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AULA 05

09.10.2020

ESCORÇO HISTÓRICO
Guerrilha do Araguaia
Fontes:
http://memoriasdaditadura.org.br/justica-de-transicao-no-brasil/
https://www.youtube.com/watch?v=9eFpuemaT7U (Reportagem:
Araguaya: a conspiração do silêncio. Direção Ronaldo Duque -2004)
https://www.youtube.com/watch?v=4q8hoZTrc30 (Documentário:
Camponeses do Araguaia – a guerrilha vista por dentro. Direção e
Criação de Vandré Fernandes – 2010).
https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-foi-guerrilha-
araguaia.htm

Cenário Internacional
Guerra Fria entre URSS e EUA.
Revolução Cubana (1959) e Revolução Chinesa (1927-37 e 1946-49)
Com apoio dos EUA, eclodem os Regimes Militares na América Latina,
chamado de Anos de Chumbo, nos quais se buscou reprimir as
organizações compatíveis com a ideologia comunista ou socialista: Brasil
(1964), Bolívia (1964), Uruguai (1974), Chile (1973) e Argentina (1976).

Cenário Nacional
Construção transamazônica (1969-74)
Golpe de Estado em 31 de Março de 1964, com tomada do poder pelos
Militares
Em 1950 o PCB sofre divisão interna em razão da decisão de cúpula em
abandonar a ideologia marxista-leninista, numa tentativa de sair da
clandestinidade a que fora relegado pelas instituições jurídico-políticas da
época desde 1947. Os dissidentes criam o PCdoB, que influenciados pela
ideologia maoísta (Mao Tse Tug), pretendiam instalar uma revolução
popular prolongada partindo da região norte e rural para o resto do país.
1967-1974 duração do conflito - Governo Médice (AI 5 – Dez/68)

Localização Geográfica
Região do Bico do Papagaio, fronteira entre Pará, Maranhão e Tocatins (na época
Goiás), cortada pelo Rio Araguaia.
Conflito armado entre guerrilheiros comunistas e as Forças Armadas Brasileiras. Ao
todo combateram entre si 90 guerrilheiros, entre camponeses, estudantes,
operários e dissidentes da ALN, VPR, PCdoB e PCB - Comunistas (chamados de
Terroristas pelo Estado) e cerca de 6.000 militares. Sobreviveram menos de 20
guerrilheiros.

Ofensivas Militares
Primeira Operação Papagaio
750 militares integrantes em ofensiva militar para contenção do avanço
organização

Segunda Operação Sucuri


2.500 das três forças (militar, aeronáutica e marinha)
Voltada para estratégias de inteligência, com infiltração de agentes militares como
civis nas aldeias. Oferecidas recompensas aos civis pela delação dos guerrilheiros.

Terceira Operação Marajoára


Criação de Estradas operacionais (OP) pelo exército, com deslocamento de famílias
que muitas vezes apoiavam os guerrilheiros. Prisão de civis, torturas,

Operação Limpeza
Apagamento dos fatos ocorridos pela FAB, com sumiço dos corpos, evitar
investigações futuras e punições. Os corpos cortados e compactados eram levados
para Serra da Andorinhas, onde eram queimados em pneus.

Entre 80 e 2006 foram realizadas cerca de 13 expedições à região do Rio Araguaia


na tentativa de encontrar vestígios mortais das vítimas.

Em 4 de Dezembro de 1995 foi promulgada a Lei 9.140/95 através da qual o Estado


Brasileiro reconheceu a responsabilidade pelo “assassinato de opositores políticos”
no período de 02.09.1961 a 15.08.1979. Automaticamente, esta lei reconheceu
136 mortes, dentre as quais 60 são supostas vítimas desaparecidas do presente
caso junto com Maria Lúcia Petit da Silva.

A mesma lei criou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e


possibilidade de indenizações pecuniárias para os familiares das vítimas.

A partir de 2006 foi criado um Banco de DNA dos desaparecidos a partir do


material genético dos familiares.

