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Resenhas 165

dutores entrevistados, dentre os quais e muitas vezes superficial sobre o per-


podemos destacar: Paulo Henriques fil do tradutor e sobre as problemá-
Britto, Mário Laranjeira, Nilson ticas envolvidas nas diversas facetas
Moulin e Lia Wyler. Além disso, o do traduzir e do pensar tradutório.
livro apresenta Introdução de Francis Talvez não seja, ao mesmo tempo,
Henrik Aubert, professor titular de uma visão completa, pois seriam ne-
Estudos Tradutológicos do Departa- cessárias perguntas mais complexas
mento de Letras Modernas da USP; e profundas sobre os mesmos temas,
Prefácio de Ivone Benedetti e mas ainda assim, o livro é uma boa
Posfácio de Adail Sobral. recomendação para aqueles que têm
Destarte, os co-organizadores a tradução como profissão ou como
proporcionam-nos uma visão simples objeto de estudo e pesquisa.
Fernanda Biagini Sá Verçosa
UFSC

A primeira publicação aqui


apresentada (Messner/Wolf) é uma
Messner, Sabine e Wolf, Michaela. versão extensa do relatório de um
Mittlerin zwischen den Kulturen – projeto de pesquisa intitulado
Mittlerin zwischen den “Integração de teoria e prática da
Geschlechtern? – Studie zur tradução feminista”, financiado por
Theorie und Praxis feministischer um fundo do Banco Central da
Übersetzung, Graz: Institut für Áustria e realizado na Universidade
Translationswissenschaft – de Graz. Com o trabalho, as duas
Universität Graz, 2000, 101 pp. e autoras pretendem contribuir para a
Grbiæ, Nadja e Wolf, Michaela visibilidade de tradutoras e para a
(org.). Grenzgängerinnen – Zur reflexão crítica do papel da tradução
Geschlechterdifferenz in der feminista (12).
Übersetzung, Graz: Institut für Inicialmente, o volume relata a
Translationswissenschaft – situação atual da tradução feminista
Universität Graz, 2002, 211 pp. como disciplina acadêmica, o se-
gundo capítulo se dedica à teoria da
tradução feminista, a terceira parte
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tenta documentar a prática da mes- na verdade, de uma lingüística fe-


ma, e os últimos capítulos relatam minista aplicada à tradução. Um dos
como várias instituições lidam com aspectos pesquisados, por exemplo,
a perspectiva feminista da tradução. é como um texto se dirige ao leitor
Finalmente, a publicação informa e – à leitora. Nos países de língua
sobre sites da internet relacionados alemã é comum começar uma carta
com o assunto e oferece uma bibli- comercial usando as duas formas de
ografia abrangente. tratamento, por exemplo: “Prezadas
O livro, que em nenhum lugar senhoras, prezados senhores”. Exis-
define o que são estudos feministas tem, além disso, formas
da tradução, denomina como fio morfológicas inovadoras para garantir
condutor da pesquisa a “identidade a inclusão dos dois gêneros, por
da mulher como tradutora”. Sabine exemplo o “I” maiúsculo em
Messner e Michaela Wolf partem “FreundInnen” o que significa
do pressuposto de que a identidade “Freunde” (a forma masculina) mais
das tradutoras mudou essencialmente “Freundinnen” (amigas). Isso é uma
nas últimas décadas: elas não se re- mera estratégia de redação que se
conhecem mais como reprodutoras transforma numa estratégia de tra-
mas como produtoras. A auto-esti- dução. “Como lidar com este fenô-
ma elevada das tradutoras se reflete meno?” É uma questão legítima da
em estratégias inovadoras da tradução. lingüística e também dos estudos da
A tradução feminista quer que as tra- tradução. Mas talvez o assunto não
duções sejam “fraueneinbindend” (47; seja suficientemente relevante, a pon-
integradoras da perspectiva feminis- to de justificar a implementação de
ta), “geschlechtsneutral” (47; neu- uma nova área ou subárea.
tras a respeito do sexo), As autoras falam muito da visi-
“feministisch” (47; feministas), bilidade das tradutoras – aqui entra
“frauenorientiert” (49; orientadas em jogo a visibilidade do
pela perspectiva das mulheres), resenhista. O livro confirma a mi-
“geschlechtergerecht (48; adequadas nha impressão de que o tema é mar-
a respeito do sexo, “nichtsexistisch ginal. Reconheço que estruturas lin-
(77; sexualmente corretas), güísticas podem ser, ou melhor: são
“frauenfreundlich (47; simpáticas à desequilibradas a respeito do gêne-
perspectiva das mulheres). ro e refletem mecanismos de poder
A tradução feminista tem uma definidos por homens. Reconheço
perspectiva muito prática. Trata-se, também que vale a pena adaptar a
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língua a uma situação nova, ou seja sos de visualização, “pizzas” e


