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Brazilian Journal of Health Review 19592

ISSN: 2595-6825

A inflamação como um alvo terapêutico no Transtorno Depressivo

Inflammation as a therapeutic target in Depressive Disorder


DOI:10.34119/bjhrv6n5-012

Recebimento dos originais: 28/07/2023


Aceitação para publicação: 29/08/2023

Tales Tadeu Russelakis Carneiro Oliveira


Pós-Graduado em Neurociência e Comportamento
Instituição: Centro de Estudos Abuchaim
Endereço: Rua Líbero Badaró, 114, Passos da Areia, Porto Alegre - RS, CEP: 91340-230
E-mail: talesrusselakis@gmail.com

RESUMO
O transtorno depressivo (TD) tem grande prevalência mundial e é uma das maiores causas de
diminuição da qualidade de vida da população. Nesse contexto entender a fisiopatologia do TD
e sua interface com a imunologia e processos inflamatórios amplia as opções terapêuticas para
pacientes deprimidos. Este artigo é uma revisão de literatura do que tem se descoberto sobre a
inflamação agindo na gênese e no prognostico do TD, além de reflexões sobre possíveis frentes
de abordagens futuras.

Palavras-chave: inflamação, depressão, tratamento.

ABSTRACT
Depressive disorder (DD) has a high prevalence worldwide and is one of the major causes of
decrease in quality of life. In this context, understanding the pathophysiology of DD and its
interface with immunology and inflammatory processes expands the therapeutic options for
depressed patients. This article is a literature review of what has been discovered about
inflammation acting in the genesis and prognosis of DD, in addition to reflections on possible
fronts for future approaches.

Keywords: inflammation, depression, treatment.

1 INTRODUÇÃO
O transtorno depressivo (TD) é uma condição de saúde com grande prevalência
mundial. Segundo um estudo feito em 2019 mais de 270 milhões de pessoas apresentavam
transtornos depressivos, o que correspondia a aproximadamente 3,8% da população mundial
(Institute for Health Metrics and Evaluation, 2019). O TD é uma das maiores causas de
incapacidade e diminuição na qualidade de vida da população acometida e nesse contexto
projetam se esforços para entender melhor suas causas e agravantes. Sabe se que a
fisiopatologia do transtorno depressivo é multifatorial, porém o papel do sistema imune e da
inflamação crônica tem se mostrado cada vez mais relevante nesse transtorno.

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A inflamação é geralmente desencadeada pelo dano celular causado por agentes como
vírus, bactérias ou mesmo pelo dano físico a um tecido, além de doenças cronicas. No entanto,
nos últimos anos tornou-se evidente que o estresse psicológico também pode iniciar a resposta
inflamatória, ligando assim a inflamação à saúde física e mental (LEONARD, 2018). Além
disso, conforme a neurociência avança, estudos científicos têm demonstrado que a inflamação
crônica pode desempenhar um papel relevante no desenvolvimento e agravamento da depressão
e existem evidências de que a inflamação e a liberação de citocinas inflamatórias afetam
circuitos cerebrais relevantes (FELGER, 2018).
Sabe se que a conexão do sistema imunológico e o SNC é justificada por três vias
principais: a primeira é a dos monócitos que podem entrar diretamente pela rota celular e gerar
inflamação no SNC; a segunda ocorre por ativação direta de estruturas na barreira
hemoencefalica que causam inflamação cerebral; a terceira via se refere ao nervo vago que ao
ser ativado provoca inflamação cerebral (LEONARD, 2018). Quando é iniciado o processo
inflamatório, são liberadas diversas citocinas no SNC e a presença desses fatores altera as
funções cerebrais relacionadas a regulação do humor. Um estudo constatou que pacientes com
níveis séricos elevados de TNF-alfa e IL-6 estão associados a uma maior resistência ao
tratamento medicamentoso com antidepressivos (HAROON E, et al, 2018).
Ainda existe muito a ser compreendido sobre a relação entre inflamação e depressão,
considerando tanto a gênese do TD quanto sua progressão, refratariedade e em quais aspectos
o estado inflamatório crônico afeta a regulação do humor. Compreender essa conexão pode
contribuir para o desenvolvimento de abordagens terapêuticas mais abrangentes e eficazes no
tratamento do TD, melhorando a qualidade de vida daqueles que sofrem com essa condição
associada a um estado inflamatório crônico.
Para tentar elucidar melhor o impacto da inflamação nos sintomas depressivos diversas
frentes podem ser utilizadas. Dentre estas, podem se destacar os pacientes portadores de
doenças autoimunes – os quais durante o curso natural de sua patologia apresentam estado
inflamatório basal crônico, os modelos de estudo animal nos quais são induzidos estados
inflamatórios para que se possa observar os impactos no SNC e no comportamento, além de
pacientes que utilizam medicamentos anti-inflamatórios por um período prolongado e qual o
efeito destas medicações nos sintomas depressivos preexistentes.

