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Contextos Clínicos, 6(1):25-32, janeiro-junho 2013

© 2013 by Unisinos - doi: 10.4013/ctc.2013.61.03

Terapia Cognitivo-Comportamental
para depressão: um caso clínico

Cognitive Behavior Therapy for depression

Jéssica Camargo, Ilana Andretta


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Av. Ipiranga, 6681, prédio 11, sala 936, 90619-900, Porto Alegre, RS, Brasil.
jessicacmrg@gmail.com, ilana.andretta@gmail.com

Resumo. O Transtorno Depressivo Maior (TDM) tem prevalência acima de


10%, sendo uma das principais causas de suicídio nos últimos tempos. Além
disso, é uma condição médica comum que pode apresentar-se de forma
crônica e recorrente, desencadeando incapacitações biopsicossocias. Frente
a isso, passa-se a pensar em intervenções efetivas e duradouras para esse
transtorno. A Terapia Cognitivo-Comportamental se propõe a tal com téc-
nicas estruturadas, tendo sua efetividade demonstrada em alguns estudos.
O presente artigo objetiva discutir um caso clínico de uma paciente de 31
anos com TDM, atendida em uma clínica-escola, a partir do referencial Cog-
nitivo-Comportamental. Em 20 sessões, foi possível verificar resultados po-
sitivos, havendo flexibilização de crenças centrais e aumento do repertório
de estratégias de resolução de problemas. Com a diminuição da sintoma-
tologia, a paciente teve mudanças significativas em seus relacionamentos.

Palavras-chave: Transtorno Depressivo Maior, Terapia Cognitivo-Compor-


tamental, caso clínico.

Abstract. Major Depressive Disorder (MDD) prevalence is above 10% and


it is one of the main causes for suicide in recent times. Moreover, it is a
common medical condition that can present itself in a chronic and recur-
rent form, triggering biopsychosocial disabilities. In this light, effective and
lasting interventions for this disorder are needed. Cognitive-Behavioral
Therapy intends to propose interventions with structured techniques, and
its effectiveness is demonstrated in some studies. This article aims to discuss
a case study of a 31-year old patient with MDD. She was treated in a school
clinic with a Cognitive Behavioral referential. After 20 sessions, positive re-
sults were obtained with easing of core beliefs and increasing repertoire of
strategies to solve problems. With the decrease of symptoms the patient had
significant changes in her relationships.

