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ANUÁRIO DA

SOCIEDADE BROTERIANA
ANO XLVII

REDACTORES

ABÍLIO FERNANDES

ROSETTE BATARDA FERNANDES

Subsidiado pela Janta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica

1981
COIMBRA
A n . Soe. B r o t . 4 7 : 49-66 11931).

M A T A D A MARGARAÇA
E S U A CONVERSÃO EM R E S E R V A

por

J O R G E A. R . P A I V A *

A M a t a da Margaraça, com u m a área a p r o x i m a d a de


^ * 50 hectares, ocupa u m a encosta com exposição N - N W
e ca. de 25" de inclinação, entre 600-850 m de a l t i t u d e , n a
Serra de Açor, próximo de Pardieiros, freguesia de B e n f e i t a ,
concelho de A r g a n i l , d i s t r i t o de C o i m b r a ( E s t . 1 e 2 ) .
T a l como a M a t a do A l v a r o (situada próximo de Oleiros,
no V a l e do Zêzere) , a M a t a da Margaraça é u m a das r a r a s
relíquias da vegetação n a t u r a l do Centro de P o r t u g a l ,
correndo o risco de se perder (cf. A . R . P I N T O D A S I L V A
in B R A U N - B L A N Q I T E T , P I N T O D A S I L V A & R O Z E I R A in Agron.
L u s i t . 1 8 : 184-185, 1956). A M a t a da Margaraça c o n s t i t u i
u m precioso documento da vegetação das encostas xistosas
do Centro de P o r t u g a l a preservar a todo custo.
O subsolo engloba-se no complexo xisto-grauváquico
Ante-Ordovícico, cujos estratos enrugados podem ser per-
feitamente observados nas b a r r e i r a s dos caminhos a l i abertos
recentemente. O solo característico deste t i p o de florestas
compõe-se de t e r r a humosa escura, m a n t a - m o r t a constituída
por folhas e r a m a d a em decomposição (solo pondo-florestal —
cf. A . R . P I N T O D A S I L V A loc. c i t : 184, 1956).
Estaformação vegetal, segundo BRATJN-BLANQTJET,

PINTO DA & A . R O Z E I R A (1956), corresponde à sub-


S I L V A

associação Viburnetosum da associação denominada Rusco-


-Quercetum Róboris, a qual faz parte da aliança Quercion

* Centro de Fito-sistemática e Fito-ecologia da Universidade


de C o i m b r a (EcC2) do I n s t i t u t o N a c i o n a l de Investigação Científica
(I. N . I . C ) .

