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TERAPIA COGNITIVO-
COMPORTAMENTAL E OS
TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS I
2

Melina Paula Sales

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E OS
TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS I
1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2022
3

© 2022 por Platos Soluções Educacionais S.A.

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Editorial
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_____________________________________________________________________________
Sales, Melina Paula
Terapia cognitivo-comportamental e os transtornos
S163t
psiquiátricos I / Melina Paula Sales. – São Paulo: Platos
Soluções Educacionais S.A., 2022.
32 p.

ISBN 978-65-5356-241-7

1. Depressão. 2. Transtorno bipolar. 3. Transtorno


obsessivo compulsivo. I. Título.
3. Técnicas de speaking, listening e writing. I. Título.
CDD 616.8527
_____________________________________________________________________________
Evelyn Moraes – CRB: 010289/O

2022
Platos Soluções Educacionais S.A
Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César
CEP: 01418-002— São Paulo — SP
Homepage: https://www.platosedu.com.br/
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TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E OS
TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS I

SUMÁRIO

Apresentação da disciplina ___________________________________ 05

O diálogo entre a abordagem cognitivo-comportamental e o


tratamento dos transtornos psiquiátricos_____________________ 07

Técnicas da teoria cognitivo-comportamental na atuação com


pacientes com Transtorno Afetivo Bipolar____________________ 17

Transtornos alimentares e a abordagem cognitivo-


comportamental______________________________________________ 28

Abordagem cognitiva-comportamental no Transtorno


Obsessivo-Compulsivo (TOC)__________________________________ 42
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Apresentação da disciplina

Aqui se inicia uma jornada completa de conhecimento sobre uma das


abordagens da Psicologia que mais tem publicado estudos científicos
sobre o manejo e tratamento de diversos transtornos. Neste material,
você encontrará conteúdo sobre o manejo e tratamento de diversos
transtornos, desde os conceitos de cada patologia e as tratativas
terapêuticas multidisciplinares, assim como as técnicas que tem se
mostrado promissoras no âmbito clínico.

Esta disciplina tem como objetivo explicitar de que maneira a teoria


cognitivo- comportamental dialoga com os sintomas e o tratamento
dos transtornos psiquiátricos, para que seja possível aprimorar o seu
raciocínio clínico, utilizando-se de uma abordagem focada. Além dos
principais pilares que norteiam a teoria cognitivo-comportamental, nesta
disciplina você explorará os conceitos dos transtornos psiquiátricos:
depressão; transtorno bipolar; transtorno alimentar; e transtorno
obsessivo, com base no manual diagnóstico vigente DSM V-TR.

Como a Psicologia tem olhado para estes transtornos? Como a prática


clínica se estrutura na elaboração do psicodiagnóstico? Estas e outras
questões serão abordadas de maneira clara e objetiva para que você,
aluno, ao final desta jornada, seja capaz de apreender um conhecimento
sistemático e desenvolva habilidades para traçar o plano de tratamento
individual de maneira segura e profissional, por meio das técnicas
cognitivas e técnicas comportamentais cabíveis na especificidade de
cada transtorno psiquiátrico.
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Este material foi elaborado com base em um referencial teórico


atualizado e consistente, então aproveite a sua jornada rumo ao sucesso
em sua prática clínica!
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O diálogo entre a abordagem


cognitivo-comportamental e
o tratamento dos transtornos
psiquiátricos
Autoria: Melina Paula Sales
Leitura crítica: Rogério Adriano Bosso

Objetivos
• Apresentar os pilares da teoria cognitivo-
comportamental no tratamento da depressão.

• Conceituar e compreender os sintomas do


transtorno depressivo.

• Discutir as técnicas comportamentais e cognitivas


que se mostram promissoras no âmbito clínico no
tratamento do transtorno depressivo.
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1. Relembrando os princípios da teoria


cognitivo-comportamental

Para Beck, Rush e Shaw (1997), a terapia cognitiva pode ser descrita
como uma ferramenta na qual o profissional atua de maneira ativa e
estruturada, sendo uma de suas principais características, um trabalho
delimitado no tempo. Dentre o tratamento dos distúrbios psiquiátricos,
a psicoterapia na abordagem cognitiva comportamental é uma prática
clínica altamente indicada em casos de transtornos como: ansiedade;
fobias; e depressão.

A prática clínica revela alta demanda de tratamento para diversos


transtornos mentais e as psicoterapias têm exibido resultados
relevantes desde que aplicada adequadamente, para tratar o diagnóstico
de transtorno depressivo, transtorno afetivo bipolar, transtornos
alimentares e transtorno obsessivo compulsivo. Segundo Knapp (2004),
como parte do plano de tratamento, as técnicas de cada abordagem
psicológica desenvolvidas durante a psicoterapia tem como foco auxiliar
o paciente a tomar consciência de algumas questões para que se
consiga modificar os pensamentos, sentimentos e, consequentemente,
comportamentos. Este foco se fundamenta na base dos princípios da
teoria cognitivo-comportamental, que para Knapp (2004), é expresso
nas afirmativas de que a cognição atua sobre o comportamento; as
operações cognitivas são monitoradas e passíveis de modificação; as
alterações cognitivas refletem nos comportamentos almejados.

Nesta disciplina, você conhecperá como as técnicas e pilares da


modificação de pensamentos e comportamentos advindas da teoria
cognitivo-comportamental podem tratar o diagnóstico do transtorno
depressivo, assim como as técnicas usualmente aplicadas na experiência
clínica.
9

2. Teoria cognitivo comportamental: histórico


relacionado a depressão

A expressão terapia cognitivo-comportamental, descrita por Knapp


(2004), contempla inúmeros enfoques que estão incluídos em dois
padrões: o cognitivo e o cognitivo-comportamental. Os estudos
identificados como pioneiros na relação entre a teoria cognitivo
comportamental e os transtornos mentais datam de 1960, período e
que Aaron Beck, médico psiquiatra da Filadélfia (EUA) que, até então, era
adepto da Psicanálise, deu início ao desenvolvimento de sua teoria.

A abordagem beckiana emerge em um contexto em que a teoria


psicanalítica se sobressaía. Inicialmente, Beck focou seus estudos
no transtorno da depressão e, atualmente, pode-se observar que as
técnicas desenvolvidas por este médico são empregadas também em
outros transtornos, segundo Knapp (2004), como: transtornos ansiosos;
transtornos de personalidade; e transtornos alimentares.

Para Powell et al. (2008), os achados de Beck foram fundamentais para


a compreensão de como se apresentam os mecanismos psicológicos
na depressão, afirmando que na patologia da depressão, observam-
se fatores fortemente destacados na teoria cognitivo comportamental,
como as emoções e comportamentos resultantes de crenças e
pensamentos disfuncionais, ou seja, advindas de processos cognitivos
irregulares. Powell et al. (2008) destacam, ainda, que, agora, a teoria
cognitivo comportamental é a abordagem que mais publica estudos
científicos, visto que na literatura, encontram-se mais de 300 ensaios
clínicos controlados indicando resultados positivos no tratamento da
depressão.

Visto que na depressão o paciente exprime pensamentos disfuncionais


relacionados à sua realidade, dimensionando fatos de maneira
exacerbada, a teoria cognitivo comportamental se mostra como uma
10

técnica aliada, uma vez que a sua linha de pensamento é, justamente,


tentar junto ao paciente, detectar e trabalhar alguns esquemas de
pensamento que estão atuando de maneira disfuncional, afetando,
assim, o seu cotidiano e as suas relações. Este fator é descrito na teoria
de Beck como distorções cognitivas, conceito utilizado para nomear os
pensamentos disfuncionais, principalmente encontrados na depressão.
Quando o paciente é diagnosticado com o transtorno depressivo, a
tendência é analisar suas vivências de forma negativa, o que os leva
a acreditar que os resultados de suas ações serão prejudiciais, e, esta
compreensão acaba por impulsionar comportamentos depressivos
(POWELL et al., 2008).

A substituição dos comportamentos depressivos por comportamentos


funcionais são o alvo das técnicas empregadas pelos psicólogos que
atuam com a teoria cognitivo comportamental e serão destaque nos
próximos tópicos.

Para desenvolver o raciocínio clínico no tratamento da depressão


em psicoterapia, faz-se necessário a compreensão do transtorno da
depressão em sua etiologia, conceito e perspectiva segundo os manuais
diagnósticos utilizados na medicina.