Key words: Major Depressive Disorder, Cognitive Behavioral Therapy,


case study.
Terapia Cognitivo-Comportamental para depressão: um caso clínico

Fundamentação teórica comparáveis aos de antidepressivos (Cuijpers


et al.,2008). Em uma série de estudos que ava-
O Transtorno Depressivo Maior (TDM) é liam o tratamento do TDM, a Terapia Cognitiva
descrito pelo Manual Diagnóstico e Estatís- (TC) demonstrou ser mais efetiva que outros
tico dos Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) tratamentos (Hollon et al., 2006, Jakobsen et al.,
como a ocorrência de um ou mais Episódios 2011). Também apresenta custos menores em
Depressivos Maiores (EDM), sem histórico de relação a abordagens farmacológicas (Hollon
Episódios Maníacos, Hipomaníacos ou Mis- et al., 2006) e efeito preventivo contra a depres-
tos (American Psychiatric Association [APA], são recorrente, ultrapassando os efeitos obtidos
2000). Os EDMs são marcados pela presença com antidepressivos (Vittengl et al., 2007).
de sintomas emocionais, cognitivos, físicos e Pacientes em EDM apresentam humor
comportamentais (Khandelwal, 2001). deprimido com foco cognitivo direcionado a
O primeiro EDM pode ocorrer em qualquer aspectos negativos, sendo assim, sua visão a
idade e, pelo menos, 60% dos indivíduos apre- cerca de si, dos outros e de seu futuro é nega-
sentam um segundo EDM. Já a possibilidade tiva (Beck e Dozois, 2011). O objetivo princi-
de um terceiro episódio é de 70% e a de epi- pal na terapia é produzir mudanças nos pen-
sódios subsequentes é de 90% (APA, 2000). Os samentos e nas crenças do paciente para que,
sintomas variam quanto à intensidade e à du- com isso, seja possível modificar déficits com-
ração e podem desencadear diversas deficiên- portamentais, tornando essa mudança dura-
cias (Ustun et al., 2004). Quando comparado a doura (Cuijpers et al., 2008). A TC apresenta
outros problemas de saúde, a deterioração da consistente suporte empírico para tratamento
qualidade de vida das pessoas mostra-se mais de transtornos mentais (Lemmens et al., 2011;
significativa (Arnow e Constantino, 2003). Butler, 2006).
O TDM apresenta alta prevalência ao longo O presente artigo intenciona, através de um
da vida, variando de 2% a 15%, sendo classifi- estudo de caso, demonstrar os efeitos da Te-
cado como o quarto principal transtorno, dentre rapia Cognitivo-Comportamental no enfren-
os psicológicos e físicos (Ustun et al., 2004). Sem tamento do Episódio Depressivo Maior. Para
tratamento, tende a assumir curso crônico, recor- isso, foi realizada avaliação de sintomatologia
rente e está associado com o aumento de incapa- e mensuração recorrente de humor. Também,
citações (Solomon et al., 2000). Há projeções de tem-se como foco apontar processos que auxi-
que, depois de doenças cardíacas, o TDM será a liam no processo terapêutico.
segunda maior causa de doenças incapacitantes
até o ano de 2020 (Levav e Wolfgang, 2002). Introdução ao caso
Esse transtorno tem grande impacto tanto
na vida do paciente quanto de seus familiares, Ana é uma mulher, solteira, que mora com
com interferência nos relacionamentos inter- os pais e trabalha em uma escola diretamen-
pessoais, atividades de lazer e funcionamen- te com adolescentes. A paciente foi atendida
to psicossocial (Khandelwal, 2001). Muitas em uma clínica escolar que tem por objetivo
vezes, pode levar a pensamentos, tentativas e atender à população de baixa renda através
até mesmo à consumação do suicídio (Wulsin de estagiários, alunos de psicologia. O serviço
et al.,1999). Sendo assim, faz-se importante a tem por objetivo ampliar o papel do psicólo-
investigação de técnicas que auxiliem na redu- go através de atividades junto à comunidade
ção dos sintomas. e desenvolver formas éticas na formação do
Existem boas evidências da efetividade de aluno (Macedo et al., 2009). O atendimento
tratamentos farmacológicos e de protocolos da paciente descrita foi realizado por uma es-
de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tagiária de psicologia através do referencial
para o TDM (Dunn et al., 2012; Cuijpers et al., Cognitivo-Comportamental. Esse atendimen-
2010; Cipriani et al., 2009). O tratamento com to foi supervisionado, semanalmente, por uma
antidepressivos tende a ser a terapêutica de psicóloga, especialista em Terapia Cognitivo-
escolha (Cipriani et al., 2009), porém, meta- Comportamental.
análises demonstram que os benefícios dos
novos antidepressivos são observados apenas Problemas/queixas apresentadas
em pacientes com depressão grave (Kirsch et
al., 2008; Turner et al. 2008). Ana buscou atendimento por se sentir in-
Além disso, constatou-se que a TCC é efe- segura em seus relacionamentos interpessoais,
tiva no tratamento de depressão, tendo efeitos fato que passou a intervir em vários âmbitos de