[•»]
50 Jorge A. R. Paiva

occiãentale do noroeste da Península Ibérica. E s t a aliança,


por sua vez, inclui-se na Ordem Quercetalia Roboris e na
Classe Quercetea Robori-petraea. A subassociação referida,
acantonada na p a r t e m e r i d i o n a l da área da associação,
diferencia-se por acentuada representação de espécies medi-
terrânicas, reflectindo assim as condições do clima.
O seu estudo florístico m o s t r o u que se t r a t a de uma
f l o r e s t a m u i t o a n t i g a de magníficos castanheiros (Castanea
sativa M i l l e r ) e carvalhos (Querem robur L . ) , tendo como
elementos menos abundantes o azereiro (Prunus lusitanica L .
ssp. lusitanica), o loureiro (Laurus nobilis L . ) , o azevinho
(Uex aquifolium L . ) , o medronheiro (Arbutus unedo L . ) , o
folhado (Viburnum tinus L . ssp. tinus). a aveleira {Corylus
avellana L . ) e ainda, a cerejeira (Prunus avium L . ) e a
g i n g e i r a (Prunus cerasus L . ) . N o estrato subarbustivo pre-
d o m i n a m a g i l b a r d e i r a (Riiseus aciãeatus L . ) , as silvas
(Rúbus coutinhoi Samp.), a madresilv a (Lonicera pericly-
menum L . subsp. periclymemtm), etc.
E n t r e as bolbosas e rizomatosas, além de várias espécies
de fetos [Polypodium australe Fée, Pólypoáium interjectum
Shivas, Asplenium onopteris L , , Blechnum spicant (C.) R o t h ,
Cystopteris fragüis ( L . ) B e r n h ., Athyrium filix-femina (L.)
R o t h , Dryopteris filix-mas ( L . ) Schott, e t c ] , podem obser-
var-se com u m a certa abundância plantas interessantes da
f l o r a portuguesa e algumas já r a r a s como o martagão
(Lilium martagon L . ) , o selo de Salomão \Polygonatum
odoratum ( M i l l . ) D r u c e ] , Eryngium duriaei Gay ex Boiss.,
narcisos (Narcissus bitlbocodium L . e N. triandrus L . subsp.
trianãrus) e nas linhas de água plantas herbáceas pouco
comuns e m P o r t u g a l , como a Verónica montana L . e o Cliry-
sospJenium oppositifolium L . , m u i t a s hepáticas, fungos e
algas. N o f i m deste t r a b a l h o apresenta-se u m apêndice com
a l i s t a das plantas vasculares herborizadas n a M a t a da
Margaraça durante 1 9 7 9 e 1 9 8 0 .
O p r i m e i r o inventário fitossociológico da M a t a , de que
temos conhecimento é do E n g . " A . R. P I N T O D A S I L V A
efectuado em 1 9 5 0 (comunicação o r a l ) , o qual f o i depois
revisto p o r ele e o P r o f . P. D A N S E R E A U em 1 9 5 5 ( B R A U N -
-BLANQUET, PINTO DA SILVA & A. ROZEIRA: 183, 1956).
Mata da Marga raça e sua conversão em reserva 51

E m 1956, A . R. P I N T O D A S I L V A alude à M a t a a f i r m a n d o ,
a dada a l t u r a , que se t r a t a «d'un j o y a u q u ' i l f a u d r a i t
conserver».
E m 1974, o P r o f . B A E T A N E V E S , na Gazeta das Aldeias,
apresenta também u m a l i s t a de plantas colhidas na M a t a ,
embora m u i t o reduzida. Aí e màãs tarde (1978) em A Comarca
de Arganil, também chama, com veemência, a atenção do
público p a r a a M a t a que estava correndo sérios riscos de
ser destruída.
N a M a t a p r e d o m i na o castanheiro explorado em certas
áreas no regim e de talhadio simples, tendo sido calculada
uma população média de 235 castanheiros por hectare
(S. F E R R Ã O , 1946).
É certo que a M a t a está u m t a n t o degradada, podendo
dizer-se que estará até alterada em relação às caracterís-
t i c a s p r i m i t i v a s , devido a cortes, derrubes e incêndios
(embora pouco frequentes e de estragos pouco i m p o r t a n t e s ,
como se pode v e r i f i c a r pelos resultados do incêndio do d i a
5 de O u t u b ro de 1978), mas é das r a r a s e mais s i g n i f i c a t i v a s
relíquias que nos r e s t a m da f l o r e s ta que t e r i a coberto a
m a i o r p a r t e das encostas das serranias do Centro de
Portugal.
Não sabemos exactamente ainda a importância f a u -
nística da M a t a , mas não temos dúvidas que é u m santuário
de nidificação de m u i t a s aves. Sabemos da existência de
j a v a l i s [Bus scrofa ( L . ) ] , não só pelas notícias vindas a
público {Comarca de Arganil de 3 0 / 5 / 9 7 0 e 3 0 / 9 / 9 7 8 ) , como
por informações do actual g u a r d a (Sr. Luís M E N D E S D A C O S T A ,
residente em B e n f e i t a ) , como ainda pelas pistas e vestígios
desses animais que encontrámos. O j a v a l i , porém, f o i r e i n -
troduzido, mas é evidente que fazia p a r t e da f a u n a p r i m i t i v a
da área e, p o r isso, não vemos inconveniente em que esses
animais continue m na M a t a , embora saibamos que os a g r i -
cultores das áreas circunvizinhas se q u e i x a m de estragos
provocados nas culturas. Têm sido i g u a l m e n te detectados
o u t r o s mamíferos mais comuns, como, p o r exemplo, u m
dos r a t o s do campo \Apodemus sylvaticns ( L . ) ] , que f o i
capturado n u m a das nossas últimas v i s i t a s à M a t a .
52 Jorge A. R. Paiva

