,0 1 0 0,0 1 0,0
BA 6 0 0,0 0 0,0 7 0 0,0 4 0,0
DF 65 3 4,6 3 100,0 18 0 0,0 1 0,0
ES 2 0 0,0 0 0,0 0 0 0,0 0 0,0
GO 226 7 3,1 6 66,7 19 0 0,0 13 0,0
MA 5 0 0,0 0 0,0 2 0 0,0 0 0,0
MG 134 2 1,5 0 0,0 55 0 0,0 31 0,0
MS 5 2 40,0 0 0,0 0 0 0,0 0 0,0
MT 14 0 0,0 0 0,0 4 0 0,0 0 0,0
PI 2 0 0,0 0 0,0 0 0 0,0 0 0,0
PR 18 1 5,6 0 0,0 21 1 4,8 8 12,5
RJ 2 0 0,0 1 0,0 67 0 0,0 44 0,0
RO 6 0 0,0 0 0,0 2 0 0,0 0 0,0

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):527-536,out-dez 2011


RR 1 0 0,0 0 0,0 3 0 0,0 0 0,0
RS 2 0 0,0 0 0,0 950 187 19,7 278 65,1
SC 0 0 0,0 0 0,0 23 0 0,0 0 0,0
SP 64 2 3,1 0 0,0 123 3 2,4 41 4,9
TO 42 1 2,4 0 0,0 9 0 0,0 2 0,0

TOTAL 596 18 3,0 10 70,0   1.304 191 14,6 423 43,5

533
Francisco Anilton Alves Araújo e colaboradores
Epizootias em primatas não humanos

Mortes de PNH Epizootias descartadas para FA Epizootias confirmadas para FA


%
100,0
23 17 7
6 11 16
90,0 17
40 71
26
80,0 22

70,0
58 27
11 37
60,0 4
25

50,0 392 1
290
40,0 150
55
30,0 183
90 48
11
20,0
11
10,0 1

0,0
t

Ja n

i
Ma
Ma

Ab
Se

Ou

De
No

Fe

Figura 4 - Proporção das epizootias confirmadas, descartadas e mortes de PNH do total de epizootias
notificadas segundo o mês de ocorrência, durante o período de transmissão. Brasil, 2008 e 2009

No RS, as epizootias em primatas ocorreram entre registradas epizootias em primatas nos estados das
outubro de 2008 (SE-42) e maio de 2009 (SE-21). regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste. Houve confirmação
Foram notificadas 950 epizootias, distribuídas em de epizootias por FA nos estados de TO, RS, PR, SP,
103 municípios, acometendo 2.017 animais, com MG, MS, GO e DF, ratificando a maior incidência da
média de 2,1 por epizootia. Houve coleta de amostra doença na região extra-amazônica, como observado
em 29,3% (278/950) das epizootias notificadas, desde 1999.
sendo as vísceras o material de eleição em 99,6% dos Conforme sugerido por Strode e colaboradores,1
casos. Foram coletados vetores em quatro municípios a ocorrência de casos de febre amarela silvestre em
do estado: Três Passos-RS, Porto Alegre-RS, Coronel humanos é precedida de epizootias em primatas. Os
Barros-RS e Tiradentes do Sul-RS. Foram confirmadas dados analisados neste estudo mostraram que as
187 epizootias por FA, sendo 96,8% (181/187) por epizootias tiveram início em outubro de 2007 (SE-
diagnóstico laboratorial e 3,2% (6/187) por vínculo 40) e seguiram até dezembro (SE-51), antecedendo
epidemiológico, distribuídas em 66 municípios do o período de maior ocorrência de casos humanos
estado. Quando referidos os gêneros dos primatas da doença, entre dezembro e maio (SE-52 a SE-19).
envolvidos nas epizootias, o Alouatta foi identificado Assim, pode-se verificar que o mesmo comportamento
em 99,2% (942/950), seguida do Callithrix, com 0,6% apontado por esses autores foi observado nesse estudo.
(6/950) e do Cebus, com 0,2% (2/950). Além disso, Lima e colaboradores14 reforçam que a
suscetibilidade de primatas ao vírus FA deve servir
Discussão de alerta para a aplicação de medidas preventivas em
humanos.4 Tais recomendações estão incorporadas às
Apesar de a febre amarela ser historicamente endê- normas técnicas do Programa de Vigilância e Controle
mica na região amazônica, entre 2007 e 2009 foram da FA desde 1999.4

534 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):527-536,out-dez 2011


Francisco Anilton Alves Araújo e colaboradores

O Manual de Vigilância de Epizootias em Primatas período de transmissão 2007-2008. Vale destacar que,
Não Humanos, da Secretaria de Vigilância em Saúde entre 2008 e 2009, o Ministério da Saúde, em caráter
do Ministério da Saúde (SVS/MS), publicado em 2005, temporário durante os períodos de transmissão de FA,
adota medidas de natureza preventiva, tais como busca optou pela realização do diagnóstico laboratorial de
ativa de casos humanos e bloqueio de transmissão por amostras oriundas da região Sul pelo Instituto Adolfo
vacinação, na ocasião da ocorrência de epizootias em Lutz, de São Paulo-SP, e o diagnóstico das amostras
primatas confirmadas por FA.13 oriundas do restante do país foi realizado pelo Instituto
A investigação entomológica como ferramenta de Evandro Chagas, de Belém-PA, visando à facilitação do
vigilância epidemiológica dos eventos envolvendo mor- fluxo de amostras e maior oportunidade na emissão
tes de macacos, conforme preconizada pelo Ministério dos resultados.
da Saúde, foi realizada em apenas 0,5% (11/1.971) Desde o início da implantação pelo Ministério da
das epizootias notificadas. Devido à baixa frequência Saúde, em 1999, da vigilância de epizootias em prima-
de aplicação, essa ferramenta não foi relevante como tas como ferramenta para a vigilância epidemiológica
apoio à investigação da circulação viral nos locais da FA, evidências de circulação viral, tanto em primatas
onde ocorreram as epizootias, embora seja útil para quanto em vetores, passaram a ser incluídas entre os
a avaliação de potenciais vetores e determinação do critérios de classificação das áreas de risco para FA.
ciclo de transmissão.13,15 A vigilância de epizootias como evento-sentinela
Quando comparadas as epizootias confirmadas por FA para a vigilância da FA, embora relativamente recente,
ocorridas durante os dois períodos de transmissão (2007- encontra-se em desenvolvimento no Brasil. Atualmente,
2008 e 2008-2009), observa-se comportamentos distintos são poucos os trabalhos desse tipo descritos na literatu-
quanto à evolução espaço-temporal dos eventos, além ra, seja pelo relato de pesquisadores, seja pela descrição
de diferenças nos critérios de confirmação dos casos. As de experiências de serviços de vigilância. É necessário
epizootias ocorridas durante o primeiro período (2007- que iniciativas de detecção precoce sejam estimuladas,
2008) apresentaram maior dispersão espacial (TO, GO, promovendo novas experiências e divulgação para
DF, MS, MG, SP e PR), concentrando-se com maior fre- o aperfeiçoamento do sistema de vigilância, que tem
quência nas regiões Centro-oeste e Sudeste, enquanto as como seu principal produto uma melhor capacidade
epizootias ocorridas entre 2008-2009 restringiram-se às dos serviços de Saúde Pública de responder à FA.
regiões Sul e Sudeste, nos estados de SP, PR e RS. No que Este estudo apresenta resultados da prática exercida
se refere à evolução no tempo, as epizootias do primeiro na rede de serviços do Sistema Único de Saúde, o SUS,
período de transmissão concentraram-se no mês de e as informações aqui discutidas são de fundamental
janeiro, enquanto as do segundo período de transmissão importância para o aperfeiçoamento da vigilância
tiveram picos nos meses de dezembro e abril. da febre amarela no Brasil e para a consolidação
Quanto à confirmação de casos, foi realizada em da notificação de epizootias em primatas como um
ambos os períodos, tanto por critério laboratorial instrumento de prevenção à ocorrência de casos
como por vínculo epidemiológico. No primeiro pe- humanos da doença.
ríodo, 61,1% das confirmações foram por vínculo
epidemiológico, enquanto no segundo período, o Agradecimentos
critério laboratorial foi o mais frequente, com 95,8%
das epizootias confirmadas. O maior número de con- Aos profissionais de saúde da rede de serviços do
firmações em 2008-2009 deve-se, entre outros fatores, SUS e unidades colaboradoras, unidades de notificação
à maior taxa de coleta de amostras registrada nesse no Sistema de Informação de Agravos de Notificação –
período, em função da maior sensibilização dos ser- Sinan – envolvidas direta e indiretamente neste estudo.
viços de vigilância em saúde quando comparada à da Aos colegas do Grupo Técnico de Vigilância das
vigilância no período anterior. Outrossim, grande parte Arboviroses, da Coordenação Geral de Laboratórios
dos eventos notificados em 2008-2009 ocorreu no RS, (CGLAB)/SVS/MS, dos Institutos Evandro Chagas e
onde a vigilância de epizootias em primatas havia sido Adolfo Lutz, e das Secretarias de Estado e Secretarias
implantada no ano 2000, o que contribuiu sobrema- Municipais de Saúde que contribuíram para a elabo-
neira para a maior capacidade de resposta frente ao ração deste artigo.

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):527-536,out-dez 2011 535


Epizootias em primatas não humanos

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275-293. Aprovado em 06/12/2011

536 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):527-536,out-dez 2011


Artigo
original Caracterização clínica e epidemiológica dos casos
confirmados de hantavirose com local provável de
infecção no bioma Cerrado Brasileiro, 1996 a 2008
doi: 10.5123/S1679-49742011000400013

Clinical and Epidemiological Characterization of Confirmed Cases of Hantavirus with


Suspected Infection Site in the Biome Brazilian Cerrado, 1996 to 2008

Marília Lavocat Nunes


Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde,
Brasília-DF, Brasil

Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury


Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde,
Brasília-DF, Brasil

Daniele Maria Pelissari


Coordenação de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde,
Brasília-DF, Brasil

Mauro da Rosa Elkhoury


Fundação Nacional de Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Resumo
Objetivo: descrever os aspectos clínicos/epidemiológicos dos casos de hantavirose em áreas do bioma Cerrado Brasileiro entre
1996 e 2008. Metodologia: estudo descritivo dos casos de hantavirose com Local Provável de Infecção, em município exclusivamente
de cerrado; os casos de hantavirose foram provenientes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério
da Saúde. Resultados: foram confirmados 320 casos, com letalidade média de 43,8%; Minas Gerais e São Paulo foram os estados
que apresentaram os maiores números de casos; os casos ocorreram, predominantemente, em indivíduos do sexo masculino, na
faixa etária de 20-29 anos, residentes em área urbana e com atividades em agropecuária; a epidemiologia caracterizou-se pelo
contato com roedores e pela infecção no ambiente de trabalho e em área rural/silvestre; os principais sinais/sintomas foram febre,
dispneia e cefaleia. Conclusão: os achados mostraram-se, em sua maioria, similares aos descritos em outros estudos no Brasil,
exceto no que se refere à sazonalidade e à letalidade.
Palavras-chave: hantavirose; epidemiologia descritiva; cerrado.

Summary
Objetive: to describe the clinical/epidemiological cases of hantavirus in areas of biome Brazilian Cerrado, between 1996
and 2008. Methodology: a descriptive study of cases of hantavirus disease with suspected infection site in a city of cerrado
exclusively; cases of hantavirus are available by the Information System for Notifiable Diseases (Sinan) of the Brazilian Ministry
of Health. Results: confirmed 320 cases, with a fatality rate averaged 43.8%; States of Minas Gerais and São Paulo showed
higher record; cases occurred predominantly in males aged 20-29 years, living in urban areas, and occupied on agricultural
activities; epidemiology has been characterized by contact with rodents, and infection in the workplace and in rural areas/
wildlife; main signs and symptoms were fever, dyspnea and headache.Conclusion: findings were similar to reported in other
studies in Brazil, except those with reference to seasonality and lethality.
Key words: hantavirus; descriptive epidemiology; cerrado.

Endereço para correspondência:


Endereço para correspondência:
Coordenação de Vigilância de Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses (COVEV/CGDT/DEVEP/SVS/MS), SCS,
Quadra 4, Bloco A, Edifício Principal, 2º andar, Asa Sul, Brasília-DF. CEP: 70304-000
E-mail: marilia.lavocat@saude.gov.br; marilia.lavocat@gmail.com

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Hantavirose no cerrado brasileiro

Introdução transição entre biomas, foram detectadas três variantes


virais e seus respectivos reservatórios: em áreas do
A hantavirose é uma enfermidade aguda de caráter estado do Maranhão, os hantavírus Anajatuba e Rio
febril, causada por vírus da família Bunyaviridae, gê- Mearim, cujos reservatórios são roedores das espécies
nero Hantavirus que se apresenta sob duas síndromes Oligoryzomys fornesi e Holochilus sciureus, respec-
distintas: a febre hemorrágica com síndrome renal tivamente; em estudos realizados no estado do Mato
(FHSR), que é endêmica na Europa e Ásia, e síndrome Grosso, identificou-se o hantavírus Laguna Negra, e seu
cardiopulmonar por hantavírus (SCPH), esta restrita às reservatório, o roedor Calomys callidus.11,12
Américas.¹ No continente americano, os reservatórios Como a distribuição das diferentes variantes dos
são roedores da subfamília Arvicolinae e Neotominae hantavírus e seus respectivos reservatórios está di-
(América do Norte) e Sigmodontinae (América do retamente relacionada à biodiversidade dos biomas
Norte, Central e do Sul).² A subfamília Murinae tem brasileiros, faz-se necessário realizar estudos sobre
ao menos uma espécie-reservatório no continente o perfil clínico e epidemiológico dos pacientes aco-
americano, cujo hantavírus associado com essa espécie metidos por hantavirose em cada bioma, com vistas a
não é considerado, até o momento, patogênico para identificar diferenças regionais.
o ser humano.3
A transmissão da hantavirose, em ambas as síndro- Estudos sobre a distribuição das
mes, se dá pela inalação de partículas virais presente variantes de hantavírus demonstram
nas fezes, urina e saliva de roedores silvestres. Outras
formas já foram descritas, porém pouco frequentes:
que, para cada bioma, há diferentes
a percutânea, o contato do vírus com as mucosas;4 e espécies de reservatórios, que
a transmissão entre pessoas, registrada na Argentina albergam diferentes variantes
e Chile e associada à variante Andes.¹ do vírus.
O Brasil teve os primeiros registros de hantavirose
em novembro de 1993.5 Até 2008, foram confirmados O objetivo do presente estudo foi descrever os as-
1.119 casos, sendo que 444 evoluíram para óbito, pectos clínicos e epidemiológicos dos pacientes com
apresentando uma taxa de letalidade média de 39,1%.6 diagnóstico de hantavirose no período de 1996 a 2008,
Os casos registrados no país estão distribuídos infectados em municípios cuja vegetação corresponda
em todas as regiões, identificados em três dos seis exclusivamente ao bioma Cerrado. A seleção desse
grandes biomas brasileiros – Cerrado, Mata Atlântica bioma decorreu da ausência de estudos sobre o tema
e Floresta Amazônica – e em áreas de transição entre no ambiente, que apresenta o maior número de casos
estes biomas. Estudos sobre a distribuição das varian- e a maior taxa de letalidade por hantavirose quando
tes de hantavírus demonstram que, para cada bioma, comparado aos demais biomas do Brasil.
há diferentes espécies de reservatórios, que albergam
diferentes variantes do vírus e assim estabelecem Metodologia
uma associação-espécie específica, responsável pela
manutenção da circulação do vírus em cada bioma.7 Foi realizado um estudo descritivo retrospectivo dos
No bioma Cerrado, o roedor reservatório e va- casos de hantavirose cujo local provável de infecção foi
riante viral envolvidos nos casos de hantavirose são um município do bioma Cerrado brasileiro, presente em
o Necromys lasiurus e a variante Araraquara.8 No 12 unidades da Federação: Distrito Federal; Mato Gros-
bioma Mata Atlântica, foram descritos dois reservató- so; Mato Grosso do Sul; Goiás; Minas Gerais; São Paulo;
rios, e respectivas variantes: o roedor Oligoryzomys Bahia; Piauí; Maranhão; Pará; Tocantins; e Paraná.
nigripes, que alberga a variante Juquitiba; e o roedor Os dados foram obtidos da ficha de investigação de
Akodon montensis, que alberga a variante Jaborá.8,9 hantavirose constante do Sistema de Informação de
Recentemente, foi identificada na Amazônia, no estado Agravos de Notificação (Sinan) no período de 1996 a
de Rondônia, a variante Rio Mamoré, sequenciada a 2008. Devido à necessidade de aprimorar o sistema
partir do roedor Oligoryzomys microtis e todavia e as informações específicas da doença, utilizou-se
não identificada em casos humanos.10 Nas áreas de os dados das três diferentes versões disponíveis:

