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Rim do Idoso

João Carlos Fernandes


Serviço de Nefrologia
CHVN Gaia-Espinho
Maio 2022
População portuguesa por idades 2011 – 2021
Fonte: Census 2021
Idades dos doentes seguidos na consulta externa de nefrologia
Relatório Anual de Atividades 2020

Nefrologia Clínica - doentes agendados em 1 janeiro de 2020


n = 2059
57% têm mais de 70 anos
29%

24%

15%
12%

7%
5%
3% 4% 4%

< 30 30 - 40 40 - 50 50 - 60 60 - 70 70 - 80 80 - 90 > 90 S/I


Idade
Objectivos

1. O que é o envelhecimento renal normal?


 como distinguir de uma doença renal
 referenciação a consulta de nefrologia

2. Que implicações tem?


No risco CV e na mortalidade
Na progressão para DRC terminal
Na farmacocinética
 Avaliação da TFG
Questão 1

Mulher caucasiana, 80 anos de idade. Scr 1,0 mg/dL.


Sem fazer cálculos, qual pensa que é a TFG estimada pela fórmula CKD-
EPI?

1. 73 ml/min

2. 63 mL/min

3. 53 mL/min

4. 43 mL/min
Estimativa da TFG
CKD-EPI 2021
Homem caucasiano
Scr 1,2 mg/dL
Idade 40 50 60 70 80 90
MDRD 71 68 66 64 62 61
CKD-EPI 75 70 65 61 57 53

Mulher caucasiana
Scr 1 mg/dL
Idade 40 50 60 70 80 90
MDRD 65 62 60 58 57 55
CKD-EPI 70 66 61 57 53 50
Valores normais da TFG – homens e mulheres
Depuração da inulina
Prevalence of reduced kidney function and albuminuria in older adults:
the Berlin Initiative Study.

Estimated and
measured GFRs by
age in BIS iohexol
subsample (n =
570).

Ebert N
Nephrology Dialysis Transplantation, Volume 32, Issue 6, 09 May 2016, Pages 997–1005, https://doi.org/10.1093/ndt/gfw079
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Classificação da DRC
QDIGO
Prevalence of reduced kidney function and albuminuria in older adults:
the Berlin Initiative Study.

Estimated and Metade das pessoas com mais de 70


measured GFRs by anos têm TFG medida ou estimada < 6
age in BIS iohexol ml/min/1,73m2.
subsample (n =
570).

Ebert N
Nephrology Dialysis Transplantation, Volume 32, Issue 6, 09 May 2016, Pages 997–1005, https://doi.org/10.1093/ndt/gfw079
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TFG normal com a idade
Metade das pessoas com mais de 70 anos
têm TFG medida ou estimada < 60 ml/min/1,73m2.

Porquê?

1. Maior prevalência e diagnóstico de doenças renais dos idosos


- Vasculites, gamapatais, amiloidose, GN membranosa, diabetes, NIC.

2. Alterações normais que ocorrem no rim com o envelhecimento.


1. O que é o envelhecimento renal normal?
Envelhecimento renal
Fisiopatologia
Alterações estruturais do rim do idoso

Macroscópicas: Microscópicas:
• Superfície irregular • Nefrosclerose
• Diminuição do volume do córtex • Diminuição do número de nefrónios
• Quistos - mais frequentes, numerosos e
maiores
Número normal de quistos
renais com a idade
Alterações estruturais do rim do idoso

Macroscópicas: Microscópicas:
• Superfície irregular • Nefrosclerose
• Diminuição do volume do córtex • Diminuição do número de nefrónios
• Quistos - mais frequentes, numerosos e
maiores
Alterações estruturais do rim do idoso
microscópicas

Nefrosclerose
Lesão isquémica secundária a arteriosclerose

 Glomerulosclerose focal e global


 Atrofia tubular
 Fibrose intersticial.

 Arteriolosclerose
 hiperplasia fibro-intima
 hialinose.
Alterações estruturais do rim do idoso
microscópicas

Diminuição do número de nefrónios


• Nascimento: 0,7 a 1,8 milhões de nefrónios

• 18-30 anos: ~1 milhão

• 70-75 anos: ~0,5 milhões


50
Alterações funcionais no rim do idoso

Diminuição da capacidade máxima de concentração de urina (de 1200 para 800 mosm/L)
 Maior risco de desidratação

Diminuição da capacidade máxima de diluição de urina (de 50 para 100 mosm/L)


 Maior risco de hiper-hidratação
 Maior risco de hiponatremia (p.ex. tiazidas)
Alterações funcionais no rim do idoso

Diminuição do número de transportadores e sódio e cloro nas células tubulares


Diminuição dos canais sódio nas células tubulares.