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sua vida. Como Ana mora com os pais, estes a porém, ele não queria namorar, fato que a de-
questionavam sobre não estar em um relaciona- cepcionou e seu humor ficou deprimido. Em
mento sério, pois seus outros irmãos já estavam dezembro de 2010, Ana iniciou tratamento
casados. A paciente dizia estar sendo pressio- com um médico endocrinologista para ema-
nada e não se sentir bem, porém, por não con- grecer, tendo uma dieta balanceada e realizan-
fiar nas pessoas, obrigava-se a ficar sozinha. do atividades físicas frequentemente.
Ao ser questionada a respeito de suas ativi-
dades cotidianas, Ana relatava que tinha per- Avaliação
dido o interesse por muitas atividades e pre-
feria ficar deitada chorando. Ela relatou que O primeiro processo de avaliação pelo qual
continuava trabalhando apenas para ter como a paciente passou foi a Triagem, porta de en-
pagar as contas, mas que sua vontade era de trada do paciente na clínica-escola. Esse pro-
não sair de casa. Ana chegou à terapia em Epi- cesso tem por objetivo buscar informações
sódio Depressivo Maior. acerca do paciente, com o intuito de compre-
Seis meses antes de iniciar terapia, a pa- ender o motivo de sua busca por atendimen-
ciente estava obesa, tendo de buscar atendi- to psicológico e assim lhe encaminhar para o
mento endocrinológico. Ela modificou sua atendimento mais adequado, de acordo com
dieta alimentar e passou a praticar exercícios, sua demanda (Perfeito e Melo, 2004).
conseguindo reduzir sua massa corporal. Po- Durante o processo psicoterápico, Ana foi
rém, no momento do atendimento, não estava avaliada através de múltiplos critérios, sendo
motivada a praticar exercícios e, muitas vezes, eles: (a) entrevista clínica; (b) mensuração atra-
descontrolava-se, comendo muitos chocolates.
vés do Inventário Beck de Depressão (BDI-II);
(c) verificação de humor a partir de escala ana-
História lógica, sendo atribuído, pela paciente, um va-
lor de 0 a 10 para seu humor depressivo; e, (d)
Ana nasceu sem complicações em seu par- verificação da presença de sintomatologia des-
to. Ela foi uma criança tímida, sempre ficava crita no Manual Diagnóstico e Estatístico dos
quieta sem falar com os colegas, tendo vergo- Transtornos Mentais, DSM-IV-TR, para EDM.
nha de conversar. No colégio, tinha poucos A entrevista clínica ocorreu nos primeiros
amigos e se sentia muito sozinha, além disso, encontros. Ao longo do processo, a autoavalia-
sofria bullying (chamavam-na de gorda, ba- ção de seu humor e a presença de sintomato-
leia), fato que a deixava triste. logia se mantiveram. O BDI-II foi utilizado em
O pai não a deixava sair, com isso, ela fi- quatro atendimentos, sendo eles: a triagem, a
cava sozinha, pois tinha vergonha de não po- segunda, a quinta e a décima sessão. Esse ins-
der fazer atividades fora do colégio com seus
trumento, apesar de poder gerar aprendiza-
amigos. A partir dos 14 anos, ela passou a ter
gem em decorrência da sua reaplicação, teve
mais contato interpessoal e afirmou que “[sua
por objetivo verificar a intensidade dos sinto-
adolescência] foi bem melhor que a infância”
mas de uma paciente psicoeducada quanto ao
(sic.). Ela tinha mais amigos e, quando estava
objetivo do instrumento. Apesar disso, no de-
com eles, era espontânea e brincava com to-
correr das sessões, o resultado do instrumento
dos. Foi nessa época que conheceu seu primei-
foi verificado através de relatos da paciente
ro namorado, que foi infiel. Após esse fato, ela
sobre sua semana e seu estado de humor atual.
não estabeleceu outros relacionamentos sérios.
O pai é autoritário e aposentado, ele impõe
regras em casa, tentando controlar o que cada Descrição do tratamento
um faz. Em alguns momentos, ele fala em for- e progresso do caso
ma de brincadeiras, sobre ela não ter casado.
Ana sente que não tem espaço em casa. Tem No processo de triagem, Ana contou so-
dificuldades em estudar, porque o pai liga a bre sua insatisfação com seus relacionamen-
televisão com som alto em diferentes momen- tos interpessoais e o quanto se sentia inferior
tos do dia. Frente a isso, ela evitava falar com às demais pessoas, frente a isso, ela foi enca-
ele, para que não se sentisse “deprimida” (sic.), minhada para atendimento psicoterápico no
pois o pai a “rebaixa e diz que não acredita que referencial Cognitivo-Comportamental, com
eu ainda não saí de casa” (sic.). o intuito de ser auxiliada na identificação de
Recentemente, ela estava “ficando” com suas distorções cognitivas e consequentes alte-
um de seus amigos pelo qual se apaixonou, rações de humor.

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Tabela 1. Avaliações da paciente.


Table 1. Patient’s assessments.