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Marília Lavocat Nunes e colaboradores

1996-2000 Sinan-DOS; 2001-2006 Sinan-Windows; conforme estabelecido pela Portaria nº 5, de 21 de


e 2007 e 2008 SinanNET. Nesse período, as fichas de fevereiro de 2006.
investigação também passaram por alterações, como A identificação dos municípios segundo seus biomas
inclusão e exclusão de variáveis, razão porque não foi foi realizada a partir dos dados da Fundação Instituto
possível analisar, no conjunto, todas as variáveis ao Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).13 Neste
longo da série histórica. Para algumas, portanto, as estudo, foram incluídos os municípios que apresen-
análises foram realizadas separadamente. taram casos de hantavirose e 100,0% de sua extensão
De início, o banco foi verificado manualmente e geográfica composta exclusivamente de vegetação
foram retiradas as duplicidades e inconsistências. característica do bioma Cerrado.
Para a realização das análises, os dados ignorados ou As análises foram realizadas pelos softwares Excel,
em branco não foram considerados. Foram utilizadas Tabwin, Epi Info versão 3.5 e ArcView.
as variáveis demográficas, epidemiológicas, clínicas,
laboratoriais, e de tratamento. Para essas três últimas Considerações éticas
variáveis, as análises foram realizadas conforme Este estudo foi realizado com dados secundários,
disponibilidade nas diferentes versões dos sistemas. coletados e utilizados somente para o que se refere
As variáveis foram avaliadas quanto à completitude aos objetivos do estudo, com as informações apre-
da informação calculando-se a proporção de campos sentadas de forma coletiva e sem qualquer prejuízo
sem registros (em branco) ou preenchidos como para as pessoas envolvidas. Não foram acessadas
‘ignorado’, em relação ao total de casos. Ambas as informações nominais ou que pudessem identificar
situações foram classificadas com ‘sem informação’. cada indivíduo.
O estudo analisou o número de casos e não a
incidência, uma vez que, para enfermidades que Resultados
possuem ocorrências raras ou de baixa frequência na
população, o número de casos absoluto é o melhor No período de 1996 a 2008, foram confirmados 320
indicado. casos de hantavirose, distribuídos em cinco unidades
Para esta análise, o tempo decorrido entre o da Federação de abrangência do bioma Cerrado. O
inicio de sintomas e a notificação, considerado opor- número médio foi de 26,6 casos por ano e a taxa de
tuno por estes autores, foi o período de 24 horas, letalidade média, de 43,8% (Figura 1).

80 100,0

70
80,0
60
Número de casos

50 60,0
%
40
40,0
30

20
20,0
10

0 0,0
1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Casos Letalidade
Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)/SVS/MS

Figura 1 - Casos e taxa de letalidade por hantavirose segundo local provável de infecção no bioma Cerrado.
Brasil, 1996 a 2008

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Hantavirose no cerrado brasileiro

Do total de casos registrados, 49,0% (158/320) Sobre sua escolaridade, 23,7% (59/248) tinham
aconteceram em Minas Gerais, 21,0% (66/320) em entre a 5ª série e ensino médio completo. Vale destacar
São Paulo, 18,0% (58/320) no Distrito Federal, 10,0% que em 22,5% (72/320) dessa variável, a informação
(33/320) em Goiás e 2,0% (5/320) no Mato Grosso. foi ignorada ou estava em branco.
A extensão geográfica da doença foi limitada a 186 No que se refere ao perfil dos pacientes em relação
municípios de infecção, o que corresponde a 6,6% à ocupação profissional, observou-se que aproxi-
(186/2.815) do total de municípios do bioma Cerrado madamente 38,9% (95/244) exerciam atividades
no Brasil (Figura 2). relacionadas à agropecuária.
Quanto à distribuição temporal, foram confirma- Os principais sinais e sintomas verificados nos pa-
dos casos em todos os meses do ano, sendo 59,4% cientes com hantavirose, comuns às diferentes versões
(190/320) registrados entre abril e agosto (Figura 3). do Sinan, foram: febre, 95,6% (306/320); dispneia,
Do total de casos analisados, 76,9% (246/320) 86,6% (271/313); e cefaleia, 68,7% (209/304) (Fi-
foram pessoas do sexo masculino, a faixa etária com gura 4).
maior ocorrência de casos foi a de 20 a 29 anos, com Observou-se que nas manifestações clínicas dis-
média de 31 e mediana de 34 anos, e o intervalo de poníveis na versão SinanNET, que correspondem às
idade variou de 9 meses a 72 anos. análises dos casos de 2007 e 2008, 79,5% (58/73)
Os óbitos ocorreram com maior frequência no dos pacientes apresentaram tosse seca e mialgia
sexo masculino (105/140); observou-se maior taxa de 75,0% (54/72).
letalidade no sexo feminino (47,3%; 35/74), quando Em relação aos achados laboratoriais comuns aos
comparada à do sexo masculino (42,7%; 105/246). casos, a trombocitopenia foi identificada em 70,5%
A taxa de letalidade por faixa etária variou de 38,5% (191/271) dos pacientes; e hematócrito >50,0% esteve
(5/13) nos maiores de 60 anos a 53,3% (24/45) no presente em 63,4% (173/273) dos indivíduos.
grupo etário de 50 a 59 anos. Das informações disponíveis em 258 casos dos
Em relação a raça/cor, 61,7% (166/269) dos casos 320 confirmados, o tempo médio transcorrido entre o
eram brancos; e quanto à zona, 67,0% (204/305) dos início de sintomas e o primeiro atendimento foi de 2,7
pacientes residiam em área urbana. dias, com mediana de dois dias. Em 95,6% (246/258)

Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)/SVS/MS

Figura 2 - Casos de hantavirose segundo o município de infecção no bioma Cerrado. Brasil, 1996 a 2008

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60

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Número de casos

30

20

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0
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Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)/SVS/MS

Figura 3 - Distribuição dos casos de hantavirose segundo o mês de início de sintomas e local de infecção no
bioma Cerrado. Brasil, 1996 a 2008

Febre

Dispneia

Cefaleia
Sinais e sintomas

Naúsea/Vômito

Dor abdominal

Insuficiência renal

Manifestações hemorrágicas

Sintomas neurológicos

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 90,0%
Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)/SVS/MS

Figura 4 - Manifestações clínicas dos casos de hantavirose. Brasil, 1996 a 2008

dos pacientes, o primeiro atendimento ocorreu em até de três dias. Em 94,6% (283/299) desses pacientes,
seis dias após o início dos sintomas. a internação ocorreu até o 7º dia após os primeiros
Dos casos com informação sobre a necessidade de sintomas.
assistência hospitalar, 97,8% (305/312) foram interna- Em apenas 46,2% (141/305) dos pacientes
dos. Desses, a data de internação estava disponível em internados foi possível obter informações sobre o
98,0% (299/305) dos casos, sendo possível verificar período entre o início de sintomas e a alta hospitalar,
que o tempo transcorrido entre o início dos sintomas que apresentou média de 13,1 dias (0 a 155 dias) e
e a data de internação foi de 3,6 dias, com mediana mediana de dez dias.

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Hantavirose no cerrado brasileiro

Para 133 pacientes com a data de óbito preenchida, em 1,8 dia após a notificação (mediana de 0 dia). O
o tempo médio de evolução entre o início de sintomas intervalo de tempo transcorrido entre a notificação e
e o óbito foi de cinco dias, mediana de quatro e moda a investigação variou de 0 a 151 dias.
de três dias. Em relação ao intervalo entre a internação
e o óbito, a média foi de 1,8 dias e a mediana de 0 dia. Discussão
Em 95,5% (127/133), os óbitos ocorreram em até sete
dias após a admissão hospitalar. Os primeiros registros de hantavirose no Brasil
Dos 180 pacientes que evoluíram para cura, a datam de 1993, no Estado de São Paulo. A detecção de
informação sobre a data da alta estava disponível em casos na região do Cerrado, entretanto, acontece desde
46,1% (83/180). O tempo médio de internação dos 1996. No período de análise do estudo, verificou-se
pacientes que receberam alta por cura foi de 8,8 dias, que 28,6% (320/1.119) dos casos ocorreram em
com mediana de sete dias. Aproximadamente 90,4% municípios que compõem o bioma Cerrado brasileiro
dos pacientes tiveram alta até o 14º dia. e correspondem a 54,0% (186/343) dos municípios
Em relação ao tratamento, necessitaram de assistên- com transmissão de hantavirose no país. Apesar de os
cia respiratória mecânica 49,4% (116/235) dos casos; estados de Mato Grosso do Sul e Tocantins contarem
e no que se refere ao suporte terapêutico dos pacientes com áreas extensas desse bioma, não apresentaram
internados com SCPH (informação disponível nos registros de casos até o momento. Em Mato Grosso
anos de 2007 e 2008), 77,2% dos casos receberam do Sul, porém, há evidências de circulação do vírus:
antibioticoterapia e a utilização de drogas vasoativas em 2004, investigação eco-epidemiológica realizada
foi observada em 39,7% (25/63) dos casos. pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) identi-
Dos 320 casos de hantavirose confirmados nesse ficou um roedor-reservatório infectado e há registro
período, 93,8% (300/320) foram por critério labo- de que pelo menos uma pessoa nativa, sem histórico
ratorial, 1,6% (5/320) por critério clínico-epide- de deslocamento para fora do estado, apresentou an-
miológico; e em 4,6% (15/320) essa variável não se ticorpos da classe IgG reagentes para hantavírus. Em
encontrava preenchida, embora, quando verificada a estudo realizado por Serra,14 também se identificou a
classificação final, estes casos apresentassem resulta- circulação de hantavírus entre indígenas do estado.
dos confirmados para hantavirose. A partir de 2000, observou-se um aumento no
Entre as principais atividades e exposições de número de casos na área do Cerrado, com destaque
risco determinadas pela investigação epidemiológica, para 2004, quando foi registrada a maior frequência
38,1% (122/320) estavam associadas ao contato com de casos em função do surto ocorrido no Distrito
roedores e 36,3% (116/320) à limpeza de edificações Federal. A partir desse ano, observou-se uma redução
como paióis, celeiros, casas abandonadas ou fechadas de casos, embora a letalidade tenha-se mantido em
por qualquer tempo. torno dos 45,0%, o que demonstra a gravidade dessa
Quanto às características do LPI, 75,3% (213/320) enfermidade e a necessidade de implementar ações de
dos pacientes infectaram-se em área rural ou silvestre vigilância e assistência, visando à detecção precoce do
e 45,7% (121/320) em atividades laborais. maior número de casos. Figueiredo e colaboradores15
O prazo médio decorrido entre a data de início de sugerem que a letalidade em pacientes de hantavirose
sintomas e a notificaçao foi de 8,6 dias (0-291 dias), pode estar relacionada às variantes de hantavírus
sendo a mediana de 4 dias. Sobre as informações entre que apresentam diferentes tipos de virulência. Nesse
o primeiro atendimento e a notificação, a média foi de mesmo estudo, os autores demonstraram que a leta-
5,6 dias (0 a 286 dias), sendo a mediana de 2 dias. lidade de hantavirose no Planalto Central foi maior
Do total de casos, 42,4% foram notificados em até 24 quando comparada à letalidade dos casos da região Sul
horas após o primeiro atendimento. (p=0,0051). A letalidade média no bioma Cerrado foi
Em relação à investigação epidemiológica, 84,3% maior quando comparada à letalidade média no país
(270/320) dos casos foram investigados no dia 0, ou (39,6%) e na Mata Atlântica (32,4%).
seja, na mesma data da notificação, e 95,0% (304/320) No que se refere à distribuição temporal, observou-
tiveram a investigação iniciada até o quinto dia após se, na ocorrência mensal de casos, concentração entre
a notificação. Em média, a investigação foi realizada os meses de abril a agosto, que correspondem ao perí-