Está projectado u m estudo analítico da distribuição das


plantas e dos animais dentro da M a t a , e respectiva depen-
dência de parâmetros meteorológicos (humidade, t e m p e r a -
t u r a , insolação, pluviosidade, agitação do a r ) e biológicos.
P a r a t a l utilizar-se-á o método de t a x o n o m i a numérica conhe-
cido p o r «Trend-surface analysis». O estudo está incluído
no parágrafo 3 do capítulo I I de u m projecto subsidiado
pelo D A A D (Deutscher A k a d e m i s c h e r A u s t r a n s c h d i e n s t ) :
3) «Ökologische Studien i n Z u s a m m e n a r b e it dem Botanischen
I n s t i t u t der Universität C o i m b r a über eine i s o l i r t e F l o r e n
u n d Faunengesellschaft i n der Serra de Açor ( M a t a da
Margaraça) befinden sich i n Vorbereitung».
O estudo florístico da M a t a está incluído na l i n h a de
acção 1 do Centro de Fito-sistemática e Fito-ecologia (EcC2)
do I n s t i t u t o N a c i o n a l de Investigação Científica.
Fazendo u m resumo histórico da «batalha» p a r a a con-
versão da M a t a em «reserva» podemos começar em 1956
com as palavras, já r e f e r i d a s de A . R. P I N T O D A S I L V A «d'un
j o y a u q u ' i l f a u d r a i t conserver». Ê mesmo p o r sugestão de
A . R. P I N T O D A S I L V A que a L i g a p a r a a Protecção da
N a t u r e z a a i n c l u i na «lista dos locais a protege r em P o r -
t u g a l Continental» elaborada pelo Conselho Técnico daquela
L i g a no f i n a l de 1972, e enviado aos sócios em 1973. Segue-
-se-lhe, e m 1972, o P r o f . B A E T A N E V E S que, n a Gaseta das
Aldeias, após extenso a r t i g o sobre a M a t a , t e r m i n a dizendo
«que não se demorem mais as decisões a t o m a r , que a M a t a
da Margaraça venha a ser «reserva», é quanto se deseja
e quanto se pede e m sua defesa e em defesa dos interesses
colectivos em causa».
Também a L i g a p a r a a Protecção da N a t u r e z a j á se
d i r i g i u a entidades governamentais solicitando a conversão
daquela M a t a em reserva. A s s i m , no relatório da Direcção
r e l a t i v o ao ano de 1973, pode ler-se: «1 — Matas de Mar-
garaça e de Ansião: f o i pedido à Secretaria de E s t a d o da
A g r i c u l t u r a par a serem reservadas esta M a t a da M a r g a -
raça (Coja) e as áreas de m a i o r interesse povoadas do
Quercus faginea dos arredores de Ansião. A S e c r e t a r i a de
Estado da A g r i c u l t u r a i n f o r m o u ainda não t e r t i d o opor-
Mata da Margaraça e sua conversão em reserva 53

tunidade de apreciar o problema, reconhecendo-lhe t o d a v i a


a sua importância».
Procurando a l e r t a r os governantes e apelar p a r a a sensi-
bilização do público, a Sociedade B r o t e r i a n a p r o m o v e u u m a
v i s i t a à M a t a da Margaraça p o r ocasião das Comemorações
dc seu I Centenário, tendo encerrado o Simpósio com u m a
conferência p r o f e r i d a pelo P r o f . B A E T A N E V E S no Salão N o b r e
da Câmara M u n i c i p a l de A r g a n i l sobre «Problemas d a P r o -
tecção da N a t u r e z a em P o r t u g a l — Aspectos Históricos e
Actuais».
Devido aos esforços feitos pela população de Pardieiros,
pelo E n g . " Técn. A g r . D U A R T E P E S S O A n a i m p r e n s a escrita
(1979) e f a l a d a , e ainda aos bons ofícios do Sr. C A R L O S
R I B E I R O , então Presidente da Câmara de A r g a n i l , a M a t a