2.1 Depressão: conceitos, etiologia e tratamento

Sabe-se que na depressão, acontecem alterações fisiológicas e o


desequilíbrio no funcionamento dos neurotransmissores desencadeia
uma série de mudanças fisiológicas, emocionais e comportamentais
(OLIVEIRA; GONÇALVES, 2020).

Para os autores, os sintomas da depressão são multifacetados,


atingindo o sistema psicológico, físico e comportamental, resultando em
desequilíbrio emocional; aspecto este que será o alvo do tratamento da
psicoterapia cognitivo comportamental.
11

O diagnóstico do transtorno depressivo segue os critérios do DSM-V-TR,


que expõe uma série de sintomas e frequência, para que se classifique
o tipo de transtorno depressivo que o paciente está apresentando.
Segundo o DSM–V-TR (APA, 2002), os principais sintomas do transtorno
depressivo são: estado deprimido; anedonia; sensação de inutilidade
ou culpa excessiva; dificuldade de concentração; fadiga ou perda de
energia; alterações no sono; problemas psicomotores; alterações
significativas no peso; ideias recorrentes de morte ou suicídio. Vale
ressaltar que não são realizados diagnósticos com critérios isolados, e
para que se tenha o diagnóstico do transtorno depressivo, é mandatório
observar as orientações do DSM-V-TR, em que consta que na listagem
dos sintomas mencionados, ao menos cinco dos sintomas listados acima
devem estar presentes no período de duas semanas, sendo que os dois
principais são o humor deprimido e a anedonia.

Apesar de o diagnóstico da depressão poder ser atribuído somente ao


médico, a Psicologia dispõe de instrumentos como as escalas, para que
se utilize nos pacientes em que o psicoterapeuta está suspeitando do
transtorno depressivo, podendo, assim, sugerir o encaminhamento para
o médico.

Sobre o tratamento, pode-se concluir que somente uma equipe


multiprofissional conseguirá atingir os resultados que o paciente
precisa, uma vez que os sintomas atingem vários âmbitos. Indica-se o
tratamento farmacológico, direcionado pelo psiquiatra, as psicoterapias
com psicólogo, atividade física, orientada por um profissional da
educação física e, também, a inclusão de atividades cognitivas, aplicadas
entre outros profissionais que podem compor a equipe (OLIVEIRA;
GOLNÇALVES, 2020).

A abordagem que utiliza a terapia cognitiva no tratamento da


depressão contempla um conjunto de técnicas que se relacionam e
são empregadas de acordo com a teoria da estruturação psicológica
da depressão (BECK, 1976). Ainda para o autor, o modelo cognitivo
12

sugere que as experiências primárias são a base para a constituição das


noções negativistas sobre si mesmo, que podem ser ativados diante de
situações particulares.

Na depressão, observamos crenças distorcidas e, por esta razão,


os pensamentos e comportamentos tendem a ser disfuncionais, e
quanto maior for o nível do transtorno depressivo, maior propensão
ao desenvolvimento de pensamentos negativos o paciente terá,
impactando nos processos cognitivos e comportamentais (OLIVEIRA;
GOLNÇALVES, 2020).

As técnicas da abordagem cognitivo-comportamental são capazes de


modificar estas crenças e pensamentos, trazendo novo repertório
comportamental para o paciente, juntamente com os outros
tratamentos usualmente aplicados pelas seguintes áreas: Farmacologia;
Educação Física; Neuropsicologia.

2.2 Aplicação da teoria cognitivo comportamental


na depressão

Para que se consiga entender os fatores comportamentais implicados


em cada tipo de transtorno psiquiátrico, faz-se mandatório recordar
uma premissa fundamental da teoria cognitiva, que diz respeito a
tríade cognição, emoção e comportamento, pois, assim como no
funcionamento psíquico normal, a relação entre estes três fatores está
presente nas psicopatologias.

A Figura 1 apresenta o esquema cognitivo de maneira simplificada,


indicando como o modelo cognitivo pode ser representado.
13

Figura 1 – Modelo cognitivo

Fonte: Knapp (2004, p. 21).

O modelo cognitivo abrange alguns conceitos que necessitam de


explanação para que se compreenda como as técnicas da teoria
cognitivo comportamental se fundamentam e alcançam resultados.
São eles: crenças nucleares, que diz respeito a ideias e conceitos sobre
as pessoas, o mundo e a nós mesmos, as quais estão consolidadas,
ou seja, são pensamentos que ocorrem de uma mesma maneira,
independentemente do contexto, uma vez que são as crenças que
se estruturaram ao longo da vida que prevalecerão. Os pressupostos
subjacentes, que caracterizam-se como as regras e normas que foram
14

construídos de forma irregular no sistema cognitivo, ou seja, são


padrões que ditam nossas atitudes de forma condicional, em que
acredita-se que ao agir de determinada maneira, terá determinado
resultado. Os pensamentos automáticos, que caracterizam-se pelos
pensamentos que ocorrem rapidamente e involuntariamente. Nas
psicopatologias, os pensamentos automáticos têm especial relevância,
uma vez que irão delinear as ações do paciente (POWELL et al., 2008).

Existem diversas técnicas da teoria cognitivo comportamental que são


usualmente aplicadas nos transtornos psiquiátricos e destacaremos as
estratégias terapêuticas manuseadas no tratamento da depressão.

De acordo com Powell et al. (2008), no paciente portador do transtorno


depressivo, o foco da teoria cognitivo comportamental será auxiliar o
paciente a alterar crenças e comportamentos que criam este estado de
humor.

Para Powell et al. (2008), existem três momentos que constituem o


processo de psicoterapia no tratamento da depressão: no primeiro
momento, enfatiza-se os pensamentos automáticos; o segundo dá
atenção à maneira de relacionamento que o paciente apresenta
com as outras pessoas; e, por último, temos a fase de alterações no
comportamento para a obtenção de repertório que irá confrontar a
situação elegida pelo paciente como o problema.

Como mencionado, a psicoterapia na abordagem cognitivo


comportamental é um processo ativo, em que há participação ativa
do paciente, e o psicoterapeuta é a peça que irá ajudá-lo a detectar os
entendimentos deformados, apontar pensamentos negativos e pensar
em alternativas para que ocorra a reestruturação cognitiva (POWELL et
al., 2008).

A Tabela 1 apresenta algumas técnicas da teoria cognitivo


comportamental e o objetivo que cada técnica busca atingir.
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Tabela 1 – Técnicas da teoria cognitivo comportamental


para o tratamento da depressão

Estratégia Objetivo / descrição.

Promover alívio dos sintomas.

Ativação comportamental Monitorar atividades por meio do registro, apresen-


tando dados da rotina do paciente, ou seja, como
este está funcionando.

Definir os problemas dos pacientes.


Detectar as crenças disfuncionais que estão ligadas
ao transtorno depressivo, assim como distorções
cognitivas e pensamentos automáticos; as reações
Reestruturação cognitiva fisiológicas, emocionais e comportamentais conse-
quentes aos pensamentos; comportamentos que
foram empregados até o momento para lidar com
as crenças disfuncionais; de que maneira as expe-
riências colaboram na manutenção das crenças do
paciente.

Aplicadas após a reestruturação cognitiva.


Estas sessões têm o objetivo de evocar os pensa-
mentos e pressupostos, expor de que maneira os
Sessões intermediárias pensamentos geram sentimentos, registrar os pensa-
mentos disfuncionais, registrar os pensamentos com
base no processo, investigar as crenças subjacentes
que potencializam o pensamento por meio do méto-
do socrátio seta descendente.

Fonte: adaptada de Powell (2008, p. 73).

É relevante destacar que embora tenhamos técnicas da abordagem


cognitivo-comportamental consagradas em cada tipo de transtorno
psiquiátrico, cada paciente deverá ser visto como singular, sendo que
em determinados casos, demandará um número maior ou menor
de sessões. Usualmente, a psicoterapia na abordagem cognitivo
comportamental se estrutura entre 10 a 20 sessões (POWELL et al.,
2008).
16

Como podemos observar, são inúmeras as vantagens que a abordagem


cognitivo-comportamental apresenta. Um dos benefícios encontrados
diz respeito à temporalidade do tratamento. Esta delimitação
temporal provoca no paciente o desenvolvimento de foco e senso de
responsabilidade, visto que é um processo com início, meio e fim, sendo
papel do profissional alinhar esta metodologia no enquadre inicial.

Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. APA. Manual diagnósticos e estatístico de
transtornos mentais – DMS-V TR. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.
BECK, A. T.; RUSH, J. A.; SHAW, B. F. Terapia Cognitiva da Depressão. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1997.
KNAPP, P. Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Porto
Alegre: Artes Médicas, 2004.
OLIVEIRA, L. de; GONÇALVES, J. R. Depressão em idosos institucionalizados: uma
revisão de literatura. Revista JRG de Estudos Acadêmicos, Brasília, v. 3, n. 6, p.
110–122, 2020. Disponível em: http://www.revistajrg.com/index.php/jrg/article/
view/110. Acesso em: 17 abr. 2022.
POWELL, V. B. et al. Terapia Cognitivo Comportamental da Depressão. Revista
Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, 30 (Supl II), p. 873-80, 2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rbp/a/XD3SXdNxQPMwj6gc4WRjqSB/abstract/?lang=pt.
Acesso em: 22 jun. 2022.
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Técnicas da teoria cognitivo-


comportamental na atuação com
pacientes com Transtorno
Afetivo Bipolar
Autoria: Melina Paula Sales
Leitura crítica: Rogério Adriano Bosso

Objetivos
• Apresentar o histórico da abordagem cognitivo
comportamental.

• Debater sobre o conceito, etiologia, diagnóstico e


tratamento do Transtorno Afetivo Bipolar.

• Discutir as técnicas comportamentais empregadas


no tratamento do Transtorno Afetivo Bipolar.

• Estabelecer diálogos entre abordagem cognitivo


comportamental e o Transtorno Afetivo Bipolar.
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1. Histórico da Teoria Cognitivo


Comportamental

Neste material, você regressará até às bases teóricas da Terapia


Cognitivo-Comportamental, caminhando pela origem da teoria,
caracterização e principais autores que consolidaram esta abordagem,
que tem evidenciado resultados promissores no tratamento de
transtornos psiquiátricos, incluindo o transtorno afetivo bipolar.

O conceito, etiologia, diagnóstico e tratamento são tópicos que você


também encontrará neste material, que, por sua vez, são mandatórios
para a compreensão do diálogo entre a psicologia comportamental e os
transtornos psiquiátricos.

Ao final, você conhecerá as principais técnicas da teoria cognitivo


comportamental no tratamento do transtorno afetivo bipolar, para que
amplie e atualize as suas habilidades técnicas na atuação clínica.

1.1 Bases históricas e atualidades da terapia cognitivo


comportamental

A terapia cognitivo comportamental teve grande atenção e divulgação


durante o século XX, e juntamente com esse ápice, também vieram
diferentes modelos, o que culminou no estabelecimento de um único
modelo norteador para os profissionais (KANAPP et al., 2004).

A linha do tempo com o panorama do desenvolvimento da teoria


cognitivo comportamental nos ajudará a compreender em qual contexto
esta abordagem se estruturou, conforme indicado na Figura 1.
19

Figura 1 – Linha do Tempo – Técnicas da terapia


cognitivo-comportamental

Fonte: elaborada pela autora.

Como podemos observar, após o surgimento das primeiras terapias


cognitivo comportamentais, que tem como premissa a mudança de
comportamento por meio dos processos de cognição, para que fosse
possível mensurar tais mudanças, os estudos sobre a avaliação cognitiva
começaram a se intensificar.

Conforme novos conhecimentos acerca do modelo da terapia cognitivo


comportamental foi se estruturando e surgindo novas necessidades,
por exemplo, o entendimento da dependência entre três fatores
essenciais implicados na modificação de comportamento: cognição,
comportamento e afetividade.

Para Knapp (2004), os três pilares que estão sedimentados na teoria


cognitivo comportamental são válidos desde a origem até os dias
atuais, sendo importante que todo terapeuta cognitivo comportamental
desenvolva o seu raciocínio clínico considerando tais premissas:
operação da cognição refletindo no comportamento; operação cognitiva
passível de controle e modificação; o comportamento motivado por
meio de alteração do processo de cognição.

As ideias de Knapp (2004) surgem para evidenciar que encontramos


diversas condutas inseridas nos escopos da teoria cognitivo
20

comportamental, no entanto, existe um denominador comum entre


elas: a cognição, que é um processo que, apesar de encoberto, é real; e
modificação dos comportamentos são permeados por este processo de
cognição.

Knapp (2004) destaca que no que diz respeito às psicoterapias, os anos


1970 foram marcados pela validação da psicanálise, behaviorismo
e humanismo. Um dos aspectos que fez com que a teoria cognitivo
comportamental tivesse sua origem e propagação, foi um desconforto
relacionado aos modelos unicamente comportamentais. Outro fator
que contribuiu foi o próprio aprimoramento de conhecimentos sobre
estímulo e resposta, visto que a os resultados das psicoterapias
aplicadas na época passaram a ser indagadas por pesquisas científicas.

Atualmente, contamos com uma série de modelos de terapias cognitivos


comportamentais, destacadas na Tabela 1.

Tabela 1 – Principais modelos atuais de terapia


cognitivo comportamental

Terapias Observações

Intervenções voltadas a alterações contínuas


Terapia racional-emotivo-compor-
nos pensamentos considerados irracionais,
tamental
que se apresentam de maneira constante.

Relação entre pensamento disfuncional e


Terapia cognitiva comportamentos, ou seja, afeto e cognição
caminham juntos.
Foco no desenvolvimento do autoconceito
e visão do mundo, com base na teoria do
apego de Bowlby (1977), citado por Knapp
Terapia estrutural (2004).
A irregularidade do autoconceito é originada
na infância.
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Maneiras que o paciente significa suas vivên-


cias.
Terapia construtivista Foco em atividades que instigam o pensa-
mento por meio de exercícios de correção
dos conteúdos dos pensamentos.

Provocar a eficácia interpessoal, regulação


emocional, tolerância a estresses e
autocontrole.
Terapia comportamental dialética
Todo o tratamento é organizado e elaborado,
alinhando as habilidades emocionais e so-
ciais positivas do paciente.

Fonte: adaptada de em Knapp (2004, p. 44-48).

2. Transtorno Afetivo Bipolar: conhecendo as


principais indicações de tratamentos
psicológicas e comportamentais

Conforme Rangé (2011), o transtorno denominado atualmente como


Transtorno Afetivo Bipolar era anteriormente chamado de psicose-
maníaco-depressiva, uma vez que neste transtorno, o paciente expressa
momentos de depressão, alterando com fases de mania (euforia).

Uma consideração importante a se fazer é a de que maneira os


pensamentos funcionam no paciente com o Transtorno Afetivo Bipolar.
Neste quadro psiquiátrico, os pensamentos acontecem com velocidade
amplificada, o que impulsiona o paciente a ter atitudes que demonstram
excitação, inconveniência e alta libido, aspectos estes presentes no
momento da euforia. Em contrapartida, segundo Rangé (2011), nas
fases depressivas, o paciente mostra comportamento irritado, anedonia,
humor deprimido, pensamentos recorrentes de morte e intolerância a
frustração.
22

Vale destacar que em alguns casos mais intensos, o paciente poderá


apresentar alucinações e fuga de ideias, por esta razão, é de extremo
valor que o psicoterapeuta entenda qual o tipo de transtorno afetivo
bipolar o paciente está apresentando.

Para Rangé (2011), existem dois subtipos comumente observados na


prática clínica, evidenciados no esquema abaixo:

Figura 2 – Subtipos do transtorno afetivo bipolar

Fonte: adaptada de Rangé (2011, p. 278).

Os critérios para o diagnóstico do transtorno afetivo bipolar devem ser


observados de forma alinhada ao DSM V–TR (APA, 2022), que afirma
que para que o paciente seja diagnosticado com o transtorno afetivo
bipolar, ele deverá ter vivenciado ao menos um episódio de mania
ou hipomania, caracterizado por humor elevado ou irritado, com
persistência de ao menos quatro dias, pelo período de duas semanas.
Este fator é acrescido de outros fatores, tais como: grandiosidade; queda
na necessidade do sono; desorganização de pensamentos; distração;
e agitação psicomotora. Deve-se considerar, também, os sintomas
identificados durante a fase depressiva do transtorno bipolar, como:
humor deprimido; perda de interesse por atividades; fadiga; sentimento
de culpa; falta de concentração; pensamentos de morte; e suicídio.
23

Rangé (2011) afirma ainda que no que diz respeito ao tratamento do


transtorno bipolar, a farmacologia por meio dos estabilizadores de
humor é o primordial, acrescido de psicoterapia.

Assim como para os pacientes mais graves, os pacientes com quadro


brando também se beneficiam da combinação de farmacoterapia e
pscicoterapia cognitivo comportamental, especialmente em ambientes
hospitalares.