Auto-avaliação
Sessão BDI-II Relatos da paciente
de Humor
Triagem 33 Grave - -
“Eu sempre penso o pior, porque eu
1 - - - sempre me frustro mesmo [...] eu me sinto
inferior”
2 36 Grave - “Fiquei me sentindo mal e muito insegura”
3 - - - Ficou angustiada
4 - - 10 “Eu me senti totalmente deprimida”
5 31 Moderado - “Eu me senti mais tranquila”
“Estou menos deprimida que nos outros
8 - - 7
dias”
9 - - 5 Realizou atividades de lazer
“Não me senti muito bem, nada vai dar
10 33 Grave -
certo”
“Fiquei alguns dias meio deprimida, mas
12 - -
eu to me sentindo melhor, bem melhor”
14 - - 5 -
“Eu me senti mal, e não fiquei como antes
18 - - 6 eu ficava, foi mais leve do que era antes,
mas me senti mal”
20 - - 0 “Essa foi uma semana tranquila”
Nota: (-) não há essa medida.

No presente estudo de caso, foram reali- to. Ao final da sessão, como tarefa de casa e
zadas 20 sessões, de 50 minutos de duração extensão da psicoeducação, foi solicitado que
cada. Na sessão inicial, através de entrevistas, ela preenchesse o Modelo ABC. Esse modelo
buscou-se por informações sobre os dados tem por objetivo reforçar para a paciente a
pessoais e história pessoal e clínica da pacien- importância dos pensamentos e o quanto as
te. Para que a avaliação fosse consistente, esta crenças e os esquemas podem influenciar nas
ocorreu em três sessões as quais permitiram emoções (Leahy, 2006). Cada letra do modelo
a identificação do diagnóstico de Transtorno representa algo. A letra A representa o even-
Depressivo Maior, conforme o DSM-IV-TR to causador, ou seja, algo que desencadeia a
(APA, 2000). reação; a letra B representa o processamento
Na segunda sessão, a terapeuta valeu-se de do evento através de crenças, pensamentos e
dados relatados por Ana para realizar a psico- imagens; a letra C são os comportamentos e as
educação, utilizando exemplos para demons- emoções decorrentes da forma que a situação
trar a manifestação do transtorno, bem como (A) foi interpretada (McMullin, 2005).
formas de aplicação da técnica. Por exemplo, A partir do preenchimento do modelo
com o relato: “Eu sei bastante as coisas e sou ABC, na sessão três, foi retomado o quanto
inteligente, mas se as pessoas souberem, eu emoções e pensamentos estão relacionados.
vou estar sendo metida” (sic.), a terapeuta Após esse encontro, a terapeuta e sua super-
questionou se todas as pessoas que sabem algo visora pensaram sobre a possibilidade de
são metidas por demonstrar seu conhecimen- Ana passar a ser medicada para seu humor

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Tabela 2. Descrição do trabalho de cada sessão.


Table 2. Description of what was done in each session.

Técnicas utilizadas Sessão Observações

Avaliação 1, 2, 3 Ana apresentava: humor deprimido,


diminuição do interesse e prazer,
Alívio de sintomas perda de peso, diminuição de apetite
1, 2 hipersonia, agitação, e indecisão
emergentes
Melhorar relacionamento interpessoal;
Identificação de metas 2
melhorar auto-estima e auto-confiança
A paciente começou a perceber
Psicoeducação 2, 4
pensamentos deterministas
Aumento de atividades Ana realizou as atividades e a frequência
A partir da sessão 4
prazerosas aumentou com o decorrer do tratamento
Identificação de Crença
4, 10 Crença de desvalor e de incapacidade
Central (CC)
Checagem de evidências Ana passou a identificar distorções;
A partir da sessão 5
e Flexibilização de Crenças aumentou sua concentração
Registro de pensamentos Atenção aos momentos em que a CC é
A partir da sessão 7
disfuncionais ativada, questionando seu pensamento
Ana teve melhora significativa, não
Reestruturação Cognitiva A partir da sessão 7 tendo alterações de humor frente a
pensamentos disfuncionais.

