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Aluno(a): Gabrieli dos S. Battú. Disciplina: Saúde, Trabalho e Organizações I.

As Solidariedades do Trabalho: Reflexão Teórico-Prática


O artigo intitulado “Futuro(s) do trabalho”, de Gazi Islam (2020), aborda o tema
do trabalho a partir da incerteza, isto é, a partir da inconcretude que permeia a
configuração futura do mundo do trabalho diante de uma sociedade que se
recontextualiza constantemente. Nesse sentido, o autor toma como pano de fundo as
mudanças provocadas por grandes crises para debater alterações referentes à
natureza e à organização do trabalho, bem como as repercussões de tais rearranjos.
Dentre as consequências abordadas por Islam, destaca-se, aqui, a reconfiguração de
comunidades e categorias sociais e seu possível impacto na saúde mental dos
colaboradores que as compõem.
Muitas têm sido as mudanças na constituição da classe trabalhadora nos
últimos anos, sobretudo em razão dos avanços tecnológicos, crises econômicas e,
num passado ainda recente, devido à pandemia de coronavírus iniciada em 2020.
Diante desse contexto, Islam (2020) aponta para uma fragmentação crescente das
atividades de trabalho ao longo dos anos, a qual impõe desafios tanto à localização
do ambiente laboral na atualidade quanto à proteção/concessão de direitos aos
trabalhadores. Sato (2017) já apontava para esse fenômeno ao introduzir a noção de
“polimorfia do trabalho”, uma configuração do mundo trabalhista na qual a formalidade
e a informalidade coexistem e, por vezes, misturam-se em meio à multiplicidade de
arranjos construídos pelas pessoas com o objetivo de sobreviver. Como resultado de
tal panorama, tem-se a emergência de um mundo trabalhista de complexidade
crescente, evidenciando, também, a acentuação de desigualdades e novos desafios.
Islam (2020) afirma que, num contexto de dispersão da força de trabalho, a
inexistência de bases geográficas, culturais e experienciais comuns entre os sujeitos
é um fator capaz de minar a solidariedade e a ação política. Isso porque a dispersão
dificulta a identificação de demandas e a formulação de políticas públicas que supram
as necessidades dos indivíduos que participam da cadeia produtiva, culminando na
precarização das condições de trabalho. Dessa forma, pode-se mencionar como
consequência a intensificação/multiplicação dos fatores de risco psicossociais,
definidos como aspectos que atuam como moderadores e/ou mediadores do aumento
da probabilidade de ocorrência de danos ligados ao trabalho (Rodrigues et. al, 2020).
Os fatores de risco psicossociais decorrem da interação entre o trabalho e os sujeitos
que o realizam, possuindo relação com a organização dos esquemas de produção,
funções realizadas, autonomia e jornada de trabalho (Rodrigues et. al, 2020). Assim
sendo, a ausência de atualização das políticas públicas, somada à exposição aguda
e/ou crônica a condições precárias de trabalho – falta de autonomia e jornadas
extenuantes por exemplo – pode repercutir negativamente na saúde dos
trabalhadores, produzindo danos e agravos a estes.
Por outro lado, para Islam (2020), a polimorfia do trabalho parece possibilitar,
também, formas ampliadas de solidariedade, as quais, segundo o autor, poderiam
prestar apoio a movimentos democráticos. Dessa maneira, mediante a dificuldade na
definição de causas de luta comuns num contexto demasiadamente heterogêneo, o
autor sugere a contemplação das transposições entre diferentes movimentos sociais
e a construção de coalizações. À essa sugestão do autor, é possível relacionar a ideia
de interseccionalidade, sistematizada por Kimberlé Crenshaw num conceito que
busca apontar para consequências estruturais e dinâmicas decorrentes da interação
entre eixos de subordinação (Crenshaw, 2002). Logo, ao se atentar para a existência
de intersecções entre a luta por direitos das novas classes de trabalhadores e outras
questões sociais, pode-se pensar em áreas de interesse comum que sirvam como
ponto de partida para a busca por mudanças sociais, fortalecendo a politização de
diferentes comunidades no sentido da reivindicação de direitos.
Por fim, como exemplo prático do tópico debatido, pode-se destacar o
surgimento, nos últimos anos, da categoria de motoristas de aplicativo, considerados
integrantes da chamada gig economy ou “economia de bicos”. Em reportagem
publicada pela BBC News Brasil no dia 2 de outubro deste ano (2023), evidencia-se
a ambiguidade no que tange à regulamentação dessa classe de motoristas no Brasil.
Um dos principais motivos apontados na reportagem é a existência isolada das
categorias “autônomo” ou “empregado” para definir os trabalhadores, o que dificulta
a classificação dos motoristas de aplicativo visto que estes apresentam autonomia
em diversos aspectos de sua atividade laboral e são, simultaneamente, subordinados
ao gerenciamento e à avaliação por parte do algoritmo das empresas responsáveis
pelos aplicativos. Assim, ao mesmo tempo que tal classe é produto claro dos avanços
tecnológicos e dificuldades socioeconômicas da modernidade, ainda há a presença
de certa confusão em relação ao surgimento dessa categoria de trabalhadores, o que,
consequentemente, obstaculiza a criação de políticas que visem garantir os direitos
de tais pessoas.
Destarte, os motoristas nem conseguem acesso aos mesmos direitos que
colaboradores que possuem carteira assinada, nem podem ser reconhecidos
integralmente como autônomos. Nesse contexto, alguns fatores de risco
psicossociais que possivelmente se fazem presentes no cotidiano destes sujeitos
podem ser apontados. Dentre eles, destaca-se a ausência de limites organizacionais
claros, e a inexistência de suporte governamental em situações de acidente de
trabalho, as quais podem contribuir para o surgimento de ansiedade e exposição
prolongada ao estresse, uma vez que as incertezas inerentes às próprias condições
laborais podem vir a se constituir em uma fonte de preocupação constante. À vista
disso, conforme sugere Islam (2020), a organização, por parte dos trabalhadores, de
movimentos que tenham por objetivo a luta pela garantia de proteção à classe que
integram é uma ação a ser estimulada, sobretudo mediante a formação de alianças
com outros movimentos e causas sociais, a fim de fortalecer a busca por uma
sociedade mais justa no sentido amplo.

Referências
British Broadcasting Corporation News Brasil (2023). Motorista e entregador: onde
trabalhadores têm mais direitos que no Brasil.
https://www.bbc.com/portuguese/articles/crg0pr7l0ljo
Crenshaw, K. (2002). Documento para o encontro de especialistas em aspectos da
discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, 10(1),
171–188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011
Islam, G. (2020). Futuro(s) do trabalho. Revista De Administração De Empresas,
60(5), 365–370. https://doi.org/10.1590/S0034-759020200506
Rodrigues, C. M. L., Faiad, C., & Facas, E. P. (2020). Fatores de Risco e Riscos
Psicossociais no Trabalho: Definição e Implicações. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, 36(spe), e36nspe19. https://doi.org/10.1590/0102.3772e36nspe 19
Sato, L. (2017). Diferentes faces do trabalho no contexto urbano. In M. C. Coutinho,
M. H. Bernardo, L. Sato (Orgs.), Psicologia social do trabalho. (pp. 151-174).
Vozes.

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