Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PALHAÇARIA
EM HOSPITAIS*
INTRODUÇÃO..................................................................................................................................6
Origens.............................................................................................................................................6
Arte e Medicina...............................................................................................................................8
O que eu faço agora?.......................................................................................................................9
Médicos em circos.........................................................................................................................10
Difícil definição.............................................................................................................................11
A contribuição do picadeiro...........................................................................................................13
Além das aparências......................................................................................................................16
A contribuição da escola................................................................................................................17
Clown ou palhaço?.........................................................................................................................19
Commedia Dell'arte, bufonaria, palhaçaria e brincantes...............................................................21
A contribuição do cinema..............................................................................................................23
A contribuição dos arquétipos........................................................................................................26
A FORMAÇÃO................................................................................................................................30
Caminho próprio............................................................................................................................30
Relação e encontro.........................................................................................................................32
O inadvertido Chaplin....................................................................................................................32
Quem é? ou quando é?..................................................................................................................33
O jogo............................................................................................................................................35
A improvisação..............................................................................................................................37
Os cursos........................................................................................................................................39
O HOSPITAL....................................................................................................................................42
CONCLUSÃO...................................................................................................................................99
A contribuição do hospital.............................................................................................................99
Ridículo em relação.....................................................................................................................100
AGRADECIMENTOS...................................................................................................................102
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA..............................................................................................103
Origens
Palhaçaria em hospital.
Eis aí uma expressão que até os meados dos anos 1980 era pouco, ou nada,
difundida nos meios das artes e da saúde no Brasil e no exterior.
Se, por um lado, as aproximações entre arte e medicina, humor e saúde
podem ser presenciadas em distintos momentos da trajetória humana, por
outro lado, parece ser somente a partir das últimas décadas do século XX que
tal trajetória presencia e acolhe o encontro desses dois termos, palhaço e
hospital, com uma frequência inédita.
Não é raro ouvirmos relatos ou vermos imagens de artistas de circo, de
diferentes épocas e continentes, visitando pacientes em hospitais. Também é
conhecida a história de Patch Adams, médico estado-unidense que já durante
seu período como estudante de medicina, no início dos anos 1970, propagava
como palhaço a alegria junto a seus pacientes enfermos.
Se essas e outras iniciativas contribuíram para que palhaçaria e hospital
fossem termos que, juntos, fizessem parte do mesmo discurso sem beirar o
absurdo, seria necessário esperar os meados dos anos 1980 e a década
seguinte para que a realidade de palhaços e palhaças em hospitais começasse
a se instalar e a se multiplicar pelo mundo.
Difunde-se muito, como “evento inaugural” da profusão de grupos de palhaços
e palhaças em hospital, a visita que Michael Christensen, palhaço do Big
Apple Circus de Nova York, realizou em 1986 às crianças da Cardiologia
Pediátrica do Columbia Presbyterian Babies Hospital.
Se Michael Christensen não foi o primeiro palhaço a intervir em um hospital,
ao menos é considerado um dos pioneiros em ter formalizado um plano de
intervenções profissionais, regulares e frequentes ao longo dos anos. Vale
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 6
dizer que já em sua primeira visita apresentou-se como um doutor palhaço. E
a sutileza e perspicácia em “parodiar”1 a postura do médico através de uma
figura cômica trajando jaleco branco e utensílios estapafúrdios parece ter sido
determinante para o que daí se seguiu. Michael foi convidado a renovar a
experiência através de novas visitas. Novos hospitais se mobilizaram para
acolher a iniciativa. Um grupo profissional de doutores palhaços e doutoras
palhaças foi criado e associado ao Big Apple Circus. Nascia assim, nos EUA, o
Clown Care Unit.
O que caracterizava o Clown Care Unit era, entre outras coisas, a frequência
regular das visitas, a adoção da figura do doutor palhaço, da doutora palhaça,
e o caráter profissional de seus artistas. Anos depois, uma linhagem de grupos
herdaria seus princípios. Do próprio Clown Care Unit emergiram artistas que
semeariam e reproduziriam as características do modelo estado-unidense em
diversos países.
Aos poucos, as especificidades do contexto político, socioeconômico e cultural
de cada país foram dando cor local a cada projeto.
No Brasil, o programa dos Doutores da Alegria, por exemplo, é fruto dessa
colheita. Nesse grupo, a figura do doutor palhaço e da doutora palhaça foi
chamada de besteirologista, alcunha que já traz em si o tom da “paródia”.
Fundado em São Paulo por Wellington Nogueira (integrante do Clown Care
Unit por três anos), os Doutores da Alegria surgiram em 1991 e são
considerados os responsáveis por espalhar essa iniciativa Brasil afora. Um
sem-número de grupos nacionais e também estrangeiros, das mais diversas
configurações, se dizem inspirados pelo trabalho dos Doutores da Alegria.
É possível que outros indivíduos e grupos com iniciativas semelhantes tenham
surgido ao mesmo tempo, ou até antes do Clown Care Unit. O objetivo deste
estudo não é o de traçar um panorama histórico sobre a evolução dos grupos
de palhaçaria em hospital e tampouco eleger com precisão um marco
fundador para o surgimento desses grupos. O que ressalto nesta introdução é
que hoje em dia palhaçaria e hospital não são apenas termos consonantes e
congruentes. Hoje em dia, a aliança entre a atividade palhacesca e o hospital
1
Trataremos das implicações da noção de “paródia” no tópico Paródia, jaleco e subversão, p.60.
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 7
alcançou paragens que se estendem para além dos meios artísticos e
hospitalares.
Arte e Medicina
2
No Brasil, Morgana Masetti é uma dessas estudiosas. Lança, ainda nos últimos anos do século XX, “Soluções de
Palhaços” (1997) e “Boas Misturas” (2000), dois estudos científicos baseados na prática artística dos Doutores da
Alegria.
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 8
O que eu faço agora?
A partir dessa casa inicial retrocederei alguns passos para abordar uma
interrogação ainda recorrente e fundamental:
Em que consiste essa atividade? Ou mais especificamente, em que consiste
essa atividade tal qual praticada hoje, vários anos após Michael Christensen
ter realizado sua primeira visita a um hospital?
Explorar essa questão sob a perspectiva de um artista que atua sobretudo em
hospitais das periferias de uma megalópole da América do Sul é o intuito
deste Palhaçaria em Hospitais. Atentar para que as pistas e eventuais
respostas aqui oferecidas não percam de vista sua disposição a problematizar
novas questões é condição para que este ensaio possa pretender certa
abertura e dinamismo.
Sob esses parâmetros, as páginas seguintes pretendem se aproximar de uma
experimentação que deliberadamente se distanciará da análise dos fatores
históricos, sociais, culturais e econômicos que contextualizaram e, digamos
assim, permitiram a entrada de um palhaço em um hospital. Por outro lado,
investigaremos alguns aspectos dos modos de preparação, ação – e reação –
desse palhaço ou palhaça uma vez adentrado o ambiente hospitalar nos dias
de hoje.
Mais do que tentar repertoriar as singularidades de cada grupo de palhaçaria
atuante em hospitais, mais do que um levantamento estatístico sobre o
impacto de tal atividade,3 o interesse por ora está em problematizar
especificamente a pergunta que paira sobre o artista e a artista que atravessa
a soleira da porta de um quarto de hospital: “o que eu faço agora?” ou, para
quem já está familiarizado com tal atividade: “o que me faz continuar fazendo
isso?”
3
Para uma maior compreensão desses aspectos, cf. o capítulo “Mapeamento Mundial das Organizações de Palhaços
de Hospital” estabelecido pela organização Operação Nariz Vermelho, de Portugal, em conjunto com parceiros
internacionais em “Rir É o Melhor Remédio” (2016, p. 20).
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 9
A COSTUMEIRA PERGUNTA: O E O PALHAÇO,
O QUE É?
Médicos em circos
Difícil definição
E o palhaço, o que é?