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Marília Lavocat Nunes e colaboradores

odo de seca, quando há maior densidade populacional No presente estudo, 97,8% dos pacientes necessi-
de roedores dada a disponibilidade de alimentos.7 taram de assistência hospitalar. O tempo médio entre
Essa concentração de casos de hantavirose no Cerrado o início de sintomas e o primeiro atendimento foi de
difere da observada no bioma Mata Atlântica, onde 2,7 dias; e entre o início de sintomas e a internação,
os picos de registros ocorreram entre os meses de 3,6 dias. Apesar de o paciente procurar assistência
setembro e dezembro.7,15-17 precocemente, 70,0% dos óbitos ocorreram até
O perfil dos pacientes foi semelhante aos descritos o 5º dia de doença, o que pode estar associado à
em outros estudos realizados no Brasil e em países das rápida evolução clínica, da fase prodrômica para a
Américas, em que o sexo masculino e os adultos jovens fase cardiopulmonar. Ademais, considerando-se que
foram os mais acometidos.18-21 Essas informações, asso- 97,8% dos pacientes foram hospitalizados, e devido
ciadas à ocupação dos pacientes, o local e o ambiente à gravidade da doença e aos resultados observados,
de infecção reforçam os resultados descritos em estudos infere-se que o sistema de vigilância da hantavirose
anteriores sobre o perfil dos pacientes no Brasil, onde é deficiente para a detecção de formas clínicas leves
a hantavirose tem se mostrado associada às atividades ou inespecíficas, quer pela falta de informação da
relacionadas ao trabalho.13-15 Vale destacar que, embora população e de profissionais de saúde sobre a doen-
a raça branca apresente maior proporção de casos, ela ça, quer pelo próprio acesso do usuário a serviços
não está especificamente associada à doença. assistenciais.
Apesar da ocorrência de apenas 23,0% (74/320) A hantavirose é um agravo de notificação imediata.
dos casos de hantavirose no sexo feminino, a letali- Sua investigação deve ser realizada em até 48 horas,
dade para esse sexo foi maior quando comparada à conforme descrito na Portaria nº 5/2006.22 Não obs-
dos cacos do sexo masculino. Elkhoury20 encontrou tante, o tempo transcorrido entre a notificação e o
resultados semelhantes quando analisou os casos de primeiro atendimento foi, em média, de 8,6 dias, e
hantavirose no Brasil, no período de 1993 a 2006. entre a notificação e investigação dos casos, em média,
Diante desses achados e das situações/exposições de de 2 dias – em um intervalo de registro de 0-151 dias.
risco dos pacientes em contato com roedores20 e/ou
dedicados a atividades de limpeza, pode-se inferir que a mulher, por realizar atividades
a mulher, por realizar atividades domésticas como domésticas como varredura de
varredura de ambientes considerados de risco, está ambientes considerados de risco,
exposta a uma maior concentração de carga viral,
com possibilidade de agravamento do quadro clínico. está exposta a uma maior
Em relação aos sinais e sintomas registrados neste concentração de carga viral.
estudo, observou-se que a febre tem grande importância
na detecção de casos, pois foi encontrada em 95,6% de- Entre as limitações deste estudo, pode-se citar as
les. Este resultado é semelhante ao obtido por Elkhoury alterações do sistema de informação – Sinan – e da
e Limongi e colaboradores, que revelaram a presença ficha de investigação, o número de variáveis em branco
de febre em 95,3% e em 100,0% dos casos, respecti- ou ‘ignorada’, as limitações inerentes a uma análise de
vamente.19,20 Estudo realizado no bioma Mata Atlântica, dados secundários, especialmente quanto à qualidade
no entanto, constatou registro de febre em 78,0% dos da informação, e ainda, o não sequenciamento da va-
casos,10 o que difere dos achados deste estudo. riante de hantavírus em todos os pacientes acometidos
Apesar de a mialgia ser um dos sinais clínicos para a pela doença na região do Cerrado, o que impossibilitou
identificação de suspeitos, conforme definição de casos análises entre manifestações clínicas e letalidade com
normatizada pela vigilância da hantavirose no Brasil, a espécie de hantavírus circulante.
não foi possível mensurá-la no período de análise, de Apesar das limitações encontradas, nos últimos
1996 até 2006, pois a variável era de preenchimento anos, tem-se observado uma melhora gradativa, tênue,
“aberto”. Chama a atenção que, a partir de 2007, no sistema de vigilância epidemiológica da hantavirose.
quando a ficha de investigação de hantavirose foi É mister adotar várias medidas visando à melhoria dos
reestruturada, esse sintoma passou a ter importância componentes e características desse sistema, entre
clínica, registrado em 75,0% dos casos. eles: fluxo de informação da notificação compulsória

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Hantavirose no cerrado brasileiro

imediata, dos serviços assistenciais para o serviço local A análise comparativa entre os resultados permitirá
de vigilância epidemiológica; qualidade da investiga- ampliar e aprofundar o conhecimento da hantavirose
ção; disponibilidade de metodologias diagnósticas que no Brasil.
permitam identificar as variantes associadas à doença; Não obstante, as atividades de informação e
comunicação em saúde; capacitação de profissionais educação para a população sob risco devem ser
das áreas de vigilância epidemiológica e assistencial; contínuas e permanentes, respeitadas as identidades
e monitoramento da qualidade das informações cole- da epidemiologia da hantavirose em cada área. A rea-
tadas e disponibilizadas. lização de estudos eco-epidemiológicos sobre as áreas
Estudos da hantavirose e seu comportamento epi- consideradas – epidemiologicamente – ‘silenciosas’
demiológico nos demais biomas brasileiros onde esse permitirão conhecer e definir as características e a
agravo ocorre, sob a forma de casos isolados ou de extensão geográfica real das áreas de risco para a
endemia, devem ser alvo de nossa atenção imediata. hantavirose no Brasil.

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Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):537-545,out-dez 2011 545


Artigo
Original A Vigilância da fluoretação de águas nas
capitais brasileiras
doi: 10.5123/S1679-49742011000400014

Water Fluoridation Surveillance in Brazilian Capitals

Kátia Cesa
Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Claídes Abegg
Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil

Denise Aerts
Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Luterana do Brasil, Canoas-RS, Brasil

Resumo
Objetivo: estudar a vigilância do fluoreto nas águas de abastecimento público nas capitais brasileiras, em 2005. Metodo-
logia: os dados foram coletados por meio de questionário preenchido pelas coordenações locais do Programa de Vigilância
em Saúde Ambiental relacionada à Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua) nas secretarias municipais de saú-
de, e da base de dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) do
Ministério da Saúde; foram analisados 1.911 registros do parâmetro fluoreto. Resultados: em 2005, 17 capitais brasileiras
(62,9%) fluoretavam as águas de abastecimento público e, dessas, apenas cinco (29,4%) realizaram as etapas de coleta,
análise e divulgação do parâmetro fluoreto; o maior índice de adequação dos teores foi em Porto Alegre-RS (80,0%) e o
menor em Aracaju-SE (28,5%). Conclusão: embora seja a fluoretação de águas a principal política pública de prevenção
de cáries no país, na maior parte das capitais brasileiras, os níveis de fluoreto nas águas de abastecimento não foram moni-
torados pelo Vigiágua em 2005; evidencia-se a necessidade de um maior compromisso intersetorial para a qualificação da
fluoretação de águas no país.
Palavras-chave: fluoretação de águas; qualidade da água; vigilância; saúde ambiental.

Summary
Objective: to study the fluoride surveillance in public water supplies in Brazilian capitals, in 2005. Methodology:
data was collected through a questionnaire completed by the local coordinations of the Surveillance Program on Envi-
ronmental Health related with Quality of Water for Human Consumption (Vigiagua) in Municipal Health Secretariats,
and from database of the Surveillance Information System of Quality of Water for Human Consumption (Sisagua),
of the Brazilian Ministry of Health; 1,911 fluoride records were evaluated. Results: in 2005, 17 Brazilian capitals
(62.9%) fluoridated their public water supply; of those, only five (29.4%) carried out the steps of collection, analysis,
and publishing of fluoride parameter; the highest rate of appropriateness of fluoride levels was found in Porto Alegre-RS
(80.0%), and the lowest in Aracaju-SE (28.5%). Conclusion: water fluoridation is the main public policy for prevention
of caries in Brazil; even though, in most Brazilian capitals, levels of fluoride in water supplies were not monitored by
Vigiágua in 2005; this shows the need of a greater intersectoral commitment to improve water fluoridation in the country.
Key words: water fluoride; water quality; surveillance; environmental health.

Endereço para correspondência:


Rua São Manoel, 2022, Apto 506, Santana, Porto Alegre-RS. CEP: 90620-110
E-mail: katiacesa@hotmail.com

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):547-555,out-dez 2011 547


Vigilância da fluoretação das águas

Introdução em saúde.10,11 Porém, vários estudos alertam para a


grande oscilação dos níveis de fluoreto nas águas de
No Brasil, a Vigilância em Saúde vem adquirindo abastecimento, reforçando a necessidade da imple-
um nível de especificidade que lhe confere importante mentação de sistemas de vigilância.12-15
papel, tanto na articulação de ações de promoção Novos sistemas de fluoretação de águas estão sendo
e proteção da saúde como na orientação de ações implantados, incentivados pela Política de Saúde Bucal
voltadas para o controle de eventos adversos à saúde.1 do Ministério da Saúde, ‘Brasil Sorridente’. De 2003 a
A Lei nº 8.080/1990, ao ampliar o conceito de 2007, foram implantados 206 novos sistemas em oito
saúde, passou a atribuir ao Sistema Único de Saúde estados brasileiros, beneficiando, aproximadamente,
(SUS) a responsabilidade pela execução das ações de 2,4 milhões de pessoas.7
vigilância em uma perspectiva mais abrangente, in- A ampliação da cobertura da fluoretação de águas
corporando os condicionantes socioambientais como no país reforça a necessidade do monitoramento desse
determinantes da saúde das populações.2 A integração parâmetro por parte das Secretarias Municipais de
entre o monitoramento de fatores ambientais que pos- Saúde, responsáveis pela vigilância da água para con-
sam oferecer riscos à saúde e de agravos associados sumo humano. O potencial dessa política pública tem
a esses fatores ambientais representa a essência das sido pouco destacado, a despeito de sua importância
ações da Vigilância em Saúde Ambiental.3 para a adequação do processo de fluoretação. Nesse
O Programa de Vigilância em Saúde Ambiental sentido, o presente estudo tem como objetivo investi-
relacionada à Qualidade da Água para Consumo Hu- gar a situação da vigilância dos teores de fluoreto nas
mano – Vigiagua –, integrante do Subsistema Nacional capitais do Brasil no ano de 2005.
de Vigilância Ambiental em Saúde, foi implantado no
ano 2000.4 A partir de então, a fluoretação de águas, Vários estudos alertam para grande
principal estratégia da prevenção de cáries dentárias oscilação dos níveis de fluoreto nas
no país, encontra um espaço institucional com legi-
timidade para garantir o cumprimento dos padrões águas de abastecimento, reforçando
estabelecidos na legislação vigente. Como apoio a a necessidade da implementação de
esse programa, foi criado o Sistema de Informação sistemas de vigilância.
de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo
Humano – Sisagua –, que inclui campos específicos Metodologia
para o registro das análises do fluoreto.5 No Brasil,
estima-se que cerca de 100 milhões de pessoas, 53,0% Trata-se de um estudo descritivo de vigilância da
da população, são abastecidas por sistemas públicos qualidade da água para consumo humano nas capitais
com fluoretação de águas,6,7 medida obrigatória desde brasileiras. A escolha desse universo deve-se ao fato
1974, por meio da Lei MS nº 6.050/1974.8 de o Programa Vigiagua estar implantado na totalidade
Atualmente, o padrão de potabilidade da água de dessas capitais.
consumo humano é estabelecido pela Portaria MS nº O estudo utilizou duas fontes de dados referentes
518/2004, que determina o valor máximo permitido ao período de janeiro a dezembro de 2005. A primeira
(VMP) de 1,5 partes por milhão (ppm) para o fluore- foi um questionário autoaplicável, do tipo estruturado,
to.9 Porém, na maior parte do país, tendo em vista as desenvolvido especialmente para a pesquisa e pré-
médias de temperaturas máximas anuais, a concentra- testado em um estudo piloto. O questionário previa a
ção preconizada para maximizar a prevenção de cárie coleta de dados referentes a: fluoretação de águas na
e limitar a ocorrência de fluorose do esmalte situa-se capital; vigilância do fluoreto como rotina; consolida-
entre 0,6 e 0,8 ppm. A rigorosa observância desse ção dos resultados; emissão de relatórios; divulgação
limite deve-se ao fato de o fluoreto ser encontrado, das informações; dificuldades para operacionalizar a
além de nas águas de abastecimento público, em vários vigilância do fluoreto na água de abastecimento; tempo
produtos, como águas minerais, chás, medicamentos, de implantação do Programa Vigiagua; número e fre-
cremes dentais, suplementos nutricionais, sendo seu quência das coletas de amostras para esse parâmetro;
monitoramento de grande interesse para a vigilância e base de dados utilizada.

548 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):547-555,out-dez 2011


Kátia Cesa e colaboradores

Após contato telefônico informando o objetivo da Considerações éticas


pesquisa, os questionários foram enviados, via postal, Este projeto foi submetido ao Comitê de Ética em
às Secretarias Municipais de Saúde – Programa Vigia- Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do
gua – das 27 capitais brasileiras. A primeira postagem Sul e aprovado sob o n° 25/06. Termo de Consenti-
data de 2006: juntamente com os questionários, foram mento Informado foi assinado pelos profissionais que
enviados envelopes selados e endereçados, para re- participaram do estudo.
torno. No prazo de dez meses, todos os questionários
haviam retornado à coordenação do estudo, preenchi- Resultados
dos pelos responsáveis pela Vigilância da Qualidade
da Água no município. Os dados obtidos a partir dos questionários
A segunda fonte de dados foi o Sisagua, disponibili- demonstram que, em 2005, 17 (63,0%) capitais
zado online e alimentado pelas secretarias municipais brasileiras fluoretaram as águas de abastecimento
de saúde, com acesso autorizado para a pesquisa no público e 10 (37,0%) não o fizeram. Destas últimas,
Sisagua. Foram obtidos o número de amostras e os nove localizavam-se no Norte e Nordeste do país. No
teores de fluoreto encontrados nas amostras, em ppm. Sul e no Sudeste, a fluoretação de águas foi realizada
Os teores foram classificados em intervalos, com base em todas as capitais (Figura 1). Cabe observar que o
na legislação específica:15 ausente (teor <0,1 ppm); Programa Vigiagua estava implantado nas 27 capitais
abaixo (teor <0,6 ppm); adequado (teor entre 0,6 e brasileiras.
0,8 ppm); e acima (teor >0,8 ppm). Por se tratar de Em relação às etapas de um sistema de vigilância,
um estudo descritivo, os dados foram apresentados nove das 17 capitais com fluoretação de águas afir-
segundo suas frequências absolutas e relativas, nas maram monitorar o fluoreto como rotina integrante
variáveis de interesse. do Vigiagua. Porém, Rio de Janeiro-RJ e Brasília-DF

Boa Vista
Macapá

Belém
Manaus São Luís
Fortaleza
Natal
Teresina João Pessoa
Rio Branco Recife
Porto Velho
Maceió
Palmas Aracaju
Salvador

Cuiabá Brasília

Goiânia
Belo Horizonte
Campo Grande Vitória

Legenda São Paulo


Rio de Janeiro
Capitais sem fluoretação de águas Curitiba

Capitais com fluoretação de águas


Porto Alegre Florianópolis

Figura 1 - Mapa da distribuição das capitais brasileiras com e sem fluoretação de águas. Brasil, 2005