Em 2009 foi criado o Grupo de Trabalho Tocantins com a finalidade de coordenar e


executar as atividades de localização, reconhecimento e identificação dos corpos
na Guerrilha do Araguaia, em cumprimento de decisão em Ação Ordinária.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

CASO GOMES LUND E OUTROS (Guerrilha do Araguaia) x BRASIL

Notícia à Comissão: noticiado em 07.08.1995


Admissibilidade da notícia: 06.03.2001
Notificação ao Brasil: 21.11.2008
Submissão da demanda à CIDH: 26.03.2009
Submissão de demanda Adicional Grupo Tortura Nunca Mais (RJ): 18.07.2009
Defesa escrita do Brasil: 31.10.2009
Instrução: a partir de 30.03.2010, com Audiência Pública em 20 e 21 de maio de 2010.
Alegações Finais escritas: 21.06.2010
Julgamento: 24.11.2010

ACUSAÇÕES

Detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas e execução


extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva, entre membros do PCdoB e camponeses da
região, cometidas pelo Exercito Brasileiro, entre 1972 e 1975, com objeto de erradicar
a Guerrilha do Araguaia, no contexto da ditadura militar do Brasil (1964-1985).

Violação dos dispositivos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos:


Art. 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica);
Art. 4 (direito à vida);
Art. 5 (direito à integridade pessoal);
Art. 7 (direito à liberdade pessoal);
Art. 8 (garantias judiciais);
Art. 13 (liberdade de pensamento e expressão) e
Art. 25 (proteção judicial).
TODOS em conexão com as obrigações previstas na mesma CADH
Art. 1.1 (obrigação geral de respeito e garantia dos direitos humanos) e
Art. 2 (dever de adotar disposições de direito interno).

Acusações adicionais Grupo Tortura Nunca Mais (RJ):


Artigos 1, 2, 6 e 8, da Convenção Interamericana contra Tortura

Responsabilidade: Estado

DEFESA (CONTESTAÇÃO DE DEMANDA)

Preliminares
Exceção Preliminar: questiona admissibilidade da demanda ou competência da Corte para conhecer
determinado caso ou algum de seus aspectos, em razão da pessoa, matéria, tempo ou lugar.
(Entendimento Jurisprudencial da CIDH)

1) Incompetência ratione temporis: violações ocorridas antes do reconhecimento


da jurisdição contenciosa da Corte pelo Brasil (alegou reserva de reciprocidade)
2) Incompetência falta de esgotamento dos recursos internos
- ADPF 153 anistia não se estenda aos crimes comuns durante a ditadura
- Ação Ord. 82.00.024682-5 pretende obter o relatório oficial da Guerrilha do
Araguaia, localizar restos mortais dos desaparecidos, esclarecimento das
circunstâncias da morte.
- ACP 2001.39.01.000810-5 MPF obtenção docs militares sobre o tema
- Ação privada subsidiária para persecução dos crimes de ação pública
- Ação Indenizatória Cível, Indenização Administrativa (Lei 9140), etc.

3) Falta de interesse processual dos representantes


- Lei 9140/1995 (reconhecimento oficial de responsabilidades e indenizações)
- Livro “Direito à Memória e à Verdade” Comissão Especial de Mortes e
Desaparecidos Políticos
- atos públicos de natureza simbólica para resgate da memória e verdade
- Projeto de Lei 5.228/2009 Acesso à Informação Pùblica
- Projeto Memórias Reveladas – arquivamento e divulgação documentos
- Campanha para entrega de docs que possa ajudar na localização dos dessa-
Parecidos.
- Expedições ao Rio Araguaia em busca de restos mortais e identificação

Defesa de Mérito:
4) reconhecimento das ações empreendidas no âmbito interno
5) Princípio da Legalidade e da anterioridade da lei penal (Irretroatividade),
alegando que ao tempo dos fatos (1972-1974) não havia tipificação do crime de
lesa humanidade, o que teria ocorrido somente em 1998 (Estatuto de Roma),
que o costume internacional não pode ser fonte criadora de direito penal e
6) improcedência dos pedidos em razão da construção de uma solução,
compatível com as particularidades, para consolidação definitiva da
reconciliação nacional

INSTRUÇÃO

1) depoimento de 26 vítimas;
2) 04 testemunhas (02 dos representantes e 02 do Estado)
3) 05 peritos (01 Comissão, 02 representantes e 01 Estado)
4) Audiência Pública (Comissão, Representantes e Estado): a) depoimento de 03
vítimas, 04 testemunhas, pareceres de 02 peritos e b) alegações finais orais.
5) O8 escritos de Amigos da Corte.
6) Alegações finais escritas