A contribuição do picadeiro
A contribuição da escola
Mesmo que não haja aqui uma resposta que não divirja de outras, é
incontestável que as pesquisas cênicas realizadas nos cursos de palhaço
oferecem sua contribuição ao debate e, mais do que isso, oferecem uma
possibilidade de renovação do entendimento da arte da palhaçaria.
Jacques Lecoq, criador de uma pedagogia teatral inovadora que se alastrou da
França para o mundo, pôs em prática desde os idos de 1960 uma busca do
palhaço e da palhaça que só se valida se resultar da busca de seu próprio
palhaço (LECOQ, 2010, p. 214). Para o pedagogo francês, cada estudante deve
estar pronto a revelar o eventual palhaço ou palhaça que se aloja dentro de si.
Sua prática de modo algum se situa à frente ou atrás do modelo circense. Seu
processo apenas se distancia do modo de aprendizado familiar ou popular
para, de certa maneira, encontrar os mesmos efeitos: o riso dos espectadores.
Para Lecoq, o palhaço ou palhaça de cada pessoa não é copiado, imitado de
um palhaço ou palhaça que lhe precede, tampouco conduzido por qualquer
personagem preestabelecido. O palhaço ou palhaça só pode estar dentro do
ator ou atriz que o “atua”, só pode ser descoberto ao apoiar-se nas
6
Segundo Michele Borges, no Brasil, a Academia Piolin, de São Paulo, e a Escola Nacional de Circo, do Rio de
Janeiro são consideradas as primeiras instituições a ensinarem as disciplinas circenses fora do exclusivo âmbito
familiar a partir do final dos anos 1970 e início dos anos 1980. https://www.infoescola.com/artes-cenicas/historia-
do-circo/ (acessado em 18/11/2021)
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 17
verdadeiras fragilidades pessoais desse ator ou dessa atriz para daí se
transformar em potência cênica a ser apresentada no teatro, no cinema, na
televisão, na rua, no hospital ou no próprio circo.
Poderíamos dizer, grosso modo, que enquanto a artista ou o artista dito
“tradicional” chega à liberdade de seu palhaço ou palhaça a partir do rigor de
uma forma “ancestral”, a artista ou o artista não oriundo da tradição chega ao
rigor de uma forma a partir da liberdade de suas improvisações.
No Brasil, a partir do início dos anos 1990, uma parte dos novos cursos e
oficinas que se dedicavam exclusivamente ao ensino da palhaçaria apoiou-se
em linhas de pesquisas iniciadas na Europa, sobretudo nas contribuições de
Jacques Lecoq e seus discípulos. No velho continente, a figura do palhaço
tinha deixado de se restringir exclusivamente às lonas e picadeiros para, aos
poucos, protagonizar espetáculos em teatros (ou na rua) de modo autônomo e
independente dos métodos, da estética e da logística do circo tradicional.
Essas décadas, além de representarem o momento em que a palhaçaria passa
a se debruçar sobre uma dramaturgia própria, livre dos clássicos números
circenses, representam também o momento em que palhaças (e não mais
somente palhaços) passam a habitar a cena palhacesca nascente.
Em São Paulo, por exemplo, mais do que habitar, artistas mulheres são
responsáveis por conduzir essa nova cena. Cida Almeida, Cristiane Paoli
Quito, Tiche Vianna estão entre as pioneiras e mais cobiçadas formadoras e
diretoras de palhaçaria e comicidade daquele período, e suas contribuições à
formação de artistas cômicos se estende até os dias de hoje.
Ainda nos anos 90, também em São Paulo, o artista pernambucano Antonio
Nóbrega, introduz a figura dos brincantes no estudo da comicidade. Com ele,
a nova abordagem europeia de estudo da palhaçaria passa a se aliar às
manifestações da tradição popular brasileira. É assim que, com Nóbrega, a
capoeira, o frevo, o maracatu, o cavalo-marinho se tornam fundamentos
incontornáveis para o ensino da comicidade, da dança e da música
contemporâneas.
Clown ou palhaço?
No Brasil, nos mesmos anos 1990, anos em que surgem os primeiros coletivos
de palhaços e palhaças em hospital, certos profissionais parecem ter sentido a
necessidade de designar com o termo inglês clown (também utilizado na
França) todos aqueles que acessavam a figura palhacesca a partir de qualquer
método semelhante ao de Lecoq, ou dos discípulos de Lecoq. Talvez tenha sido
uma tentativa de se diferenciar o "novo palhaço teatral pesquisado
interiormente" do "antigo palhaço circense pesquisado exteriormente".
Mais do que a etimologia dos dois termos, apresentada em diversos estudos, 7
interessa-nos apontar que a distinção entre o “novo palhaço” e o “antigo
palhaço” vem entre aspas na formulação acima a fim de lembrar que a
7
Cf. BOLOGNESI, Mário Fernando (2013, p.62).
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 19
contemporaneidade de um modelo em comparação com a suposta antiguidade
do outro modelo não é algo imune a questionamento. Ermínia Silva, por
exemplo, faz questão de nos lembrar que a técnica e estética circenses
“sempre estiveram e estão em sintonia com seu tempo” (SILVA, 2008, p. 60).
São e sempre foram, portanto, contemporâneas.
Apesar disso, ainda hoje, nas primeiras décadas do século XXI, alguns autores
brasileiros continuam a lançar mão do termo clown, ora o privilegiando, ora o
diferenciando, ora o igualando ao termo palhaço. O “Léxico de Pedagogia do
Teatro”, de Ingrid Dormien Koudela e José Simões de Almeida Junior,
apresenta o verbete clown (2015, p.30) e deixa o verbete palhaço ausente da
obra. Em 2003, Renato Ferracini opta pela denominação clown e a diferencia
do palhaço citando a seguinte passagem de “Arte do ator – da técnica à
representação”, de Luís Otávio Burnier, de 1994: “o palhaço é hoje um tipo
que tenta fazer graça e divertir seu público por meio de suas extravagâncias,
ao passo que o clown tenta ser sincero e honesto consigo mesmo”
(FERRACINI, 2003, p. 220). Cristiane Paoli Quito, em sua dissertação de
mestrado, não se atarda em diferenciações. Em uma única frase indistingue os
dois termos: “… o palhaço, ou clown, é também uma máscara...” (2016, p.28).
E com tal abordagem, Paoli Quito leva adiante sua exposição sem prejuízo da
compreensão do sujeito tratado.
Para voltar aos anos de 1990, vale dizer que nos Doutores da Alegria, primeiro
grupo de palhaçaria a atuar de modo sistemático em hospitais do Brasil, o
termo clown também foi largamente difundido e preferido ao termo palhaço
durante certo tempo. Nessa organização, naqueles anos, exigia-se, por
exemplo, que aspirantes a doutor da alegria tivessem uma experiência cênica
especializada na “linguagem do clown”. Mas, aos poucos, pessoas oriundas de
formações ditas tradicionais passaram a integrar a trupe de artistas que ia aos
hospitais8, colaborando para que paulatinamente o termo clown, ao menos na
acepção daqueles inícios de anos 1990, fosse abandonado junto com seus
critérios de utilização. Hoje, nos Doutores da Alegria, e em outras associações
8
Nos Doutores da Alegria, a abertura para outras linhagens de palhaço ocorreu a partir de um processo de seleção de
artistas em Recife, em 2002, alastrando-se posteriormente às outras unidades da Associação. Naquela ocasião,
percebeu-se a potência que diferentes abordagens e visões do fazer palhacesco traria ao trabalho no hospital.
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 20
neles inspiradas, prevalece o termo em português, palhaço,
independentemente de suas origens circenses ou escolares, clássicas ou não
clássicas. Além disso, nos hospitais brasileiros, a utilização do termo clown
nunca existiu, ao menos por parte dos pacientes infantis. Ali, para eles, o
palhaço e a palhaça sempre foram unânimes.