Diminuição da capacidade de conservar sódio

Diminuição da capacidade de excretar sódio

Resposta menos eficaz a uma redução ou aumento abrupto do aporte de sódio.


Alterações funcionais no rim do idoso

Hipoaldosteronismo hiporreninémico

Maior tendência para hipercaliémia


Qual é a importância clínica da diminuição da TFG
no rim envelhecido?
A diminuição da TFG
tem impacto:

 Na mortalidade
 Na mortalidade CV
 No risco de falência renal
terminal
 No risco de LRA
 No risco de DRC
progressiva
Doentes com
18-54 anos
Impacto da
Aumento de
TFG no risco 179% do RR
morte
relativo de
morte
segundo a Doentes com
> 75 anos
idade Aumento de
20% do RR
morte

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Rim envelhecido
Impacto no risco CV, na mortalidade e na DRC terminal

A diminuição da TFGe com o envelhecimento normal para 45 – 59 mL/min/1.73 m2

 não melhora a avaliação do RCV feita com os FRCV tradicionais

 não indica alto risco de DRCT


 pelo menos se não houver albuminuria anormal
Cálculo de risco de DRCT
Kidney failure risk Equation
Kidney Failure Risk Equation (2011) Enter Values Here

(Type Over
Placeholder Values in
Risk Factor Units Each Cell)
Age years 70
Sex male (m) or female (f) m
Estimated GFR ml/min/1.73 m2 50
Urine Albumin Creatinine Ratio mg/g 10
Calcium mg/dl 9,8
Phosphorous mg/dl 3,8
Albumin g/dl 4
Bicarbonate meq/l 26

Five year risk of kidney failure Less than 5%


Navdeep Tangri, JAMA. 2011;305(15):1553-1559.
Efeito marginal dos IECA/ARA na progressão da DRC associada ao envelhecimento
Interpreting treatment effects from clinical trials in the context of real-world risk information: end-stage renal disease prevention in older adults.
O'Hare AM, JAMA Intern Med. 2014;174(3):391.

Interpreting treatment effects from clinical trials in the context of real-world risk information: end-stage renal disease prevention in older adults.
O'Hare AM, JAMA Intern Med. 2014;174(3):391.
371 470 doentes > 70 anos com DRC

Número de doentes que é necessário


tratar para prevenir 1 caso de DRCT em
3 anos

TFG 15-29 com Up 2+ 16

TFG 45-60 com Up neg ou TFG > 60 com Up 1+ 2500

• No geral. nos grandes ensaios (sem idosos): é necessário tratar 9 a 25 doentes durante 2.6 - 3.4 anos para
prevenir 1 DRCT
• Nos > 75 anos, é preciso tratar mais de 100 doentes durante 10 anos pata prevenir 1 DRCT
A idade avançada está associada a uma
menor risco de progressão para DRC terminal.

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Não há terapêuticas eficazes para travar ou
reverter a diminuição da TFG relacionada com
a idade.

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Importância clínica do rim envelhecido
Como distinguir senescência normal de DRC patológica?

• Presença de outros sinais patológicos


• Anemia, eritrocitúria, síndrome sistémico, etc.
• Progressão rápida
• Proteinúria
• Nos idosos a relação proteínas/creatinina na urina tende a ser sobreavaliada porque há menos quantidade de creatinina
excretada.

eCER (mg/24 h) = 879.89 + 12.51 X peso (kg) - 6.19 X idade


+ 34.51 (se raça negra)
- 379.42 (se mulher)
Como distinguir senescência normal de DRC patológica?

1. Presença de outros sinais patológicos


1. Síndrome sistémico, Anemia desproporcional, Eritrocitúria, etc.

2. Progressão rápida

3. Proteinúria
• Nos idosos a relação proteínas/creatinina na urina tende a ser sobreavaliada porque há menos quantidade de creatinina
excretada.
Como distinguir senescência normal de DRC patológica?

1. Presença de outros sinais patológicos


1. Síndrome sistémico, Anemia desproporcional, Eritrocitúria, etc.

2. Progressão rápida

3. Proteinúria
• Nos idosos a relação proteínas/creatinina na urina tende a ser sobreavaliada porque há menos quantidade de creatinina
excretada.
Como distinguir senescência normal de DRC patológica?