Uma estimativa levantada por Rangé (2011), indica a importância da


aplicação da psicoterapia cognitivo comportamental, uma vez que,
aproximadamente 40% dos pacientes com o transtorno afetivo bipolar
apresentam quadro de difícil manejo, e é comprovada que a psicoterapia
cognitivo comportamental é uma das técnicas que podem auxiliar na
condução desses casos.

As técnicas comumente utilizadas na psicoterapia com a abordagem


cognitivo comportamental no tratamento de pacientes com o transtorno
afetivo bipolar serão apresentadas e investigadas no tópico a seguir.

2.1 Técnicas da teoria cognitivo comportamental


aplicadas ao Transtorno Afetivo Bipolar

Alguns autores que são referência na abordagem cognitivo


comportamental, como Basco e Rush (1996), citados por Rangé
(2011), afirmam que quando o psicoterapeuta iniciar o atendimento, é
importante ter em mente que o alvo do tratamento será o entendimento
e análise das dificuldades que o transtorno afetivo bipolar provoca
na vida do paciente. A partir deste início, que contempla também a
aderência aos fármacos, fatores de estresse, rotina, relacionamentos
interpessoais, é que será traçado o plano terapêutico individual com a
aplicação das técnicas que serão explicitadas no tópico 4 deste material,
elencadas por Rangé (2011).
24

Ainda conforme o autor, a terapia cognitivo-comportamental no


tratamento do transtorno bipolar possui metas bem definidas, que estão
explicitadas na Figura 3:

Figura 3- Objetivos da teoria cognitivo-comportamental


no tratamento do Transtorno Afetivo Bipolar

Fonte: elaborada pela autora.

Enfatiza-se que uma vez que o paciente não esteja na fase aguda, a
terapia cognitivo-comportamental para o transtorno afetivo bipolar
se apresentará de maneira diferente do habitual. São empregadas
técnicas de monitoramento, que incluem: mapeamento da vida, que
tem como objetivo auxiliar na identificação da evolução do transtorno
reconhecendo as fases que se alternam entre depressão e mania;
identificação de pontos estressores que provocam alterações de humor
e quais são os traços comuns do transtorno (RANGÉ, 2011).

O mapa também é uma ferramenta comumente empregada e permite


analisar se os tratamentos estão sendo adequados. Algumas outras
técnicas serão listadas na Tabela 2.
25

Tabela 2 – Técnicas comumente empregadas no Transtorno Bipolar

Técnica Objetivo

Para o paciente se conscientizar


Folha de resumo dos sintomas
sobre as flutuações de humor.

Percepção sobre as alterações de


Gráfico do humor humor diárias, pensamentos e com-
portamentos.

Terapeuta lista em toda sessão o


estado de humor, fatos ocorridos,
Afetivograma informações sobre o tratamento
(exames laboratoriais, consultas
com outros profissionais etc.).

Fonte: adaptada de Rangé (2011, p. 68).

Em suma, o psicoterapeuta treinará o paciente no reconhecimento de


padrões de comportamento, afeto e cognição que estão agravando os
sintomas, indicando uma participação ativa do paciente, que aprenderá
dentre outras lições, novas habilidades para enfrentar seus sintomas.

Apesar das técnicas citadas comumente na literatura como promissoras


e indicadoras de resultados positivos, faz-se necessário desenvolver
uma postura minuciosa de análise quando recebemos o paciente com
algum transtorno psiquiátrico em nossa prática clínica. Este pensamento
reflexivo é reforçado por Knapp (2004), que propõe sua visão sobre
indicações e contraindicações da terapia cognitivo comportamental
no tratamento de pacientes com o transtorno bipolar, explicitados na
Tabela 3.
26

Tabela 3 – Indicações e contraindicações da teoria cognitivo


comportamental em pacientes com Transtorno Bipolar

Indicações Contraindicações

Paciente apresenta habilidade para


Ideação suicida.
solucionar problemas.

Paciente se identifica com o escopo da tera- Casos concomitantes a transtornos


pia cognitivo comportamental. mentais como a psicose.

Paciente possui rede de apoio. Depressão grave.


Função cognitiva memória assegurada. Transtorno de personalidade grave.
Fonte: adaptada de Knapp (2004, p. 160-161).

Vale ressaltar que o psicoterapeuta necessita avaliar individualmente


cada paciente, identificando o diagnóstico e arquitetando o melhor
plano de tratamento, assim como a abordagem mais apropriada.

Uma consideração importante a se fazer é a de que em quadros


de diversos transtornos, a equipe multiprofissional será a melhor
alternativa de tratamento, uma vez que o psicólogo precisará de
avaliações de neurologistas, psiquiatras entre outros profissionais
da saúde, sendo que a indicação de tratamento medicamentoso é de
exclusividade médica.

É importante ressaltar que, para Knapp (2004), é inexistente a


contraindicação irrestrita da teoria cognitivo comportamental.
Entretanto, o autor menciona pontos importantes da decisão de tratar
os pacientes nesta abordagem, que foram elencadas na Figura 6.

Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. APA. Manual diagnósticos e estatístico de
transtornos mentais – DMS-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
27

KNAPP, P. Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Porto


Alegre: Artes Médicas, 2004.
RANGÉ, B.P. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a
psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 2011.
28

Transtornos alimentares
e a abordagem cognitivo-
comportamental
Autoria: Melina Sales
Leitura crítica: Rogério Adriano Bosso

Objetivos
• Conhecer e classificar os principais tipos de
transtornos alimentares.

• Investigar a prática clínica no tratamento dos


transtornos alimentares.

• Explorar como técnicas da terapia cognitivo-


comportamental se aplicam nos transtornos
alimentares.
29

1. Transtornos alimentares

Antes de apesentarmos sobre os transtornos alimentares, é necessário


retomar o conceito de transtorno mental, compreendido pelo DSM V
(2022), como uma série de sinais, sintomas e/ou comportamentos que
perseveram e resultam em danos pessoais, funcionais e ocupacionais ao
sujeito.

Falando especificamente sobre os transtornos alimentares, o paciente


apresenta comportamentos referentes à alimentação que acarretam
danos físicos, sociais, além de intenso sofrimento psíquico, que são
refletidos na rotina escolar, laboral e social do paciente. Neste material,
você conhecerá quais são os principais transtornos alimentares,
o curso de cada transtorno e de que maneira a terapia cognitivo-
comportamental pode ser promissora no tratamento destes pacientes.

1.1 Conhecendo e classificando os transtornos


alimentares

Antes de apresentarmos a você a jornada nos transtornos alimentares, é


importante compreender sobre o tema que está envolto nos transtornos
alimentar, mesmo que este, não seja considerado um transtorno: a
obesidade.

Para Finger e Oliveira (2016), a obesidade é resultado do desequilíbrio


entre a ingestão e gasto de calorias e embora a obesidade não seja
um transtorno mental, é um fator presente e crescente e pode estar
relacionada a algum transtorno, como o de humor.

A obesidade é um fator indiscutivelmente presente na sociedade, e está


relacionada a uma série de eventos prejudiciais à saúde física e mental.
Sendo um fator que traz danos, a obesidade pode ser considerada
um fator de risco para o surgimento de doenças cardiovasculares,
hipertersão arterial, dificuldades respiratórias, dentre outras. Devido à
30

demanda crescente de pacientes obesos, a assistência oferecida a este


grupo de pessoas passou a ser mais criteriosa e analisada, com base
em pesquisas científicas e métodos comprovados (NEUFELD; MOREIRA;
XAVIER, 2012).

O Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, em sua


quinta edição revisada (DSM-5 – TR, 2022), aborda os principais tipos de
transtornos alimentares: a anorexia nervosa (AN), a bulimia nervosa (BN)
e o transtorno de compulsão alimentar (TCA). Finger e Oliveira (2016)
destacam que, além destes principais transtornos, o DSM 5 – TR incluiu
os transtornos de pica, o transtorno de ruminação, transtorno alimentar
restritivo/evitativo, transtorno alimentar especificado, transtorno
alimentar não especificado.

O foco deste material será abordar os principais transtornos


alimentares, no entanto, é importante que vocês, alunos, tomem ciência
de informações básicas dos novos transtornos adicionados no DSM 5 –
TR, listados na Tabela 1:

Tabela 1 – Novos transtornos aidicionados no DSM 5 – TR


Transtorno Observação

Transtorno de pica Ingestão reincidente de substâncias não alimentares, sem valor nutricional.