Voltando à questão do aprendizado fora dos circos e círculos tradicionais,
podemos dizer que, após o advento das escolas, o termo palhaço parece
ganhar em nuance ou, ao menos, parece revelar aquilo que, talvez até mesmo
no circo, subjaz como chama insubstituível para quem pretende envolver-se e
mergulhar nesse ofício. Como evocado acima, palhaça e palhaço passariam a
designar, antes de qualquer invólucro ornamental, antes de qualquer
maquiagem ou nariz vermelho, antes de qualquer dualidade entre augusto e
branco, palhaço e palhaça passariam também a designar aquelas pessoas que
praticam no palco, ou no picadeiro, ou no hospital, a exposição cênica do que
há de ridículo no ser humano, a partir do que há de ridículo em si, para a
partir dessa chama primordial tentar acessar o riso de seu público.
A concepção adotada e difundida por Jacques Lecoq sem dúvida cria uma
possibilidade de contorno mais nítido na figura palhacesca, apontando assim
para o que, para muitos, seria sua essência.
Vale dizer contudo que, durante sua vida, Lecoq abordou em sua escola a
comicidade através de pelo menos três domínios distintos: o da palhaçaria, o
da bufonaria e o da Commedia Dell’Arte.
Simplificando ao máximo, e assumindo de antemão todos os riscos que tal
redução suscita, tracemos aqui um brevíssimo e esquemático resumo de como
essa distinção se apresenta.
Digamos que essas três figuras cômicas operam segundo os seguintes
princípios:
Figura 1: o palhaço e a palhaça expõem seu próprio ridículo para provocar o
riso do público.
9
Para maiores informações a respeito das figuras dos brincantes, cf. “Palhaços do nosso povo” (LULU; FRANCO,
2010)
10
T.S. Eliot, em seu ensaio “Tradição e Talento Individual”, apresenta uma interessante rotação de perspectiva sobre
nossa relação com a tradição: A tradição “não pode ser herdada, e se alguém a deseja, deve conquistá-la com grande
esforço” (ELIOT, 1989, p. 38).
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 22
sendo mais personagem tipificado, ora sendo mais palhaço, ora sendo mais
brincante, e ora sendo o que ainda nem sequer foi nomeado.
A contribuição do cinema
Façamos então um desvio até o caso do cinema a fim de entrever como essa
arte nascida no crepúsculo do século XIX incorpora aos poucos a figura
cômica.
É interessante perceber o quanto a comicidade do cinema nascente, e
posteriormente a da televisão, se inspiraram nos antigos números de circo
para a partir deles gerar novas possibilidades de humor. Se acompanhamos a
migração da comicidade circense em direção às telas no início do século XX,
podemos observar como os cômicos das telas se viram obrigados a sintetizar e
compactar, por assim dizer, alguns dos elementos que os cômicos das lonas
ampliavam e dilatavam. O que era grande em exuberância no picadeiro
tornou-se grande em sutileza no cinema e na televisão.
Essa migração, entretanto, não se faz sem escalas. Para sair da cena circular
do picadeiro e atingir a tela plana do cinema, essa comicidade, muitas vezes,
atravessou os palcos frontais do Music Hall. Esse gênero teatral nascido no
hemisfério norte ocidental no final do século XIX foi berço e celeiro de muitos
futuros cômicos e cômicas da chamada sétima arte. Ali, artistas da lona
podiam – e deviam – adaptar suas habilidades circenses a uma nova
configuração espacial. Palcos menores, plateias mais próximas dos artistas,
Em seu livro The Silent Clowns, Walter Kerr diz, de modo semelhante, que nos
filmes mudos, ao reconhecermos um personagem grotesco, devemos ao
mesmo tempo reconhecê-lo como um ser humano. Nesse tipo de filmes, um
ser estranho deveria ser antes de tudo um ser humano estranho, cuja
estranheza não o impedisse de passear tranquilamente pelas ruas ou pegar
um táxi, por exemplo (KERR, 1975, p. 155).
De acordo com esses exemplos, percebemos como essa nova arte parece
dispensar a indumentária, a maquiagem e a gestualidade ampliada das figuras
cômicas do circo tradicional para, ao invés disso, deixar surgir figuras cômicas
menos espalhafatosas e, portanto, mais próximas da imagem do “cidadão
comum”. Sob essa perspectiva vemos surgir os cômicos burlescos dos
primeiros anos do cinema (Charlie Chaplin, Buster Keaton…). Se, além disso,
consideramos como o traço fundamental do palhaço, ou da palhaça, o fato de
ele “ser a piada”, enquanto os demais cômicos “mostram a piada”, veremos
como facilmente Chaplin e Keaton se inserem, na maior parte do tempo, na
família dos palhaços.
Mas há quem inclua também entre os influenciados por palhaços (e também
influenciadores de palhaços) aqueles que deliberadamente flertam com o
absurdo ou mergulham no lado obscuro – ou bufão – da vida (Monty Python,
no cinema, e Leo Bassi, no teatro, são alguns exemplos que abalam as divisas
entre uma categoria e outra). Como se vê, nesse caso, nosso leque volta a se
ampliar. E qualquer “pureza essencial” parece se desvanecer.
Mas talvez seja justamente tal ampliação que, já aqui, nos ajudará a entrever
que no cômico reside certa inapreensibilidade típica das artes que o libera de
ser categorizado segundo fronteiras imutáveis. Mais do que simplesmente
11
Carl Jung, no prefácio ao livro “Complexo, Arquétipo, Símbolo”, de Jolande Jacobi, resume: “No ser humano, os
instintos manifestam-se em imaginações fantasistas, atitudes e atos irrefletidos e involuntários. […] Eles têm um
aspecto dinâmico e outro formal. […] Para esse aspecto formal do instinto, escolhi […] a denominação de
“arquétipo” (JUNG, in JACOBI, 1957, p. 10).
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 26
inconsequente e desprovido de poder, o trickster seria, como lembra o
dramaturgo Luís Alberto de Abreu, detentor da “mesma energia que anima a
primeira infância de um ser humano” (ABREU, 2015, p.26). Esse arquétipo
seria como o leito original de uma multitude de outras representações que
passam, além das já citadas acima, pelo Bobo da Corte, pelo Coringa das
cartas de baralho, pelo Louco da carta do Tarô, pelas máscaras da Commedia
Dell'arte, por brincantes da tradição brasileira e por bufões das mais variadas
linhas. Essas e outras figuras, nem sempre fáceis a cernir e muitas vezes
embaralhadas por confusões semânticas, seriam derivações ou representações
de uma fonte original. Elas estão presentes em diferentes culturas, são figuras
de épocas distantes, de regiões longínquas, do Ocidente, do Oriente, do
extremo norte, do extremo sul, antigas ou contemporâneas, com funções
sociais e estatutos distintos, mas unidas sob o traço da criatividade da alegria,
da irreverência e regidas (se quisermos) por uma espécie de “não-norma” que
as alojaria todas sob um mesmo arquétipo.
Ainda sob uma perspectiva psicológica, vale lembrar que não são poucos os
estudos que comparam a figura arquetípica do palhaço e, no nosso caso
específico, a do palhaço e a da palhaça em hospital, com a figura de xamãs ou
outros curandeiros e curandeiras aptos à adivinhação, exorcismo e outras
propriedades mágico-religiosas.12 Suas atribuições seriam comparáveis em
diversos aspectos, tanto pela maneira como subvertem os símbolos de uma
determinada sociedade (um palhaço ou palhaça vestindo jaleco de médico, por
exemplo) como pela maneira como contribuem com o reforço dos laços dos
integrantes dessa mesma sociedade. Dessa maneira, haveria na atuação
dessas figuras uma função psicossocial e equilibradora que integra os
membros de uma determinada sociedade apesar da – ou melhor, a partir da –
“desordem”; uma função que não deixa de sugerir, em certo sentido, a
liberdade e também a cura.
