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Luís Mota
Luísa Pereira
Maria Engrácia Cardim
Arminda Neves
Francisca Cordovil
maio 2014
O projeto do 7.º P.Q. “COCOPS: Coordinating for Cohesion in the Public Sector of the Future”
(www.cocops.eu) procura aferir comparativamente e quantitativamente o impacto de
reformas da Nova Gestão Pública (NGP) em países Europeus, com base numa equipa de
académicos europeus de Administração Pública de 11 universidades de 10 países, aos quais se
juntaram equipas de universidades afiliadas, entre as quais a equipa autora deste relatório.
O projeto analia o impacto das reformas na gestão pública e nos serviços públicos que se
dirigem a satisfazer necessidades de serviços dos cidadãos e a coesão social na Europa. A
avaliação da amplitude e das consequências das alegadas tendências de fragmentação da NGP
e a consequente necessidade de coordenação é uma parte essencial da aferição destes
impactos.
Sobre os autores
Maria Engrácia Cardim é investigadora integrada do CAPP e foi professora auxiliar no Instituto
Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. É co-coordenadora do projeto
‘RefPub’.
Agradecimentos
1
Índice
2
Índice de Figuras
Figura 1: Número de convites enviados e taxas de resposta do Questionário COCOPS (%) ........ 7
Figura 2: Distribuição dos inquiridos por setor de atividade (%) ................................................ 15
Figura 3: Distribuição dos inquiridos por tipo de organização (%) ............................................. 15
Figura 4: Distribuição dos Inquiridos por Género (%) ................................................................. 16
Figura 5: Distribuição dos inquiridos por Classe Etária (%) ......................................................... 16
Figura 6: Distribuição dos Inquiridos por Nível Hierárquico (%) ................................................. 17
Figura 7: Distribuição dos Inquiridos por Nível Educacional (%) ................................................. 17
Figura 8: Distribuição dos Inquiridos por Área Científica do Nível Educacional mais elevado (%)
..................................................................................................................................................... 18
Figura 9. Distribuição dos Inquiridos por níveis de antiguidade e experiência profissional (%). 18
Figura 10. Papéis e (auto-)perceções (valores médios) .............................................................. 20
Figura 11. Prioridades dos serviços públicos (valores médios) ................................................... 21
Figura 12. Motivação (valores médios) ....................................................................................... 21
Figura 13. Ambiguidade e mensurabilidade de objetivos (valores médios) ............................... 23
Figura 14. Grau de autonomia de gestão (valores médios) ........................................................ 24
Figura 15. Grau de politização (valores médios) ......................................................................... 25
Figura 16. Frequência de interação entre organização do inquirido e outros organismos (%) .. 26
Figura 17. Qualidade da Coordenação entre organização do inquirido e outros organismos (%)
..................................................................................................................................................... 27
Figura 18. Importância de tendências de reforma (valores médios) .......................................... 29
Figura 19. Importância das tendências de reforma por setores de atividade (valores médios) 31
Figura 20. Dinâmicas da reforma do setor público (valores médios) ......................................... 32
Figura 21. Relevância de diferentes instrumentos de gestão (valores médios) ......................... 34
Figura 22. Relevância da gestão de desempenho (valores médios) ........................................... 35
Figura 23. Soluções de coordenação (valores médios) ............................................................... 36
Figura 24. Uso dos indicadores de desempenho (valores médios)............................................. 37
Figura 25. Principais medidas de corte ao nível organizacional (%) ........................................... 39
Figura 26. Importância de medidas de contenção de custos (valores médios) .......................... 40
Figura 27. Avaliação geral da Administração Pública (%) ........................................................... 41
Figura 28. Importância de diferentes dimensões de desempenho (valores médios)................. 42
3
1. Introdução
O consórcio Coordinating for Cohesion in the Public Sector of the Future (COCOPS)1, um dos
maiores projetos de investigação comparativos sobre gestão pública na Europa, visa
disponibilizar uma representação compreensiva quanto aos desafios enfrentados pelo setor
público de diferentes países Europeus, bem como explorar, de forma sistemática, o impacto
das reformas inspiradas no New Public Management (NPM) na Europa. A investigação é
comparativa e fundamentada em evidências, baseando-se em investigação já existente e em
processos de recolha de dados quantitativos e qualitativos, quer ao nível nacional, quer ao
nível setorial. Uma das pedras angulares deste projeto é o Questionário COCOPS sobre
Reforma do Setor Público na Europa, que se afirma como um instrumento de inquirição
original aplicado a dirigentes públicos de topo em diferentes países europeus, explorando as
suas opiniões e experiências em relação às reformas do setor público.