Transtorno de
Necessidade persistente de regurgitação de alimentos.
ruminação

Transtorno Paciente se alimenta pouco e evita determinados alimentos, resultando em


restritivo/evitativo déficits nutricionais básicos.

Outro transtorno Sintomas semelhantes ao de outros transtornos alimentares, que causam


alimentar danos físicos, psicológicos e sociais, mas não atendem aos critérios diag-
especificado nósticos de qualquer outro transtorno alimentar.

Transtorno Casos que não preenchem os critérios para um transtorno específico e são
alimentar não chamados de quadros subclínicos, por exemplo, casos parciais de anorexia
especificado nervosa e bulimia nervosa.

Fonte: adaptada de (APA, 2022, p. 25).


31

É importante ressaltar a relevância de se conhecer detalhadamente os


sintomas de cada transtorno, para que se possa fazer o diagnóstico e
tratamento apropriado, lembrando que exceto o transtorno de pica,
os outros transtornos apresentam critérios de exclusão entre si, por
exemplo: comportamento purgativo, compulsão alimentar presente,
regurgitação presente, dentre outros. Independentemente do tipo de
transtorno diagnosticado, o olhar multiprofissional no atendimento ao
paciente é fundamental, visto que os transtornos alimentares provocam
reflexos negativos, como alterações nas funções cognitivas e motoras
(APA, 2022).

Os principais transtornos recorrentes na prática clínica são a anorexia


nervosa, a bulimia nervosa e a compulsão alimentar, que apresentam
critérios diagnósticos bem definidos e requerem tratamento específico
com uma equipe multiprofissional, sendo estes, médicos, psicólogos,
nutricionistas, entre outros que possam compor a equipe e contribuir
para o tratamento do paciente.

A anorexia nervosa resulta em redução do peso corporal, ou seja,


IMC (Índice de Massa Corporal), com parâmetros de idade, gênero e
desenvolvimento aquém dos valores referenciais mínimos, na qual
existe uma preocupação com o ganho de peso, que poderá levar o
paciente a pesar-se com frequência, ficar constantemente verificando
as medidas do corpo, visto que a diminuição de peso é percebida
como uma vitória e indício de autocontrole. Na bulimia nervosa,
ocorre a compulsão alimentar juntamente com os comportamentos
denominados compensatórios, com o objetivo de não aumentar o peso,
o que motiva o paciente a provocar vômito, uso de medicações laxativas
ou a prática exacerbada de exercícios físicos. A compulsão alimentar
é caraterizada por dois fatores: 1) O paciente ingere quantidade de
alimentos notadamente superior à média de outras pessoas, somado a
sensação de ausência de controle sobre o que se está sendo consumido;
2) O peso do paciente poderá ser de apropriado, normal para os
32

parâmetros de IMC até peso excessivo, caracterizando a obesidade


(FINGER; OLIVEIRA, 2016).

Na Tabela 2 você poderá verificar os principais fatores de acordo com


cada tipo de transtorno (anorexia nervosa, bulimia nervosa e compulsão
alimentar), para facilitar o entendimento.

Tabela 2 – Principais transtornos alimentares e suas especificações

Transtorno Especificações

Delimitação irredutível de alimentação.


Comportamento danoso que reflete no ganho de peso.
Anorexia
nervosa Percepção distorcida do próprio corpo.
Amenorreia não se caracteriza como um
critério para o diagnóstico.

Compulsão alimentar frequente.


Comportamento compensatórios inapropriados.
Bulimia
nervosa Autoconceito erroneamente impactado pela forma e
peso corporal.
IMC (de normal a sobrepeso).

Episódios frequentes de compulsão alimentar.


Compulsão Ausência de comportamentos compensatórios.
alimentar
Nem toda a pessoa que apresenta obesidade possui a compul-
são alimentar.

Fonte: adaptada de Finger e Oliveira (2016, p. 27-35).

Um ponto de atenção quando o tema é transtorno alimentar é que


existem divergências associadas ao diagnóstico e tratamento, uma vez
que há semelhanças entre alguns transtornos e níveis de transição e
evolução entre ele, por exemplo, no transtorno de anorexia e bulimia, a
autoimagem encontra-se distorcida, existem casos em que o transtorno
33

compulsivo pode evoluir para outro transtorno alimentar etc. (FINGER;


OLIVEIRA, 2016).

Como podemos observar, a comprovação do diagnóstico ocorrerá


pela definição dos sinais e sintomas, na qual a experiência clínica do
profissional e o conhecimento aprofundado dos transtornos se faz
mandatório para a indicação do melhor encaminhamento e tratamento,
itens que você poderá verificar nos próximos tópicos.

2. Prática clínica: tratamento dos transtornos


alimentares

Considerando que os transtornos alimentares são originados por


meio da relação entre aspectos sociais, culturais, familiares, biológicos
e psicológicos, quando nos deparáramos com o tratamento, é
fundamental ter essa premissa fixada em nosso raciocínio clínico. Os
transtornos alimentares exigirão necessariamente uma equipe médica
para compor o tratamento e, assim, obter êxito na condução do paciente
(COSTA; MELNIK, 2016).

Faz parte do tratamento do paciente que apresenta transtorno


alimentar, uma junta médica que contemple a psicologia, psiquiatria,
nutrição, endocrinologia, dentre outras (FINGER; OLIVEIRA, 2016).

Uma sequência deve ser seguida na análise dos casos, para que se
sugira o tratamento adequado. A Figura 1 demonstra essa sequência
34

de ações que deverão ser verificadas para iniciar o tratamento dos


pacientes com transtorno alimentar.

Figura 1 – Ações necessárias no tratamento


dos transtornos alimentares

Fonte: adaptada de Finger e Oliveira (2016, p. 320-321).

No que diz respeito ao tratamento dos transtornos alimentares,


cada área médica terá o seu roteiro inicial de avaliação e plano de
atendimento individual, no entanto, é necessário enfatizar que os
profissionais envolvidos deverão se comunicar continuamente para
acompanhar a evolução do paciente segundo às diferentes óticas, tendo
assim, uma visão global do curso da patologia e do próprio progresso do
paciente.
35

A farmacoterapia, de exclusividade médica, será específica em suas


finalidades de acordo com cada tipo de transtorno alimentar, conforme
sugerido por Finger e Oliveira (2016), listados na Tabela 3:

Tabela 3 – Tratamento farmacológico nos transtornos alimentares

Transtorno Farmacoterapia

Aplicada quando há constatação de quadros psiquiátricos, como depressão


e fobia.
Utilização de inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS): foco
Anorexia de pesquisas que foram publicadas entre os anos de 2018 a 2021, mas re-
nervosa quer mais pesquisas.
Benzodiazepínicos têm sido utilizados nos quadros de fobia social.
Ansiolíticos têm sido utilizados para reduzir a ansiedade antecipatória asso-
ciada à alimentação.

Antidepressivos para tratar sintomas como compulsão alimentar e controle


da frequência de episódios de vômitos autoinduzidos).
Bulimia Fluoxetina, algumas drogas antiepilépticas e certos benzodiazepínicos têm
nervosa sido utilizados e descritos como eficazes na bulimia (clonazepam, a fenitoí-
na, o L-triptofano, o valproato de sódio, a carbamazepina e o topiramato).
No entanto, estes medicamentos são constantemente estudados.

Antidepressivos são indicadores somente na constatação de transtorno afe-


tivo associado, principalmente se, os sintomas surgiram antes dos sintomas
alimentares.
Compulsão
alimentar Os fármacos que estão constantemente sendo estudados até o momento
são a fluoxetina e a fluvoxamina.

Fonte: adaptada de Finger e Oliveira (2016, p. 321-327).

A área da saúde dispõe de inúmeras estratégias de tratamento para


atender pacientes com transtornos alimentares. Entretanto, um fator
comum a todas as abordagens, que será uma peça-chave no sucesso do
tratamento refere-se à motivação do próprio paciente (COSTA; MELNIK,
2016).

Ainda conforme os autores, os pacientes com transtorno alimentar,


como a anorexia, geralmente iniciam o tratamento quando se
36

depararam com a diminuição muito acentuada de peso, apesar de


não enxergarem o seu corpo como realmente é. Estes pacientes
normalmente apresentam ínfima motivação para o tratamento, além de
baixa autoestima, e são levados ao tratamento por iniciativa da família, o
que dificulta a aderência ao tratamento.