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):547-555,out-dez 2011 549


Vigilância da fluoretação das águas

faziam-no a partir dos relatórios recebidos das Das 17 capitais que informaram realizar a fluoreta-
companhias de abastecimento, ou seja, sem realizar ção de águas, cinco (29,0%) realizaram, no período
a coleta de amostras. Nas sete equipes que rotineira- do estudo, todas as etapas que constituem um sistema
mente coletavam amostras para análise do fluoreto de vigilância: Curitiba-PR; Porto Alegre-RS; Aracaju-SE;
em seus municípios, a frequência mensal do número Vitória-ES; e São Paulo-SP. Dificuldades relacionadas à
de amostras variou de 25, em Aracaju-SE, a 67, em vigilância do parâmetro fluoreto foram referidas pelas
Curitiba-PR. outras 12 capitais. Entre elas, a ausência de infraes-
Seis capitais sistematizaram, em meio eletrônico, trutura (veículo, recursos humanos, computadores)
os resultados referentes ao fluoreto: Aracaju-SE, e de laboratório ou equipamentos para análise foram
Fortaleza-CE, Vitória-ES, São Paulo-SP, Curitiba-PR e as principais razões apontadas.
Porto Alegre-RS. Dessas, apenas em São Paulo-SP não O número de amostras preconizadas pelo plano de
houve a alimentação do Sisagua no período do estudo, amostragem do Vigiagua, informadas no questionário e
pois o município paulistano utiliza um banco de dados registradas no Sisagua, é apresentado na Tabela 1. Em
próprio para a sistematização das informações da Salvador-BA, as 256 amostras informadas correspon-
qualidade da água. deram exclusivamente ao período de janeiro a julho de
Cinco capitais afirmaram emitir relatórios e 2005, razão porque a média anual não foi calculada.
divulgá-los para a população e outras instituições. Em Aracaju-SE e Fortaleza-CE, o número de amostras
Entre as instituições citadas, encontram-se o Conselho registradas no Sisagua foi inferior a 50,0% do número
Municipal de Saúde (Porto Alegre-RS; Curitiba-PR), a de amostras informadas.
Coordenação de Saúde Bucal da Secretaria Municipal Na base de dados Sisagua foram encontrados 6.058
de Saúde (Vitória-ES; Porto Alegre-RS), o Ministério registros referentes a análises físico-químicas e bacte-
da Saúde (São Paulo-SP; Porto Alegre-RS), a Vigilância riológicas em amostras de água coletadas pelas equipes
Estadual (São Paulo-SP; Porto Alegre-RS), o Sindicato de vigilância das 17 capitais com fluoretação. Dessas,
dos Odontólogos (Aracaju-SE) e Faculdades de Odon- apenas em Porto Alegre-RS, Curitiba-PR, Vitória-ES,
tologia, Assembleia Legislativa e Câmara de Vereadores Aracaju-SE e Fortaleza-CE houve o registro dos valores
(Porto Alegre-RS). referentes ao parâmetro fluoreto nas amostras, tota-
Em Fortaleza-CE, embora tenham sido cumpridas as lizando 1.911 registros válidos para a análise de sua
etapas de um sistema de vigilância – coleta, análise e adequação. A capital que apresentou o maior índice
sistematização dos resultados –, não houve a emissão de adequação nas amostras foi Porto Alegre-RS, com
de relatórios e divulgação dos resultados. 80,0% dos teores na faixa recomendada; o menor

Tabela 1 - Número de amostras de água para análise do parâmetro fluoreto preconizado pela diretriz nacional
do Vigiágua,a informado por mês e ano, registrado no Siságuab segundo capitais brasileiras.
Brasil, 2005

Preconizado pelo Vigiaguaa Informado mensal Total anual Sisaguab


Capital 
n n n n %
Curitiba 27 67 804 739 91,9
São Paulo 68 60 720 –  –
Porto Alegre 27 53 636 539 84,7
Vitória 18 30 360 358 99,4
Fortaleza 54 28 336 138 41,0
Aracaju 18 25 300 137 45,6
Salvador 54 – 256 – –
a) Vigiágua: Vigilância em Saúde Ambiental relacionada à Qualidade da Água para Consumo Humano
b) Siságua: Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano

550 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):547-555,out-dez 2011


Kátia Cesa e colaboradores

índice foi de 28,5%, em Aracaju-SE (Figura 2). Nas Coordenação Nacional de Saúde Bucal, do Ministério
cidades de Curitiba-PR, Aracaju-SE e Fortaleza-CE, da Saúde. O monitoramento contínuo, a análise re-
o número total de amostras inadequadas superou o gular dos níveis de fluoreto encontrados na água de
de adequadas,16 sendo encontrado o maior índice de abastecimento e a permanente avaliação do impacto
teores, acima de 0,8 ppm, em Fortaleza-CE (34,8%) e, epidemiológico dessa medida devem orientar as es-
em Aracaju-SE, abaixo de 0,6 ppm (65,0%). tratégias adotadas pelos programas de saúde bucal e
pelas equipes responsáveis pela vigilância da qualidade
Discussão da água nos municípios.
Em Cuba, o Sistema Nacional de Vigilância da
O Programa de Vigilância em Saúde Ambiental rela- Fluoretação trouxe grande contribuição na tomada
cionado à Qualidade da Água para Consumo Humano de decisões quanto às fontes de abastecimento na-
já foi implantado em grande parte dos municípios turalmente fluoretadas e com teores superiores a
brasileiros.17 O Vigiagua traz uma nova dinâmica 1,5 ppm.19
para as ações de coleta, sistematização e análise dos Em 2005, a fluoretação de águas não foi realizada
dados referentes à fluoretação de águas no país. As em 37,0% das capitais brasileiras, estando a sua maio-
informações geradas por esse sistema possibilitam a ria concentrada nas macrorregiões Norte e Nordeste.
identificação de áreas onde são necessários esforços O levantamento nacional das condições de saúde bucal
para a promoção da saúde e prevenção de agravos, constatou que até os 12 anos a proporção de dentes
além de contribuir para o aumento da percepção cariados foi significativamente maior nessas regiões.20
pública a respeito da importância dessa medida na Seguramente, além da ausência de fluoretação de
prevenção de cáries.18 águas, outros indicadores sociodemográficos contri-
No Brasil, essas informações podem colaborar buem para a ocorrência desse resultado. Entretanto,
para o mapeamento das áreas de risco para fluorose existem dados convincentes sugerindo que para essas
dentária, identificando grupos populacionais expos- populações poderia haver grandes benefícios com
tos, sendo uma responsabilidade intersetorial, pois a implantação desse método coletivo de acesso ao
envolve a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) e a fluoreto.21,22

90,0
80,0
80,0
70,9
70,0 65,0

60,0
Ausente
50,0 Abaixo
Taxa (%)

44,9
Adequado
38,4
40,0 34,8 Acima
29,1 28,4
30,0 26,0
24,6
20,4
20,0
14,6

10,0 8,7
5,4 6,6
0,0 0,0 0,0 2,2
0,0
Porto Alegre Curitiba Vitória Aracaju Fortaleza

Capitais

Figura 2 - Adequação dos teores de fluoreto registrados no Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade
da Água para Consumo Humano – Sisagua – segundo capitais brasileiras. Brasil, 2005

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):547-555,out-dez 2011 551


Vigilância da fluoretação das águas

A baixa cobertura da fluoretação de águas nessas registradas no Sisagua. Possivelmente, esse resultado
regiões brasileiras é um exemplo concreto de omissão está associado a problemas na infraestrutura labora-
do poder público local, tendo em vista a obrigatorieda- torial, uma vez que essa foi a dificuldade mais citada
de dessa medida, regulamentada por legislação federal pelos gestores do Vigiagua na operacionalização da
desde 1974. Burt, ao revisar as evidências de estudos vigilância dos teores de fluoreto nas águas.
nos Estados Unidos da América (EUA), Grã-Bretanha, O presente estudo encontrou a utilização de dados
Austrália e Nova Zelândia, indicou que a fluoretação provenientes dos relatórios enviados pelas companhias
de águas não somente reduz a alta prevalência e seve- de abastecimento de água como única fonte de análise
ridade de cáries como também as disparidades entre para a vigilância, em Brasília-DF e no Rio de Janeiro-
grupos socioeconômicos.23 RJ. De acordo com diversas pesquisas realizadas no
Nas 17 cidades com fluoretação de águas, foram país, as informações repassadas pelas companhias
avaliadas as quatro etapas fundamentais de um siste- são consideradas pouco confiáveis – não fidedignas
ma de vigilância: coleta de amostras, sistematização, –, tornando imprecisas as análises realizadas.12,14,28-30
análise dos resultados e indispensável divulgação para O Sisagua, ao consolidar informações para ava-
quem necessita conhecê-los.24 liação da qualidade da água, desempenha papel
A coleta de água, etapa imprescindível para a con- fundamental para a vigilância epidemiológica da cárie
fiabilidade dos resultados do sistema, foi realizada em dentária e fluorose. Cabe destacar que, sobre o total
apenas sete capitais, sendo observada grande variação de amostras registradas no Sisagua, o fluoreto foi
no número de amostras para análise do fluoreto. analisado em apenas 31,0% delas, referentes a cinco
Colosimo, em estudo realizado para determinação capitais brasileiras. Faz-se necessária uma participação
estatística do número de amostras para a vigilância mais ativa dos diferentes atores envolvidos na vigilância
da qualidade da água de consumo humano, verificou da qualidade da água, para a efetiva utilização dessa
que entre todos os parâmetros analisados o fluoreto base de dados na tomada de decisão com relação
foi o que apresentou a maior instabilidade de seus à inadequação dos teores de fluoreto, amplamente
teores na série histórica estudada.25 Em função disso, relatadas na literatura.28-32
o Plano Nacional de Amostragem do Vigiagua deter- Quanto à etapa de divulgação dos teores encon-
minou um número mínimo de amostras mensais que trados, na maioria das capitais estudadas não houve
varia desde cinco amostras/mês para municípios com o intercâmbio de informações entre o Programa Vi-
menos de 50 mil habitantes até 68 amostras/mês para giagua e as diferentes instituições com interesse nessa
municípios com mais de 10 milhões de habitantes. medida, uma vez que os dados não foram repassados
Conforme a Tabela 1, com exceção de Fortaleza-CE às Coordenações de Saúde Bucal, Conselhos de Saúde
e São Paulo-SP, todas as capitais com informações ou universidades. As equipes que realizam a vigilân-
no Sisagua respeitaram a determinação do número cia da qualidade da água têm a responsabilidade de
de amostras mínimas proposto pelo Plano Nacional instrumentalizar as instâncias de gestão do SUS com
para o fluoreto.26 dados indispensáveis para a definição de estratégias,
Em Salvador-BA não foi respeitada a distribuição para assegurar o benefício da fluoretação e prevenir
uniforme das coletas de amostras ao longo de 2005, a ocorrência de fluorose dentária.
como preconiza os princípios de amostragem da Nos EUA, o Sistema de Informações de Fluoretação
Portaria MS no 518/2004.9 Esse fato compromete o de Águas, do Center for Disease Control and Pre-
diagnóstico e, consequentemente, a avaliação do risco vention (CDC), disponibiliza relatórios online para
e efetividade da medida, impedindo o dinamismo e a os estados componentes do sistema e publica dados
agilidade necessária para a execução de um sistema de municipais com o objetivo de facilitar o conhecimento
vigilância. Castro e Câmara alertam para a necessidade público sobre a fluoretação de água, em um esforço
do monitoramento do fluoreto nas águas de abasteci- para promover os ajustes devidos.18 No Brasil, avanço
mento público em Salvador, já que, com base em dados nesse sentido constitui o Decreto Presidencial nº
secundários, foi demonstrada uma grande inadequa- 5.440/2005, ao instituir mecanismos e instrumentos
ção desses teores.27 Em Aracaju-SE e Fortaleza-CE, que favorecem a divulgação de informações sobre a
menos de 50,0% do total de amostras coletadas foram qualidade da água para o consumidor, tanto nas contas

552 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):547-555,out-dez 2011


Kátia Cesa e colaboradores

mensais como em relatórios anuais, estimulando o utilizado em um programa nacional de vigilância da


controle social da medida.33 qualidade da água, implantado em todas as capitais
A possibilidade da ocorrência de fluorose dentária estudadas, não houve a análise desse parâmetro em
pela utilização difusa de produtos e soluções fluoreta- 71,0% dessas capitais. Desde 1989, é mister salientar,
das reforça a necessidade da divulgação desses dados vem sendo apontada a constante oscilação dos níveis
pela vigilância, assim como de uma ampla comunica- de fluoreto e a necessidade de vigilância sobre a fluo-
ção interinstitucional.34 retação de águas no país.11,12,14,25,36
Nos questionários, foi frequente a referência a Em função disso, é necessário que as instituições
dificuldades para a operacionalização da vigilância odontológicas e a sociedade exerçam seu papel no
do fluoreto nas águas, sendo as ausências de infraes- controle dessa medida, no intuito de que as secretarias
trutura e de suporte laboratorial os problemas mais municipais de saúde realizem o monitoramento do
citados. Cabe referir que, em 1998, o Projeto Vigisus fluoreto como parâmetro integrante do Vigiagua. Na
foi implantado pelo Ministério da Saúde visando à esfera federal, a Coordenação Nacional de Saúde Bucal
estruturação e fortalecimento do Sistema Nacional de e o Conselho Nacional de Saúde podem requerer a
Vigilância em Saúde no país. Esse projeto garantiu o obrigatoriedade da análise do fluoreto e sua pactuação.
repasse de recursos para ações de vigilância em saúde Assim, talvez possa ser exigido um maior comprome-
ambiental, incluindo a ampliação da capacidade insta- timento dos gestores com a qualidade da fluoretação
lada de laboratórios e, com isso, o fortalecimento da das águas de abastecimento público.
vigilância da qualidade da água.35 Porém, a aplicação Os resultados indicam, claramente, a necessidade
de recursos do Ministério da Saúde para viabilizar as de fortalecimento da vigilância do fluoreto no Vigia-
ações de vigilância continua sendo um enorme desafio, gua, responsabilidade institucional das secretarias
tendo em vista a falta de capacidade e o desinteresse municipais de saúde. A inexistência de coleta, análise
de muitos gestores na utilização dos mesmos.1 e divulgação dos teores observada na maior parte das
Schneider e colaboradores afirmam que as dificul- capitais estudadas, bem como a alta prevalência de
dades na implementação da vigilância do fluoreto estão amostras fora dos padrões no Sisagua, alerta para
associadas a conflitos de ordem jurídica, técnica e a grande tendência de inadequação no processo de
política, dificultando o cumprimento dos mecanismos fluoretação, quando não há o comprometimento das
legais para a execução da fluoretação de águas nos instituições públicas na realização das ações de vigi-
níveis adequados à legislação específica.14 Os conflitos lância. Resultados semelhantes foram encontrados por
jurídicos ocorrem por essa ser uma medida regula- outros estudos, realizados em diferentes municípios
mentada por Lei federal, estando os infratores sujeitos brasileiros.11,12,28,29
às penalidades legais pelo seu descumprimento. Já Por fim, destaca-se que as ações relacionadas à
na esfera política e técnica, os conflitos acontecem adição ou a presença natural de fluoreto nas águas
dada a pouca importância concedida pela agenda do têm, necessariamente, um caráter intersetorial e in-
poder público a essa medida coletiva, não obstante a terdisciplinar, fato que torna a integração das políticas
comprovada redução da incidência de cáries dentárias de saúde bucal com a vigilância ambiental em saúde
na população. Embora o fluoreto seja um indicador uma necessidade concreta.

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Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):547-555,out-dez 2011 555


Outros Eventos

XIII CONGRESSO MUNDIAL DE SAÚDE PÚBLICA


Data: 21 a 29 de abril de 2012
Addis Abeba/Etiópia
www.etpha.org/2012

XVIII CONGRESSO INTERNACIONAL DE MEDICINA TROPICAL E MALÁRIA


XLVIII CONGRESSO DA SBMT
Data: 23 a 27 de setembro de 2012
Rio de Janeiro/RJ
http://ictmm2012.ioc.fiocruz.br/
Artigo
original Detecção de bactérias do gênero Legionella em amostras
de água de sistemas de ar condicionado*
doi: 10.5123/S1679-49742011000400015

Detection of the Legionella Genus in Water Samples from Air Conditioning Systems

Helder Yudji Etto


Departamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil

Maria Tereza Pepe Razzolini


Departamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil

Resumo
Objetivo: determinar a presença de Legionella sp. em amostras de água de sistemas de ar condicionado. Metodologia:
foram analisadas 41 amostras de água de sistemas de ar condicionado; as amostras foram concentradas em membrana,
seguindo-se seu tratamento ácido; alíquotas das amostras tratadas e não tratadas com ácido foram inoculados em BCYE
α-ágar, com e sem antibióticos. Resultados: quatro (9,8%) das amostras analisadas apresentaram resultado positivo para
Legionella sp.; uma foi identificada como Legionella pneumophila sorogrupo 1, confirmando-se a presença de Legionella
sp. nos sistemas de ar condicionado estudados; observou-se uma maior frequência dos isolados em hospitais. Conclusão:
os achados demonstram a importância e a necessidade de se programar planos de monitorização de sistemas de ar condi-
cionado, como medida preventiva contra a colonização por patógenos.
Palavras-chave: Legionella; água; ar condicionado.