Tal como definido pelos termos de referência do projeto, o objetivo deste questionário é
analisar as administrações públicas nacionais (administração direta e indireta) dos diferentes
países participantes e analisar com maior profundidade os setores do Emprego e da Saúde. O
questionário visa explorar as perceções, experiências e opiniões dos dirigentes públicos de
topo em relação ao seu contexto de trabalho e às reformas administrativas, mas também em
relação a outros fatores como valores e identidades e o impacto da crise financeira. O tronco
comum do questionário aplicado em todos os países participantes é composto por 31
1
Para mais informação sobre o projeto, consultar www.cocops.eu.
4
perguntas e está estruturado em quatro partes: (I) Informação Geral; (II) Gestão e Práticas de
Trabalho na Sua Organização; (III) Reforma do Setor Público e a Crise Financeira; (IV) Atitudes,
Preferências e Informação Pessoal. O questionário é o resultado de um trabalho conjunto de
todas as equipas de investigação nacionais, sob a liderança de uma equipa de investigação da
Hertie School of Governance em Berlim. Para além dos parceiros iniciais, algumas
universidades de outros países europeus foram incluídas como parceiros estratégicos na
replicação do questionário nos seus países2, entre as quais uma equipa do Centro de
Administração e Políticas Públicas da Universidade de Lisboa (à data, ainda Universidade
Técnica de Lisboa).
A equipa de investigação do projeto teve de lidar com três desafios essenciais no desenho do
questionário e na metodologia de aplicação: uma população-alvo que permitisse uma análise
comparativa sistemática; uma estratégia de acesso que permitisse taxas de resposta
estatisticamente significativas; e um processo de desenho e tradução do questionário que
assegurasse uma equivalência conceptual entre todos os países. Enquanto princípio geral, a
equipa de investigação optou por uma abordagem equilibrada e pragmática com vista a
maximizar a qualidade e comparabilidade, permitindo, ao mesmo tempo, flexibilidade
suficiente em relação ao contexto de cada país. A versão inglesa do tronco comum do
questionário foi traduzida para versões nacionais pelas respetivas equipas de investigação
nacionais e – quando considerado útil – foram adicionadas algumas questões opcionais. No
que concerne à definição da população-alvo, a equipa de investigação optou por um grupo
com experiência relevante para aferir os desenvolvimentos e tendências globais nos níveis
organizacionais e setoriais. De uma forma global, os dirigentes de topo são entendidos como
tendo esse tipo de conhecimento em relação à administração pública, haja em vista a sua
posição privilegiada (Walker & Enticott, 2004), mas também o seu papel na produção de
políticas e a sua influência no desenho e implementação de reformas (Christensen & Lægreid,
1999; Ridder, Bruns, & Spier, 2006), principalmente se se tiver em conta um certo esbatimento
das fronteiras clássicas entre política e administração (Aberbach, Putnam, & Rockman, 1981).
Uma forte crítica apontada às investigações com elites (ver Enticott et al. (2008)) refere, no
entanto, que estas se focam geralmente num conjunto limitado de indivíduos do topo da
organização. Considerando que estes indivíduos estão relativamente alheados dos processos
organizacionais dos níveis hierárquicos mais baixos, esta abordagem poderá, portanto,
transmitir uma representação enviesada da(s) respetiva(s) organização(ões). Estes são,
portanto, pontos importantes a ter em consideração aquando da interpretação dos resultados.
2
Vienna University of Economics and Business na Áustria, Kaunas University of Technology na Lituânia,
University of Lisbon em Portugal, Copenhagen Business School na Dinamarca, Belgrade Fund for Political
Excellence na Sérvia e University of Bern na Suíça.