A Psicologia enquanto ciência capaz de compreender os processos


cognitivos e emocionais que permeiam os transtornos alimentares,
contempla diversas abordagens para realizar o tratamento destas
questões subjacentes ao transtorno alimentar, por exemplo, a
psicoterapia cognitivo-comportamental, que será explorada no tópico a
seguir.

3. Prática clínica: técnicas da psicoterapia


cognitivo-comportamental no tratamento
dos transtornos alimentares

Os transtornos alimentares, independentemente da faixa etária


provocam sofrimento psíquico no paciente, refletindo de forma negativa
no rendimento escolar, relacionamentos sociais e performance laboral.
Assim como qualquer outro transtorno, as causas são multifatoriais, o
que exige um tratamento multidisciplinar (OLIVEIRA et al., 2019).

Parte do tratamento dos transtornos alimentares é a psicoterapia,


tratamento este focado no problema do paciente e no manejo de
estratégias de enfrentamento. Neste cenário, a teoria cognitivo-
comportamental tem demonstrado resultados positivos, com alta
validação científica por meio dos resultados das pesquisas realizadas
no tratamento de diferentes transtornos psiquiátricos, dentre eles, os
transtornos alimentares (SCOTTON; BARLETTA; NEUFELD, 2021).
37

Para o terapeuta cognitivo comportamental, ter domínio das técnicas e


instrumentos é parte importante do sucesso do tratamento, no entanto,
existem fatores decisivos que fazem parte do repertório do terapeuta
cognitivo-comportamental e tem sido foco de pesquisas, por exemplo,
as competências essenciais.

Antes de conhecer as principais técnicas da terapia cognitivo-


comportamental, é de extrema importância atentar ao tópico das
competências para que exerça o seu papel de terapeuta maneira eficaz
e atinja os resultados desejados.

O tema de competências essenciais do terapeuta cognitivo-


comportamental foi abordado por Scotton, Barletta e Neufeld (2021),
que em 2021, destacaram a importância do treinamento dos terapeutas
no aprimoramento destas competências, que serão mandatórias para
o sucesso profissional. Estes autores segmentaram as competências
essenciais em dois grupos: as competências instrumentais e as
competências sociais.

As competências instrumentais, ou seja, habilidades técnicas elencadas


foram: a proposição de planos de ação (técnica que funciona como uma
extensão da sessão, em que o terapeuta indica tarefas de casa para
o paciente realizar); conceitualização cognitiva (técnica de avaliação
profunda dos conteúdos psíquicos do paciente, assim como as crenças
e atitudes para melhorar os resultados do tratamento); psicoeducação
(explicações e ilustrações dos conceitos e intervenções da terapia
cognitiva para a compreensão do paciente); técnicas de registro de
pensamento (identificar os pensamentos que são disfuncionais,
questionando o paciente o que estava pensando no momento em que
sentiu o desconforto relacionado à demanda principal); identificação
e explicação de distorções cognitivas (segue-se um roteiro contendo
as informações: situação; pensamento automático; emoção; resposta
adaptativa; e resultado. Isso será explorado na sessão por meio do
registro feito pelo paciente) e planejamento da próxima sessão (quais
38

serão os tópicos abordados no próximo encontro) (SCOTTON; BARLETTA;


NEUFELD, 2021).

Outras competências instrumentais dizem respeito à aplicação das


técnicas: autoexploração do paciente; prevenção de recaídas e de
problemas; estruturação da sessão; checagem de humor; programação
e registro de atividades; e follow-up.

As competências sociais destacadas por Scotton, Barletta e Neufeld


(2021), foram: empatia; comunicação; expressão do sentimento positivo;
sensibilidade a fatores socioculturais e educacionais; ética; respeito; e
não julgamento.

Como visto, a psicoterapia cognitivo-comportamental dispõe de


inúmeras ferramentas e técnicas para avaliar e tratar o paciente com
transtorno alimentar, mas tão importante quanto o conhecimento
das técnicas, é a competência instrumental e social do terapeuta. Vale
ressaltar que, como em qualquer outra abordagem, a compreensão da
dinâmica familiar é de extrema importância para que se tenha progresso
no tratamento.

As estratégias de intervenção no manejo do transtorno alimentar


devem incluir os familiares, visto que ao inclui-los no tratamento,
estes encontram um espaço para compartilhar suas observações e
desenvolver estratégias de mudanças que solucionarão conflitos e
produzirão modificações saudáveis no relacionamento com membro
portador do transtorno alimentar.

Dentre as técnicas utilizadas com os familiares, encontra-se a


psicoeducação. A psicoeducação tem como objetivo prestar orientações
em relação ao diagnóstico, esclarecer as dúvidas e mitigar possíveis
impressões e ideias errôneas que o familiar possa ter sobre o
transtorno. As sessões de psicoeducação devem ser focadas na
compreensão de quais informações o familiar possui acerca do
tema, utilizando os critérios diagnósticos do DSM V- TR como base
39

para abordar as especificações, assim como esclarecer como será a


estruturação do processo psicoterápico e as responsabilidades que o
familiar terá durante o tratamento (FINGER; OLIVEIRA, 2016).

De acordo com Finger e Oliveira (2016), os familiares têm reações e


posturas diversas diante do diagnóstico do transtorno alimentar. Alguns
podem ser participativos e agentes positivos do processo, mas existem
familiares que possuem dificuldades em lidar com o tema e acabam
por adotar uma postura de negação, demonstrando incapacidade de
reconhecer a existência do transtorno, sendo este comportamento
consequência de uma série de questões que permeiam a dinâmica
familiar.

Para o paciente que chega à clínica com baixa motivação para o


tratamento, cabe ao psicólogo acolher, demonstrar empatia e
compreender juntamente com ele quais são os âmbitos da vida que
estão causando insatisfação, para que seja o ponto de partida na
definição das metas do tratamento (FINGER; OLIVEIRA, 2016).

Algumas técnicas da abordagem cognitivo-comportamental têm


alcançado resultados positivos na tratativa dos transtornos alimentares.
Estas técnicas e suas especificações serão apresentadas na Tabela 4
para melhor visualização:

Tabela 4 – Técnicas da terapia cognitivo-comportamental


e seus objetivos

Técnica Objetivo

Abordagem da Restauração do peso saudável por meio de reeducação


imagem corporal alimentar e diário alimentar.
40

Acompanhar as modificações corporais durante o pro-


Monitoramento do peso cesso de tratamento para trabalhar sentimentos como o
medo de engordar.

Conscientização sobre: distorção de percepção, ou


seja, a discrepância entre a maneira como a paciente
Abordagem do distúrbio percebe-se e seu tamanho real.
da imagem corporal
Reestruturação dos pensamentos disfuncionais sobre
sua aparência.

Modificação das crenças sobre o peso, imagem corpo-


Reestruturação cognitiva
ral, alimentação e autovalor.

Fonte: adaptada de Finger e Oliveira (2016, p. 325-327).

Existem outras diversas técnicas da teoria cognitivo-comportamental


que podem ser aplicadas no paciente com o transtorno alimentar,
por exemplo, o automonitoramento das emoções, técnica da fantasia
forçada, treino em resolução de problemas, tabela de distorções
cognitivas, mas o mais importante, independentemente da abordagem,
é considerar o histórico individual, se comunicar com a equipe
multiprofissional e incluir a família durante todo o processo.

Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. APA. DSM V–TR: Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2022.
COSTA, M. B.; MENIK, T. Effectiveness of psychosocial interventions in eating
disorders: an overview of Cochrane systematic reviews. Einstein, São Paulo, 14(2),
p. 235-277, 2016. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27462898/.
Acesso em: 22 jun. 2022.
FINGER, I. R.; OLIVEIRA, M. S. A prática da terapia cognitivo comportamental nos
transtornos alimentares e obesidade. Porto Alegre: Sinopsys, 2016.
41

NEUFELD, C. B.; MOREIRA, C. A. M.; XAVIER, G. S. Terapia cognitivo comportamental


em grupos de emagrecimento: o relato de uma experiência. PSICO, Porto
Alegre, PUCRS, v. 43, n. 1, p. 93-100, jan./mar. 2012. Disponível em: https://
revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/11103. Acesso
em: 22 jun. 2022.
OLIVEIRA, J. F.; LEANDRO, C.; TAKI. Prevalência de comportamentos de
risco para transtornos alimentares e uso de dieta “low-carb” em estudantes
universitários. Jornal Brasileiro de Psiquiatria [online], v. 68, n. 4, p. 183-190
2019. Acesso em: 12 maio 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jbpsiq/a/
mHpTbLwhgxTQmtrj4f6VWty/?lang=pt. Acesso em: 22 jun. 2022.
SCOTTON, Isabela L.; BARLETTA, Janaína B.; NEUFELD, Carmem B. Competências
Essenciais ao Terapeuta Cognitivo Comportamental. Psico-USF, Campinas, v.
26, n. 1, p. 141-152, jan. 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pusf/a/
vDnkWQYxXkdQf3gvpY7dmxr/. Acesso em: 22 jun. 2022.
42

Abordagem cognitiva-
comportamental no Transtorno
Obsessivo-Compulsivo (TOC)
Autoria: Melina Paula Sales
Leitura crítica: Rogério Adriano Bosso

Objetivos
• Conceituar o Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

• Compreender o modelo cognitivo comportamental


no tratamento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

• Apresentar as principais técnicas da abordagem


cognitivo-comportamental aplicadas no Transtorno
Obsessivo-Compulsivo.
43

1. Abordagem cognitivo-comportamental no
Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)

Neste material, você conhecerá o conceito e os critérios diagnósticos do


Transtorno Obsessivo Compulsivo. Como parte da compreensão dos
transtornos psiquiátricos, entender as características principais e o curso
da doença norteará o professional a elaborar a tratativa terapêutica
mais eficaz para cada paciente. Como em todo transtorno psiquiátrico,
o tratamento exige uma equipe multiprofissional, que contribuirá para
o sucesso do paciente, que administrará juntamente com médico,
psicólogo e psiquiatra os impactos que a patologia ocasiona na rotina e
nos relacionamentos interpessoais.

A teoria cognitivo-comportamental dispõe de instrumentos e técnicas


capazes de auxiliar o paciente em seus processos cognitivos e
emocionais, para que ele conviva com a patologia de maneira mais
adaptada e obtenha ganho de qualidade de vida. Aqui, você encontrará
uma diversidade de técnicas e suas especificações, para que adicione
mais conhecimento e alternativas para o seu repertório clínico.

2. Transtorno Obsessivo-Compulsivo: conceito,


etiologia e critérios diagnósticos

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é um transtorno


neuropsiquiátrico, que envolve alterações no funcionamento
cerebral, que se manifesta por meio de sintomas psiquiátricas, como:
pensamentos; frases; palavras; cenas ou impulsos que acometem a
consciência, de maneira involuntária e persistente, caracterizando as
obsessões. Estes pensamentos são seguidos de sensação de medo,
que cursam com a iniciativa de tentar suprimi-los. Para Knapp (2014),
esta tentativa de supressão dos pensamentos invasores se manifesta
44

por meio da efetuação de atos repetitivos, caracterizando os rituais ou


compulsões.

Segundo o Manual Diagnóstico dos Transtornos Mentais DSM V–TR


(APA, 2022), os critérios diagnósticos para o Transtorno Obsessivo
Compulsivo são: presença de obsessões (pensamentos invasivos
recorrentes que provocam medo e ansiedade); e/ou compulsões
(comportamentos repetitivos emitidos como resposta a obsessão). Vale
reforçar que, para se diagnosticar o TOC, as obsessões e compulsões
devem se desenvolver de acordo com as seguintes especificações:
ambas roubam tempo da rotina do paciente; os sintomas obsessivos-
compulsivos não são resultado do uso de substâncias; e a perturbação
não é justificada pela presença de outro transtorno psiquiátrico, como o
transtorno de ansiedade. Segundo Knapp (2014), os rituais posteriores
aos pensamentos obsessivos interferem na rotina do paciente, visto
que consome tempo e o desconforto o leva a se esquivar de situações
antecessoras. Os rituais ocorrem como uma tentativa de aliviar ou se
esquivar dos pensamentos obsessivos.

No que se refere à etiologia, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo tem


bases de ordem biológica e psicossocial, e apresenta subtipos, de acordo
com a manifestação dos sintomas, curso da patologia e prognóstico.
Os subtipos estão relacionados às manifestações de sintomas como:
medo de contaminação; ferimentos; compulsões de checagem; simetria;
acumulação dentre outros. Os sintomas persistem ao longo da vida do
paciente e causam danos na dinâmica familiar, o que, conforme Knapp
(2014), exige que o tratamento inclua os familiares.

Além do impacto nas relações interpessoais, outro fator tem sido foco
de estudo de pesquisadores do Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Para
compreender com maior extensão o que acontece no funcionamento
cerebral do paciente com TOC, estudos de neuroimagem foram
realizados e indicaram que a expressão sintomática está associada
45

à hiperatividade de regiões cerebrais específicas, do circuito córtico-


estriado-pálido-talâmico-cortical (FUENTES et al. 2014).

Como o avanço dos estudos da Neuropsicologia sobre o funcionamento


cerebral nos transtornos psiquiátricos, foi possível identificar fatos
relevantes sobre os processos cognitivos dos pacientes portadores
do Transtorno Obsessivo-Compulsivo, embora ainda seja um tema
complexo e não unânime entre os pesquisadores.

As pesquisas que avaliaram as funções cognitivas dos pacientes


portadores do Transtorno Obsessivo-Compulsivo apontaram que
as habilidades visuoespaciais, da memória e em funções executivas
(controle inibitório e flexibilidade cognitiva) estão deficitárias (FUENTES
et al., 2014). Estes resultados foram apontados em experimentos que
utilizaram testes da Neuropsicologia, como o item “Cubos” do WAIS,
Figura de Rey ou Teste de Seleção de Cartas de Wisconsin. Estes
instrumentos são testes neuropsicológicos que mensuram as funções
cognitivas, como atenção, memória, processamento e velocidade de
informações, dentre outras.

Apesar dos resultados de inúmeras pesquisas investigando as


funções cognitivas no TOC, a literatura ainda possui lacunas, visto que
este diagnóstico é de difícil compreensão, uma vez que apresenta
semelhanças sintomáticas com outros transtornos, por exemplo, o
transtorno de ansiedade, Síndrome de Tourette e, também, devido à sua
heretogeneidade.

Para Fuentes et al. (2014), a heterogeneidade do Transtorno Obsessivo-


Compulsivo inclui a variação dos sintomas, comorbidades, idade e
início dos primeiros sintomas, histórico familiar e evolução ao tipo de
tratamento.

O tratamento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo é realizado pelo


intermédio de uma equipe multidisciplinar, composta por médico,
46

psiquiatra, psicólogo, dentre outros. O tratamento é focado na redução


dos sintomas, por exemplo, a farmacoterapia geralmente inclui a
prescrição médica de inibidores seletivos da recaptação de serotonina,
a clomipramina. A terapia comportamental é uma parte importante
do tratamento e dentre as técnicas aplicadas pelo terapeuta, a técnica
de exposição e prevenção da resposta (EPR), tem alcançado ótimos
resultados (FUENTES et al. 2014).

O profissional da saúde, em seu primeiro contato com o paciente


precisa realizar uma avaliação inicial criteriosa e detalhada. De acordo
com Rangé (2008), as entrevistas iniciais têm como foco obter o
máximo de informações sobre o problema, sobre a vida do paciente e,
também, é neste momento que o profissional estabelece o rapport e o
delineamento do tratamento.

As entrevistas na área da saúde são ferramentas que direcionam


os próximos passos do tratamento, e hoje os profissionais têm à
sua disposição as escalas de avaliação que são úteis na definição do
diagnóstico, como a surgimento da Escala de Obsessões-Compulsões
Yale-Brown, Leyton Obsessional Inventory, Maudsley Obsessional
Compulsive Inventory (MOCI) e o Inventário Pádua.

Rangé (2008) ainda propõe uma sequência a ser aplicada nas entrevistas
iniciais, que norteia o profissional e fornece as informações que
serão relevantes para as sessões posteriores. São elas: identificação
dos sintomas-alvo (obsessões e rituais); quando e em que situações
ocorrem; quais as consequências; investigação da história da queixa
principal, por meio de questões como: início do problema; fatores
precipitantes; eventos relacionados; tratamentos anteriores; e grau de
dano na vida do paciente.

No que diz respeito ao diagnóstico, uma questão que merece


atenção é a relação do Transtorno Obsessivo-Compulsivo com
outras patologias. Para Rangé (2008), os pacientes portadores desse
47

transtorno apresentam associação com depressão, transtorno de humor


secundário e depressão unipolar concomitante. No entanto, comumente
as ruminações depressivas, estão associadas a eventos passados, ao
invés de atuais ou futuros, como no Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

Faz-se necessário na avaliação inicial do paciente detalhar de forma


criteriosa os tópicos da anamnese, histórico de outros sintomas ou
transtornos associados, visto que o diagnóstico do no Transtorno
Obsessivo-Compulsivo é complexo e pode ser concomitante com o curso
de outras patologias.