1. Presença de outros sinais patológicos


1. Síndrome sistémico, Anemia desproporcional, Eritrocitúria, etc.

2. Progressão rápida

3. Proteinúria
• Nos idosos a relação proteínas/creatinina na urina tende a ser sobreavaliada porque há menos quantidade de creatinina
excretada.
• Proteinúria
• Nos idosos a relação proteínas/creatinina na urina tende a ser sobreavaliada porque há
menos quantidade de creatinina excretada.

eCER (mg/24 h) = 879.89 + 12.51 X peso (kg) - 6.19 X idade


+ 34.51 (se raça negra)
- 379.42 (se mulher)
Envelhecimento renal é igual a DRC?

TFGe 45-60 ml/min/1.73 m2 = diagnóstico de “DRC”?

Benéfico para o tratamento?


ou
Apenas gera ansiedade?
Envelhecimento renal é igual a DRC?

o A estimativa da TFG é imprecisa e pode ser inadequada.


o Metade das estimativas diferem 16 ml/min e 15% diferem 30 ml/min da TFGm

o A diminuição da TFG para valores 45-60 mL/mintem um efeito


modesto no risco de DRCT ou de morte.

o A diminuição da TFG para valores 45-60 mL/min tem pouco ou


nenhum efeito na qualidade de vida.

o Não impede os idosos de serem doadores de rim.


Envelhecimento renal é igual a DRC?

Não.
Importância clínica do rim envelhecido

1. Maior risco de desidratação e hiper-hidratação.

2. Maior risco de hiponatremia e hipercaliemia.

3. Maior risco de LRA.

4. Doença mais severa se surge uma doença renal de novo (p.ex. vasculite, diabetes).

5. É necessário ajuste da dose de medicação de drogas hidrossolúveis.


Ajuste da dose de fármacos nos doentes idosos
Alterações farmacocinéticas na doença renal

Ligação as
Volume de
Absorção proteínas Excreção
distribuição
plasmáticas

IRC: Depende de: DRC:


• edema do tubo • hidro/
A diminuição
• Hipoalbuminemi
digestivo. lipossolubilidade a da TFG
• náuseas e do fármaco. • Toxinas urémicas aumenta a
vómitos. • Volémia reduzem ligação
• alcalinização da às proteínas
semi-vida de
saliva pela ureia • Efeito difícil de fármacos
• Quelantes de quantificar excretados
fósforo.
por via renal
Ajuste das doses de fármacos – como se faz na prática

Usam-se as guidelines de ajuste de dose ou as fornecidas pelo fabricante

• Dose de carga: não requer modificação

• Dose de manutenção: Diminuição da dose ou


Aumento do intervalo entre tomas
Avaliação da taxa de filtração glomerular

Creatinina
- Livremente filtrada no glomérulo,
- Não é reabsorvida nos túbulos
-10-15% é excretada por secreção tubular

- Dependente da massa muscular


- P.ex. idosos
Avaliação da taxa de filtração glomerular
Taxa de depuração da creatinina

È necessária uma colheita completa.


 Colheita de urina de 24h incompleta - substima a TFG

A excreção diária de creatinina é de:


15 a 20 mg/Kg na mulher
20 a 25 mg/Kg no homem.
Diminui a partir dos 50 anos – aos 90 anos é 10 mg/Kg/dia
Avaliação da taxa de filtração glomerular
Taxa de depuração da creatinina

È necessária uma colheita completa.


 Colheita de urina de 24h incompleta - substima a TFG

A excreção diária de creatinina é de:


15 a 20 mg/Kg na mulher
20 a 25 mg/Kg no homem.
Diminui a partir dos 50 anos – aos 90 anos é 10 mg/Kg/dia
Avaliação da taxa de filtração glomerular
Taxa de depuração da creatinina

È necessária uma colheita completa.


 Colheita de urina de 24h incompleta - substima a TFG Incómoda

A excreção diária de creatinina é de:


15 a 20 mg/Kg na mulher
20 a 25 mg/Kg no homem.
Diminui a partir dos 50 anos – aos 90 anos é 10 mg/Kg/dia
Fórmulas para estimativa da TFG

1. Cockcroft-Gault

2. MDRD

3. CKD-EPI
Cockcroft-Gault
1976
249 doentes

 Sobrestima TFG em 10-40% , sobretudo nos idosos.


 Menos adequada para FR normal ou quase normal (> 60 ml/min).
 Usada historicamente no ajuste das doses de fármacos (FDA)
CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology)
2009
12150 doentes
KDIGO 2013

 Mais rigorosa na função renal normal ou pouco alterada


( TFG > 60 ml/min)
 Comparável à MDRD para TFG < 60 ml/min

 Melhor que a MDRD nos obesos e idosos


MDRD ou CKD-EPI?