a uma sociedade com menos discri- “tortinhas” que, em sua grande
minação sexual. Defender a propos- maioria, são completamente inúteis.
ta de uma língua sexualmente mais Não vejo necessidade de visualizar
justa é o dever de qualquer uma uma proporção simples como, por
pessoa que trabalha com língua. As exemplo, “nome do tradutor infor-
deficiências da língua que, muitas mado 68,6 %” e “nome do tradu-
vezes, refletem um machismo his- tor não informado 31,4 %” (69).
tórico, merecem uma conscien- Com certeza, esses recursos consti-
tização de todos e todas. Discrimi- tuem instrumentos adequados para
nação lingüística não é uma malda- aumentar a legibilidade de dados,
de androcêntrica mas fruto indese- quando usados com parcimônia.
jável de processos extra-lingüísticos. Contudo, no caso de dois itens (“in-
A questão básica é a mesma que formado” e “não informado”) de
fundamentou o marxismo: existên- proporção clara, a redundância pa-
cia ou consciência? Queremos ga- rece significar uma subestimação
rantir salários dignos para traduto- gritante da capacidade de compre-
ras e tradutores ou queremos inovar ensão do leitor.
pronomes pessoais? Um problema mais sério é a
Volto ao livro de Sabine e representatividade mínima de qua-
Michaela. O retorno dos questio- se todos os dados apresentados na
nários que as pesquisadoras tinham pesquisa. Dos 21 questionários en-
mandado para tradutoras bem como viados a instituições de formação de
instituições que trabalham com tra- tradutores e intérpretes somente dez
dução, ou melhor: o não-retorno de retornaram e apenas oito foram vá-
muitos deles, é um indício de que lidos para uma avaliação (38). As
mesmo pessoas e instituições que autoras entraram em contato com
trabalham profissionalmente com 85 escritórios, empresas de tradu-
tradução não deram importância ao ção, mas apenas 12 % deles respon-
assunto. A conclusão básica das au- deram (50). Dos dez contatos com
toras, então, é, na verdade, uma associações, corporações e sindica-
esperança – a esperança que haja tos de tradutores somente três en-
uma certa sensibilização, uma certa traram na avaliação (59). As auto-
conscientização (49). ras comentam o desinteresse das ins-
A fluência da leitura do livro é tituições pelos questionários (envi-
prejudicada pelos inúmeros recur- ados aos escritórios) e elas mesmas
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se perguntam se o resultado do in- “Grenzgängerinnen” é uma co-


quérito pode ser considerado repre- letânea de onze artigos escritos por
sentativo” (50). É óbvio que os da- onze mulheres, pesquisadoras re-
dos não são representativos e acre- cém-formadas (o autor do prefácio
dito que esse fato esteja relacionado curto é um homem). Diferentemen-
com a apresentação dos dados. Ilus- te do relatório do projeto, o livro é
tro minha opinião com base, por altamente interessante. As
exemplo, nos critérios arrolados no organizadoras subdividem o livro
questionário a serem observados na em três categorias temáticas: “Ris-
contratação de novos tradutores. O co e ganha-pão: Tradutoras nos sé-
critério “que o candidato seja bilín- culos XVIII e XIX” com três con-
güe” foi marcado por 12,5 % das tribuições; “Identidades divergen-
empresas. 12,5 % - quem não co- tes: Mulheres no original e na tra-
nhece o contexto metodológico da dução” com quatro artigos; “O
pesquisa, até fica impressionado: olhar ao estrangeiro: Construções
12,5 % das empresas que oferecem do outro através da tradução” com
serviços de tradução têm como cri- quatro trabalhos.
tério de seleção uma preferência por Na sua maioria, os artigos ana-
pessoas bilíngües. O diagrama do lisam traduções literárias. A diver-
tipo Excel sublinha a importância sidade das línguas consideradas
dos dados. No entanto, quem lê os constitui um aspecto favorável: as
dados com atenção percebe que 12,5 autoras escrevem sobre literatura
% equivalem a respostas de duas (!) traduzida do italiano, do inglês, do
empresas (de um total de oito). As- russo e do árabe – sempre para a
sim, as tortinhas, na verdade, es- alemão. Com exceção de um en-
condem a falta de dados ao invés de saio em inglês, os artigos são escri-
trazer clareza à interpretação dos tos em alemão.
mesmos. Considerando a dificuldade de
Uma das autoras, Michaela resenhar onze artigos em mil pala-
Wolf, publicou, junto com Nadja vras sem negligenciar um ou outro,
Grbiæ, um outro livro que também eu optei pela solução de relatar os
foi lançado pela Universidade de títulos dos trabalhos junto com as
Graz. O livro se chama idéias centrais.
“Grenzgängerinnen – Zur Ulrike Walter trabalhou sobre “As
Geschlechterdifferenz in der origens do trabalho tradutório femi-
Übersetzung”, que resenho a seguir. nino em torno de 1800” e se surpre-
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ende com o fato de que o universo resa Carniani Malvezzi, Edvige de