da Margaraça está actualmente p r o t e g i d a de destruição pelo


D e c r e t o - L e i n.° 2 5 / 7 9 , de 2 7 de Março. N o entant o e i n f e -
lizmente, essa protecção é apenas provisória, pois no pagrá-
g r a f o 1 do a r t i g o 3." do referido D e c r e t o - L e i, estipula-se
o prazo de dois anos para a vigência das medidas preventivas
legisladas, e m b o r a podendo t a l período ser p r o r r o g a d o .
Tendo, m u i t o recentemente, espirado t a l prazo, o actual
Presidente d a Câmara de A r g a n i l , Professor J O S É D I A S
C O I M B R A , conseguiu que fosse p r o r r o g a d o , pelo menos, p o r

mais u m ano, aguardando-se, p a r a m u i t o breve, a respectiva


publicação no Diário da República.
Devido à situação precária da protecção de u m dos mais
ricos mananciais d a f l o r a e f a u n a selvagens do País, a
Sociedade B r o t e r i a n a t e m mobilizado todos os esforços no
sentido de conseguir das entidades o f i c i a i s a aquisição d e f i -
n i t i v a da r e f e r i d a M a t a e a sua conversão e m reserva, no
que t e m sido exemplarmente acompanhada pela Câmara
M u n i c i p a l de A r g a n i l . P a r a a concretização desse objectivo ,
j á se e n c o n t r a m e m poder do Serviço N a c i o n a l de Parques,
Reservas e Património Paisagístico, cujo Presidente v i s i t o u
oportunamente a M a t a acompanhado p o r membros d a Socie-
dade B r o t e r i a n a e da Câmara M u n i c i p a l de A r g a n i l , todos
os elementos necessários e j u s t i f i c a t i v o s .
Por ocasião da v i s i t a p r o m o v i d a pela Sociedade B r o -
t e r i a n a durante as Comemorações do seu I Centenário c o n -
54 Jorge A. R. Paiva

seguiu-se r e u n i r n a M a t a o Presidente do Serviço N a c i o n a l


de Parques, Reservas e Património Paisagístico, Arq.° F E R -
N A N D O P E S S O A ; O Presidente da Sociedade B r o t e r i a n a , P r o f .

D r . A B Í L I O F E R N A N D E S ; o Presidente da Câmara de A r g a n i l ,
Professor J O S É D I A S C O I M B R A ; O Presidente da J u n t a de
freguesia de Benfeita, Sr. M A N U E L S I M Õ E S ; O proprietário
da M a t a , D r . E D U A R D O N U N E S M A R Q U E S ; elementos da
vereação da Câmara de A r g a n i l e da J u n t a de Freguesia
de A r g a n i l e B e n f e i t a ; e ainda m u i t o s sócios da Sociedade
B r o t e r i a n a , que a p e r c o r r e r a m demoradamente.
Atendendo a que não há qualquer o u t r a localidade onde
se encontre representada de u m a m a n e i r a tão p e r f e i t a e
completa u m a formação vegetal com as características apon-
tadas de cobertura f l o r i s t i c a p r i m i t i v a do Centro do País,
c Presidente da Sociedade B r o t e r i a n a enviou ao Presidente
do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património
Paisagístico os seguintes considerandos j u s t i f i c a t i v o s da
criação da r e s e r v a :

« a ) que a formação vegetal aí representada está neste


momento pouco degradada e que os caminhos aí
abertos com o objectivo de e x p l o r a r a m a d e i r a dos
castanheiros estarão dentr o em pouco ocupados
pela vegetação n a t u r a l ;
b ) que o seu estudo f i t o sso cio lógico é ainda incompleto
e que terá de ser feito antes que a M a t a se degrade;
c) que na sua f l o r a e x i s t e m espécies cientificament e
interessantes, quer em relação à f l o r a m u n d i a l , quer
à do nosso País, como Eryngium duriaei Gay ex
Boiss., Genista Jálcata B r o t . , Luzida sylvatica
(Hudson) Gaudi n subsp. lienriquesii (Degen.)
P. Silva, Crepis lampsanoides (Gouan) Tausch,
Circaea littetiana L . , Sanicida europaea L . , Verónica
micrantha H o f f m a n n s . & L i n k , V. montana L . , Peri-
balia involucrata (Cav.) Janka, Moehringia pen-
tandra Gay, Primula viãgaris Huds., Narcissus
trianãrus L . v a r . cernuus (Salisb.) Baker, Narcissus
buTbocodium L . , Chrysosplenium opposifolium, etc;
Mata da Margaraça e sua conversão cm reserva 55