O assunto é longo e, embora não caiba nos capítulos deste estudo, é inegável
que seu desdobramento pode apresentar novos olhares para o estudo sobre
12
Wellington Nogueira, ao citar William Willeford, defende que palhaços tem capacidades distintas: alguns são
especialistas em truques e piadas e “outros compartilham funções religiosas e mágicas junto a padres e homens de
medicina que têm a responsabilidade direta sobre o bem-estar da sociedade.” (2007, p. 28).
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 27
palhaços e palhaças. Ele certamente pode contribuir para o esfacelamento da
dicotomia entre as definições “clássicas” e “contemporâneas” acerca do
palhaço ao inseri-las, ambas, em um balaio de cômicos mais amplo e
recheado. Tal manobra acabaria por fornecer aos “antigos” e aos “novos”,
assim como a todos os demais cômicos, um estatuto de “legitimidade” que não
aniquila a “legitimidade” do outro. Ao resgatar um fundo comum capaz de
abrigar a comunidade de “fazedores de riso”, a noção de arquétipo, tal qual
trazida à tona por certos estudos, estabelece laços outrora improváveis entre
figuras tão variadas quanto, aparentemente, contraditórias.
13
1774 é o ano em que Philip Astley, a quem se atribui a invenção do circo moderno, leva seu espetáculo a Paris.
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 28
daquele ou daquela que pretende entendê-lo na carne e nos ossos, ou seja,
mergulhando em uma investigação cênica profunda e absolutamente sincera.
Caminho próprio
Como vimos, palhaçaria pode dizer respeito a muitas coisas. Estudiosos nem
sempre estarão de acordo com relação aos pormenores de suas propriedades
e de sua história. E uma abordagem não substitui necessariamente outra.
Porém, há um dado que deveria amparar quem pretende se lançar em uma
experiência prática como palhaça ou palhaço, seja para levar tal figura ao
palco do teatro, ao circo, à rua, ao hospital, a instituições ou a qualquer outro
lugar insuspeitável onde essa figura se permita adentrar. E esse dado poderia
ser abordado da seguinte maneira: se o conhecimento da diversidade histórica
e estilística daqueles e daquelas que nos precederam na arte da palhaçaria é
importante, o conhecimento das possibilidades de nosso próprio caminho
nessa arte, além de importante, é indispensável.
E essa experiência cênica merece acontecer como um mergulho, uma paixão.
E tal mergulho apaixonado será mais profundo quanto mais distante ele
estiver do mero acúmulo de opiniões, quanto mais distante ele estiver da
busca desenfreada pelo acerto ou por verdades aparentes. Uma distância
metodológica em relação a esses “perigos” talvez seja a chave para nos
aproximar de uma investigação sólida e vivida, investigação cujos frutos não
se desvelam necessariamente de imediato, mas uma investigação certamente
potente. É um caminho que se tateia generosa e humildemente, que se
descobre com um treinamento constante, ao longo do qual o germe do palhaço
poderá se insinuar dentro de nós, brotar, vir a fazer sentido e, com sua
singularidade, vir a fazer parte da diversidade geral das palhaças e palhaços
deste mundo.
Haverá várias vertentes, escolas, tradições e, é evidente, influências. Tal
diversidade, elevada a seu paroxismo, talvez implique aceitar que, para existir,
cada artista da palhaçaria terá que ser único e, por ser único, traçará, não
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 30
necessariamente um novo e inédito modelo, mas um franco e autêntico
percurso.
Vale lembrar que tal singularidade não se inventa, descobre-se. Não se
fabrica, constrói-se e desconstrói-se permanentemente ao longo de anos de
dedicação, trabalho, estudo e questionamento. Não há um caminho pronto,
balizado e seguro. O que existe - ou deveria existir -, entretanto, é a confiança
para encarar a insegurança do caminho. Não basta, portanto, treinar risadas,
imitar caretas, vestir calças do avesso ou reproduzir gags prontas. Philippe
Gaulier, nesse sentido, enfatiza que “a gag conta pouco; o público ri do
ridículo e da humanidade do palhaço”. (2012, p. 115). Como já evocamos mais
de uma vez, as formas não valerão nada se não forem preenchidas com um
conteúdo adequado, humano e, sobretudo, pessoal. Mas vale lembrar: tal
pessoalidade, além de não ser projetada de antemão, tampouco supõe um
isolamento das demais pessoalidades. Ao contrário, a palhaça ou o palhaço
único e pessoal não é um ser concluído e ensimesmado. Ele é um ser
relacional. Que se redescobre, vibra, se potencializa e se modifica no instante
do encontro com os outros.14
Nas pediatrias dos hospitais, como se verá adiante, as visitas leito a leito são
pautadas e conduzidas a partir da inter-ação entre o palhaço, a palhaça, e os
jovens pacientes. A atuação da palhaça, ou do palhaço, integra e considera os
outros (a criança e seus acompanhantes) enquanto sujeitos da atuação, ao
convocá-los a participarem de seu dispositivo artístico. Sua “obra”, se assim
quisermos chamá-la, está então em perpétua feitura e dependente dessa
relação. Ou, como diz Suely Rolnik a respeito do trabalho de Lígia Clark, a
obra, nesse caso, é “um acontecimento que toma corpo na relação entre seus
‘experimentadores’ e o mundo” (ROLNIK, 2011, p. 3).
14
Nicolas Bourriaud, em seu livro “Estética Relacional”, discorre sobre essa forma de arte “cujo substrato é dado pela
intersubjetividade e tem como tema central o estar-juntos, o ‘encontro’ […] , a elaboração coletiva do sentido.”
(BOURRIAUD, 2009, p. 21)
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 31
Relação e encontro
Eis aí duas noções que permearão este estudo, relação e encontro, sobretudo
quando adentrarmos nas questões do hospital propriamente dito. A fim de
evitar interpretações por demais discrepantes, vale ressaltar já de início algo
que nos parece palpável, mas que talvez não esteja totalmente isento de mal
entendidos. De um tal processo relacional não se espera, obviamente, que
pacientes hospitalizados tenham em mãos um leque de habilidades
palhacescas, ou um domínio dramatúrgico equivalente ao de palhaços ou
palhaças. Crianças ou adultos enfermos serão co-criadores de jogo na medida
em que são ouvidos e considerados. Não é um problema palhaços e palhaças
conduzirem a situação. Não é um entrave palhaços e palhaças terem posturas
estéticas, éticas e políticas bem estabelecidas. O problema existirá quando tal
condução e tais posturas não considerarem os desvios, as pausas e qualquer
outro estímulo que seus interlocutores realizarem durante a intervenção. Ter
uma postura e conduzir, nesse caso, não significaria controlar. E a interação
será plena, não por haver um equilíbrio entre a quantidade de ações das duas
partes (artista e paciente), mas por haver equilíbrio entre a qualidade de
escuta dessas partes.
O inadvertido Chaplin
Quem é? ou quando é?
Por isso, não é raro constatarmos que questões do tipo “quem é meu palhaço
realmente?” mais freiam do que aceleram a existência e a atividade desse ser.
Como diz Clément Rosset,
Com a arte da palhaçaria talvez não seja diferente. Seu exercício implicaria
uma certa inconsciência de si. Essa inconsciência, da qual trataremos mais
O jogo
15
Morgana Masetti, através da noção da Ética do Encontro, é uma pesquisadora que também tem abordado as
qualidades dessas relações com afinco e reiteradamente. (http://www.eticadoencontro.com/category/seminarios-e-
oficinas/).
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 36
Vale lembrar que viver uma situação de improvisação é se situar longe de
padrões estéticos a serem copiados. Mais do que isso, improvisar é se colocar
disponível a uma descoberta pessoal de atuação que ilumine o caminho a ser
tateado na evolução da própria improvisação.
