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ISSN: 2595-6825
RESUMO
O transtorno depressivo (TD) tem grande prevalência mundial e é uma das maiores causas de
diminuição da qualidade de vida da população. Nesse contexto entender a fisiopatologia do TD
e sua interface com a imunologia e processos inflamatórios amplia as opções terapêuticas para
pacientes deprimidos. Este artigo é uma revisão de literatura do que tem se descoberto sobre a
inflamação agindo na gênese e no prognostico do TD, além de reflexões sobre possíveis frentes
de abordagens futuras.
ABSTRACT
Depressive disorder (DD) has a high prevalence worldwide and is one of the major causes of
decrease in quality of life. In this context, understanding the pathophysiology of DD and its
interface with immunology and inflammatory processes expands the therapeutic options for
depressed patients. This article is a literature review of what has been discovered about
inflammation acting in the genesis and prognosis of DD, in addition to reflections on possible
fronts for future approaches.
1 INTRODUÇÃO
O transtorno depressivo (TD) é uma condição de saúde com grande prevalência
mundial. Segundo um estudo feito em 2019 mais de 270 milhões de pessoas apresentavam
transtornos depressivos, o que correspondia a aproximadamente 3,8% da população mundial
(Institute for Health Metrics and Evaluation, 2019). O TD é uma das maiores causas de
incapacidade e diminuição na qualidade de vida da população acometida e nesse contexto
projetam se esforços para entender melhor suas causas e agravantes. Sabe se que a
fisiopatologia do transtorno depressivo é multifatorial, porém o papel do sistema imune e da
inflamação crônica tem se mostrado cada vez mais relevante nesse transtorno.
A inflamação é geralmente desencadeada pelo dano celular causado por agentes como
vírus, bactérias ou mesmo pelo dano físico a um tecido, além de doenças cronicas. No entanto,
nos últimos anos tornou-se evidente que o estresse psicológico também pode iniciar a resposta
inflamatória, ligando assim a inflamação à saúde física e mental (LEONARD, 2018). Além
disso, conforme a neurociência avança, estudos científicos têm demonstrado que a inflamação
crônica pode desempenhar um papel relevante no desenvolvimento e agravamento da depressão
e existem evidências de que a inflamação e a liberação de citocinas inflamatórias afetam
circuitos cerebrais relevantes (FELGER, 2018).
Sabe se que a conexão do sistema imunológico e o SNC é justificada por três vias
principais: a primeira é a dos monócitos que podem entrar diretamente pela rota celular e gerar
inflamação no SNC; a segunda ocorre por ativação direta de estruturas na barreira
hemoencefalica que causam inflamação cerebral; a terceira via se refere ao nervo vago que ao
ser ativado provoca inflamação cerebral (LEONARD, 2018). Quando é iniciado o processo
inflamatório, são liberadas diversas citocinas no SNC e a presença desses fatores altera as
funções cerebrais relacionadas a regulação do humor. Um estudo constatou que pacientes com
níveis séricos elevados de TNF-alfa e IL-6 estão associados a uma maior resistência ao
tratamento medicamentoso com antidepressivos (HAROON E, et al, 2018).
Ainda existe muito a ser compreendido sobre a relação entre inflamação e depressão,
considerando tanto a gênese do TD quanto sua progressão, refratariedade e em quais aspectos
o estado inflamatório crônico afeta a regulação do humor. Compreender essa conexão pode
contribuir para o desenvolvimento de abordagens terapêuticas mais abrangentes e eficazes no
tratamento do TD, melhorando a qualidade de vida daqueles que sofrem com essa condição
associada a um estado inflamatório crônico.
Para tentar elucidar melhor o impacto da inflamação nos sintomas depressivos diversas
frentes podem ser utilizadas. Dentre estas, podem se destacar os pacientes portadores de
doenças autoimunes – os quais durante o curso natural de sua patologia apresentam estado
inflamatório basal crônico, os modelos de estudo animal nos quais são induzidos estados
inflamatórios para que se possa observar os impactos no SNC e no comportamento, além de
pacientes que utilizam medicamentos anti-inflamatórios por um período prolongado e qual o
efeito destas medicações nos sintomas depressivos preexistentes.
2 REVISÃO DE LITERATURA
Pacientes portadores de doença autoimune tem durante o curso natural de sua patologia
um estado inflamatório basal crônico. Nesse contexto, estudos que avaliam sintomas do TD
nessas populações surgem buscando elucidar melhor a correlação entre inflamação crônica e
sintomas depressivos. Em um estudo realizado em 2016 observou-se a existência de uma
associação significativa (p=0,019) para o genótipo rs16944TT do gene da citocina IL-1β que é
pro inflamatória, sugerindo que este possa estar associado a uma maior suscetibilidade e/ou
agravamento do TD nos doentes que expressam este gene e tem uma resposta inflamatória mais
exuberante (FERREIRA, 2016).
Outro estudo de coorte publicado em 2017 utilizando uma população europeia
investigou a presença de sintomas depressivos ao longo da vida de pacientes diagnosticados
com alguma doença autoimune. Dos 315 pacientes selecionados, foi encontrada uma correlação
significativa entre o diagnóstico de doença autoimune e sintomas depressivos ao longo da vida
(OR = 1.66, 95% CI = 1.27–2.15) (EUESDEN, el al. 2017). Ambos os estudos apontam que
existe uma relação entre indivíduos inflamados e a ocorrência de sintomas depressivos.
Em concordância, modelos animais também têm mostrado uma correlação entre
citocinas pro inflamatórias no SNC e sintomas depressivos. Um estudo publicado em 2021
utilizou um protocolo de privação maternal em roedores e foi observado um aumento
significativo de comportamentos tipo depressivos na vida adulta desses animais, somado a
expressão de substâncias inflamatórias IL-1 β e IL-6 no hipocampo destes (ALMEIDA, et al.
2021). Ou seja, foi evidenciada a concomitância do aumento do estímulo inflamatório central e
a presença de sintomas depressivos.
Outro estudo de 2019 utilizou bactérias e um protocolo comportamental (Unpredictable
Chronic Mild Stress) em diferentes grupos de roedores para provocar um estado pro
inflamatório. O grupo infectado por bactérias apresentou uma expressão de citocinas
inflamatórias mais exuberante no SNC e na periferia, o que foi correlacionado a uma maior
expressão de sintomas depressivos (ZHAO, et al. 2019). Desse modo, o achado corroborou com
a hipótese de que um maior nível de citocinas inflamatórias piora e/ou desencadeia quadros
depressivos.
Em adição, estudos também demonstraram que marcadores imunológicos podem ser
usados para prever a eficácia terapêutica de medicamentos antidepressivos. Foi observado que
baixos níveis de citocinas pró-inflamatórias podem prever melhores respostas terapêuticas a
inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) e antidepressivos tricíclicos (ADT)
(MYUNG, 2016). Além disso, níveis elevados de IL-6 em pacientes também foram
correlacionados com pior eficácia terapêutica de diferentes ISRSs (YOSHIMURA, 2009).
Outro achado interessante é que uma meta análise realizada em 2014 apontou que anti-
inflamatórios podem melhorar o efeito dos antidepressivos, a resposta ao tratamento e até
REFERÊNCIAS
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e0173015.
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