3. Modelo cognitivo comportamental no


tratamento do Transtorno
Obsessivo Compulsivo

De acordo com Knapp (2004), o modelo cognitivo-comportamental tem


sido aplicado em diversas pesquisas clínicas e resultado em respostas
promissoras em casos de transtornos psiquiátricos. Este mesmo autor
define a psicoterapia cognitivo-comportamental como um auxílio
psicológico com bases na ciência e filosofia, uma vez que defende a
premissa do afeto e comportamento serem determinados de acordo
como o indivíduo estrutura seu mundo interno.

O modelo cognitivo-comportamental possui um manejo característico,


sendo o tratamento psicoterápico marcado pela relevância da relação
terapêutica. O terapeuta precisa adotar determinadas atitudes como
empatia e comunicação assertiva, visto que o relacionamento envolve
fatores que são foco das mudanças comportamentais no processo
psicoterápico.
48

Knapp (2004), aponta que o processo terapêutico da teoria cognitivo-


comportamental possui fases bem definidas, conforme expresso na
Tabela 1:

Tabela 1– Fases do processo terapêutico da


teoria cognitivo-comportamental

Fases do processo terapêutico da teoria cognitivo-comportamental

Estruturação da terapia.

Diagnóstico funcional.

Planejamento terapêutico.

Implementação do plano terapêutico.

Avaliação contínua dos resultados.

Fonte: adaptada de Knapp (2004, p. 373).

O planejamento das sessões requer uma avaliação completa do


problema do paciente, e esta avaliação é feita por meio de entrevistas
estruturadas, que conseguem nortear o terapeuta sobre os fatores
que podem despertar determinados comportamentos. A entrevista
cognitivo-comportamental é composta por uma sequência de
identificação dos comportamentos problema, identificação de variáveis
que se associam a causa dos comportamentos, assim como as variáveis
que facilitam ou dificultam o tratamento.

O plano terapêutico é estruturado e dinamizado conforme a avaliação


contínua dos resultados, tendo o terapeuta a possibilidade de ajustar
o plano de acordo com as necessidades observadas. Embora a terapia
cognitivo comportamental tenha um tempo limitado de sessões,
se configurando como um tratamento breve, para Knapp (2004),
uma questão fundamental que o profissional precisa olhar é para a
possibilidade de recaídas após a finalização das sessões.
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Dentre as estratégias de prevenção de recaídas, ainda conforme o autor,


a terapia cognitivo comportamental dispõe de algumas estratégias:
identificação de situações psicológicas ou ambientais que se configuram
como risco na realização de rituais, obsessões ou comportamentos
evitativos; elaboração de estratégias de enfrentamento adequada de
situações de risco; manter cautela, focando no autocontrole para não
praticar os rituais de forma automática; planejamento antecipado do
comportamento que emitirá no enfrentamento das situações de risco;
redirecionamento da atenção para atividades durante as situações de
risco, para que os impulsos sejam reduzidos.

Cabe ao terapeuta trabalhar estas técnicas com o paciente, para que,


após a alta, o paciente tenha recursos para enfrentar situações que
provoquem uma recaída, reforçando que o paciente poderá retomar
o tratamento, retornando para as sessões de terapia cognitivo
comportamental quando julgar necessário.

4. Principais técnicas da abordagem cognitivo-


comportamental no tratamento do Transtorno
Obsessivo Compulsivo

Antes de você iniciar a jornada no extenso grupo de técnicas cognitivo-


comportamentais, é preciso reforçar alguns itens sobre como se
estruturam as sessões de terapia. A teoria cognitivo-comportamental
é uma abordagem que tem em sua essência o planejamento e a
organização, sendo um processo estruturado, com começo, meio e fim,
sendo suas etapas bem definidas.

No tratamento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo, assim como em


outros tipos de transtornos, as sessões de atendimento na abordagem
cognitivo comportamental são estruturadas e planejadas, sendo o
paciente e terapeuta peças colaborativas durante todo o processo.
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Conforme Knapp (2004), o foco da terapia cognitivo-comportamental é


abordar os problemas e sintomas. Para que se trabalhem os sintomas
de maneira focada, o terapeuta utiliza técnicas variadas, como:
exercícios orientados; tarefas de casa; registros; instrumentos de
automonitoramento, dentre outras.

Ainda para Knapp (2004), as sessões de psicoterapia possuem etapas,


nas quais o terapeuta se apoia para organizar o plano de atendimento.
O início das sessões é dedicado a revisar os sintomas, detalhando em
qual intensidade e periodicidade acontecem. Em um segundo momento,
a terapeuta requisita ao paciente que fale sobre as tarefas de casa,
sendo que o paciente geralmente traz os seus registros para as sessões.
Neste momento da sessão, o paciente relata os desafios e dificuldades
identificados ao realizar a tarefa. Posteriormente, a sessão é conduzida
para a realização de exercícios de correção de pensamentos e crenças
disfuncionais e finalmente, na última parte da sessão, terapeuta e
paciente definem em comum acordo as metas para a próxima semana
e o paciente tem a oportunidade de avaliar a sessão e compartilhar este
feedback.

Knapp (2004) destaca ainda que comumente, o tratamento na


abordagem cognitivo comportamental é breve, com duração entre três e
seis meses. Conforme a evolução do tratamento, tendo como indicador
a diminuição dos sintomas, as sessões podem ocorrer de maneira mais
espaçada.

Os transtornos psiquiátricos são de etiologia multafatorial e, por esta


razão, exigem um tratamento multidisciplinar, que contemple as
dimensões do indivíduo. Além da terapia medicamentosa, as terapias
focadas na resolução de problemas são mandatórias para que os
pacientes consigam se adaptar à sociedade e construir novas estratégias
cognitivas de enfrentamento.
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No caso do Transtorno Obsessivo-Compulsivo, a psicoterapia será


uma parte essencial. A abordagem cognitivo-comportamental tem se
mostrado como eficaz no manejo dos sintomas do TOC. No tratamento
de pacientes portadores desse transtorno, estão inseridas na
abordagem cognitivo-comportamental, diversas técnicas, com objetivos
alinhados, conforme exposto na tabela 2

Tabela 2 – Técnicas da abordagem cognitivo comportamental

Técnica Observações

Contato direto e prolongado com as situações evitadas pelo paciente


que estão relacionadas às suas obsessões. Esta técnica provoca au-
Exposição
mento da ansiedade, e, por meio da habituação, a tendência é a ansie-
dade ser extinta entre quinze minutos e três horas.

Paciente se abdica da realização de rituais e da execução dos compor-


tamentos evitativos, sejam eles manifestos ou encobertos (rituais men-
Prevenção
tais). Esta técnica aumenta a ansiedade, mas vai diminuindo om o tem-
de resposta
po, assim como a intensidade e frequência do impulso ao realizar rituais
também tem uma diminuição.

Exercícios e demonstração de exposição e prevenção de respostas rea-


lizados pelo terapeuta.
Modelação Estes exercícios têm a finalidade e apresentar didaticamente como fun-
ciona a habituação, sendo que a ansiedade também tende a desapare-
cer de maneira rápida, ainda no início da sessão.

Geralmente, são inseridas depois que o paciente consegue ter


percepção cognitiva sobre seus sintomas e rituais, sendo capaz de fazer
Técnicas a distinção entre as obsessões e os pensamentos normais.
cognitivas
As técnicas cognitivas abrangem a explicação de conceitos, treinamento
e exercícios de correção das disfunções cognitivas.

Fonte: adaptada de Knapp (2004, p. 199-203)

Concluindo, ao longo deste material, você pôde constatar que o


modelo cognitivo-comportamental é capaz de fornecer dados sobre os
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transtornos psiquiátricos, como o Transtorno Obsessivo-Compulsivo.


Por ser um modelo estruturado e focado no problema, apresenta uma
série de estratégias e técnicas que atuam na diminuição dos sintomas,
com possibilidade de eliminação total destes, quando complementado
com a terapia medicamentosa, primordialmente.

Referências
FUENTES, D. et al. Avaliação neuropsicológica aplicada aos transtornos. In: FUENTES,
D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2014.
KNAPP, P. Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Porto
Alegre: Artes Médicas, 2004.
RANGÉ, B.P. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a
psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.
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BONS ESTUDOS!

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