Summary
Objective: the study aims to determine Legionella presence in water samples from air-conditioning systems.
Methodology: 41 samples of water from air-conditioning systems were concentrated on membrane, and received
acid treatment; aliquots of the sample treated and not treated with acid were inoculated on BCYE-α agar medium,
with and without added antibiotics. Results: from the samples analyzed, 4 (9.8%) were positive for Legionella sp.;
one was identified as Legionella pneumophila serogroup 1, revealing the presence of Legionella sp. in those systems; it
was observed a higher frequency in isolates from hospitals. Conclusion: the results demonstrate the importance and
the need of monitoring plans in air-conditioning systems as a preventive measure against colonization by pathogens
Key words: Legionella; water; air conditioning.

* O estudo contou com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)/
Ministério da Educação.

Endereço para correspondência:


Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Departamento de Saúde Ambiental, Av. Dr Arnaldo, 715, 1º Andar,
São Paulo-SP, Brasil. CEP: 01246-904
E-mail: helder.etto@usp.br; helder.etto@gmail.com

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):557-564,out-dez 2011 557


Legionella em sistemas de ar condicionado

Introdução de Janeiro: os resultados revelaram a presença de


Legionella pneumophila sorogrupo 1 em todas as
O gênero Legionella tem sido reconhecido como amostras examinadas. Carvalho e colaboradores,14 ana-
importante agente etiológico causador da doença do lisaram 67 amostras de água de reservatórios naturais,
trato respiratório conhecida como legionelose ou torres de resfriamento, clínicas dentárias, sistemas de
doença do legionário,1 a qual se caracteriza por pneu- aquecimento e condensadores na cidade de São Paulo:
monia aguda com sintomas como febre alta, dores de o gênero Legionella foi isolado em nove amostras.
cabeça, calafrios, diarreia e tosse seca. O objetivo do presente estudo foi o de analisar
Legionella é uma bactéria aquática e tem sido amostras de água coletadas em bandejas de apare-
isolada em ambientes construídos pelo homem, como lhos de ar condicionado para avaliar a presença de
os sistemas de ar condicionado, que apresentam Legionella sp. Esses locais apresentam características
condições favoráveis para sua proliferação.2,3 Em favoráveis à proliferação dessas bactérias e, portanto,
decorrência da colonização pela bactéria do gênero significam potenciais fontes de surtos de legionelose
Legionella, tais sistemas têm sido identificados como em locais confinados.
fonte de propagação desses organismos, o que pode
resultar em surtos de legionelose. 4,5 A presença Metodologia
desses organismos em sistemas de ar condicionado
de ambientes confinados configura um problema Foram coletadas amostras de água de bandejas de
de Saúde Pública, pois essas bactérias podem ser sistemas de ar condicionado de edifícios localizados
inaladas juntamente com partículas suspensas de no município de São Paulo, no período de julho de
poeira ou aerossóis originários dos sistemas de ar 2007 a agosto de 2008, respeitando-se uma frequência
condicionado. bimestral. Um total de 41 amostras foram coletadas e
analisadas nos seguintes pontos: a) Centro Comercial
A presença de bactérias do gênero (CC), onde as amostras de água foram coletadas de
Legionella em sistemas de ar três máquinas diferentes, identificadas como CC M1
(n=6), CC M2 (n=6) e CC M3 (n=6); b) hospital 1
condicionado de ambientes
(HO1), onde as amostras de água foram coletadas de
confinados configura um problema duas máquinas distintas, identificadas como HO1 M1
de Saúde Pública, pois essas bactérias (n=6) e HO1 M2 (n=6); c) hospital 2 (HO2) (n=6);
podem ser inaladas. e iv) instituto de ensino IES (n=5).
Volumes de um litro de amostra de água foram
De acordo com estudos epidemiológicos, alguns coletados em frascos estéreis, transportados sob re-
surtos de legionelose são resultado do crescimento frigeração e examinados em um período de 24 horas,
de Legionella sp. em torres de resfriamento e siste- de acordo com os ‘Standard Methods for Examination
mas de ar condicionado.6,7 Esse patógeno emergente of Water and Wastewater’.15 O teor de cloro residual
é objeto de estudo em vários países.1,6,8-11 Pesquisa das amostras foi medido pelo método colorimétrico,
realizada pelo European Working Group of Legionnai- utilizando-se o analisador de cloro Policontrol®. A
res’ Infection (EWGLI), no período de 1987 a 2008, temperatura da água foi obtida mediante o uso de
mostrou aumento do número de casos de legionelose termômetro de coluna de mercúrio; e o valor de pH,
na Europa,7 indicando a preocupação em se identificar utilizando-se papel universal indicador de pH.
as fontes dessas infecções. O isolamento e a identificação de Legionella foram
No Brasil, Pellizari e colaboradores12 realizaram um realizados de acordo com os ‘Standard Methods for
estudo para avaliar a ocorrência do gênero Legionella Examination of Water and Wastewater’.15
em amostras de água de residências, edifícios públicos, As amostras coletadas foram concentradas em
hospitais e plantas industriais em São Paulo e encon- membrana de policarbonato de 47mm de diâmetro,
traram que, das 69 amostras analisadas, seis foram com porosidade de 0,22µm. Após a concentração na
positivas para a presença de Legionella sp. Ferreira13 membrana, o material retido foi ressuspendido em um
analisou amostras de água de cinco hospitais no Rio tubo cônico do tipo Falcon de 50mL, contendo 10mL

558 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):557-564,out-dez 2011


Helder Yudji Etto e Maria Tereza Pepe Razzolini

de água destilada, submetido a agitação utilizando-se tampão e o quinto reagente é o controle negativo,
agitador de tubos do tipo vortex, por três vezes durante composto por suspensão de células de L. spiritensis
30 segundos. Após a ressuspensão do material aderido em tampão não reativo com os reagentes do teste. O
à membrana, volume de 1mL da amostra foi submetido quarto e quinto reagentes são utilizados para verifica-
a tratamento com ácido. O restante da amostra não foi ção do correto funcionamento dos reagentes do látex.
submetido a esse tratamento. O sexto reagente é um látex de controle, constituído de
Para o tratamento com ácido, 1,0mL da amostra foi partículas de látex azul sensibilizadas com globulina
transferido para um tubo de ensaio e a esse volume foi de coelho não reativa.
adicionado 1,0mL da solução para tratamento ácido Para o controle positivo dos testes de látex, foi
(KCl/HCl 0,2M). A solução é mantida em repouso por utilizada uma cepa de L. pneumophila INCQS 00437,
15 minutos, passados os quais adicionou-se 1,0 mL correspondente a ATCC 33737; e para o controle
de solução alcalina (KOH 0,1N) para neutralizar a negativo, foi utilizada água destilada.
ação do ácido. Na avaliação do desempenho do método, utilizou-se
Uma alíquota de 0,1mL de cada uma das amostras lentícula com concentração conhecida de Legionella
– tratada com ácido e não tratada – foi inoculada, pneumophila (4,38x104UFC/disc), produzido pela
em triplicata, pela técnica de spread plate, em placas ‘Health Protection Agency’ (HPA). A lentícula foi
de Petri contendo ‘Buffered Charcoal Yeast Extract reidratada em 1mL de solução de tampão fosfato,
Alpha Base’ (BCYE-alfa) e BCYE-alfa suplementado seguindo-se as instruções do fabricante. Logo, a so-
com glicina, vancomicina, polimixina B e cicloexi- lução foi transferida a um frasco estéril contendo 1L
mina (GVPC). As placas de Petri foram incubadas a de solução-tampão de fosfato estéril, então submetida
35°C±0,5°C. ao mesmo processo de isolamento de Legionella já
Com 48 horas de incubação, foi feita a primeira descrito aqui.
leitura de placas. Após a primeira leitura, as placas A taxa de recuperação foi obtida de acordo com a
foram incubadas por um período de até oito dias, seguinte equação:
sendo examinadas diariamente durante todo o período.
As colônias típicas foram transferidas para os meios R (%) = [(concentração de Legionella / 4,38x104)] x 100
de cultura BCYE-alfa e BCYE sem cisteína, e incubadas
a 35°C±0,5°C por 24 horas, para confirmação do Para a avaliação das condições sanitárias dos
gênero Legionella. sistemas de ar condicionado avaliados, realizou-se a
As colônias confirmadas como Legionella sp. quantificação de bactérias heterotróficas de acordo
foram submetidas ao teste de látex Oxoid®, para com os ‘Standard Methods for Examination of Water
identificação de espécies. O teste de látex é composto and Wastewater’ (APHA 2000),15 mediante técnica
por uma cartela de reação, uma suspensão-tampão de pour plate, utilizando-se o ‘Plate Count Agar’
e seis reagentes. O primeiro reagente identifica L. (Difco®,USA), com tempo de incubação de 48 horas
pneumophila sorogrupo 1; consiste de partículas de a 35±0,5oC.
látex azul sensibilizadas com anticorpos de coelho es-
pecíficos contra o antígeno do sorogrupo 1. O segundo Resultados
reagente identifica L. pneumophila sorogrupos 2 a 14
e consiste de partículas de látex azul sensibilizadas com Das 41 amostras de água analisadas dos sistemas
anticorpos de coelho específicos contra o antígeno de ar condicionado, quatro (9,8%) foram positivas
do sorogupo 2 a 14. O terceiro constitui um soro para a presença de Legionella sp. como mostra a
polivalente, que identifica seis prováveis espécies – L. Figura 1.
longbeachae; L. bozemanni; L. dumoffi; L.gormanii; Três das quatro amostras positivas para a presença
L. jordanis; L. micdadei; e L. anisa – e consiste de de Legionella sp. foram obtidas a partir do sistema
partículas de látex azul sensibilizadas com anticorpos localizado no hospital HO1. Das cepas isoladas do
de coelho específicos contra essas seis espécies. O ponto HO1 M1, uma foi identificada como Legionella
quarto reagente é o controle positivo, ou seja, uma pneumophila sorogrupo 1, com concentração de
suspensão polivalente de células de Legionella em 1,0x10²UFC/L; a outra foi identificada como uma das

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):557-564,out-dez 2011 559


Legionella em sistemas de ar condicionado

9,8%
Negativo

Positivo

90,2%

Figura 1 - Porcentagem de resultados positivos para a presença de Legionella sp. em amostras de água de
bandejas de sistemas de ar condicionado examinadas, coletadas em edifícios do município de São
Paulo-SP. Brasil, julho de 2007 a agosto de 2008

seis possíveis espécies segundo o teste de látex – L. As medidas de pH mostraram pouca variação entre
longbeachae; L. bozemanni; L. dumoffi; L. gorma- as amostras avaliadas: uma (2,4%) apresentou pH 4,0;
nii; L. jordanis; L. micdadei; e L. anisa –, exibindo quatro (9,8%) apresentaram pH 6,0; e 36 (87,8%)
concentração de 2,0x10²UFC/L. A espécie isolada do apresentaram pH 5,0. As medidas de cloro residual
ponto HO1 M2, igualmente, foi identificada como uma livre também mostraram pouca variação: apenas uma
das seis possíveis espécies segundo o teste de látex, amostra coletada no IES e outra no CC M2 apresenta-
com concentração de 1,6x10²UFC/L. E a quarta espécie ram concentração de cloro residual livre, com valores
isolada de Legionella, obtida de amostra proveniente de 0,1 e 1,5mg Cl/L, respectivamente. Todas as demais
do CC M3, também foi identificada como uma das seis amostras apresentaram valores <0,1mg Cl/L.
espécies supracitadas, apresentando concentração de O resultado de desempenho do método utilizado
1,3x10²UFC/L. foi uma taxa de recuperação de Legionella de 51,0 a
Em relação às condições higiênico-sanitárias, a 75,0% (desvio padrão de ±10,44%).
concentração de bactérias heterotróficas variou de
<1 a 2,62x104UFC/mL, como mostra a Tabela 1. Discussão
Observou-se, entre os pontos de coleta, maior concen-
tração desses organismos entre os meses de novembro Os resultados obtidos por este estudo revelaram a
e dezembro, quando se registram temperaturas mais ocorrência do gênero Legionella em sistemas de ar
elevadas. condicionado: das 41 amostras de água analisadas,
A média de temperatura nos pontos de coleta foi de quatro (9,8%) foram positivas para a presença da
14,1°C, variando de uma máxima de 19,0°C à mínima bactéria. Esses resultados corroboram os achados de
de 12,0°C. No hospital HO1, ponto HO1 M1, a média Pellizari e colaboradores,12 Turetgen e colaboradores5
da temperatura da água foi de 15,5°C; e no ponto HO1 e Carvalho e colaboradores.14
M2, verificou-se média de 14,5°C. No hospital HO2, a Três dos quatro isolados de Legionella foram
média observada foi de 14,0°C. No instituto de ensino obtidos a partir de amostras oriundas dos sistemas
superior, IES, a temperatura média foi de 15,2°C. de ar condicionado do hospital HO1, sendo dois
E no centro comercial, CC, as temperaturas médias isolados da mesma máquina de ar condicionado.
encontradas nos pontos CC M1, CC M2 e CC M3 foram Esse resultado evidencia que a manutenção dessa
de 13,0°C, 13,5°C e 13,5°C, respectivamente. máquina pode estar sendo negligenciada e, portanto,

560 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):557-564,out-dez 2011


Helder Yudji Etto e Maria Tereza Pepe Razzolini

Tabela 1 - Concentração de bactérias heterotróficas e de Legionella sp. nas amostras de bandejas de água de
sistemas de ar condicionado examinadas, coletadas em edifícios do município de São Paulo-SP.
Brasil, julho de 2007 a agosto de 2008

Concentração de bactérias heterotróficas Concentração de Legionella sp.