deprimido, tendo em vista o número de dis- samento, ela concluiu que estava ativando sua
torções e a desmotivação para suas atividades. crença e relatou que estava conseguindo refle-
Porém, optou-se por esperar mais uma sessão tir sobre o que acontece, porém, ainda queria
e avaliar o quanto a paciente estava respon- aprender a resolver algumas distorções. A pa-
dendo ao tratamento e motivando-se para ciente costumava generalizar e personalizar
realizar as tarefas e focar em sua metacognição. os acontecimentos, culpando-se pelas atitudes
Na quarta sessão, frente às pequenas evolu- dos demais e acreditando que algo que ocor-
ções que a paciente foi demonstrando e tendo reu uma vez ocorreria novamente, por exem-
em vista sua motivação para realizar as ativi- plo, as pessoas traírem sua confiança.
dades propostas e melhorar, não foi indicado Na sessão sete, frente a pensamentos deter-
que a paciente realizasse avaliação psiquiátri- ministas como, por exemplo, “eu sempre me
ca, sendo que a terapeuta continuou monito- decepciono com as pessoas” (sic.), a terapeuta,
rando a sintomatologia e a evolução de Ana, insistentemente questionava a paciente, utili-
não descartando a possível indicação de uma zando, por vezes, intenção paradoxal. A prática
avaliação psiquiátrica. Ela cumpriu a tarefa de de atividades prazerosas com outras pessoas
casa que incluiu o aumento de atividades que continuou sendo indicada, visto que dessa for-
a dessem prazer, e, na sessão cinco, a paciente ma trabalhou-se seus contatos interpessoais.
demonstrava estar pensando sobre suas dis- Na sessão nove, Ana apresentou melhora
torções, empenhando-se em questionar seus subjetiva, declarando que decidiu cuidar de
pensamentos e a perceber quando seus sinto- si, realizando tarefas que há algum tempo
mas estavam ficando mais intensos. não fazia, por exemplo, ir ao shopping e ao
Na sexta sessão, apesar de estar aumen- cinema. Pode-se perceber que a forma como a
tando suas atividades, Ana sentiu-se insegura paciente resolvia seus problemas, a cada ses-
quanto ao seu relacionamento com um rapaz, são, mostrava-se mais efetiva e, aos poucos,
visto que pensou “ele não gosta de mim” (sic.). Ana começou a focar em sua metacognição,
Com questionamentos a respeito de seu pen- questionando-se.

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Terapia Cognitivo-Comportamental para depressão: um caso clínico