2 REVISÃO DE LITERATURA
Pacientes portadores de doença autoimune tem durante o curso natural de sua patologia
um estado inflamatório basal crônico. Nesse contexto, estudos que avaliam sintomas do TD

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nessas populações surgem buscando elucidar melhor a correlação entre inflamação crônica e
sintomas depressivos. Em um estudo realizado em 2016 observou-se a existência de uma
associação significativa (p=0,019) para o genótipo rs16944TT do gene da citocina IL-1β que é
pro inflamatória, sugerindo que este possa estar associado a uma maior suscetibilidade e/ou
agravamento do TD nos doentes que expressam este gene e tem uma resposta inflamatória mais
exuberante (FERREIRA, 2016).
Outro estudo de coorte publicado em 2017 utilizando uma população europeia
investigou a presença de sintomas depressivos ao longo da vida de pacientes diagnosticados
com alguma doença autoimune. Dos 315 pacientes selecionados, foi encontrada uma correlação
significativa entre o diagnóstico de doença autoimune e sintomas depressivos ao longo da vida
(OR = 1.66, 95% CI = 1.27–2.15) (EUESDEN, el al. 2017). Ambos os estudos apontam que
existe uma relação entre indivíduos inflamados e a ocorrência de sintomas depressivos.
Em concordância, modelos animais também têm mostrado uma correlação entre
citocinas pro inflamatórias no SNC e sintomas depressivos. Um estudo publicado em 2021
utilizou um protocolo de privação maternal em roedores e foi observado um aumento
significativo de comportamentos tipo depressivos na vida adulta desses animais, somado a
expressão de substâncias inflamatórias IL-1 β e IL-6 no hipocampo destes (ALMEIDA, et al.
2021). Ou seja, foi evidenciada a concomitância do aumento do estímulo inflamatório central e
a presença de sintomas depressivos.
Outro estudo de 2019 utilizou bactérias e um protocolo comportamental (Unpredictable
Chronic Mild Stress) em diferentes grupos de roedores para provocar um estado pro
inflamatório. O grupo infectado por bactérias apresentou uma expressão de citocinas
inflamatórias mais exuberante no SNC e na periferia, o que foi correlacionado a uma maior
expressão de sintomas depressivos (ZHAO, et al. 2019). Desse modo, o achado corroborou com
a hipótese de que um maior nível de citocinas inflamatórias piora e/ou desencadeia quadros
depressivos.
Em adição, estudos também demonstraram que marcadores imunológicos podem ser
usados para prever a eficácia terapêutica de medicamentos antidepressivos. Foi observado que
baixos níveis de citocinas pró-inflamatórias podem prever melhores respostas terapêuticas a
inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) e antidepressivos tricíclicos (ADT)
(MYUNG, 2016). Além disso, níveis elevados de IL-6 em pacientes também foram
correlacionados com pior eficácia terapêutica de diferentes ISRSs (YOSHIMURA, 2009).
Outro achado interessante é que uma meta análise realizada em 2014 apontou que anti-
inflamatórios podem melhorar o efeito dos antidepressivos, a resposta ao tratamento e até

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mesmo a remissão do quadro de depressão. O levantamento considerou treze estudos divididos


em dez publicações e verificou que pacientes com TD tratados com anti-inflamatórios,
especialmente os inibidores da cicloxigenase 2, obtiveram melhora dos sintomas depressivos
(KÖHLER, et al. 2014).