5
questionário. De uma forma geral, foram incluídos os dois primeiros níveis hierárquicos dos
organismos da Administração Direta e Indireta; em alguns casos, foram enviados convites aos
dirigentes do terceiro nível se tal fosse considerado apropriado devido à sua relevância no
processo de políticas públicas. As Empresas Públicas e Entidades Reguladoras não foram
incluídas na população-alvo devido ao conjunto de funções que lhes são geralmente
atribuídas. Nos setores do Emprego e Saúde, que se constituíam como setores de maior
enfoque, foram também incluídos na população-alvo organismos de Administração Direta e
Indireta de nível regional e das regiões autónomas da Madeira e dos Açores, sem incluir,
contudo, os níveis de provisão de serviços (ex: hospitais e centros de emprego).
O questionário foi aplicado online em páginas web estandardizadas e que foram construídas
na(s) língua(s) nacional(ais) de cada país. Foi permitida, e até recomendada, alguma
flexibilidade nas estratégias de recolha de dados utilizadas pelas equipas nacionais, por forma
a acautelar diferenças nas culturas administrativas entre países. Após a aplicação do
questionário, procedeu-se a um minucioso processo de harmonização de dados, por forma a
assegurar que os resultados finais seriam comparáveis entre países e que quaisquer desvios
permitidos durante o processo de aplicação seriam devidamente acautelados3.
O questionário foi lançado no conjunto inicial de dez países em maio de 2012 e aplicado em
duas rondas (maio-julho 2012, e setembro-novembro 2012). No decorrer destas duas rondas o
questionário foi enviado para mais de 20.000 dirigentes públicos de topo através de correio ou
e-mail, de acordo com a estratégia de acesso de cada país. Após os convites, seguiram-se
contactos de reforço pelos mesmos meios, bem como medidas adicionais. A aplicação dos
questionários encerrou em todos estes países no início de novembro de 2012, seguindo-se a
verificação e harmonização das bases de dados de acordo com um processo estandardizado
para todos os países. No final de 2012, existiam 4.814 respostas válidas provenientes dos 10
países iniciais e uma taxa de resposta global de 23,7% (para detalhes, consultar tabela 1). Estas
respostas são a base para os respetivos relatórios nacionais4. Os dados constantes das
diferentes bases de dados (integrada e de cada um dos países) estão sujeitos a rigorosas regras
de anonimato, por forma a proteger os respondentes individuais, ao passo que os dados
agregados serão publicados de acordo com um conjunto de regras acordado pelas equipas de
investigação envolvidas.
3
Os detalhes do desenho e aplicação do questionário podem ser consultados no ‘Survey Research
Report’ (ver Hammerschmid et al. (2013a) na página web do projeto COCOPS).
http://www.cocops.eu/wp-content/uploads/2013/10/COCOPS-WP3-Research-Report.pdf
4
Os relatórios nacionais estão disponíveis em http://www.cocops.eu/work-packages/work-package-3.
6
Considerando que Portugal não faz parte do grupo inicial de países, a aplicação do
questionário neste país teve um calendário e procedimentos específicos. Os primeiros e-mails
foram enviados a 15 de novembro de 2012, com um prazo limite de resposta até 21 de
dezembro. Por forma a aumentar a taxa de resposta, foram enviados quatro e-mails de reforço
(23 de novembro, 29 de novembro, 6 de dezembro e 19 de dezembro). Uma segunda ronda de
inquirição teve início a 20 de fevereiro de 2013, a qual foi precedida por contactos telefónicos
prévios para as organizações pertencentes aos setores com menor número de respondentes.
* O número de convites enviados representa o número total de convites que chegou aos potenciais
respondentes, excluindo quaisquer falhas nos processos de envio, moradas erradas, etc.
** Para os fins deste relatório, apenas se consideram os dirigentes de nível central.
O presente relatório é um sumário dos principais resultados para Portugal, com pontuais
comparações com os resultados agregados do conjunto dos dez países iniciais. A este
propósito, importa, desde já, referir que neste relatório apenas se utilizarão os questionários
dos dirigentes de nível central devido à reduzida taxa de resposta da população-alvo de nível
subnacional. Ademais, não se procederá a uma análise isolada dos setores do Emprego e da
Saúde, tal como é feito nos relatórios dos restantes países.