d) que n a sua f l o r a existem espécies de v a l or hortícola


o r n a m e n t a l entre as quais se salientam LUium mar-
tagon L . , Narcissus triandrus L . var. cernuus
(Salisb.) Baker, Narcissus bulbocodium L . , Linaria
triornitophora ( L . ) W i l l d . , Omphalodes nitida Hof¬
f m a n n s . & L i n k , Primiãa vulgaris Huds., Aquüegia
ãichroa F r e y n , Uex aquifolium L . , Pólygonatum odo-
ratum- ( M i l l e r ) Druce, Lonicera periclymenum L.,
Viburnum tinus L . , Laurus nobilis, etc.;
e) que nessa f l o r a se e n c o n t r a m algumas espécies —
Gastanea sativa M i l l e r , Prunus íusitanica L . , Prunus
avmm L . (escapada da c u l t u r a ) Prunus cerasus L .
(também escapada da c u l t u r a ) , Arbutus unedo L . ,
Corylus avcllana L . , etc. — correspondentes o u afins
de o u t r a s cultivadas, podendo possuir genes úteis
que possam ser t r a n s f e r i d o s para as cultivadas com
o objectiv o de obter raças m e l h o r a d a s ;
f) que a conversão da M a t a da Margaraça em Reserva
P r o t e g i d a c o n t r i b u i r i a eficazmente p a r a e v i t a r a
eventual extinção de espécies de interesse científico
e p e r m i t i r i a a existência de reservatório de genes
(gene-pool dos autores de expressão inglesa) a que
se poderia r e c o r r e r p a ra o melhoramento de algumas
plantas hortícolas e de o u t r a s p r o d u t o r a s de a l i -
mentos ;
g) que a M a t a possui u m a f l o r a de Criptogâmicas
(algas, fungos, líquenes e briófitas) m u i t o abun-
dante que necessita de ser i n v e n t a r i a d a ;
h ) que a M a t a , p o r ser constituída p r i n c i p a l m e n te p o r
essências folhosas, actua como obstáculo à p r o p a -
gação de incêndios;
i ) que a M a t a t e m todas as condições p a r a se t r a n s -
f o r m a r n u m laboratório n a t u r a l da região do Centro
do País, desde que a ela t e n h a m acesso, sem peias
burocráticas, os cientistas — geólogos, botânicos e
zoólogos — que a l i desejem efectuar observações e
colher espécimes p a r a ulteriores estudos de gabinete
ou laboratório;
56 Jorge A. R. Paiva

j) que seria u m verdadeiro crime científico, c u l t u r a l


e paisagístico que o Estado permitisse que a M a t a
fosse destruída, o que a c a r r e t a r i a u m a modificação
do eco-sistema a l i reinante.