As distorções cognitivas passaram a ser os com o intuito de, aos poucos, flexibilizar as
trabalhadas com maior intensidade na sessão duas crenças mais presentes na paciente, des-
10. A paciente demonstrou progressos e suas valor e incapacidade. Com o tempo, aliando-se
atividades, que anteriormente não realizava, à estratégias cognitivas, intervém-se de forma
passaram a ser praticadas com maior frequên comportamental, visto que, além de conseguir
cia e prazer. Nas sessões seguintes, durante identificar seus pensamentos disfuncionais,
os encontros, a terapeuta buscava estimular é importante que a paciente tenha motivação
seus comportamentos funcionais e acrescentar para as demais atividades, não perdendo o
novas atividades prazerosas, incluindo outras foco da terapia.
pessoas, como amigos e familiares. O atendimento descrito perpassou por al-
Na sessão 15, Ana contou para a terapeu- gumas dificuldades, sendo que, em alguns mo-
ta que teve uma recaída, ficando muito triste, mentos da terapia, Ana apresentou recaídas,
porém, conseguiu questionar-se e encontrou sendo necessários questionamentos e inter-
estratégias para que não aumentasse o senti- venções mais persistentes. Para isso, a terapeu-
mento de tristeza. Ela convidou uma amiga ta utilizou intenção paradoxal como forma de
para sair e concluiu que estava distorcendo a fazer com que a paciente percebesse suas dis-
situação. Ao final da sessão 16, a paciente rela- torções. Essas recaídas ocorreram, principal-
tou o quanto estava feliz por conseguir pensar mente, nas sessões 4, 8 e 10. Na sessão quatro,
em aspectos de seu processamento cognitivo a paciente relatou estar muito desmotivada,
que, até então, não havia se questionado, e o não tendo vontade de sair de casa, nem mes-
quanto isso estava a auxiliando a lidar com mo para trabalhar, além disso, não conseguia
seus sentimentos, visto que, a cada sessão, en- manter a concentração em suas atividades. Na
contrava novas soluções para seus problemas, oitava sessão, sua recaída foi decorrente da ati-
sendo estas mais efetivas que inicialmente. vação da crença de desvalor. Na sessão 10, a
Pode-se notar que a terapeuta foi ficando mais crença de incapacidade foi mais frequente. Po-
passiva no decorrer dos atendimentos, sendo rém, vale destacar o quanto a motivação para
um suporte à Ana, que trazia suas soluções e a mudança dessa paciente contribuiu para o
sua forma de pensar as situações e estas esta- sucesso do plano terapêutico e para a remis-
vam sendo efetivas. são dos sintomas do EDM. Desde o primeiro
Os comportamentos de Ana começaram a contato com a terapeuta, Ana demonstrou o
ser mais discriminados a partir da sessão de- quanto queria mudar, visto que seu estado es-
zoito, sendo que ela iniciava um registro de tava lhe trazendo prejuízos sociais, familiares
seus comportamentos com o intuito de ava- e profissionais.
liar o quanto são funcionais ou disfuncionais. Outra dificuldade presente no processo te-
Na sessão seguinte, a paciente, além de ter rapêutico são as diversas situações pelas quais
registrado seus comportamentos, os avaliava, a paciente passava. Essas situações, principal-
conseguindo determinar se era necessária a mente, quando envolviam seu pai e o julga-
modificação ou a adaptação desses comporta- mento deste, ativavam pensamentos disfun-
mentos. cionais, os quais Ana assumia como verdades
Na sessão vinte, a paciente estava sendo absolutas. Esses episódios a deixavam com o
sua própria terapeuta, e, ao final dessa ses- humor deprimido, visto que, além de a situa-
são, como feedback, Ana relatou que a cada ção em si ter ativado suas crenças, ao não per-
dia conseguia perceber seus pensamentos e ceber essa ativação, ela julgava-se como inca-
comportamentos com maior facilidade, ques- paz de realizar o proposto em terapia.
tionando-os e, quando necessário, encontran- A paciente apresentava dificuldades nos
do estratégias para não sentir-se triste ou com seus relacionamentos interpessoais, não con-
grandes alterações em seu humor. Também, seguindo manter conversações, evitando estar
nessa sessão, através de entrevista clínica, a em contato com seus amigos e colegas, pois
terapeuta constatou que Ana estava sem os via-se como inferior a eles e acreditava que não
sintomas de EDM, tendo remissão completa. gostavam dela. Com o decorrer do processo te-
rapêutico, Ana passou a ter mais contato com
Implicações do caso seus amigos e a perceber o quanto eles gostam
dela e que suas ações é que estavam os afastan-
No caso apresentado, utilizou-se a TCC do. Esse fato demonstra o quanto o terapeuta
em seu modelo clássico, ou seja, verificando tem de insistir com o paciente para que este
pensamentos disfuncionais e questionando- não acabe entrando em um funcionamento

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Jéssica Camargo, Ilana Andretta