7
2. Contexto e Desenvolvimentos da Reforma Administrativa em Portugal
Tal como aconteceu em muitos outros países, o discurso reformista inspirado pelo conjunto de
princípios do designado ‘New Public Management’ (NPM) (vide, inter alia, Hood (1991)) terá
ganho expressão na agenda pública e política em Portugal na década de 80 do séc. XX,
nomeadamente a partir do X Governo Constitucional (1985-87) (Carvalho, 2007). De acordo
com alguns estudos (Rocha & Araújo, 2007; Magone, 2011), este alinhamento com os
princípios gerais do NPM terá sido influenciado por experiências de outros países, tais como o
Reino Unido, bem como pela adesão de Portugal à União Europeia. De igual modo,
Mozzicafreddo e Gouveia (2011) consideram que as razões invocadas em Portugal para a
necessidade de se iniciar este processo de reformas eram bastante semelhantes àquelas que
alimentaram as propostas de reforma managerialista noutros países.
Em primeiro lugar, importa destacar que o processo de reforma do setor público em Portugal
decorreu em paralelo com um processo de aumento da despesa pública e do número de
funcionários públicos, contrariando, assim, os discursos reformistas que referiam a
necessidade de controlar os níveis de despesa e de intervenção do Estado (Rocha & Araújo,
2007; Magone, 2011). Tais aumentos a partir de meados da década de 70 do séc. XX deveram-
se, essencialmente, à nacionalização de empresas, à integração dos funcionários públicos
provenientes das ex-colónias portuguesas, mas sobretudo ao desenvolvimento continuado de
um Sistema de Providência mais consolidado (Tavares & Alves, 2006; Rocha & Araújo, 2007).
8
período ditatorial do Estado Novo como forma de controlar a sociedade e a mudança (Araújo,
2001; Tavares & Alves, 2006; Rocha & Araújo, 2007; Corte-Real, 2008). Tal como referem
Tavares e Alves (2006), a cultura legalista poderá ser benéfica por garantir a uniformidade da
provisão de serviços e a proteção dos cidadãos face a eventuais arbitrariedades da
administração pública, mas poderá também comportar desvantagens, tais como o excesso de
burocracia e a falta de flexibilidade.
Uma quarta característica a destacar será ainda o sistema orientado para a carreira e a
senioridade da Administração Pública portuguesa (Corte-Real, 2008) e que ajuda a explicar a
visão da avaliação de desempenho como uma ameaça (Araújo, 2001). Não obstante esta
orientação para a carreira, a falta de formação dos recursos humanos da administração pública
tem sido frequentemente apontada como um dos claros fatores limitadores da reforma do
setor público em Portugal (Carvalho, 2007; Magone, 2011). Além disso, a resistência à
mudança por parte de trabalhadores e chefias da administração pública é também
frequentemente apontado como um fator limitador do sucesso da implementação de
reformas managerialistas (Araújo, 2001).
9
provisão de serviços em detrimento de funções de representação de interesses (policy
advocacy) (Salamon, Sokolowski, Haddock, & Tice, 2012; Mota & Mourão, 2014). Desta feita, a
participação de stakeholders no processo de tomada de decisão pública tende a ser ainda uma
prática pouco generalizada e por vezes meramente cerimonial (Magone, 2011).
Por fim, será ainda necessário referir as debilidades que o sistema político-administrativo
revela ao nível da sobreposição e lacunas nas atribuições dos diferentes serviços da
administração pública, bem como a débil coordenação intersectorial e inter-serviços (Carvalho,
2007; Cardim, Pereira, & Mota, 2011). De acordo com Costa-Lobo (2011) e Neves e Zorrinho
(2014), esta debilidade coordenativa é visível também ao nível da falta de mecanismos formais
e estruturados de coordenação interministerial, facto que se torna particularmente evidente
em governos minoritários e que tende a gerar uma concentração de poder no Primeiro-
Ministro e no Ministro das Finanças.