A improvisação
16
Se os recursos do “teatro improvisado” se baseiam sobretudo nos fundamentos da “Impro”, erigidos por Keith
Johnstone, entre outros, em seu livro “Impro – Improvisation and the Theatre” (2008), vale dizer que os princípios
de Johnstone, ao contrário de se reduzirem exclusivamente a um conjunto de regras aplicáveis a “matches de
improvisação” e formas teatrais deles derivadas, alçam voos pedagógicos, estéticos e filosóficos muito amplos e
benéficos a diferentes modalidades teatrais.
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 38
escuta pode surgir. E é a partir desse estado que a imaginação (e não as ideias
pré estabelecidas) pode se fortalecer e, por sua vez, nutrir a improvisação e
por ela ser nutrida. Se os jogadores envolvidos nessa situação possuem
prontidão para encarar os desdobramentos inesperados, e não programados
de antemão, eles se tornam cúmplices um do outro, prontos para escutar um
ao outro e, dessa maneira, fazer o jogo avançar em detalhes e primor.
Philippe Gaulier acrescenta, ou sobrepõe, a esses requisitos a noção de
prazer. Se essa noção está presente em todas as categorias cênicas, no
palhaço ela se faz evidente: “o público admira o prazer, a tática, a fantasia que
o palhaço tem para nos fazer acreditar em algo” (2012, p. 137). Se Lecoq tem
na noção de movimento o eixo em torno do qual gira sua pedagogia, para
Gaulier, a palavra mestra, a obsessão presente em todos seus cursos, é o
prazer, o prazer que qualquer estudante deve ter quando entrar em cena
durante sua formação, e jamais deixar tê-lo (ou buscá-lo) uma vez formado.
E, o que vale a pena ser lembrado: esses requisitos, essenciais a qualquer
indivíduo que se coloca em cena no teatro, circo, rua, hospital, podem – e
merecem – ser constantemente treinados a partir de exercícios em salas de
trabalho, ensaios, cursos ou escolas.
Os cursos
Os cursos e escolas que hoje em dia proliferaram nas grandes cidades são dos
mais diversos modelos.
Há desde as formações profissionalizantes de palhaços que duram dois ou
mais anos, com carga horária intensa de 4h/dia, 5 dias por semana, até os
cursos e oficinas de um fim de semana, ou até mesmo as vivências de uma
única tarde.
Em geral, cada formação acaba por tocar com mais ou menos profundidade
em princípios básicos, dificilmente contornáveis, tais como: a improvisação, o
jogo, a percepção de um estado de palhaço que nasce no momento em que a
pessoa que o “atua” passa a ter consciência de seu ridículo pessoal; a
utilização do nariz vermelho como instrumento de auxílio na revelação desse
É por isso que um gesto livre, para uma história viva, acontece
potencialmente em ambientes educacionais onde marcos (ou trilhos) mais
flutuam do que ancoram. Um gesto livre acontece prioritariamente num
presente pulsante onde formadores e aprendizes abdicam do gesto vão e
oficial para se lançarem – cada um no seu papel, cada um revendo em
permanência o seu papel – num mundo desconhecido de tentativas onde cada
conquista atingirá, no melhor dos casos, o estatuto de eternidade provisória.
Para que isso aconteça em uma formação de palhaços é preciso viver
plenamente os paradoxos da aprendizagem e, com inebriante convicção,
acreditar que é possível abolir a fôrma do formar.
Autonomia e limites
Lendo o ambiente
Qualquer artista deve conhecer seu ambiente de trabalho, seja esse ambiente
o circo, o teatro, a rua... E quando deslocado para um ambiente desconhecido,
como o hospital, por exemplo, sua primeira atitude deveria ser a de se
familiarizar com esse novo local. No ambiente hospitalar, para que um terreno
de experiência comum entre artistas e pacientes possa surgir, essa
Aprendendo in loco
Nesse novo meio, que é o hospital, artistas terão como aprender a absorver
parte do vocabulário médico ali empregado. Esses termos, muitas vezes de
uso corrente entre profissionais da área da saúde, indicam elementos
primordiais para a segurança de pacientes e equipe hospitalar (da qual o
palhaço e a palhaça que atuam em hospitais não deixam de fazer parte).
Portanto, apreender o significado de termos tais como “isolamento de
contato”, “isolamento respiratório”, “paciente em abstinência”, “parentes poli-
queixosos”, entre muitos outros, passa a ser fundamental para quem intervém
nesse meio. Manter a confidencialidade em relação aos casos que atende é
outro dos princípios que o hospital impõe a palhaças e palhaços que ali
evoluem. E, evidentemente, é indispensável verificar as atualizações impostas
pelas regras do hospital em que se atua, lembrando que os princípios e
regulamentos variam de setor para setor, de região para região, de país para
país. A pandemia do coronavírus nos mostrou como esses princípios e
regulamentos foram rapidamente alterados, e se tornaram mais restritivos,
diante das ameças sanitárias impostas a quem trabalha ou é paciente em
hospitais.
Flexibilidade e atualização
Branco E augusto
A especificidade psiquiátrica
Fantásticos Frenéticos
Primeira sala
Segunda sala
Ação ou não-ação?
Gesto ou verbo?
Amor ou labor?
Um caso
Palhaçocentrismo
Outras problemáticas
Paródia
Jaleco
Ficaria então a pergunta: “se hoje não há mais espaço para a paródia, por que
manter o uso do jaleco branco nas intervenções palhacescas?”
Ora, se por um lado nos parece claro que o palhaço ou palhaça que adentrar o
hospital trajando um jaleco branco estará realizando a imitação do médico,
por outro lado também nos parece claro que a imitação produzida pelo
palhaço não deveria assentar-se estritamente na zombaria e no sarcasmo.
Jacques Lecoq, que separa os personagens cômicos em diferentes territórios
dramáticos, atribui as características do sarcasmo e da zombaria não ao
Além disso, vale dizer que o uso do jaleco varia de organização para
organização.
Há aquelas onde seus doutores-palhaços e doutoras-palhaças são livres para
customizar seus jalecos, fazendo deles uma verdadeira peça de figurino.
E há aquelas onde o jaleco é uma peça que, além de identificar artistas como
doutores ou doutoras, serve também para estampar os logotipos dos
apoiadores e financiadores da organização. Nesse caso, o jaleco geralmente
recebe o interdito de customização, retoques ou qualquer outro ajuste que fira
o padrão estabelecido pela organização e seus acordos com as marcas
financiadoras. Nesse último caso, sob o aspecto visual, o palhaço e a palhaça
dessas organizações não deixam de ser, em parte, padronizados. E é sob esse
padrão imposto pelos valores do mundo corporativo que artistas acabam
sendo portadores de publicidades ambulantes junto a pessoas enfermas,
algumas delas recém-nascidas, outras com alto grau de sofrimento, outras em
fim de vida.
Cara limpa
Cara limpa, dentro dos Doutores da Alegria, por exemplo, é uma expressão
utilizada, originalmente como jargão para nomear a visita que palhaços dessa
organização efetuam nos hospitais quando estão à paisana, sem maquiagem.
Nos Doutores da Alegria, originalmente essa visita era realizada no início de
cada ano quando uma nova dupla “assumia” um novo hospital e se
apresentava formalmente a todos os setores por onde atuaria. É preciso
entender que há alguns anos as duplas de palhaços e palhaças dos Doutores
da Alegria permanecem em um hospital durante um ano inteiro.
Em 2016, o hospital do M’boi Mirim, no extremo sul do município de São
Paulo, era o mais novo hospital aberto dentro do programa dos Doutores da
Alegria. Diferentemente do processo de abertura dos antigos hospitais
A visita de cara limpa é o momento em que artistas visitam cada uma das alas
às quais voltarão posteriormente como palhaços ou palhaças. É o momento
onde reservam um espaço de tempo diário para prosear com a equipe médica
e de enfermagem.
Mas então qual é o método para abordarmos tal prosa?