dos profissionais de tradução do pe- Battisti de Scolari e Anna Maria
ríodo era constituído principalmente Mozzoni) e analisa o reflexo do fato
por mulheres – não obstante, os ho- de serem mulheres nas estratégias de
mens é que aparecem na tradução. Ela trabalha basicamente
historiografia da tradução. A pesqui- com para-textos (prefácios e dedica-
sa tenta redescobrir as pistas históri- ções). A leitura dessas biografias sub-
cas da tradução feita por mulheres, a verte a falsa noção de que Madame
tradução entendida, em primeiro lu- de Stäel constituiu um exemplo sui
gar, como meio de subsistência e de generis de mulher culta dentro da
profissionalização das mulheres. O cultura européia do seu tempo.
excelente trabalho apresenta valiosas Daniela Kober escreve a respei-
informações sociológicas sobre a pro- to da “aventura de uma extraordi-
dução literária, o mercado editorial, nária auto-tradução”, referindo-se
a tradução como produto comercial à “Goethe’s Briefwechsel mit einem
(a tradução era mais barata do que o Kinde” (Correspondência de Goethe
original; ainda não se tinha noção de com uma criança) da escritora
direitos autorais; os tradutores cobra- Bettina von Arnim (1785-1859),
vam muito menos do que autores de amiga do escritor Johann Wolfgang
originais; as línguas de partida não von Goethe e do filósofo Friedrich
eram mais Latim e Grego mas In- Schleiermacher, com uma tradução
glês e Francês). O capítulo sobre para o inglês empreendida pela pró-
“Mulheres e trabalho em torno de pria autora. Kober relaciona a tra-
1800” traz informações curiosas so- dução de Bettina com um trecho
bre a condição feminina naquele pe- central da teoria da tradução de
ríodo. Em síntese, as autoras procu- Schleiermacher e contextualiza com
ram apresentar como “a tradução pertinência o trabalho da autora/tra-
consistiu numa das primeiras profis- dutora: “Alemanha do Romantis-
sões para mulheres das classes média mo Tardia”; “Inglaterra no século
e alta, pois não exigia a ruptura com XIX”; “Perfil profissional das tra-
o papel tradicional da mulher” (27) dutoras no Romantismo”. A obra
Petra Stacherl retrata no seu tra- da Bettina, composta essencialmente
balho seis tradutoras italianas dos por 67 cartas trocadas entre ela e
séculos XVIII e XIX (Luisa Bergalli Goethe, é uma poetização desta cor-
Gozzi, Elisabetta Caminer Turra, respondência. A tradutora escolhi-
Eleonara de Fonseca Pimental, Te- da no primeiro momento, Sarah
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Austin, sugere uma tradução parcial autora se baseia na teoria da opres-