Muito embora estes e outros fatores tenham contribuído para que Portugal seja
frequentemente considerado como um implementador reticente dos princípios do NPM, será,
contudo, necessário reconhecer-se que foram introduzidas algumas reformas merecedoras de
destaque. A este propósito importa começar por referir que, muito embora o discurso de
reforma se tenha tornado mais evidente apenas a partir de 1986 (Carvalho, 2007; Rocha &
Araújo, 2007; Magone, 2011), existe um conjunto de reformas anteriores merecedoras de
destaque. De acordo com Corte-Real (2008), estas reformas poderão ser agrupadas em dois
períodos: um primeiro, compreendido entre 1974 e 1980, durante o qual a autora refere
terem decorrido reformas de ‘capacitação’ e ‘democratização’; e, um segundo, compreendido
entre 1980 e 1985, durante o qual tiveram lugar um conjunto de ‘reformas técnicas’,
sobretudo relacionadas com o sistema do emprego público.
Focando atenção nas reformas que tiveram lugar a partir de 1986, poder-se-ão identificar três
grandes fases de reforma do setor público em Portugal: 1) a primeira, que compreende o
período 1986-2002 e que, não obstante a mudança de partido no Governo em 1995, apresenta
tendências comuns de orientação para o cidadão e a qualidade dos serviços; 2) o período
2002-2008, que ficou marcado pela entrada de Portugal na União Económica Monetária e pela
adoção de um conjunto de reformas mais arrojadas e orientadas para a racionalização; 3) e,
por fim, o período compreendido entre 2010 e a atualidade e que é claramente marcado por
medidas reformistas influenciadas pela austeridade.
Tal como atrás referido, a primeira destas fases é marcada pela introdução de um discurso
com orientação claramente managerialista (Carvalho, 2007) e poderá ser subdividida nos
períodos 1986-1995 e 1995-2002 devido à mudança de partido no Governo em 1995. Em
relação ao primeiro destes períodos, diversos estudos (Rocha & Araújo, 2007; Carvalho, 2007;
Corte-Real, 2008; Magone, 2011) indicam que o principal objetivo do conjunto de reformas
seria a qualidade e desburocratização dos serviços e a aproximação da administração pública
face aos cidadãos e às empresas. Entre outras medidas destacam-se a criação da Comissão
Empresas-Administração em 1987 e do INFOCID (atual Portal do Cidadão) em 1991, a
aprovação do Código do Procedimento Administrativo em 1991 (revisto em 1995) com regras
orientadas para a transparência dos processos de tomada de decisão, bem como a aprovação
da Carta Deontológica do Serviço Público em 1993 (Rocha & Araújo, 2007; Carvalho, 2007;
10
Corte-Real, 2008; Mozzicafreddo & Gouveia, 2011). Ao nível dos recursos humanos, destacam-
se medidas relacionadas com o sistema retributivo da função pública (1989), mas sobretudo a
implementação de um largo programa de formação profissional (PROFAP) largamente
suportado por fundos comunitários e que tinha por objetivo preparar os funcionários públicos
para os novos desafios da gestão e para relação com o cidadão (Rocha & Araújo, 2007; Corte-
Real, 2008). Por fim, este período fica também marcado por uma onda de privatizações de
empresas estatais, sobretudo algumas das que haviam sido nacionalizadas após 1974 (Tavares
& Alves, 2006).
De acordo com Rocha e Araújo (2007) e Carvalho (2007), a subida ao poder de um partido de
centro-esquerda em 1995 não determinou uma mudança profunda nas tendências de reforma
do setor público, já que a qualidade dos serviços e a aproximação aos cidadãos continuaram a
ser claras apostas do novo governo. Este novo governo distingue-se, contudo, por uma
orientação reformista mais próxima do Reinventing Government da administração Clinton
(Rocha & Araújo, 2007) e da Terceira Via da administração de Blair (Magone, 2003; 2005).