Apesar de tal abordagem evoluir e oferecer novos parâmetros a cada visita,
podemos traçar alguns princípios balizadores.
Vejamos:
Mesmo se existe um roteiro de fundo (uma espécie de passagem de plantão de
médicos/enfermeiros para artistas), não é a realização desse roteiro que
define a qualidade da prosa. Em geral, os desvios de roteiro contribuem tanto
quanto o próprio roteiro para a boa visita de cara limpa. Saber de um quadro
pós-operatório de apendicite de um jovem paciente tem sido tão relevante
quanto saber que haverá uma troca de residentes ou uma troca de função
entre coordenadores de área. Saber que o setor está passando por uma
auditoria externa, ou que uma das mães entrou em contato com um canal de
televisão para reclamar de algum suposto mal atendimento a seu filho, ou que
o mesmo canal de televisão divulgou os excelentes resultados obtidos pelo
hospital, não deixam de ser informações valiosas para palhaças e palhaços.
Assim como são significativas as informações sobre uma médica que faz
trabalho voluntário durante suas férias, ou sobre outro médico que atribui à
sua espiritualidade uma parcela de seu bom rendimento profissional, ou sobre
outro ainda que se abala, humano que é, com a desestrutura socioeconômica
arrasadora de seus pacientes.
Todas essas informações têm permitido analisar o ambiente, sentir com
contundência indubitável a atmosfera do setor e o estado de espírito das
pessoas daquele ambiente naquele dia. Além disso, os artistas e as artistas,
por seu lado, além de receberem tais conteúdos, também partilham uma
variedade de sentimentos que, por sua vez, podem impactar de alguma
maneira aquele recinto. A visita, tal qual tem sido efetuada, aproxima-se então
mais da troca de percepções do que da mera transmissão e recepção de
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 76
dados analíticos e informativos. Dessa maneira, a passagem de plantão não
tem sido o objetivo final dessas visitas, tem sido apenas seu ponto de partida.
A título de exemplo, poderíamos listar (sem encerrar a lista) que essa visita
tem sugerido as seguintes reflexões:
Ela integra e aprofunda a relação entre artistas e profissionais da saúde.
Ela avizinha as distâncias profissionais entre artistas e profissionais da saúde,
respeitando a especificidade de cada disciplina.
Ela aproxima a organização de palhaços em hospital da instituição hospitalar.
Ela protege os pacientes.
Ela enriquece a atuação artística.
Ela pode ser simultaneamente séria e divertida.
Ela está em constante reelaboração.
Ela aquece palhaços e palhaças, sem se limitar a ser um mero aquecimento.
Como se vê, a heterogeneidade listada acima não torna a visita de cara limpa
menos necessária e menos precisa. A dificuldade de enquadrar tal prosa em
um plano cuja eficácia seja mensurável em resultados numéricos também não
nos aflige.
Se cabe a um artista interventor realizar a leitura do ambiente em que
intervirá, sabemos, pela experiência vivida, que a visita de cara limpa tem
potencializado tal leitura.
Mais adiante, no próprio “Abecedário”, uma nuance diz que a visita tem que
ser “preferencialmente à paisana” ou, quando isso não é possível, deve ser
feita “sem o nariz” (2003, p. a4).
Façamos aqui um parêntese – um desvio, melhor dizendo – cujo
desenvolvimento poderá nos servir quando tratarmos da noção de ficção mais
adiante.
Vestir ou desvestir o nariz vermelho são as duas facetas de um mesmo código
cênico, difundido em certa área do mundo palhacesco.
Desvestir o nariz vermelho representa, nesse caso, a suspensão do estado de
palhaço. Tal suspensão possibilitará a realização de uma conversa séria entre
profissionais de saúde e profissionais artistas, apesar de esses últimos
continuarem a portar seus figurinos e maquiagens.
Como é de se supor, a realização completa desse código parece estar
condicionada à utilização de um nariz vermelho, um objeto que possa ser
posto e retirado facilmente do rosto de quem atua. É, portanto, um código
inutilizável para artistas que apenas maquiam a pele de seus próprios narizes
de vermelho (ou outra cor) em vez de portarem um nariz artificial.
Esse detalhe inócuo não deixa, contudo, de revelar muito sobre a conduta
conceitual de artistas e das organizações para as quais trabalham.
Um palhaço ou palhaça que apenas maquia seu próprio nariz com maquiagem
avermelhada, sem portanto portar um nariz de plástico ou borracha em seu
rosto, terá que lançar mão de outros recursos para informar a equipe
hospitalar que, em determinado momento, estará agindo “seriamente como
pessoa” e em outro estará agindo dentro de seu estado de palhaço. Esse
palhaço ou palhaça, em princípio, não precisará explicitar verbalmente em
que estado está agindo. Basta operar com maior ou menor grau de
relaxamento do corpo e voz para que a informação sobre seu estado (de jogo,
ou não jogo) seja assimilada por seus interlocutores. De um modo geral,
quanto menor o tônus físico, mais próximo se está do estado “normal”
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 78
cotidiano da pessoa. Em muitas situações, o teor do assunto tratado na
conversa, aliado ao relaxamento cotidiano, auxilia na identificação do estado,
tanto quanto o tom adotado.
Ora, então, se o recurso do “maior/menor tônus” for aplicado com eficácia,
poderíamos concluir que não há mais a necessidade do código
“vestir/desvestir” o nariz para informar qualquer espectador sobre o estado
em que palhaças e palhaços se encontram em determinado momento.
Nos Doutores da Alegria, por exemplo, boa parte de seus artistas passam de
um “estado cotidiano” para um “estado palhacesco” somente através de
mudanças corpóreo-vocais, independentemente de portarem ou não um nariz
de borracha, removível, em seus rostos. O código do “vestir/desvestir” o nariz,
nessa organização, se não foi abandonado, foi consideravelmente
dessacralizado, sem que com isso houvesse prejuízo da compreensão dos
diferentes estados exercidos por palhaças e palhaços atuantes nos hospitais.
Cultura e Saúde
Função da palhaçaria
Não se trata aqui de discorrer sobre o sem número de respostas que poderia
receber a pergunta “para que serve a arte?” ou a sua correlata “o que é
arte?”. Para os fins deste estudo, evocaremos simplesmente a possibilidade de
que arte e medicina, a despeito de suas atuais especificidades, possuem
aspectos convergentes quando se trata de “cuidar de questões da existência
humana”. O fato de a arte lidar, entre outros, com símbolos, metáforas,
representações imateriais ou impalpáveis, distantes da utilidade visível,
palpável e concreta de outras atividades, não lhe retiraria certa
“funcionalidade”. Sua “inutilidade” conceitual pode continuar sagrada. Ela
pode até não ser lucrativa, mas sem dúvida é benéfica.
Ter uma função não significa encaixar ou encaixilhar a arte – ou no nosso caso
específico, a arte do palhaçaria em hospital – em nenhuma trilha ou moldura
pré-definidas. Não significa submeter-se a padrões conhecidos de comicidade.
Não significa domesticar-se face a uma suposta entidade superior
representada por médicos ou médicas. Ter uma função social exige da arte do
palhaço uma permanente e elevada atenção ao que muda na sociedade,
inclusive para, em alguns aspectos, reorientar, rever – e até resistir a – tal
mudança. Tais gestos, lembramos, visariam em última instância o reequilíbrio
vital desta mesma sociedade.
Se aceitarmos que o riso tem certa função regeneradora de vida, a presença
de artistas no ambiente hospitalar parece evidente. A capacidade que a risada
– e também a poesia – através das quais palhaças e palhaços tem a
possibilidade de suspender, nem que seja por alguns segundos, o irremediável,
parece ser um dos aspectos que confere legitimidade à evolução de artistas
nesse meio sensível. “Face ao insuportável, ainda há a possibilidade do riso”
(DUFOURMANTELLE. 2011 p. 117). Porque o riso gera a possibilidade de um
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 84
desvio, de um parêntese, de uma liberdade, mesmo que fugaz, diante de males
que nos ameaçam. Ou, se quisermos, ele representa nosso desejo de existir, e
de algum modo de resistir à nossa implacável finitude.