Amostras (UFC/mL) (UFC/L)
1 ND Negativo
2 ND Negativo
3 ND Negativo
4 3,72x10² Negativo
5 4,50x10² Negativo
6 2,91x10² Negativo
7 6 Negativo
8 10 Negativo
9 2,5 Negativo
10 4,45x10² Negativo
11 1,65x10² Negativo
12 2,62x104 Negativo
13 1,22x104 Negativo
14 1,40x104 Negativo
15 1,08x104 1,6x10²
16 1,90x104 Negativo
17 2.23x10³ Negativo
18 1,30x10² Negativo
19 5,65x10² Negativo
20 3,85x10² 1,3x10²
21 2,60x10² 1x10²
22 <1 Negativo
23 1,85x10² Negativo
24 2,47x10² Negativo
25 1,21x10³ Negativo
26 2,68x10² Negativo
27 2,75x10² Negativo
28 80 2x10²
29 3,55x10² Negativo
30 1,40x10² Negativo
31 1,04x10² Negativo
32 81 Negativo
33 1,08x10² Negativo
34 9,90x10² Negativo
35 35 Negativo
36 4,75x10² Negativo
37 5,29x10³ Negativo
38 2,31x10³ Negativo
39 1,05x10² Negativo
40 70 Negativo
41 60 Negativo
ND: Não detectado

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):557-564,out-dez 2011 561


Legionella em sistemas de ar condicionado

favorecendo a formação de biofilmes e colonização estas podem permanecer viáveis mas não cultiváveis.
por bactérias patogênicas como as do gênero Legio- O fato de as células se apresentarem não cultiváveis,
nella. Os outros isolados foram identificados como porém viáveis, leva a um número subestimado de
seis possíveis espécies de importância clínica, haja organismos no ambiente estudado.17
vista serem considerados responsáveis por causar O teor de concentração do cloro utilizado como
pneumonia nosocomial.16,17 desinfetante nesses sistemas também pode influenciar
As concentrações de Legionella sp. obtidas varia- a taxa de crescimento desses organismos. Estudo
ram de 1,0x10²UFC/L a 2,0x10²UFC/L. Os achados realizado por Gião e colaboradores24 demonstrou
destes autores coincidem com os resultados relatados que diferentes concentrações de cloro podem afetar
por Bentham,18 que analisou amostras de água de o desenvolvimento da bactéria. No presente estudo,
sistemas de ar condicionado associados a surtos de porém, não foi possível estabelecer tal relação, já
legionelose, nos quais obteve concentrações abaixo que a maioria das amostras apresentou concentração
de 100UFC/mL. O autor sugere que concentrações de cloro <0,1mg Cl/L; e nas amostras cuja concen-
elevadas de Legionella sp. nesses sistemas não são tração foi maior que 0,1mg Cl/L, Legionella sp. não
comuns, ocorrem esporadicamente e, nesses episódios foi isolada.
de pico, podem resultar em surtos da doença. De acordo com os resultados aqui obtidos, pode-
Segundo Stout e colaboradores,3 a concentração de se concluir que o gênero Legionella sp. esteve pre-
Legionella sp. não é relevante para a avaliação de risco sente nos sistemas de ar condicionado examinados,
de surtos. Relevante seria a presença desse patógeno incluindo-se a espécie L. pneumophila sorogrupo 1,
associado à extensão da área colonizada pela bactéria. a qual foi isolada de sistema de ar condicionado de
O mesmo foi observado por Armstrong e colaborado- um dos hospitais participantes. Esse resultado denota
res,19 que relataram a exposição a uma cepa virulenta que a manutenção preventiva desses equipamentos
suficiente para causar a doença. merece especial atenção. A presença dessas bacté-
As faixas de concentrações de bactérias hetero- rias representa risco aos ocupantes de ambientes
tróficas encontradas foram de <1 a 2,62x104UFC/ climatizados, especialmente no ambiente hospitalar,
mL. Relatos encontrados na literatura consultada onde há maior frequência de pessoas com a saúde
sugerem associação entre a presença de biofilme e comprometida.
a presença do gênero Legionella.20-22 No presente Ressalta-se, portanto, que o monitoramento e vi-
estudo, entretanto, não foi possível demonstrar essa gilância permanente de sistemas de ar condicionado
relação dado o número de amostras positivas para faz-se necessário para prevenir a colonização desses
a presença de Legionella sp. e a grande variação sistemas por organismos patogênicos e, assim, prote-
na concentração de bactérias heterotróficas nas ger a saúde dos ocupantes e usuários em ambientes
amostras analisadas. climatizados.
A média de temperatura encontrada nos pontos de
coleta foi de 14,1°C. Segundo Rogers e colaboradores,4 Agradecimentos
sob condições de temperaturas inferiores a 20°C, a
taxa de crescimento da bactéria diminui ou não é À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
observada. Nessas condições, os organismos podem Nível Superior – Capes –, do Ministério da Educação,
permanecer viáveis, porém não cultiváveis.9,23 pelo apoio financeiro a este estudo.
Outro fator que pode ter influenciado no baixo À Dra. Maria Inês Zanoli Sato e à Dra. Elayse
número de isolamentos é que as amostras apresenta- Maria Hachich, da Companhia Ambiental do Estado
ram valores de pH 6,0 em todas as ocasiões avaliadas. de São Paulo – CETESB –, pelas cepas de Legionella
Embora a baixa temperatura e o pH de caráter ácido pneumophila essenciais para a realização deste
possam causar alterações fisiológicas nas células, trabalho.

562 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):557-564,out-dez 2011


Helder Yudji Etto e Maria Tereza Pepe Razzolini

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564 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):557-564,out-dez 2011


Artigo de
Revisão Revisão sistemática dos
fatores associados à leptospirose no Brasil, 2000-2009
doi: 10.5123/S1679-49742011000400016

Systematic Review of Factors Associated to Leptospirosis in Brazil, 2000-2009

Daniele Maria Pelissari


Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury


Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Maria de Lourdes Nobre Simões Arsky


Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Marília Lavocat Nunes


Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Resumo
Objetivo: o estudo se propõe a uma revisão sistemática da publicação científica sobre os fatores associados à leptospirose no
Brasil, no período 2000-2009. Metodologia: rastrearam-se estudos no SciELO, MEDLINE e LILACS; 11 artigos foram elegidos para
a revisão. Resultados: sete estudos associaram a ocorrência de chuva ou enchentes com o aumento do número de casos; em área
urbana, a leptospirose foi relacionada aos baixos níveis socioeconômicos, ao aumento da precipitação pluviométrica e à família
que apresentou um caso de leptospirose; em área rural, a doença foi associada às atividades ocupacionais (plantação de arroz e
lavoura irrigada). Conclusão: os fatores envolvidos na transmissão da leptospirose são diferentes em relação à área urbana e rural
e as medidas preventivas devem se voltar a esses fatores.
Palavras-chave: leptospirose; literatura de revisão (como assunto); epidemiologia.

Summary
Objective: this study aims a systematic review of the published literature on epidemiological and demographic characte-
ristics of leptospirosis in Brazil, in the period 2000-2009. Methodology: studies were traced in SciELO, MEDLINE, and LILACS;
11 articles were considered eligible for the review. Results: seven studies associated the occurrence of rain or flooding with
the increase number of cases; in urban areas, leptospirosis was related to low socioeconomic levels, increased of rainfall
and household with a case of leptospirosis; in rural areas, the disease was associated with occupational activities (rice fields,
and irrigated farming). Conclusion: factors involved in the transmission of leptospirosis are different for urban and rural
areas, and prevention measures must be focused on these factors.
Key words: leptospirosis; review literature (as topic); epidemiology.

Endereço para correspondência:


Coordenação de Vigilância das Doenças Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses/Secretaria de Vigilância em Saúde/
Ministério da Saúde, Setor Comercial Sul, Quadra 4, Bloco A, Edifício Principal, 2° andar, Brasília-DF, Brasil. CEP: 70304-000
E-mail: daniele.pelissari@saude.gov.br; dani_pelica@hotmail.com

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Revisão sistemática dos fatores associados à leptospirose

Introdução revisar, de maneira sistemática, a publicação científica


existente sobre os fatores associados à leptospirose
A leptospirose é uma zoonose de importância no Brasil.
mundial, 1 causada por leptospiras patogênicas
transmitidas pelo contato com urina de animais
infectados ou água, lama ou solo contaminados pela A leptospirose tem sido
bactéria.2 A espécie com maior interesse zoonótico identificada como uma doença
é a Leptospira interrogans, que apresenta mais de infecciosa reemergente.
200 sorovares – cada sorovar possui hospedeiros
de predileção.3 Os homens são susceptíveis a um Metodologia
grande número de sorovares. No Brasil, os sorova-
res Icterohaemorrhagiae e Copenhagueni são, com Os estudos sobre o tema foram rastreados em três
frequência, relacionados aos casos mais graves.2 A bases bibliográficas no dia 12 de dezembro de 2009:
infecção é comum em roedores como também em a Scientific Electronic Library Online (SciELO),8 que
outros animais silvestres e domésticos, acometendo disponibiliza gratuitamente, via internet, os textos com-
mais de 160 mamíferos no mundo.3 pletos dos artigos publicados em mais de 290 periódi-
A transmissão está associada a fatores ambientais cos do Brasil e de outros países da América Latina;9 a
como, por exemplo, a ocorrência de enchentes que Medical Literature Analysis and Retrieval System Online
favorecem o contato de humanos com as excretas dos (MEDLINE),10 que contém referências bibliográficas e
reservatórios.4 A penetração do microorganismo no resumos de mais de 5.000 periódicos publicados desde
hospedeiro acontece pela pele com lesões, na pele 1966, nos EUA e em outros 70 países;9 e a Literatura
íntegra quando imersa em água por longo tempo, ou Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
pelas mucosas.3 (LILACS),11 que compreende a literatura publicada a
A leptospirose tem sido identificada como uma do- partir de 1982, atingindo mais de 500.000 registros
ença infecciosa reemergente, assim demonstrada pelo e cerca de 1.500 periódicos, dos quais aproximados
registro de surtos em diversos locais do mundo – por 800 se encontram indexados atualmente.9
exemplo: Nicarágua, Brasil, Índia, Sudeste Asiático, As publicações foram selecionadas de acordo com
Malásia e Estados Unidos da América (EUA).5 Em mui- o seguinte critério: estudos brasileiros com aborda-
tos países, a doença fica restrita a um grupo específico gem dos fatores associados à leptospirose, publicados
de pessoas, segundo suas atividades ocupacionais.6 Em no período de 2000 a 2009, nos idiomas português,
grandes centros urbanos, contudo, a leptospirose afeta espanhol e inglês. Optou-se por esse período com
não somente indivíduos com as ocupações de risco o propósito de analisar a literatura recente sobre o
mas também a população geral.7 assunto. Foram excluídos os inquéritos sorológicos
No Brasil, a doença tem distribuição endêmica, realizados em animais ou que não abordaram a asso-
com ocorrência durante todos os meses do ano e ciação de fatores (demográficos, epidemiológicos ou
coeficiente médio de incidência de 1,9/100.000 ha- ambientais) com os achados de prevalência sorológica.
bitantes.2 Epidemias urbanas são registradas a cada O desenho do estudo não foi fator de exclusão para a
ano, principalmente em comunidades carentes, após presente revisão.
enchentes, inundações e desastres naturais de grande Para a verificação dos critérios de inclusão, os
magnitude2 – em São Paulo-SP, Rio de Janeiro-RJ, títulos e resumos dos artigos selecionados foram ana-
Salvador-BA e Recife-PE, por exemplo –, durante o lisados. Foram analisados na íntegra os artigos cujos
período sazonal das chuvas.4 resumos não forneciam informações suficientes para
No período de 2000 a 2009, muitos estudos foram uma decisão sobre sua exclusão desta revisão.
realizados sobre a leptospirose no país. A revisão
sistemática desses estudos apresenta-se como im- Resultados
portante instrumento para a verificação de alterações
nos padrões epidemiológicos da doença. Justifica-se, Na base SciELO,8 com o descritor ‘leptospirose’,
portanto, a elaboração deste trabalho cujo objetivo é obteve-se 142 artigos. Nas bases LILACS11 e MEDLINE,10

566 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):565-574,out-dez 2011


Daniele Maria Pelissari e colaboradores

optou-se por adicionar o termo ‘Brazil’ e obteve-se, Barcellos e Sabroza18 selecionaram casos oriundos
respectivamente, 75 e 53 publicações. A somatória dos dos serviços de atenção primária/ambulatorial. Os
artigos das três bases de dados consultadas resultou autores Costa e colaboradores,13 Sarkar e colab.14 e
no total de 270 artigos a serem revisados. Maciel e colab.15 selecionaram casos hospitalizados,
Dos 270 artigos indexados nas três bases biblio- sendo estes dois últimos, estudos de caso-controle.
gráficas consultadas, foram considerados elegíveis Figueiredo e colaboradores20 e Romero e colabo-
para o estudo 7 artigos do SciELO,8 5 da LILACS11 e 5 radores21 examinaram amostras encaminhadas a
da MEDLINE,10 totalizando 17 estudos. Destes, 6 eram laboratórios de referência oriundos, respectivamente,
duplicados, restando 11. Os demais artigos não pre- da Fundação Ezequiel Dias (Funed) e do Instituto
encheram os critérios de inclusão pré-estabelecidos Adolfo Lutz (IAL). Barcellos e colab.22 e Tassinari e
(Tabela 1). colab.19 analisaram os casos notificados ao Sistema
Os artigos selecionados incluíram pesquisas reali- de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)
zadas nos estados do Rio Grande do Norte,12 Bahia,13-17 e, finalmente, Dias e colab.,15 Lacerda e colab.12 e
Rio de Janeiro,18,19 Minas Gerais,20 São Paulo21 e Rio Reis e colab.16 optaram por utilizar uma amostragem
Grande do Sul.22 Na Tabela 2, são apresentados os populacional aleatória. Os métodos de amostragem
estudos selecionados para a revisão segundo caracte- variaram entre os estudos que adotaram essa forma
rísticas gerais (Tabela 2). de seleção.
O número de casos de leptospirose analisados Dias e colab.15 selecionaram 1.390 indivíduos de
variou de 1920 a 9.335,21 com diferentes tipos de uma população de 68.749 habitantes, por amostragem
seleção e fonte de dados. aleatória simples sem reposição.

Tabela 1 - Artigos selecionados e não selecionados de acordo com suas características. Brasil, 2000 a 2009

Bases bibliográficas e características dos estudos n

SciELO 142
Artigos selecionados 7
Artigos não selecionados 135
      Animais 61
      Anteriores a 2000 31
      Aspectos clínicos 16
      Outros 27
      Elegíveis, porém duplicados 0
LILACS 75
Artigos selecionados 0
Artigos não selecionados 75
      Animais 32
      Anteriores a 2000 29
      Aspectos clínicos 0
      Outros 9
      Elegíveis, porém duplicados 5
MEDLINE 53
Artigos selecionados 4
Artigos não selecionados 49
      Animais 17
      Anteriores a 2000 15
      Aspectos clínicos 3
      Outros 13
      Elegíveis, porém duplicados 1
TOTAL 270

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Revisão sistemática dos fatores associados à leptospirose

Tabela 2 - Artigos selecionados para a revisão. Brasil, 2000 a 2009

Artigos/Autores Local do estudo Tipo de estudo Coleta dos dados Número de casos Zona

8ª-14ª semana
Barcellos e Sabroza, 200118 Rio de Janeiro-RJ Ecológico epidemiológica em 1996 73 Urbana

Costa e colab., 200113 Salvador-BA Transversal 1993-1997 1.016 Urbana

Figueiredo e colab., 200120 Belo Horizonte-MG Transversal 1995 19 Urbana

Sarkar e colab., 200214 66 casos e 125


Salvador-BA Caso controle 03/2000-10/2000 Urbana
controles

Romero e colab., 200321 São Paulo-SP Transversal 1969-1997 9.335 Urbana

Barcellos e colab., 200322 Rural e


Rio Grande do Sul Ecológico 2001 1.274 Urbana

Tassinari e colab., 200419 Rio de Janeiro-RJ Ecológico 1995-1999 1.732 Urbana

Dias e colab., 200715 Salvador-BA Ecológico 05/1998-07/1998 172 Urbana

Lacerda e colab., 200812 Rio Grande do Norte Transversal 2001 44 Rural

Reis e colab., 200816 Salvador-BA Ecológico 04/2003-05/2004 489 Urbana

Maciel e colab., 200817 22 casos e 52


Salvador-BA Caso controle 2001 Urbana
controlesa

a) Casos eram famílias com a presença de pelo menos um caso índice e controles, famílias com a ausência de casos índices.