Entre outras iniciativas, poder-se-ão destacar a criação do primeiro conjunto de Lojas do
Cidadão em 1997, o lançamento do Livro de Reclamações em 1996, ou a aprovação da CAF
(Estrutura Comum de Avaliação) em 2001 (Carvalho, 2007; Corte-Real, 2008). Já ao nível das
estruturas, destaca-se o elevado aumento do número de organismos semi-autónomos
(Institutos Públicos), os quais eram vistos como potenciais veículos para a flexibilização da
gestão da implementação de políticas (Corte-Real, 2008; Araújo, 2001). De igual modo, a partir
da segunda metade da década de 90 do séc. XX terá tido início um massivo recurso a Parcerias
Público-Privadas, ao ponto de Portugal ser dos países da OCDE com um maior rácio
investimento/PIB (Firmino & Mendes, 2012). Por fim, ao nível da gestão de recursos humanos
destacam-se os processos de diálogo com os sindicatos, os quais resultaram numa extensa
revisão dos estatutos de carreira, remuneração e de relações de emprego (Corte-Real, 2008).
A segunda fase (2002-2010) é, por sua vez, marcada pela adoção de medidas de reforma mais
radicais e orientadas para a eficiência e racionalização das estruturas, estratégia que, de
acordo com Magone (2011) terá resultado das pressões financeiras impostas pela adesão de
Portugal à União Económica e Monetária (1999-2002) e da integração crescente de Portugal na
EUPAN (Rede Europeia de Administração Pública). Tal como refere o autor, este discurso terá
emergido de forma mais expressiva no programa do governo eleito em 2002, o qual
estabeleceu como prioridades da reforma da administração pública a redução do peso
excessivo do Estado, a adoção de medidas de eficiência, bem como a promoção de uma
cultura de mérito e exigência (Magone, 2011). A curta duração desse governo (2002-2004) e
do governo subsequente com a mesma maioria parlamentar (2004-2005) determinou,
contudo, que não se registassem grandes reformas durante este período. A exceção será
talvez a aprovação de um regime que pretendia regular os ‘institutos públicos’ em 2004
(Mendes, Gomes, & Araújo, 2012). Com efeito, a grande maioria das reformas que marcam
este período decorreram no âmbito dos governos seguintes (2005-2009; 2009-2011), das quais
se destacam a aprovação do Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração
Pública (SIADAP) para organismos e para trabalhadores, de um sistema de simplificação
administrativa (SIMPLEX) e do Programa de Reestruturação da Administração Central do
Estado (PRACE) (Magone, 2011; Mozzicafreddo & Gouveia, 2011). De igual modo, foram
11
definidas regras de congelamento das progressões automáticas, de aproximação do sistema de
pensões da função pública ao sistema de pensões da Segurança Social, e de definição de regras
de mobilidade (Corte-Real, 2008).
Como se pode observar pelo descrito, o setor público português procedeu a um conjunto
significativo de reformas entre a década de 80 do séc. XX e o final da primeira década do séc.
XXI. Durante a primeira fase referida, este esforço reformista consubstanciou-se sobretudo ao
nível da qualidade e transparência dos serviços e consequente orientação para o cidadão, bem
como ao nível da gestão de recursos humanos, sobretudo ao nível da formação e da maior
flexibilidade das relações de emprego (Corte-Real, 2008). Batista e Silva (2012) referem o
esforço da qualificação dos trabalhadores da Administração Pública como uma das grandes
conquistas nos últimos 30 anos. Já na segunda fase referida, as principais reformas centraram-
se na racionalização das estruturas, em medidas relacionadas com a eficiência e a promoção
de uma cultura de mérito e com a redução do número de funcionários (Magone, 2011). Por
sua vez, Batista e Silva (2012) destacam também as grandes melhorias registadas durante este
período ao nível da simplificação administrativa e na utilização de ferramentas de governação
eletrónica, sucessos que terão sido inclusivamente reconhecidos por instituições como a OCDE
e o eGov Benchmark.