Impõe-se que o Estado, através do Serviço de Parques,


Reservas e Património Paisagístico proceda à aquisição da
r e f e r i d a M a t a no sentido de ser c o n v e r t i d a em Reserva
Protegida».
Por o u t r o lado, a Câmara M u n i c i p a l de A r g a n i l , através
do actual Presidente, Professor J O S É D I A S C O I M B R A , t e m
efectuado diligências j u n t o do D i r e c t o r - G e r a l do Ordena-
mento e Gestão F l o r e s t a l , E n g . " J O S É A L B E R T O C O B R A Q U I T A
Q U I T A , p a r a que se efectue a aquisição da r e f e r i d a Mata,
o mais urgentemente possível, antes de expirado o prazo
de u m ano de prorrogação recentemente conseguido. Aliás
o E n g . " J O S É A L B E R T O C O B R A Q U I T A Q U I T A , assim como o
A r q . " A L B E R T O V I L A N O V A , D i r e c t o r - G e r a l do Serviço de
Estudos do A m b i e n t e , também t i n h a m sido convidados pelo
Presidente da Sociedade B r o t e r i a n a , par a estarem presentes
n a v i s i t a à M a t a da Margaraça efectuada no último d i a das
Comemorações do Centenário da Sociedade. Essas diligências
têm t i d o a l g u m êxito, mas não se conseguiu ainda a v e r b a
necessária. Há, no entanto, algumas esperanças como se
pode v e r i f i c a r pelas pelavras do D i r e c t o r - G e r a l do Ordena-
mento e Gestão F l o r e s t a l no recente ofício (27 de Fevereiro
de 1981) enviado ao Presidente da Câmara de A r g a n i l :
«No seguimento das diligências p a r a a aquisição pelo
Estado da M a t a da Margaraça, s i t a nesse concelho, levo
ao conhecimento de V . E x . que a Direcção-Geral do P a t r i -
A a

mónio do E s t a d o i n f o r m o u que «tal aquisição não poderá


ser encarada de conta do Orçamento Geral do E s t a d o
p a r a 1981».
Acusando a recepção desse ofício, e dado o interesse
de que se reveste a aquisição para a Direcção-Geral do
Ordenamento e Gestão F l o r e s t a l da M a t a da Margaraça,
solicitamos à Direcção-Geral do Património do E s t a d o que
fosse encarada a possibilidade de aquisição da M a t a p o r
conta do Orçamento Geral do Estado p a r a 1982».
Mata da Margaraça e sua conversão em reserva 57

F o i no século X I I I , durante a regência de D . A F O N S O L U ,


que a M a t a da Margaraça passou a ser propriedade dos
Bispos Condes de C o i m b r a . F o i D . E G A S F A F E S , então Bispo
de C o i m b r a , quem comprou a M a t a da Margaraça a M A R T I N H O
P E N A S A N T A R E N A , pagando-a com d i n h e i ro do seu próprio

bolso. P o r doação testamentária passou para a posse da


Diocese de C o i m b r a . M a i s tarde, no século XIX, p o r i n t e -
gração pelo Regime Constituciona l i m p l a n t a d o após a i n s t a u -
ração do regim e l i b e r a l , f i n d a a G u e r r a C i v i l entre as hostes
de D . P E D R O e D . M I G U E L , passou para a posse do E s t a d o .
Nessa a l t u r a a M a t a estava n a dependência d a 4." A d m i -
nistração subordinada à Administração Geral das M a t a s do
Reino e t i n h a u m A d m i n i s t r a d o r (o do concelho de Coja)
e u m guarda . O Bispado t e n t o u e m vão reaver a propriedade.
Infelizmente, os domínios d a M a t a da Margaraça, que não
incluem apenas a f l o r e s ta mas também t e r r a s de c u l t i v o ,
t o r n a r a m a ser propriedade p r i v a d a após a venda e m hast a
pública. A i n d a não conseguimos a v e r i g u a r a d a t a exacta
desta transacção, mas pensamos t e r sido nos f i n s do século
passado. Também não nos f o i ainda possível a v e r i g u a r quem
f o i o p a r t i c u l a r que a d q u i r i u a M a t a nessa a l t u r a . Sabemos
e temos dados de herdeiros (donos da M a t a ) n a t u r a i s de
Avô, que f i n a l m e n te a venderam ao actual proprietário,
D r . E D U A R D O N U N E S M A R Q U E S , de A l b e r g a r i a .
Segundo S . F E R R Ã O (1946), os Serviços F l o e r s t a i s t i v e r a m
a pretensão de a d q u i r i r a M a t a (pág. 6 2 ) : «Pretendem os
Serviços F l o r e s t a i s a d q u i r i - l a a f i m de a i n t e g r a r nos perí-
metros e m arborização p a r a nela i n s t a l a r n a p a r t e b a i x a
ou de várzea os v i v e i r o s destinados a fornecer as plantas
para o revestimento das serras»; e ainda mais adiante na
pág. 7 7 : «Constata-se pela apreciação dos três factores
apresentados n a alínea a) do capítulo «Estudo sobre a Q u i n t a
da Margaraça» que são bem fortes as razões que l e v am
os nossos Serviços Florestai s a c o m p r a r e a i n c l u i r esta
propriedade no seu património»; e f i n a l m e n t e n a pág. 8 6 :
« A aquisição desta M a t a está para ser f e i t a pelos Serviços
Florestais Nacionais e então nós talvez poderemos e n c o n t r a r
esta i g n o t a q u i n t a n u m dos centros turísticos mais visitados».
58 Jorge A. R. Paiva