MDRD CKD-EPI

Magros Obesos
TFG < 60 ml/min Idosos
Mais limitações e vieses, sobretudo nos TFG > 60 ml/min
idosos
Cistatina C

Proteína produzida por todas as células nucleadas


Livremente filtrada no glomérulo
99% reabsorção e metabolização tubular, não encontrada na urina

Melhor marcador que a Scr (menos afectado por idade, sexo ou raça)
Ainda mais rigorosa se combinada com Scr
CKD-EPI-Cystatin-C CKD-EPI-Creatinine-Cystatin-C
2008/2011 2008/2011
eGFR =133 xmin(Scys/0.8, 1)-0.499 xmax (Scys/0.8, 1)-1.328 eGFR = 135 × min(SCr/κ, 1)α ×max(SCr/κ, 1)-0.601 ×min(Scys/0.8, 1)-
X 0.996Age 0.375 ×max(S -0.711 ×0.995Age ×0.969 [if female] ×1.08 [if black]
X 0.932 [if female] cys/0.8, 1)

Evita a "creatinine blind area" (TFG 40-90 Ainda mais precisa


ml/min/1.73m2), em que a SCr é normal apesar da  76% dentro de 20% de variação da TFGm
redução da TFG.
Pode ser útil confirmação de DRC
KDIGO 2013

Outras:
BIS Cr-Cis 2012
FAS combi (Cr-Cys) 2017
Ajuste das doses de fármacos – como calcular a TFG?

Historicamente, a maioria das guidelines criaram-se usando a fórmula Cockcroft-Gault.


 Recomendação da FDA antes do desenvolvimento de novas formulas

Deve usar-se o método mais preciso para cada doente (KDIGO 2011)
Ajuste das doses de fármacos – como calcular a TFG?

As fórmulas MDRD e CKD-EPI são mais correctas, sobretudo nos idosos.
 Devem ser ajustadas à superfície corporal (X superfície corporal : 1,73) nos indivíduos muito grandes ou
muito pequenos.
Ajuste das doses de fármacos
Situações em que pode ser útil medir a TDCr
 Grávidas
 Extremos de peso (obesos e malnutrição)
 Extremos de de idade
 Amputados, paraplegia ou quadriplegia
 Vegetarianos

 Ajuste de doses de drogas


 Especialmente com baixa margem terapêutica
Ajuste das doses de fármacos
Situações em que as equações baseadas na creatinina são
limitadas

 extremos de massa muscular


 dietas invulgares
 situações em que há alteração da secreção da creatinina

 janela terapêutica estreita (p.ex. quimioterapia)

Devem usar-se as esquações baseadas na cistatina C +- creatinina ou a TFG


medida com marcadores exógenos.
Ajuste das doses de fármacos NEFROCALC 2.0

Uso de calculadores Posologia de fármacos


em insuficiência renal
pela fórmula de
Giusti-Hayton-Tozer

NEFROCALC 2.0
• Usa a formula de Giusti-Hayton-Tozer
• Usa um factor de ajustamento baseado na TFG e na fracção de substâncias activas (drogas ou
metabolites) excretadas pelo rim.
• Útil também na HD, DP, Hemofiltração
• Requer ter em atenção uma lista de situações “Cuidado Especial”

• D - dose reduzida, intervalos normais


• I - aumento dos intervalos, doses normais
• D/I – combinação dos dois
Ajustes de dose de fármacos nos idosos
Recomendações finais

Nenhum fármaco essencial deve ser excluído por causa da idade ou pela presença de insuficiência
renal

Confirmar sempre a necessidade de ajuste de posologia


 Drogas com baixo limiar de segurança ou com eliminação renal elevada

Adequar à gravidade da situação e à potencial toxicidade

Monitorizar níveis

Vigiar o aparecimento de eventuais efeitos tóxicos


Ajustes de dose de fármacos nos idosos
Recomendações finais

Escolher CKD-EPI ou MDRD


Pode usar-se o Nefrocalc 2.0

Instabilidade momentânea
Evolução
 Proteinúria, histórico

Ajustar a periodicidade dos controlos da função renal


Ajustes de dose de fármacos nos idosos
Recomendação final

Nenhum método é suficientemente rigoroso para que possa dispensar o bom senso
profissional e a experiência em farmacologia clínica.
Muito obrigado.

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