Este terá sido, portanto, o cenário que marcava o início do mais recente período de reformas
do setor público. Tal como atrás referido, este último período em análise (desde 2010 até à
12
atualidade) é marcado pela aprovação de medidas de reforma claramente orientadas pela
austeridade, inicialmente definidas no âmbito dos Programas de Estabilidade e Crescimento
aprovados em 2010 e posteriormente pelas medidas de ajustamento associadas ao Programa
de Assistência Económico e Financeiro (PAEF), definidos pelo Fundo Monetário internacional,
Banco Central Europeu, Comissão Europeia e por três partidos portugueses (PS/PSD/CDS). De
acordo com o documento “A Gestão do Programa de Ajustamento”, elaborado pela Estrutura
de Acompanhamento dos Memorandos (2014), foram tomadas diversas medidas no âmbito da
Administração Pública, nomeadamente ao nível da racionalização de estruturas (Programa de
Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC) e reorganização de estruturas de
provisão nos setores da Justiça, Finanças e Saúde), da promoção de soluções de serviços
partilhados, da aproximação do regime laboral e de pensões da função pública relativamente
aos regimes do setor privado, da redução do número de efetivos da administração pública
(limitação de admissões e programa de rescisões amigáveis), e da promoção de uma cultura de
mérito no recrutamento de gestores de topo (criação da Comissão de Recrutamento e Seleção
para a Administração Pública (CRESAP)). De igual modo, procedeu-se à criação e/ou revisão de
normas relativamente às Parcerias Público-Privadas, ao Setor Empresarial do Estado, às
Privatizações e às Entidades Reguladoras, à renegociação de alguns contratos de concessões
de PPPs e procedeu-se ainda à redução ou eliminação da participação do Estado em algumas
empresas (exs: ANA, CTT, EDP, REN, Galp, Fidelidade).
Perante todo este cenário de reformas, desde as mais antigas às mais recentes, importa
perceber quais têm sido os impactos das mesmas sobre os processos e estruturas de
governação do setor público e sobre a forma como os dirigentes públicos encaram os seus
próprios papéis. Muito embora alguns dos estudos anteriores sobre o processo de reforma do
setor público em Portugal (alguns dos quais citados neste trabalho) tivessem dado importantes
contributos para a análise desta realidade, era realmente reconhecida a falta de um estudo
que analisasse os impactos da reforma de uma forma mais ampla e potencialmente
comparativa (Carvalho, 2007; Corte-Real, 2008). Os resultados do estudo que de seguida se
apresentam pretendem, portanto, suprir essa lacuna.
13
3. Dados e Métodos
No que concerne aos procedimentos de acesso, optou-se por uma abordagem mista. No caso
de algumas organizações do setor público, os endereços eletrónicos de cada inquirido foram
recolhidos através de consulta da página web institucional ou através de pedido dirigido ao
responsável máximo. Num conjunto de outras organizações, foi definido uma pessoa de
contacto que ficaria responsável por reencaminhar os e-mails da equipa de investigação para
os dirigentes visados. Após este processo de identificação de contactos, foi enviado um e-mail
para todos os endereços eletrónicos (contactos diretos e pessoas de contacto) com uma
pequena apresentação do projeto COCOPS, um link para a plataforma de preenchimento e
algumas instruções de preenchimento do questionário. Estima-se que o questionário tenha
sido enviado para um total de 1.079 dirigentes públicos, número que reúne alguma incerteza
uma vez que nem todas as páginas web institucionais continham informação completa e
atualizada quanto aos organogramas.
Após duas rondas de inquirição, foram recebidos 296 questionários com pelo menos 25% das
perguntas respondidas, sendo a taxa de resposta de 27,43%. Tal como é possível observar na
figura 1 (necessário ter em consideração que era permitido mais do que uma resposta), os
setores de atividade mais representados são os dos ‘Assuntos Económicos’, ‘Serviços Gerais da
Administração Pública’ e ‘Saúde’. Por sua vez, os setores menos representados são a ‘Cultura,
Lazer e Religião’, os ‘Negócios Estrangeiros’, o ‘Ambiente’ e a ‘Defesa’, resultados que poderão
estar relacionados com o número mais reduzido de organizações destes setores.
5
De um total de 37 Secretários de Estado existentes no período de aplicação do questionário, apenas 1
respondeu ao questionário. Seguindo as regras comuns, esta resposta foi considerada como se fosse de
um dirigente do primeiro nível hierárquico.