característico de seu estado de humor. Além Referências


disso, não há como controlar situações exter-
nas ao consultório, é necessário estar atento AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION
para possíveis desfechos não desejáveis ao (APA). 2000. Diagnostic and statistical manual of
tratamento, por exemplo, alguém estar es- mental disorders (DSM-IV-TR). 4th Edition Text
Revision. Washington (DC), American Psychiat-
tressado e, ao falar com a paciente, ser rude.
ric Association, 880 p.
Ocorreram eventos em que Ana sentiu-se des- ARNOW, B.A.; CONSTANTINO, M.J. 2003. Ef-
valorizada, assumindo para si a culpa por seus fectiveness of psychotherapy and combination
colegas não darem a atenção que ela gostaria. treatment for chronic depression. Journal of Clin-
E, mesmo com checagem de evidências, por ical Psychology, 59(8): 893-905.
vezes, ela não percebia sua distorção. http://dx.doi.org/10.1002/jclp.10181
O caso descrito permite afirmar o quanto BECK, A.T.; DOZOIS, D.J.A. 2011. Cognitive thera-
py: current status and future directions. Annual
a TCC pode ser uma terapêutica eficaz para o Review of Medicine, 62:397-409.
TDM, sendo que a partir de seus pressupos- http://dx.doi.org/10.1146/annurev-med-052209-100032
tos e técnicas, foi possível notar mudanças no BUTLER, A.C.; CHAPMAN, J.E.; FORMAN, E.M.;
comportamento de uma paciente em cinco BECK, A.T. 2006. The empirical status of cogni-
meses de tratamento sem a indicação de fár- tive-behavioral therapy: a review of meta-analy-
macos. Apesar de Ana apresentar muitas dis- ses. Clinical Psychology Review, 26:17–31.
torções cognitivas, após a psicoeducação, ela http://dx.doi.org/10.1016/j.cpr.2005.07.003
CIPRIANI, A.; FURUKAWA, T.A.; SALANTI, G.;
mesma passou a se monitorar, elevando os re- GEDDES, J.R.; HIGGINS, J.P.T.; CHURCHILL,
sultados da terapia. R.; WATANABE, N.; NAKAGAWA, A.; OMORI,
Todo processo de atendimento contou com I.M.; MCGUIRE, H.; TANSELLA, M.; BARBU-
a participação ativa da paciente, que aderiu IC, C. 2009. Comparative efficacy and accept-
ao tratamento, realizando tarefas e colocando ability of 12 new-generation antidepressants:
em prática técnicas propostas. A aplicação das a multiple-treatments meta-analysis. Lancet,
373:746-758.
técnicas cognitivo-comportamentais propor-
http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(09)60046-5
cionou uma mudança no padrão de funciona- CUIJPERS, P.; SMIT, F.; BOHLMEIJER, E.; HOL-
mento dessa paciente, visto que houve toda LON, S.D.; ANDERSSON, G. 2010. Efficacy of
uma reestruturação cognitiva, com flexibiliza- cognitive-behavioural therapy and other psy-
ção de crenças centrais e aumento do repertó- chological treatments for adult depression: me-
rio de estratégias de resolução de problemas. ta-analytic study of publication bias. The British
A efetividade da TCC para transtornos Journal of Psychiatry, 196:173-178.
http://dx.doi.org/10.1192/bjp.bp.109.066001
mentais é indiscutível e esse Caso Clínico é CUIJPERS, P.; VAN STRATEN, A.; ANDERSSON,
consistente com os resultados já descritos a G.; VAN OPPEN, P. 2008. Psychotherapy for de-
respeito dessa terapia. Porém, há um dife- pression in adults: a meta-analysis of compara-
rencial, esse atendimento foi realizado por tive outcome studies. Journal of Consulting and
uma terapeuta sem experiência prévia e ob- Clinical Psychology, 76(6):909-922.
teve êxito, demonstrando que a combinação http://dx.doi.org/10.1037/a0013075
DUNN, T.W.; VITTENG, J.R.; CLARK, L.A.; CAR-
de um paciente motivado com técnicas cog-
MODY, T.; THASE, M.E.; JARRETT, R.B. 2012.
nitivas e supervisão semanal pode resultar Change in psychosocial functioning and depres-
em melhorias rápidas e contínuas dos sinto- sive symptoms during acute-phase cognitive
mas. Além disso, as técnicas aqui utilizadas therapy for depression. Psychological Medicine,
foram escolhidas de acordo com a evolu- 42:317-326.
ção de Ana, não sendo seguidos protocolos http://dx.doi.org/10.1017/S0033291711001279
de atendimento. HOLLON, S.D.; STEWARD, M.O.; STRUNK, D.
2006. Enduring effects for cognitive behavior
Frente a cada relato da paciente e a como
therapy in the treatment of depression and anxi-
ela evoluía a cada semana, as técnicas foram ety. Annual Review of Psychology, 57:285-315.
sendo adaptadas conforme suas mudanças http://dx.doi.org/10.1146/annurev.psych.57.102904.190044
comportamentais e sua motivação. Essas mu- JAKOBSEN, J.C.; HANSENZ, J.L.; STOREB, O.J.;
danças, presenciadas no presente Caso Clíni- SIMONSEN, E.; GLUUD, C. 2011. The ef-
co, são gratificantes para a terapeuta visto que fects of cognitive therapy versus ‘no interven-
a paciente respondeu ao tratamento, obtendo tion’ for major depressive disorder. Plos One,
6(8): e22890.
melhoras significativas e nítidas, sem a utiliza- http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0022890
ção de medicamentos, ou seja, o processo psi- KHANDELWAL, S. 2001. Conquering Depression.
coterápico por si demonstrou ser efetivo, como New Delhi, World Health Organization Region-
descrito na literatura. al Office for South-East Asia, 48 p.

Contextos Clínicos, vol. 6, n. 1, janeiro-junho 2013 31


Terapia Cognitivo-Comportamental para depressão: um caso clínico

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