Por isso, enquanto houver rigidez, doença e miséria sociais e psicológicas,
tudo indica que serão necessários os gestos propostos pela arte e pela
medicina. Ao menos tem sido assim desde a aurora dos tempos. E em alguns
hospitais dos dias de hoje, com algumas organizações de palhaços e palhaças
dos dias de hoje, tais gestos, aos poucos, parecem recomeçar a convergir, ou
ao menos parecem ser pensados conjuntamente.
Se aceitarmos que as duas dimensões do riso, tal qual expostas acima, estão
realmente presentes em nossa sociedade, caberia a cada organização de
palhaço em hospital questionar-se permanentemente sobre qual desses dois
aspectos tem repousado suas intervenções. Sabemos entretanto que nem
sempre tal distinção se apresenta com nitidez, que nem sempre a organização,
por mais cautelosa que seja, tem o controle da leitura que a sociedade faz de
seu trabalho. Daí a necessidade, por parte das organizações, da realização e
difusão periódica de pesquisas com apurado senso crítico a fim de
questionarem sempre se seus palhaços e palhaças têm – e mantêm – como
função primordial a potencialização dos sujeitos com os quais interage, ou se,
ao contrário, sucumbem à “cultura do divertimento a qualquer custo” que,
dissimulada de alegria, apenas fragmenta e dissolve as capacidades de
afirmação que o sujeito, mesmo hospitalizado, ainda tem.
Bebês
Quer dizer que, em muitos casos, bebês gostam de “bater papo”. Parecem
preferir que falemos com eles. E essa fala merece ser trabalhada. Com o
tempo, percebe-se que os estímulos e respostas variam enormemente em
23
Parte do conteúdo expresso neste tópico, provém da assimilação de oficina, conversas reiteradas e apostilas que
Marianne Clarac realizou no HCIM (Healthcare Clowning International Meeting) em Lisboa, Portugal, em 2016.
Outra parte vem de minha própria experiência – e corroboradoras – do que Marianne Clarac assinala.
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 88
função da idade dos bebês. Mas, de modo geral, a presença sincera é o
primeiro passo para que o contato se entrelace.
Uma vez estabelecido o contato com a criança, e uma vez afirmada nossa
situação de “espelho-esponja” que escuta os sinais do bebê em função de sua
idade e estado de saúde, podemos passar a experimentar a criação de sons
vocais que o interpele. Em função de suas respostas, a prosódia desse som vai
se construindo em torno de palavras com poucas sílabas, emitidas pausada e
repetidamente. Inflexões e tonalidades tomam vida. Palavras de nossa própria
língua tendem a se “musicalizar” durante esse processo. Às vezes se misturam
com sons emitidos pelos bebês e passam a criar uma língua própria,
constituída aos poucos pelos sinais sonoros e visuais que deles recebemos.
A experiência tem mostrado que não se trata de chegar com uma língua
pronta (seja a nossa ou seja uma língua inventada). Mesmo sabendo que tal
recurso tem propriedades impactantes, a comunicação genuína que sugerimos
aqui acontece quando ouvimos a “língua” e demais reações que a criança
envia. É uma comunicação em seu sentido mais nobre. Um diálogo que
considera e depende da escuta atenta do outro, pouco importando sua idade.
Para que isso aconteça, vale lembrar que
Fronteira palhaço-pessoa
Aqui surge uma problemática que nos interessa e que, não raro, é fonte de
muitos mal entendidos. Trata-se dessa fronteira entre a figura palhacesca e a
própria pessoa.
E o trabalho junto aos bebês pode nos auxiliar a elucidar tal ponto.
Ficção
Ficção é um termo do qual lançamos mão algumas vezes até aqui sem,
todavia, aprofundá-lo. É um termo delicado, com acepções distintas, e com
uma amplitude que não caberia no espaço deste estudo. Entretanto,
percorreremos alguns de seus aspectos a fim de entrever possibilidades de
sua utilização no âmbito de nosso ofício.
Beatriz Sayad, em seu trabalho “Dia a dia com os palhaços dos Doutores da
Alegria” afirma que
Fictício
Isso quer dizer que, enquanto o fictício difere da realidade corrente (por
exemplo, um palhaço que é um “médico de mentira”), a ficção não supõe mais
uma separação explícita com a realidade, ou se preferirmos, com o mundo
histórico. A ficção integraria – e partilharia – em seu regime de sentido certos
25
Marcel Duchamp, artista plástico francês (1887 - 1968).
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 93
fatos e atos “cotidianos” do que chamamos de “realidade” (por exemplo, uma
palhaça de mão dadas com uma senhora que chora copiosamente).
Se esse argumento for crível, torna-se possível aceitar o fato de que, dentro do
contexto hospitalar, a figura palhacesca é capaz de provocar e acolher
encontros de diferentes sortes: tanto aqueles fincados na realidade crua e
dolorosa de uma senhora que chora, quanto aqueles que convocam o
imaginário de uma criança a jogar um jogo fictício. E ambos estariam
circunscritos na noção de ficção.
Jacques Rancière é mais um autor que, ao lançar luz sobre uma nova maneira
de se conceber a ficção, alimenta nosso debate.
Melancia?
Vejamos um outro caso que talvez ilumine a reflexão. É o caso de uma palhaça
dos Doutores da Alegria que, grávida, recebeu durante sua intervenção um
delicado abraço no ventre dado pela mãe de um paciente. Ela poderia, entre
infinitas possibilidades, tanto dizer que não se tratava de uma gravidez, mas
de uma melancia entalada (fato fictício), ou que daquele ventre iria nascer
uma menina cujo nome é Maria (fato real). Deixar-se tocar na barriga grávida
– e assumir que se está realmente grávida – não é, para nós, um ato passivo da
palhaça e nem um mero render-se à cotidianidade mais banal da situação. Ao
contrário, tal opção deve ser uma ação consciente de uma artista preparada
que acredita (ou ao menos intui) que tal situação, ao invés de suprimir-lhe o
estado de palhaço, revela-lhe uma palhaça mais ampla e potente, capaz de
viver sutilezas, nuances inéditas, e cujas emoções podem ser transpostas com
apuro e técnica a outras situações futuras.
Como se vê, a potência da intervenção de uma palhaça ou palhaço não estará
determinada pela escolha da reação fictícia (embora essa fosse também uma
possibilidade de reação). No exemplo dado, reagir dizendo que uma barriga
redonda é uma melancia, ou reagir com qualquer outra resposta que fuja do
signo real da gravidez, não garantiria, por si só, o vigor da intervenção.
A possibilidade de reação apoiada no “fato real”, se também não é garantia de
potência, alerta ao menos para o fato de que, de um ponto de vista artístico,
as intervenções palhacescas são fenômenos vivos e, por isso, não-
determinados segundo preceitos artísticos rigidamente fixos. É somente no
aqui e agora do encontro que será possível, à palhaça ou ao palhaço,
aventurar-se por uma das pistas – ou por ambas as pistas de reação.
O caráter relacional de nossa atuação, distinta de uma apresentação
estruturada para picadeiro ou palco, talvez contribua para a especificidade
Performance
O trecho acima foi escrito pelo performer Guillermo Gómez-Peña. Mesmo não
correspondendo ipsis litteris às características que abordamos até agora,
mesmo não tendo sido extraído de um texto sobre palhaços, ele não deixa de
lançar faíscas de pesquisa e aberturas a novas contribuições estéticas à arte
do palhaço e da palhaça que atuam no contexto da saúde. Um ser cronista,
não eternamente narrativo, aberto à ambivalência dos risos, talvez trouxesse
contribuições mescláveis ao que o circo, os brincantes, o cinema, o teatro e as
escolas já forneceram ao nosso ofício. Eis aí um fluxo suscetível de ser
abordado em um estudo futuro.