da obra o que enfurece a poeta ale- são do feminino e, em particular,
mã. Como Bettina não queria con- da sexualidade feminina nas cultu-
ceder “unlimited power of ras ocidentais. Seria necessária uma
abridgement” (54) à tradutora ingle- nova definição da diferença femi-
sa Sarah Austin, essa acaba se recu- nina, condição indispensável para
sando a fazer a tradução. Não há pro- subverter o “phallocentrismo domi-
vas sobre quem teria, finalmente, nante” (77). Junto com Flotow a
traduzido os dois primeiros volumes autora postula um trabalho contra-
da trilogia para o inglês; é provável tradicional, agressivo e criativo con-
que tenham sido estudantes ingleses tra a opressão de mulheres (80). Em
supervisionados por Bettina que, grande parte, o texto permite ser lido
detalhe digno de nota, não domina- como manifesto feminista e o que a
va o idioma. Mesmo assim, o ter- autora chama de prova às vezes é
ceiro volume da obra é traduzido por apenas um traço, uma pista, um in-
ela. O objetivo de Bettina, ou me- dício, uma impressão.
lhor: sua pretensão é nada menos do Rahel Kunz trabalhou sobre o
que a invenção de um novo inglês. original e duas traduções do romance
“Goethe’s Correspondence with a “Women in Love” de D. H.
Child” é, segundo a avaliação da Lawrence, traduções publicadas,
Daniela Kober, legível, compreen- aliás, na mesma editora (a segunda
sível, inovador e, mais do que a mera apenas cinco anos depois da primei-
tradução de um original, uma segun- ra). A autora tenta desconstruir a
da obra original. premissa de que tradução bem-feita
O artigo de Susanne Schwab é aquela cujo tradutor/a tenha o
analisa duas traduções do romance mesmo sexo do autor/a. Mais do
“Una donna”, de Sibilla Aleramos. que o sexo biológico, ela postula
Ela postula que tradutores e tradu- características semelhantes
toras não podem (nem querem) atuar (“Gendereigenschaften”, 96) como
de forma neutra, pois eles e elas vi- significativas. No resumo, Rahel
vem e trabalham numa determina- parece segura de ter demonstrado
da situação social, política e cultu- sua hipótese. Uma afirmação com-
ral que causa um impacto sobre sua plexa como essa, no entanto, exigi-
perspectiva do mundo (69). A po- ria mais do que a comparação entre
sição de Schwab é a mais radical duas traduções de um romance como
nesta coletânea. Na parte teórica a argumento para se sustentar.
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Sabine Messner, por sua vez, em -de Martina Hofer sobre “Ne-
“A linguagem feminina nas mãos de nhuma literatura feminista sem
homens” critica a tradução para o editoras? O papel de editoras de
alemão do romance “Lettera a um língua alemã para a tradução de
bambino mai nato” da jornalista e literatura especificamente femi-
escritora italiana Oriana Fallaci (nota: nista”;
que, aliás, acabou de publicar o li- -de Lissa Gartler sobre
vro “La Forza della Ragione” (“A “Hamidas Geschichte” da autora
Força da Razão”, ainda sem tradu- egípcia Nawal El Saadawi (uma
ção no Brasil) no qual acusa o Islã aplicação das categorias de Venuti)
de ser uma ameaça para o mundo e, finalmente
inteiro!) Messner se concentra na aná- -de Sigrun Buchreiter sobre
lise de uma linguagem masculina, “Šepot šuma” da autora russa
ou seja, politicamente incorreta por Valerija Narbikova e também so-
parte do tradutor alemão. Ela acha bre a respectiva tradução para o
que a abordagem do re-reading pode alemão.
ajudar na identificação das tendênci- Todos os artigos fazem referên-
as machistas da tradução. cias a bibliografias abrangentes, e
Alexandra Mlakar, em “Talking o livro fecha com as biografias das
smart?”, estuda um romance poli- colaboradoras e índices. Tecnica-
cial da autora Sara Paretsky e a res- mente o livro é bem feito, o uso
pectiva tradução para o alemão. De- das fontes de várias línguas (russo,
pois de reflexões mais genéricas so- árabe) é louvável. As posições das
bre o gênero do romance policial e autoras são as posições das auto-
sobre a tradução feminista, Mlakar ras, ou seja, pode-se discordar de
apresenta uma análise de trechos da algumas das argumentações às ve-
tradução e chega à conclusão de que zes radicais, às vezes pouco
a tradução não consegue reproduzir aprofunda- das. Com certeza, a lei-
certas mensagens feministas da au- tura do livro ressalta uma perspec-
tora Sara Paretsky. tiva (ainda) nada comum nos Es-
A última seção do livro repro- tudos da Tradução no Brasil, e que
duz artigos é fundamental para o entendimen-
-de Elisa Giovannini sobre to feminista.
“Italy” de Lady Morgan (=Sydney Werner Heidermann
Owenson); UFSC

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