Lacerda e colab.12 sortearam seis setores censitá- Em relação às perdas desses estudos, Dias e colab.15
rios de uma área com 13 setores e população total de não especificaram se houve perdas e Lacerda e colab.12
8.469. Cada setor sorteado possuía de três a seis vilas. relataram que 13 indivíduos recusaram-se a participar
Duas vilas foram selecionadas aleatoriamente, em cada (4,1%). Reis e colab.16 tiveram taxa de participação de
setor; após o ordenamento das famílias por número, 84,0% (3.171), embora não detalhassem os motivos
foram sorteadas 10,0% das famílias de cada vila. Dos das perdas ou constasse, em seu relato, diferença
320 sujeitos elegíveis, 290 (91,0%) eram oriundos de significativa em relação ao sexo e idade, quando com-
68 residências localizadas em 15 vilas. pararam os selecionados com os não selecionados.
No estudo de Reis e colab.,16 em um município de Os estudos de caso-controle adotaram abordagens
2.443.107 habitantes, foram sorteadas 3.689 famílias, semelhantes para a seleção dos controles. Sarkar e
totalizando 14.122 habitantes. Cada casa recebeu um colab.14 selecionaram dois controles de vizinhança, pa-
número e, em seguida, foram aleatoriamente selecio- reados por idade e sexo. A vizinhança foi definida como
nadas 1.079 casas, com 3.797 indivíduos. um raio de cinco domicílios do caso-índice, totalizando

568 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):565-574,out-dez 2011


Daniele Maria Pelissari e colaboradores

125 controles. Maciel e colab.17 adotaram os critérios uso do solo, relevo e bacias hidrográficas. Tassinari e
de seleção de Sarkar e colab.;14 porém, consideraram colab.19 analisaram a distribuição espacial pela razão
como controles as famílias que não possuíam caso- da suavização espacial, baseada na função Kernel, o
índice. Para quatro famílias que possuíam caso-índice que permitiu gerar uma superfície suavizada, um es-
(casos), foram selecionadas quatro famílias sem caso- timador da intensidade da incidência da leptospirose.
índice (controles); e para 18 famílias (casos), foram Sarkar e colab.14 e Maciel e colab.17 optaram por
selecionados duas famílias (controles), totalizando 52 estudos de caso-controle. O primeiro, com o objetivo
famílias sem caso-índice da doença. de identificar fatores de risco para leptospirose em
Em relação aos estudos que utilizaram os casos área endêmica, durante o período de chuva em região
notificados no Sinan, apenas Tassinari e colab.19 espe- urbana; e o segundo, para determinar a infecção por
cificaram os procedimentos utilizados para a limpeza agrupados, no interior de domicílios localizados em
do banco de dados. Após a eliminação de registros favelas.
duplicados e a verificação de inconsistências, o univer- Dias e colab.,15 Lacerda e colab.12 e Reis e colab.16
so de casos desse estudo foi formado por 2.369 casos verificaram a prevalência de infecção pregressa por
de leptospirose. Em seguida, esses autores excluíram leptospiras mediante inquéritos sorológicos. Costa
359 casos que não tinham a informação do endereço e colab.13 e Romero e colab.21 realizaram estudos
e, ainda, 242 casos cujo endereço não havia sido retrospectivos dos casos.
localizado, totalizando 1.732 casos.
Quase a totalidade dos estudos utilizou, como teste Aspectos demográficos e
de escolha para o diagnóstico da doença ou detecção epidemiológicos da leptospirose
de infecção, o teste de microaglutinação (MAT).14- Os estudos foram realizados no Rio de Janeiro-
18,20,21
Costa e colab.13 adotararam o questionário de RJ,18,19 Salvador-BA,13-17 Belo Horizonte-MG,20 São
Faine,23 constituído de questões com valores pré- Paulo-SP,21 Rio Grande do Sul22 e Rio Grande do
definidos sobre os sinais clínicos da doença, aspectos Norte.12 A incidência mínima de leptospirose foi de
epidemiológicos e laboratoriais; nesta situação, foram 0,53/100.000 hab. em São Paulo-SP;21 e a máxima, de
considerados confirmados os casos que apresentaram 42,05/100.000 hab. no Rio de Janeiro-RJ, esta última
somatório da pontuação das questões ≥26. Barcellos detectada em área de enchentes.18
e colab.22 e Tassinari e colab.19 não participaram do Em relação à distribuição da doença segundo o
processo de diagnóstico dos casos, os quais foram sexo, a maioria dos estudos que apresentou essa infor-
selecionados diretamente no Sinan. Lacerda e colab.12 mação obteve prevalência maior para o sexo masculi-
consideraram o teste Elisa como exame de escolha no, superior a 80,0% dos casos,13,17,18,20 à exceção de
(Figura 1). Lacerda e colab.12 (57,0%) e Reis e colab.16 (44,0%).
Dias e colab.15 constataram distribuição semelhante
Abordagens metodológicas entre ambos sexos.
Alguns autores realizaram análise espacial dos Quanto à faixa etária, os dados também foram se-
casos, porém com diferentes refinamentos.18-20,22 Para melhantes, entre os estudos analisados. Costa e colab.13
a investigação de um surto, Barcellos e Sabroza18 mape- encontraram média de 35,7 anos, Figueiredo e colab.20
aram áreas de risco e as classificaram como sujeitas ou constataram predomínio da faixa etária entre 20 e 29
não a inundações com acumulação de lixo doméstico. anos e Romero e colab.,21 de 20 a 39 anos; Lacerda e
Figueiredo e colab.20 calcularam a distância espacial colab.12 verificaram média de 28,3 anos, Reis e colab.,16
dos principais cursos d’água do município, em relação de 25,8 anos e Maciel e colab.,17 de 35,2 anos. Dias
aos casos. Barcellos e colab.22 identificaram áreas de e colab.15 associaram o aumento da soroprevalência
maior risco e possíveis componentes ecológicos da com o aumento da idade. Os únicos autores que apre-
transmissão da leptospirose, por meio da agregação sentaram informações sobre raça/cor foram Costa e
de dados epidemiológicos em unidades espaciais que colab.,13 que relataram a quase totalidade dos casos
representavam a diversidade socioambiental do estado (94,0%) de negros ou mulatos, e Reis e colab.,16 que
do Rio Grande do Sul. Neste estudo, os mapas de mu- reportaram 66,0% de pardos. De acordo com este
nicípios foram sobrepostos aos de caracterização de último trabalho, indivíduos de baixa renda e de cor

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):565-574,out-dez 2011 569


Revisão sistemática dos fatores associados à leptospirose

Figura 1 - Estudos segundo teste de escolha e critério de confirmação para o diagnóstico de leptospirose.
Brasil, 2000 a 2009

Artigos/Autores Teste Critério de confirmação Observações

Casos diagnosticados pelos serviços locais de saúde. 30% da amostra foi testada para MAT,
Barcellos e Sabroza, 200118 porém sem detalhamento dos critérios de confirmação

≥26 pontos na escala de


Costa et al., 200113 Faine22
probabilidadea –

Figueiredo et al., 200120 MAT MS, 2009b –

Elisa como critério de exclusão de


Sarkar et al., 200214 MAT MS, 2009b controles

Conversão de 4x o título
Romero et al., 200321 MAT entre 1ª e 2 ª amostra –

Barcellos et al., 200322


Casos selecionados do Sinan, os autores não participaram do diagnóstico dos casos
Tassinari et al., 2004 19

Dias et al., 200715, c MAT Amostra única ≥1:50 –

Por meio de amostragem, testa-


Lacerda et al., 200812, c Elisa + Elisa + ram MAT e consideraram positivo
os com amostra única ≥1:100

Reis et al., 200816, c MAT Amostra única ≥1:25 –

Maciel et al., 200817 MAT MS, 2009b –

a) O diagnóstico da doença foi estabelecido quando, da análise dos dados clínicos e laboratoriais, se atingia pelo menos 26 pontos na escala de probabilidade proposta por Faine.22
b) Amostra única ≥1:800 ou 2 amostras pareadas com 4x o título entre 1ª e 2 ª amostra.
c) Detecção de anticorpos para confirmação de infecção prévia por leptospiras patogênicas.

negra [razão de prevalência (RP) 1,25; intervalo com nal. Lacerda e colab.12 analisaram a leptospirose em
95% de confiança (IC95%): 1,03-1,50] apresentaram área rural e verificaram que a infecção foi associada
risco aumentado de contrair leptospirose. a atividades de campos de arroz (P=0,08).
As prevalências de infecção encontradas nos es- Reis e colab.,16 em estudo realizado em área urba-
tudos que realizaram inquéritos de soroprevalência na, constataram que a presença de anticorpos contra
foram de 12,4% (172/1.390),15 15,2% (44/290)12 e a Leptospira se associou a fatores ambientais, como
12,9% (489/3.797).16 residir em áreas de enchente com esgoto a céu aberto
Dias e colab.15 encontraram correlação positiva (RP 1,42; IC95%: 1,14-1,75), presença de roedores (RP
entre infecção por Leptospira e baixo nível educacio- 1,32; IC95%: 1,10-1,58) e de galinhas (RP 1,26; IC95%:

570 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):565-574,out-dez 2011


Daniele Maria Pelissari e colaboradores

1,05-1,51). Um aumento de US$1 por dia na renda fatores ambientais. As técnicas utilizadas foram uma
familiar foi associado a 11,0% (IC95%: 5%-18%) de importante aquisição metodológica na construção da
redução do risco de infecção. vigilância de base territorial.
Sete estudos associaram a ocorrência de chu- Em relação ao sexo e faixa etária, os valores apre-
vas ou enchentes com o aumento do número de sentados pela maioria dos estudos são semelhantes aos
casos. Barcellos e Sabroza 18 detectaram maior encontrados em 2007, quando, entre os confirmados,
incidência da doença em área com inundações 78,8% (2.594/3.292) eram do gênero masculino; e
(42,05/100.000), comparativamente a área sem inun- a faixa etária mais acometida, de 20 a 49 anos, com
dações (19,75/100.000). Costa e colab.13 observaram 61,2% dos casos (2.022/3.292).24
que o aumento na precipitação pluviométrica estava Os critérios de diagnóstico adotados pelos estudos
associado ao aumento no número de internamentos apresentaram grande variabilidade; porém, a maioria
no mês subsequente. Figueiredo e colab.20 observaram adotou o teste MAT. Quanto aos estudos que verifica-
que 14,0% dos casos confirmados residiam próximos ram a prevalência de infecção, aqueles que adotaram
a locais com curso de água e 12,0% relataram con- como critério de presença de infecção o resultado da
tato com água e/ou animais contaminados. Sarkar MAT obtiveram prevalências semelhantes (12,4%15 e
e colab.14 constataram que residências próximas a 12,9%16), mesmo com a utilização de pontos de corte
esgotos a céu aberto (odds ratio [OR] 5,15; IC95%: diferentes (amostra única ≥1:50;15 e amostra única
1,80-14,74), peridomicílio com presença de ratos ≥1:2516). Por outro lado, Lacerda e colab.11 constata-
(OR 4,49; IC95%: 1,57-12,83), exposição aos locais de ram prevalência de 15,2% ao utilizarem o teste Elisa.
fonte de contaminação (esgoto, enchente ou lama) Um estudo realizado na Itália constatou que o método
(OR 3,71; IC95%: 1,35-10,17) e presença de enchentes Elisa teve especificidade menor (95,9%) do que o MAT
(OR 2,54; IC95%: 1,08-6,17) foram fatores de risco para (100,0%), sendo considerado metodologicamente
adquirir a doença. Romero e colab.21 verificaram a mais simples de ser realizado.25 Entretanto, o MAT
concentração de casos entre janeiro a abril, os meses é utilizado quando se quer conhecer qual o sorovar
mais chuvosos de São Paulo-SP. Tassinari e colab.19 envolvido na infecção.26
relataram aumento do número de casos após o período No Brasil, de 2001 a 2003, do total de 3.747 casos
de chuva. Reis e colab.16 encontraram associação de confirmados laboratorialmente com o LPI determina-
risco entre a ocorrência de leptospirose e residir na do, 2.687 (72,0%) ocorreram em área urbana.27 A
proximidade de rios. Maciel e colab.17 constataram predominância da leptospirose em área urbana pode
que o fato de pertencer a uma família com um caso- ser um dos motivos pelos quais apenas dois estudos
índice de leptospirose associou-se a um risco maior foram conduzidos em área rural. Não obstante, a
(OR 5,29; IC95%: 2,13-13,12) de adquirir a infecção. revisão bibliográfica apresentou-se como importante
Os estudos que não referiram associação com os ferramenta para a atualização dos padrões epidemio-
índices pluviométricos ou enchentes foram aqueles lógicos e dos avanços na investigação epidemiológica
desenvolvidos em área rural.12,22 Barcellos e colab.22 da leptospirose em área rural.
verificaram que as maiores taxas de incidência se Os autores concluíram que a leptospirose em
encontravam em áreas sedimentares litorâneas, de área urbana esteve relacionada aos baixos níveis
baixa altitude e uso do solo predominantemente agrí- socioeconômicos; e que o aumento da precipitação
cola. Nessas localidades, a maior parte dos casos foi pluviométrica precede surtos epidêmicos. Outros
associada à lavoura irrigada. A infecção também foi estudos apoiaram a hipótese de que o ambiente fa-
associada a atividades de campos de arroz (P=0,08) e miliar é um determinante importante da transmissão
sua ocorrência inclusive em anos de poucas chuvas.11 no cenário das favelas urbanas: uma consequência,
provavelmente, das precárias condições ambientais
Discussão existentes no domicílio e peridomicílio, que, aliadas
à altas infestações de roedores, favorecem o risco de
Estudos mais recentes realizaram análises espaciais exposição humana.
refinadas, que contribuíram para a delimitação de Em área rural, não se evidenciou associação dos
áreas de risco e o conhecimento da contribuição dos casos com o aumento das chuvas e sim com as ativi-