Impugnações à defesa

1) Comissão: crimes de caráter permanente e continuado


2) Representantes: Direito à Informação, à Verdade e à Justiça persiste após os
fatos e somente uma das vítimas desapareceu em 1996 (Maria Lúcia Petit da
Silva).
3) A Lei da Anistia e sua interpretação sobre “crimes conexos” na ditadura
constitui o maior obstáculo legal ao acesso à justiça e à verdade.
4) A alegação de prescrição é o segundo obstáculo
5) Falta de tipificação do crime de desaparecimento forçado no ordenamento
interno brasileiro constitui descumprimento da Convenção (art.2), portanto
não pode ser invocado o princípio da legalidade para justificar a impunidade.
No momento em que foram cometidos os atos a comunidade internacional já
os reconheciam como crimes.
6) Possibilidade de intervenção da Jurisdição Militar

Fonte: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm

DECISÕES DA CORTE

Preliminares (delimitação da competência)

Termos da recepção (Art. 62.1 da Convenção Americana)


Princípio da Irretroatividade (art. 28, Convenção Viena Direito dos Tratados de 1969)

Reconhecimento da competência da Corte a partir de 10.12.1998.

O ato de desaparecimento e sua execução se iniciam na privação de liberdade da


pessoa e a consequente falta de informação do seu destino e permanecem até quando
não se conheça o paradeiro da pessoa e os fatos não tenham sido esclarecidos.

Excluída competência para apreciar os fatos relativos ao desaparecimento da Sra.


Maria Lúcia Petit da Silva (1996), bem como qualquer outro fato anterior a esse
acontecimento. Incluídos os crimes de caráter permanente e contínuos a partir da
ratificação da Convenção, além das omissões, falta de investigação, julgamento e
sanção das pessoas responsáveis, falta de efetividade dos recursos judiciais de caráter
civil para obter informação dos fatos, restrições ao direito de informação e sofrimento
dos familiares.

A responsabilidade do Estado tem origem no ato ilícito. Assim, a disposição de reparar


esse ato plano interno não impede a Comissão ou a Corte de conhecer um caso.

Todas as alegações de não esgotamento das medidas internas foram afastadas, pois
que a Corte entendeu que as justificativas do Estado deveriam ter sido apresentadas
no relatório prévio à admissão da denúncia, solicitado pela Comissão. A jurisprudência
da Corte entende que é na etapa de admissibilidade, perante a Comissão, que é
oponível a exceção de esgotamento de recursos internos, sendo afastada,
sumariamente, quando apresentada em preliminares na contestação à demanda,
portanto, de forma extemporânea.

Regra da 4ª Instância e falta de esgotamento a respeito da ADPF

Em 29 de Abril de 2010 o STF declarou improcedentes (7 votos a 2) os pedidos ao


considerar que “A Lei de Anistia representou, em seu momento, uma etapa necessária
no processo de reconciliação e redemocratização do país” e que “ não se tratou de uma
autoanistia”.

O STF realizou um controle de constitucionalidade da Lei da Anistia, questão interna


compatível com sua competência.

A Corte realizará um controle de convencionalidade da Lei da Anistia com as


obrigações internacionais do Brasil contidas na Convenção Americana, questão de
direito internacional compatível com sua competência.

Portanto, a análise do mérito da denúncia não implica em lesão à regra da 4ª instância.

Mérito
Comissão define a Guerrilha do Araguaia como Movimento de Resistência ao Regime
Militar, com criação de um exército popular de libertação.

O fundamento jurídico que sustenta o desaparecimento forçado se baseia numa


pluralidade de condutas, unidas por um único fim, que violam de maneira
permanente, enquanto subsistam, os bens jurídicos protegidos pela Convenção.