De desvios, saltos e lacunas é feito este livro. Como se viu, ele não visa
fornecer nenhum panorama homogêneo do que seria a arte da palhaçaria em
hospital. Ao contrário, ele se contenta com a exploração irregular e esparsa de
pequenos territórios de atuação. Uma investigação que puxa, empurra,
arrasta a reflexão de um território para outro, e vice-versa. Esse vai e vem
descontínuo às vezes é pautado por afinidades conceituais, outras vezes é
guiado por recônditos afetos. Poderíamos chamar tudo isso simplesmente de
pensamentos. Pensamentos extraídos de um aqui e agora pessoal;
considerações avulsas que ora se entrelaçam, ora caminham sós e
desprotegidas.
Foi com esse espírito que convocamos a contribuição de diferentes aspectos
da palhaçaria a fim de problematizar a figura do palhaço e da palhaça quando
decidem atuar no ambiente da saúde. Tentamos não negligenciar certos
aspectos do circo, do teatro, das folias, do cinema, dos arquétipos, do ensino e
da performance durante esta travessia. Talvez agora, sob o pretexto de
finalização, possamos nos arriscar a entrever que contribuição o hospital
esboçaria a essa linguagem.
A contribuição do hospital
Ridículo em relação
a
Vera Abbud
ea
Anderson Machado, David Taiyu, Duíco Vasconcelos, Fernando Paz, Florencia
Ferrari, Giulia Cooper, Heraldo Firmino, José Afonso da Silva, Juliana Gontijo,
Layla Ruiz, Lenita Muñoz, Lourdes Atié, Luciana Viacava, Nando Bolognesi,
Ronaldo Aguiar, Soraya Saide, Thais Ferrara, Val Pires, Virgílio Afonso da
Silva.
ACHCAR, Ana
2007. Palhaço de Hospital: Proposta metodológica de formação. Tese de
Doutorado. Rio de Janeiro. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
ADAMS, Patch
2002. A Terapia do Amor. Rio de Janeiro. Mondrian.
BERGSON, Henri
[1940] 2002. Le Rire. Paris. Presses Universitaires de France.
BOGART, Anne
2011. A preparação do ator, trad. Anna Viana. São Paulo. WMF Martins
Fontes.
BOURRIAUD, Nicolas
Palhaçaria em Hospitais - Nereu Afonso da Silva 103
2009. Estética Relacional, trad. Denise Bottmann. São Paulo. Martins.
2011. Radicante, trad. Dorothée de Bruchard. São Paulo. Martins.
CLARAC, Marianne
2016. Les clowns et les bébés: aider la rencontre. Paris. Dossier de l’auteur.
CUSSET, Yves
2011. “Pour un rire philosophe”, in BIRNBAUM, Jean (dir), Pourquoi rire?.
Paris. Gallimard.
DELEUZE, Gilles
[1990] 2003. Pourparlers. Paris. Les Éditions de Minuit.
DUFOURMANTELLE, Anne
2011. “Le rire, le rêve – hors de l’impasse”, in BIRNBAUM, Jean (dir),
Pourquoi rire?. Paris. Gallimard.
ELIOT, T.S.
1989. Ensaios, trad. Ivan Junqueira. São Paulo. Art Editora.
ÉTAIX, Pierre
1982. “Les clowns et le cinéma.”, in FABBRI Jacques & SALLÉE André (orgs.).
Clowns et Farceurs. Paris. Bordas.
FÉRAL, Josette
2015. Além dos Limites, trad. J. Guinsburg. São Paulo. Perspectiva.
FERRACINI, Renato
2003. A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator. Campinas.
Editora Unicamp.
FO, Dario.
1982. “Qu’est-ce qu’un clown?”, in FABBRI Jacques. e SALLÉE André (orgs.).
Clowns et Farceurs. Paris. Bordas.
GAULIER, Philippe
2012. Mes pensées sur le théâtre. Paris. Éditions Filmiko.
GÓMEZ-PEÑA, Guillermo
2013. “Em defesa da arte da performance”, in DAWSEY John C., MÜLLER
Regina P., HIKIJI Rose Satiko G., MONTEIRO Marianna F. M. Monteiro (orgs.)
Antropologia e Performance – Ensaios Napedra. São Paulo. Terceiro Nome.
HUIZINGA, Johan
2012. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura, trad. João Paulo
Monteiro. São Paulo. Perspectiva.
JACOBI, Jolande
1957. Complexo, Arquétipo, Símbolo na Psicologia de C. G. Jung, trad. Margit
Martincic. São Paulo. Cultrix.
JOHNSTONE, Keith
[1990] 2008. Impro – Improvisacion y el Teatro trad. Elena Olivos e Francisco
Hineeus. Santiago – Chile. Cuatro Ventos Editorial.
JUNG, C. G.
1957. “Prefácio”, in JACOBI, Jolande. Complexo, Arquétipo, Símbolo na
Psicologia de C. G. Jung, trad. Margit Martincic. São Paulo. Cultrix.
KERR, Walter
1975. The Silent Clowns. New York. Da Capo Press.
LARROSA, Jorge
2014. Tremores – Escritos sobre a experiência, trad. Cristina Antunes, João
Wanderley Geraldi. Belo Horizonte. Autêntica.
LECOQ, Jacques
2010. O Corpo Poético – Uma pedagogia da criação teatral, trad. Marcelo
Gomes. São Paulo. Editora SenacSP/SescSP.
MASETTI, Morgana
1997. Soluções de Palhaços – Transformações na Realidade Hospitalar. São
Paulo. Palas Athena.
2000. Boas Misturas – A Ética da alegria no contexto hospitalar. São Paulo.
Palas Athena.
Website Ética do Encontro, www.eticadoencontro.com
MNOUCHKINE, Ariane
2011. A arte do presente – entrevistas com Fabienne Pascaud, trad. Gregório
Duvivier. Rio de Janeiro. Cobogó.
PAVIS, Patrice
2015. Dicionário de Teatro, trad. (dir.) de GUINBURG, J. e PEREIRA M. L.. São
Paulo. Perspectiva.
RANCIÈRE, Jacques
[2005] 2015. A partilha do sensível – Estética e política, trad. Mônica Costa
Netto. São Paulo. Editora 34.
ROLNIK, Suely
ROSSET, Clément
1999. Loin de Moi. Paris. Les Éditions de Minuit.
RYNGAERT, Jean-Pierre
2009. Jogar, representar, trad. Cássia Raquel da Silveira. São Paulo. Cosac
Naify.
SALLÉE, André
1982. “L’âge d’or du clown.”, in FABBRI Jacques & SALLÉE André (orgs.).
Clowns et Farceurs. Paris. Bordas.
SAYAD, Beatriz
2008. Dia a dia com os palhaços dos Doutores da Alegria, in LOPES Edson. e
SAYAD Beatriz. (orgs). Boca Larga nº4. São Paulo. Doutores da Alegria.
SILVA, Ermínia
2006. “O circo sempre esteve na moda”, in FURTADO Beatriz. e LINS Daniel.
(orgs.). Fazendo Rizoma. São Paulo. Hedra.
STOKLOS, Denise
2011. Preferiria não? (programa da peça). São Paulo. Sesc.
TAVARES, Gonçalo M.
2013. Atlas do Corpo e da Imaginação. Alfragide – Portugal. Caminho.
THEBAS, Claudio.
2005. O Livro do Palhaço. São Paulo. Cia das Letrinhas.
WILLEFORD, William
2007. “Palhaços e Bobos”, in NOGUEIRA Wellington. Doutores da Alegria o
lado invisível da vida. São Paulo. Doutores da Alegria.
ZOURABICHVILI, François
2016. Deleuze: Uma Filosofia do Acontecimento, trad. Luiz B. L. Orlandi. São
Paulo. Editora 34.