Infelizmente t a l compra não se concretizou, tendo-se


perdido u m a excelente oportunidade de perpetuar, na posse
dos Serviços Florestais, u m invejável «banco de genes» de
u m ecossistema n a t u r a l .
M u i t o m a i s haveria a dizer sobre a M a t a e o interesse
e m a proteger. No entanto, j u l g a m o s esta síntese suficiente
para j u s t i f i c a r a t o m a d a imediata de medidas d e f i n i t i v a s
para salvaguardar este r a r o e quase único testemunho, não
só da f l o r a p r i m i t i v a portuguesa, como até da europeia,
onde, praticamente, já não existe m florestas naturais
(v. «Mensagem de Intelalten», 22-26.LX.1975).

BIBLIOGRAFIA

ANÔNIMO
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Mata da Margaraça c sua conversão em reserva 59

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LISTA DAS PLANTAS VASCULARES
HERBORIZADAS N A M A T A D A MARGARAÇA 1

PTERIDOPHYTA

Asplcnium bülotü F . W . Schultz


— onopteris L.
trichomanes L.
Athgrium filix-feniina ( L . ) Roth
Blechnum spicant ( L . ) Roth
Ci/stnpteris fragilis ( L . ) Beruh.
Dri/opferis filix-mas ( L . ) Schott
Poli/podium australe Fée
interjectum Shlvas
Potystichum setiferum (Forslc.) Woynar

SPERMATOFHYTA

DICOTYLEDONES

APOCYNACEAE

Vinco, difformis Pourret

A Q UIFOLTA CEAE

Hex aquifolium L.

ARISTOLOCHIA CEAE

Aristolochia longa L.

BORAG1NACEAE

Omphalodes nitida Hoffmanns. & Link

E l a b o r a d a em colaboração com ISABEL NOGUEIRA.


62 Jorge A. R. Ptiiva

CA MPANULA CEAE

Campanula lusitauica L>. subsp. lusitanica


— rapunculus L.
J actione montana L.

CA PRIFOLIA CEAE

honicera peviclymenum L . subsp. periclymenum


Sambucus nigra L , .
Viburnum tinus L . subsp. tinus

CARYOPHYLLA CEAE

C'erasthim glomeratum Thuill.


Arenaria montana L . subsp. montana Thuill.
Moehringia pentandra Gay
trinervia (L.) Clairv.
Scleranthus annuus L . subsp. polycarpos ( L . ) Thell.
Silene patula Desf.
Spergula pentandra L . subsp. morisonii Boreau
Spergula. arvensis L.
Stellaria media (L.) Vill.

COMPOSITAE

Anthemis arvensis L . subsp. arvensis


Chamaemelum nobile ( L . ) A l l . ( = Anthemis nobilis L.)
Cirsium palustre (L.) Scop.
Gonyza canadensis ( L . ) Cronq.
Crcpis lampsanoides (Gouan) Tausch
Inula conyza D C .
Picris hieracioid.es L . subsp. hieracioides
Senecio sylvaticus It.
— lividus L i .

CORYLACEAE

Corylus avellana L.

CRASSULACEAE

Srdum arenarium Brot.


— forsteranum Sm.
Umbilicus alpestris (Salisb.) Dandy

CRUCIFERAE

Brassica burrelieri (L.) Janka ssp. barrelled (— B. sabularia Brot.)


