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O defunto vivo

Em alguns arraiais do interior mineiro, quando morria alguém, costumavam buscar o caixão na
cidade vizinha, de caminhão. Certa feita, vinha pela estrada um caminhão com sua lúgubre
encomenda, quando alguém fez sinal, pedindo carona. O motorista parou.
- Se você não se incomodar de ir na carroceria, junto ao caixão, pode subir.
O homem disse que não tinha importância, que estava com pressa. Agradeceu e subiu. E a
viagem prosseguiu.
Nisto começa a chover. O homem, não tendo onde se esconder da chuva, vendo o caixão vazio,
achou melhor deitar-se dentro dele, fechando a tampa, para melhor abrigar-se. Com o balanço da
viagem, logo pegou no sono.
Mais na frente, outra pessoa pediu carona. O motorista falou:
- Se você não se importa de viajar com o outro que está lá em cima, pode subir.
O segundo homem subiu no caminhão. Embora achasse desagradável viajar com um defunto num
caixão, era melhor que ir a pé para o povoado.
De tempos em tempos, novos caronas subiam na carroceria, sentavam-se respeitosos em silêncio,
em volta do caixão, enquanto seguiam viagem.
Avizinhando-se o arraial, ao passar num buraco da estrada, um tremendo solavanco sacode o
caixão e desperta o dorminhoco que se escondera da chuva dentro dele.
Levantando devagarinho a tampa do caixão e pondo a palma da mão para fora, fala em voz alta:
- Será que já passou a chuva?
Foi um corre-corre dos diabos. Não ficou um em cima do caminhão. Dizem que tem gente correndo
até hoje.
(Weitzel, Antônio Henrique. Folclore literário e linguístico. Juiz de Fora, MG. EDUFJF, 1995)

O preço de um cheiro
Um camponês foi à cidade vender seus produtos. Ao regressar, parou em uma pousada para descansar.
— O que deseja? — perguntou o dono, solícito.
— Um pouco de pão e vinho, por favor. Enquanto o dono atendia ao seu pedido, o camponês passou a
observar o local. Havia no fogo uma carne que exalava um aroma irresistível. Ele ficou com vontade de
saborear o assado, mas não tinha tanto dinheiro...
Depois de um momento o dono da pousada voltou para trazer-lhe o pão e o vinho. O camponês bebeu o
vinho, mas seus olhos não desgrudavam da carne suculenta. De repente, ele teve uma ideia: colocar o pão
no vapor que subia do assado, para umedecê-lo. No momento em que ia experimentar o pão, foi interrompido
por um grito:
— Você se acha muito esperto, não é? — disse o dono, zangado. — Terá de me pagar por isso também!
— Eu não lhe devo nada além do pão e do vinho — disse o camponês surpreso.
— E o cheiro da carne, não custa? — retrucou o dono, zangado.
— O cheiro da carne? — repetiu o camponês, espantado.
— Mas isso não custa nada!
— Como não custa nada? Tudo o que existe aqui é meu, inclusive o cheiro do assado!
A discussão chamou a tenção de um freguês.
— Quanto você quer pelo cheiro do assado?
— Cinco moedas! — disse o dono, satisfeito.
—Tenha dó! — exclamou o camponês, tirando o dinheiro do bolso. — Isso é tudo que eu ganhei por um dia
de trabalho...
O freguês pegou as moedas do camponês e sacudiu-as diante de todos.
— Ouviu isso? Pronto! Já está pago.
— Como assim, já está pago? — admirou-se o dono.
— Por acaso este pobre camponês comeu a carne? Não! Apenas sentiu o cheiro do assado. Para pagar pelo
cheiro do assado basta o som moedas!
Diante da risada geral, o dono da pousada ficou sem razão e concordou em não cobrar nada do camponês. E
pior: ainda fez papel de bobo!

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