Caracterização pluriofensiva e violação continuada e permanente:


a) Privação da liberdade
b) Intervenção direta de agentes estatais ou sua aquiescência
c) Negativa de reconhecer a detenção e revelar o paradeiro da pessoa implicada

Além disso entendeu que a Anistia é instrumento indevidamente utilizado pelos


Estados para promover uma suposta reconciliação, mas que promove a impunidade e
constitui um obstáculo à prevenção de novos crimes da mesma natureza, bem como à
verdade e justiça para as vítimas. Menciona jurisprudência da Corte, bem como do TPI
para ex-Iugoslávia, Líbano e Serra Leoa, nos quais o mesmo entendimento tem sido
reafirmado.

Igualmente, a Corte Suprema do Chile, no caso Lacaros Carrasco anulou sentença


absolutória baseada em anistia como excludente de responsabilidade por crimes de
lesa humanidade.

Também o Tribunal Constitucional do Peru, no caso Martín Rivas, revisou decisão em


que reconheceu como obrigação do Estado peruano de anular os processos em que foi
aplicada a Lei de Anistia, mas toda prática que visa impedir a investigação ou punição
dos crimes. Indo além, o TC declarou que o controle parte do pressuposto de que o
legislador agiu dentro do marco constitucional. Ao contrário, não opera essa
presunção quando se comprova que o legislador pretendeu encobrir crimes contra a
humanidade, sendo nulos os efeitos jurídicos de tais leis, assim como as resoluções
judiciais expedidas com o propósito de garantir a impunidade da violação de direitos
humanos.

No mesmo sentido decidiu a Suprema Corte de Justiça do Uruguai, a Corte


Constitucional da Colômbia.

Conforme a jurisprudência da Corte, as autoridades internas dos países signatários


estão sujeitas ao ordenamento jurídico vigente. Nesse sentido, o Poder Judiciário está
internacionalmente obrigado a exercer o controle de convencionalidade ex officio entre
as normas internas e a Convenção, evidentemente, no marco das suas competências.
Para tanto, deve levar em conta a jurisprudência da Corte e o que esta decidiu sobre o
tema. No caso, o Brasil não exerceu este controle de convencionalidade pelas
autoridades do Poder Judiciário, ignorando o pacta sunt servanda a que
espontaneamente se vinculou ao se tornar signatário da Convenção.

Reconheceu todas as violações indicadas na denúncia e valorou as medidas adotadas


pelo Brasil para reparar as violações, mas as declarou insuficientes.

Deixou de julgar a responsabilidade do Estado Brasileiro pelos atos cometidos contra


24 vítimas antes do marco temporal de 10.12.1998, em razão da ausência de
competência.

Reparações

Declarou como partes lesadas nomeadamente as vítimas, considerando os familiares


diretos para fins reparatórios, inclusive reparatórios.

Definiu:
a) Obrigação de investigar os fatos, julgar e punir os responsáveis em tempo
razoável (crimes imprescritíveis, não passíveis de anistia), afastando ou
minimizando os obstáculos para este fim;
b) O Estado deve garantir que as causas tenham conexão com os fatos analisados
e que se desenvolvam perante a jurisdição ordinária, e não no foro militar;
c) Determinação do paradeiro das vítimas, com continuidade das medidas
tomadas e aplicação de novos recursos, se necessário;
d) Atenção médicas e psicológicas gratuitas aos familiares das vítimas
e) Publicação da Sentença da Corte em meio nacional de grande circulação e
divulgação do seu conteúdo
f) Ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional
g) Estabelecer dia de Desaparecidos políticos e memorial
h) Educação de Direitos Humanos às Forças Armadas como prevenção
i) Tipificação do delito de desaparecimento forçado no ordenamento interno,
excluindo instituições jurídicas como anistia e prescrição, eliminação da
competência militar, sanções proporcionais à gravidade das lesões,
considerando inadequados o Projeto de Lei 4038/08 e a Lei 301/07, em razão
da limitação das vítimas à população civil.
j) Acesso, sistematização e publicação de documentação em poder do Estado
relacionados à Guerrilha do Araguaia;
k) Adequação dos marcos normativos de acesso à informação;
l) Criação de uma Comissão da Verdade;
m) Indenização por danos material, reconhecendo a validade das indenizações
pagas em razão da Lei 9140 para este fim
n) Indenização por danos imateriais no importe de 45.000 dólares para cada
familiar direto e 15.000 para cada familiar não direto,
o) Custas às entidades representativas das vítimas

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