Cardamine flexuosa "With.
Teesdalia nudicaulis (L.) R. Br.
Mata da Margaraça e saa conversão cm reserva

ERICACEAE

Cull una vulgaris ( L . ) Hull.


Arbutus unedo L .
Erica, australis L.
— arbórea L .

FAGAGEA E

Castanea sativa Miller


Quercus robur L .

GERANIACEAE

Geranium lucidum L .
Geranium malle L .
— purpureum Vill.
—- pyrenaicum B u r m . fü.
Erodium cicutarium ( L . ) L ' H e r . subsp. cicutarium

GUTTIFERAE

Hypericum undrasaemum L.
— h umi fusum Li.
perforatum L.

LABI AT AE

Lamhim miiculatum L.
Prunella vulgaris L.

LAURACEAE

Luurus nobilis L.

LEGUMIN08AE

Coronilla repanda ( P o i r e t ) G u s s . s u b s p . dura [Cay.) Coutinh o


Cytisus slriatiis (Hill.) Rothm. {~C. penäulinus L . fil.)
Genista falcata Brot.
Lotus pedvnculatus Cav.
Trifolium praiense L.

OLEACEAE

Phillyrea. angustifolia L.

ONAGRACEAE

Circaea lutetiana L.
Epilobium lanceolatum S e b a s t i a n ! .& M a u r i
64 Jorge A. P. Paiva
PAPAVERACEAE

Chelidomum majus L . .

PLANTA GIN A CEAE

Plantag o lanceolata L.

POLYGONACEAE

Rumex bucephaluphonts L . subsp. bucephalophorus

PRIM ULACEAE

Primula vulgaris Hudson subsp. vulgaris

RANUNGULACEAE

Aquileyia dichroa Freyn


Ranunculus ficaria L . subsp. ficaria
— gregarius Brot.

RESEDACEAE

Reseda media Lag.

ROSACEAE

Fragaria wsca L.
Primus avium L.
•— c&rasuB L .
- - lusitauica L . subsp. lusiianica
Rubus coutinhoi Samp.

RUBIACEAE

Galium album M i l l e r subsp. album

— rotundifolium L.

SALIC ACE AE

Salix airociuerea Brot.

SAXIFRAGACEAE

Clirgsuspleniu-m cppositifolium L.
Saxifraga granulata L.

SGROPHULARIACEAE

Anarrhinum beUidifolium ( L . . ) Willd.


Digitalis purpurea L . subsp. purpurea
Mata da Margaraça e sua conversão em reserva

Linaria triornitliopliora ( L . ) Willd.


Scrophularia auriculata L.
Veronica micrantha Hoffmanns. & Linlc
—• montana L.
— officinalis L.

ULMACEAE

Ulmus minor Miller

UMBELLIFERAE

Eryngium duriaei G a y e x B o i s s .
Pkysospermum cornubiense (L.) DC.
Sanicula turopaea L.

URTICACEAE

Urtica dioica L.

VALERIANA CEAE

Valerianella carinata Loisel.

VIOLACEAE

Viola riviniana Reichenb.

MONOCOTYLEDONES

AMARYLLIDACEAE

Narcissus trianãrus D. subsp. triandrus

CYPERACEAE

Carex pêndula Hudson


— remota D.

GRAMINEAE

Agrostis Castellana B o i s s . et R e u t e r
— delicatula P o u r r e t ex L a p e y r . ( = A. truncatula Pari.)
Brisa maxima L.
Deschampsia flexuasa (L.) Trin.
Holcus lanatus L.
Ptriballia involucrata (Cav.) Janka

IRIDACEAE

Romulea bulbocoãium ( L . ) Sebastiani & Mauri


66 Jorge A. R. Paiva

JUNCACEAE

Luzula forsten (Sm.) D C .


— sylvatica (Hudson) G a u d i n ssp. henriquesii (Degen) P. Silva

LILJACEAE

Lilium martagon L.
Polygonatum odoratum (Miller) Druce
Ruscus aculeatus L .
Scilla monophyllos Link

ORCHIDACEAE

Epipactis palustris (L.) Crantz

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