3 RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS


Considerando tanto a gênese, a refratariedade e os novos testes de tratamentos
experimentais propostos para o TD é possível observar uma correlação entre inflamação e
depressão. Os estudos apresentados sugerem que quanto mais inflamado esta o paciente, mais
o quadro depressivo é exuberante.
Provavelmente quadros inflamatórios aumentam a incidência do TD e pioram seu
prognostico e tratar ou evitar a inflamação crônica nestes pacientes deprimidos pode significar
uma melhora na sua sintomatologia.
Nesse contexto, percebe se o quanto é importante avaliar o paciente em sua
integralidade. Conforme pode se observar, tanto as patologias de base quanto o estresse
psicológico contribuem para um estado inflamatório basal crônico. O resultado desse estado é
um desfecho negativo, considerando a ocorrência e/ou piora dos sintomas depressivos.
Uma limitação deste trabalho é o número reduzido de estudos de grande porte com
humanos que avaliem a interface da inflamação e o TD, principalmente de forma isolada. As
emoções humanas e sua manifestação no comportamento possuem nuances e particularidades
que limitam a comparação com animais. Além disso, pacientes que possuem patologias
crônicas muitas vezes já possuem está como fator predisponente e/ou agravante do TD.
Com base no exposto, novos estudos que contemplem populações maiores, com um
desenho de ensaio clínico, isolando as variáveis que geram inflamação e avaliando o impacto
no humor desses indivíduos podem contribuir para um melhor entendimento dos mecanismos
envolvidos.
Desse modo, levando em conta a interface entre depressão e inflamação torna se de
grande relevância a observação dos fatores que contribuem para gênese e/ou perpetuação do
estado inflamatório basal para que o tratamento da inflamação possa ser incorporado ativamente
no tratamento do TD. Com isso, podem se expandir as possibilidades de prevenção e tratamento
do TD, melhorando a saúde da população.

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4 RELEVÂNCIA E IMPACTO SOCIAL


Nos estudos a maior expressão de IL-1 e IL-6 nos pacientes com depressão é um achado
que se repete, mostrando sua relevância e reforçando a correlação. O grau de inflamação geral
e a severidade/refratariedade dos sintomas depressivos também é evidenciado em vários dos
estudos apresentados.
Mais estudos que trabalhem com uma população abrangente e isole as variáveis que
podem atuar na interface entre depressão e inflamação são necessários. Além disso, é
importante que sejam estudos no modelo de ensaio clínico para que a evidência possa ser
fortalecida.
Com este trabalho objetiva se estimular a sociedade a adesão de hábitos que reduzam a
inflamação basal crônica. Dentre estes, citam se uma alimentação com baixo potencial
inflamatório, exercício físico, ciclo circadiano regular, controle de tóxicos como álcool e
tabaco, psicoterapia para manejo do estresse e/ou comportamento, dentre outros.
Na prática sabe se que hábitos saudáveis de forma geral contribuem para uma saúde de
qualidade, porém explicitar a relação entre inflamação e depressão em seus pormenores é de
suma importância no campo da literatura cientifica pois com isso podem se personalizar as
orientações de hábitos de vida, objetivando uma melhora no TD por exemplo.

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REFERÊNCIAS

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umarevisão da literatura. Scire Salutis, 2021, 11.1: 84-97.

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disorders–New perspectives from the National Child Development Study. PloS one, 2017, 12.3:
e0173015.

FELGER, Jennifer C. Imaging the Role of Inflammation in Mood and Anxiety-related


Disorders. Current Neuropharmacology, v. 16, n. 5, p. 533-558, 2018.

FERREIRA, Ana Marta PraçaDâmaso. Papel da variabilidadegenéticanadepressãoemdoentes


com patologiaautoimune. 2016.

HAROON, Ebrahim, et al. Antidepressant treatment resistance is associated with increased


inflammatory markers in patients with major depressive disorder. Psychoneuroendocrinology,
2018, 95: 43-49.

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[Internet]. Seattle: University of Washington; 2019 [acesso 16 de junho de 2019].
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KÖHLER, Ole, et al. Effect of anti-inflammatory treatment on depression, depressive


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ZHAO, Xinnan, et al. Behavioral, inflammatory and neurochemical disturbances in LPS and
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