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):565-574,out-dez 2011 571


Revisão sistemática dos fatores associados à leptospirose

dades desempenhadas, como, por exemplo, plantação e, mesmo assim, os principais fatores associados à
de arroz e lavoura irrigada. Os resultados sugeriram leptospirose se repetiram, demonstrando um consenso
a existência de características ambientais favoráveis à entre os achados.
transmissão da leptospirose em locais de proliferação Por se tratar de revisão da literatura, o presente
de roedores sinantrópicos e de produção agrícola estudo está, potencialmente, condicionado aos vieses
intensiva. dos estudos revisados. Também pode estar sujeito ao
Os resultados dos estudos internacionais são si- ‘viés de publicação’, uma forma de viés de seleção
milares aos encontrados nos estudos nacionais. Em dos estudos incluídos na revisão, caracterizado pela
Cuba, a ocorrência de leptospirose esteve associada à falha sistemática na publicação de alguns trabalhos: os
presença de condições ecológicas favoráveis para a so- que não tenham sido publicados; aqueles publicados
brevivência da Leptospira, assim como à presença de apenas como abstracts (resumos) ou em periódicos
atividades agrícolas de risco, especialmente o cultivo não indexados nas bases consultadas; e aqueles estu-
da cana de açúcar.28 Na África (Ilha da Reunião), os dos que, a despeito de seus resultados relevantes, não
casos de leptospirose tiveram distribuição sazonal e os foram destinados para publicação.32
autores concluíram que dados meteorológicos podem Diante dos diferentes fatores associados à leptos-
ser utilizados como preditores para a ocorrência da pirose em ambiente urbano e rural, a prevenção da
doença, auxiliando na implementação de medidas doença deve focalizar as fontes de contaminação e os
preventivas.29 Um surto com mais de 3.000 casos e fatores de risco apontados pelos estudos.
cerca de 250 mortes foi relatado nas Filipinas, entre Em área urbana, a maioria dos estudos associou
1o outubro e 5 de novembro de 2009,30 motivado por a doença às condições socioeconômicas da popu-
uma grave enchente, causada por três furacões, que lação e às condições sanitárias. Portanto, além de
assolou o país durante esse período. A incidência de atividades educativas voltadas à população, deve-se,
leptospirose em Guadalupe aumentou quatro vezes também, promover melhorias nas condições sanitá-
no período de 2002 a 2004, caracterizado por fortes rias urbanas.
chuvas associadas ao fenômeno El Niño.31 Em relação ao ambiente rural, apenas dois estudos
Estudos de revisão sistemática, em geral, contri- foram localizados, sendo necessário o aprofundamento
buem para consolidar os achados de diferentes estudos sobre a transmissão da leishmaniose nessas áreas. É
e concluir sobre os fatores associados ao objeto de recomendável a realização de ações educativas voltadas
análise. A diversidade da metodologia, entretanto, às atividades ocupacionais no ambiente rural: o uso
pode significar um limitador para a comparação dos de equipamentos de proteção individual, por exem-
resultados encontrados. Nesta revisão sistemática, os plo, poderia contribuir para a redução dos casos de
autores utilizaram diversas abordagens metodológicas leptospirose entre os camponeses.

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574 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):565-574,out-dez 2011


Normas para publicação

Introdução A carta de encaminhamento deve expressar: 1) que o


A Epidemiologia e Serviços de Saúde é uma publi- manuscrito ou trabalho semelhante não foi publica-
cação trimestral de caráter técnico-científico destinada do, parcial ou integralmente, tampouco submetido à
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Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemio- interesse dos autores com a pesquisa relatada ou a sua
logia em Serviços, da Secretaria de Vigilância em Saúde inexistência; e 3) que todos os autores participaram
do Ministério da Saúde (CGDEP/SVS/MS). Sua principal na elaboração do seu conteúdo intelectual – desenho
missão é difundir o conhecimento epidemiológico vi- e execução do projeto, análise e interpretação dos
sando ao aprimoramento dos serviços oferecidos pelo dados, redação ou revisão crítica e aprovação da
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cintos sobre temas específicos –; 6) Notas prévias; e são aceitas notas de texto de pé de página. Tabelas e
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5) Créditos a órgãos financiadores da pesquisa, se devem ser destacadas como último parágrafo da Me-
pertinente. todologia, fazendo menção às comissões de ética em
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com as seguintes seções: 1) objetivo; 2) metodologia; Resultados
3) resultados; e 4) conclusão do estudo. Exposição dos resultados alcançados, podendo con-
Para pesquisas clínicas, é obrigatória a apresenta- siderar tabelas e figuras, desde que auto-explicativas
ção do número de identificação em um dos registros de (ver o item tabelas e figuras).
ensaios clínicos validados pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) e pelo ICMJE (http://www.icmje.org/). Discussão
Imediatamente ao Resumo, devem ser listados Comentários sobre os resultados, suas implicações
três a cinco descritores, escolhidos a partir da lista e limitações. Discussão do estudo com outras publica-
de Descritores de Saúde do Centro Latino-Americano ções de relevância para o tema e no último parágrafo
e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da da seção, as conclusões.
Organização Pan-Americana de Saúde [Bireme/Or-
ganização Pan-Americana da Saúde (OPAS-OMS)], Agradecimentos
ou três a cinco palavras-chave escolhidas a partir de Após a secção da discussão e no fim do relato do
dados do resumo. estudo; devem-se limitar ao mínimo indispensável.

Summary - versão em inglês do Resumo, que Referências


também deve ser acompanhado dos descritores ou Para a citação das referências, no texto, deve-se
palavras-chave em inglês (key words). utilizar o sistema numérico. Os números serão grafa-
dos em sobrescrito (sem parênteses), imediatamente
Relatório completo – Introdução, Metodologia, após a passagem do texto em que é feita a citação e
Resultados, Discussão, Agradecimentos e Referências, separados entre si por vírgulas. Em caso de números
nesta ordem, seguidos das tabelas e figuras em ordem sequenciais de referências, separá-los por um hífen,
sequencial. Todos esses itens são obrigatórios para os enumerando a primeira referência e a última do in-
artigos originais (detalhes na seção seguinte); as de- tervalo da citação (Ex.: 7,10-16). Após a Discussão ou
mais modalidades de artigos podem dispor desse ou de Agradecimentos, as referências serão listadas segundo
outro formato, à escolha do autor, sempre pautado na a ordem de citação no texto.
racionalidade, objetividade, clareza e inteligibilidade Em cada referência, deve-se listar até os seis pri-
do relatório. meiros autores, seguidos da expressão et al para os
O relatório completo de um artigo original deve demais. Os títulos de periódicos, livros e editoras de-
respeitar a seguinte sequência estrutural: vem constar por extenso. As citações são limitadas a 30,
preferencialmente. Para artigos de revisão sistemática
Introdução e meta-análise, não há limite de citações.
Apresentação do problema, justificativa e objetivo O formato das referências deve seguir os “Re-
do estudo, nesta ordem. quisitos Uniformes para Manuscritos Submetidos a
Periódicos Biomédicos” do ICMJE (http://www.icmje.
Metodologia org/) com adaptações definidas pelos editores,
Descrição da metodologia, com os procedimentos conforme os exemplos abaixo:
analíticos adotados.
Pesquisas clínicas devem apresentar número de Anais de congresso
identificação em um dos registros de ensaios clínicos 1. Silva EM, Santos E, Guerra NMM, Marqui R, Melo SCC
validados pela OMS e pelo ICMJE (http://www.icmje. e Leme TH. Escorpionismo em Bandeirantes, Paraná:
org/). ações integradas na análise da situação e controle do

576 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):575-578,out-dez 2011


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“figuras”: quadros, gráficos, mapas, fotografias,
Livros
desenhos, fluxogramas, organogramas) devem ser
4. Fletcher RH, Fletcher SW, Wagner EH. Epidemiologia
enviadas, em arquivos separados, por ordem de ci-
Clínica. 4ª ed. Porto Alegre: Armed; 2006. tação no texto.
Livros, capítulos de O título deve ser conciso, evitando o uso de abre-
5. Medronho RA, Perez MA. Distribuição das Doenças viaturas ou siglas; estas, quando indispensáveis, serão
no Espaço e no Tempo. In: Medronho RA et al.
traduzidas em legendas ao pé da própria tabela ou
figura.
Epidemiologia. São Paulo: Atheneu; 2004. p.57-71.
Tabelas, quadros, organogramas e fluxogramas
Material não publicado apenas serão aceitos se elaborados pelo Microsoft
6. Tian D, Stahl E, Bergelson J, Kreitman M. Signature of Office (Word; Excel); e gráficos, mapas, fotografias,
balancing selection in Arabidopsis. Proceedings of the somente se elaborados nos formatos EPS, BMP ou TIFF,
National Academy of Sciences of the United States of no modo CMYK, em uma única cor – preto, em suas
America. No prelo 2002. várias tonalidades.

Portarias e Leis Uso de siglas


7. Portaria no 1, de 17 de janeiro de 2005. Regulamenta Siglas ou acrônimos com até três letras devem ser
a implantação do Subsistema de Vigilância escritos com maiúsculas (Ex: DOU; USP; OIT). Em sua
Epidemiológica em Âmbito Hospitalar, integrando o primeira aparição no texto, acrônimos desconhecidos
Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica. Diário serão escritos por extenso, acompanhados da sigla en-
Oficial da União, Brasília, p.39, 16 fevereiro 2005. tre parênteses. Siglas e abreviaturas compostas apenas
Seção 1. por consoantes serão escritas em letras maiúsculas.
8. Brasil. Lei no 9.431, de 6 de janeiro de 1997. Decreta Siglas com quatro letras ou mais serão escritas em
a obrigatoriedade do Programa de Controle de maiúsculas se cada uma delas for pronunciada sepa-
Infecção Hospitalar em todos os hospitais brasileiros. radamente (Ex: BNDES; INSS; IBGE). Siglas com quatro
Diário Oficial da União, Brasília, p.165, 7 jan. 1997. letras ou mais e que formarem uma palavra (siglema),
Seção 1. ou seja, que incluírem vogais e consoantes, serão
escritas apenas com a inicial maiúscula (Ex: Funasa;
Referências eletrônicas Datasus; Sinan). Siglas que incluírem letras maiúsculas
9. Ministério da Saúde. Informações de saúde [acessado e minúsculas originalmente, serão escritas como foram
durante o ano de 2002, para informações de 1995 criadas (Ex: CNPq; UnB). Para siglas estrangeiras,

Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):575-578,out-dez 2011 577


Normas para publicação

recomenda-se a correspondente tradução em por- Endereço para correspondência:


tuguês, se for largamente aceita; ou o uso da forma Coordenação-Geral de
original, se não houver correspondência em português, Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços
ainda que o nome por extenso – em português – não Epidemiologia e Serviços de Saúde:
corresponda à sigla. (Ex: Unesco = Organização das revista do Sistema Único de Saúde do Brasil
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura; SCS, Quadra 4, Bloco A, Edifício Principal,
MRPII = Manufacturing Resource Planning). Algumas 5o andar, Asa Sul
siglas, popularizadas pelos meios de comunicação, Brasília-DF
assumiram um sentido próprio; é o caso de AIDS = CEP: 70304-000
síndrome da imunodeficiência adquirida, sobre a qual
o Ministério da Saúde decidiu recomendar que seus Telefones: (61) 3213-8387 / 3213-8393
documentos a reproduzam como se tratasse de nome Telefax: (61) 3213-8404
de doença, “aids”, em letras minúsculas. (Brasil.
Fundação Nacional de Saúde. Manual de editoração E-mail: revista.svs@saude.gov.br
e produção visual da Fundação Nacional de Saúde.
Brasília: Funasa, 2004. 272p.).

Análise e aceitação dos trabalhos


Os trabalhos submetidos são analisados por re-
visores (revisão por pares) e publicados desde que
aprovados pelo Comitê Editorial e Editoria Executiva.

578 Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 20(4):575-578,out-dez 2011


artigos neste número

» EDITORIAL: O enfrentamento das doenças crônicas não » Situação da Raiva no Brasil, 2000 a 2009
transmissíveis: um desafio para a sociedade brasileira Marcelo Yoshito Wada, Silene Manrique Rocha e Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury

» Apresentação do plano de ações estratégicas para o » Coinfecção Leishmania-HIV no Brasil: aspectos


enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis epidemiológicos, clínicos e laboratoriais
no Brasil, 2011 a 2022 Marcia Leite de Sousa-Gomes, Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury, Daniele Maria Pelissari, Francisco
Deborah Carvalho Malta, Otaliba Libânio de Morais Neto, Jarbas Barbosa da Silva Junior e Grupo Edilson Ferreira de Lima Junior, Joana Martins de Sena e Michella Paula Cechinel
Técnico de Redação

» Epizootias em primatas não humanos durante


» Fatores associados ao diabetes Mellitus em participantes reemergência do vírus da febre amarela no Brasil, 2007 a
do Programa ‘Academia da Cidade’ na Região Leste do 2009
Município de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2007 e Francisco Anilton Alves Araújo, Daniel Garkauskas Ramos, Arthur Levantezi Santos, Pedro Henrique de
2008 Oliveira Passos, Ana Nilce Silveira Maia Elkhoury, Zouraide Guerra Antunes Costa, Silvana Gomes Leal e
Alessandro Pecego Martins Romano
Mariana Carvalho de Menezes, Adriano Marçal Pimenta, Luana Caroline dos Santos e Aline Cristine
Souza Lopes
» Caracterização clínica e epidemiológica dos casos
» Estudo de caso do processo de formulação da Política confirmados de hantavirose com local provável de infecção
Nacional de Alimentação e Nutrição no Brasil no bioma Cerrado Brasileiro, 1996 a 2008
Denise Bomtempo Birche de Carvalho, Deborah Carvalho Malta, Elisabeth Carmen Duarte, Luciana Marília Lavocat Nunes, Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury, Daniele Maria Pelissari e Mauro da Rosa
Monteiro Vasconcelos Sardinha, Lenildo de Moura, Otaliba Libânio de Morais Neto, Ana Beatriz Elkhoury
Vasconcelos e Anelise Rizzolo de Oliveira Pinheiro

» A Vigilância da fluoretação de águas nas capitais brasileiras


» Perfil epidemiológico dos cidadãos de Florianópolis Kátia Cesa, Claídes Abegg e Denise Aerts
quanto à exposição solar
Karoline Rizzatti, Ione Jayce Ceola Schneider e Eleonora d’Orsi » Detecção de bactérias do gênero Legionella em amostras
de água de sistemas de ar condicionado
» Fatores associados aos componentes de aptidão e nível Helder Yudji Etto e Maria Tereza Pepe Razzolini
de atividade física de usuários da Estratégia de Saúde
da Família, Município de Botucatu, Estado de São Paulo, » Revisão sistemática dos fatores associados à leptospirose
Brasil, 2006 a 2007 no Brasil, 2000-2009
Edilaine Michelin, José Eduardo Corrente e Roberto Carlos Burini
Daniele Maria Pelissari, Ana Nilce Silveira Maia-Elkhoury, Maria de Lourdes Nobre Simões Arsky e
Marília Lavocat Nunes
» Orientações de saúde reprodutiva recebidas na escola –
uma análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar
nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, 2009
Deborah Carvalho Malta, Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha, Ivo Brito, Maria Rebeca Otero
Gomes, Martha Rabelo, Otaliba Libânio de Morais Neto e Gerson Oliveira Penna

» Fatores associados à mortalidade infantil no Município


de Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil: estudo de caso-controle
Roberto Valiente Doldan, Juvenal Soares Dias da Costa e Marcelo Felipe Nunes

» Características clínico-epidemiológicas de pacientes


idosos com aids em hospital de referência, Teresina-PI,
1996 a 2009
Helony Rodrigues da Silva, Maria Do Ó Cunha Marreiros, Thiago Silveira Figueiredo e Maria do
www.saude.gov.br/svs
Livramento Fortes Figueiredo
www.saude.gov.br/bvs

disque saúde 0800.61.1997

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