14
Figura 2: Distribuição dos inquiridos por setor de atividade (%)
Importa referir que nas escalas de 1 a 7 (ex: 1=Discordo Totalmente; 7= Concordo Totalmente;
ou 1=Nada; 7=Em larga escala) será frequente, para efeitos de análise, o agrupamento das
categorias 1 e 2 (vs. 6 e 7), gerando, assim, categorias de ‘Discordo’ (vs. ‘Concordo’).
Tipo de organização (ver figura 3). No que concerne ao tipo de organização na qual
desenvolvem a sua atividade, a maioria dos inquiridos são dirigentes de organismos da
Administração Direta do Estado, muito embora exista um equilíbrio bastante considerável.
Esta distribuição está, portanto, em linha com a distribuição por tipologia de organização dos
1.079 dirigentes a quem foi enviado o questionário, já que 58,4% desse total de dirigentes
eram de organismos da administração direta do estado e os restantes 41,6% eram de
organismos da administração indireta.
Serviço central de
um ministério
43,6%
56,4% Serviço central de
um Instituto
Público ou outro
órgão semi-
autónomo
15
3.3. Contexto socio-demográfico dos inquiridos
Género (ver figura 5). Existe uma distribuição relativamente equilibrada quanto ao género,
números que estão em linha com os rácios significativamente altos de emprego feminino em
Portugal, sobretudo no setor dos serviços. De acordo com Estatísticas do Emprego Público de
dezembro de 2012 (DGAEP, 2013), cerca de 34% dos postos de direção superior e cerca de
46% dos postos de direção intermédia de primeiro nível da Administração Central do Estado
eram ocupados por mulheres. A distribuição dos inquiridos por género está, portanto, em
linha com as tendências globais da administração pública em Portugal.
NR;
20,6%
masculino;
42,9%
feminino;
36,5%
Idade (ver figura 6): tal como é possível observar na figura abaixo apresentada, as classes
etárias dos inquiridos mais representadas são a dos 46-55 anos (33,8%) e a dos 36-45 anos
(28,7%). Os resultados demonstram ainda que existe uma percentagem relativamente
reduzida de inquiridos com mais de 55 anos (17,2%), valor que poderá estar relacionado com
as sucessivas vagas de pedidos de reforma antecipada na última década. De acordo com
Estatísticas do Emprego Público de dezembro de 2012 (DGAEP, 2013), do total de dirigentes
que ocupam os cargos de direção superior e primeiro nível de direção intermédia de
organismos da Administração Central do Estado, 1% tem menos de 35 anos, 26% tem entre 35
e 44 anos, 41% tem entre 45 e 54 anos, 30% tem entre 55 e 64 anos, e 2% tem mais de 65
anos. É possível verificar, portanto, que a distribuição dos inquiridos por faixa etária não se
desvia de forma expressiva das tendências gerais da administração pública em Portugal.
16
Nível hierárquico (ver figura 7): a larga maioria dos inquiridos (77,3%) são dirigentes de nível
intermédio. Esta distribuição não se desvia de forma grosseira da distribuição por nível
hierárquico do cargo ocupado dos 1.079 dirigentes a quem foi enviado o questionário, já que
37,8% desse total eram dirigentes de nível superior e os restantes 62,2% eram dirigentes de
nível intermédio.
NR; 0,3%
Direção
superior;
22,3%
Direção
intermédia
; 77,3%
Nível Educacional (ver figura 8): a qualificação escolar completa mais elevada da maioria dos
inquiridos é a licenciatura, grau que tinha a duração de 4 ou 5 anos até há bem pouco tempo
em Portugal. Menos de um quinto dos inquiridos completou Mestrado (14,9%) ou
Doutoramento (3,7%). Estes resultados estão relacionados com o facto de a frequência de
cursos pós-graduados de especialização (sem atribuição de grau) ser uma realidade muito mais
comum do que a frequência de mestrados até há poucos anos atrás.
NR;
Doutoram.; 18,9%
3,7%
Licenciat.;
Mestrado; 62,5%
14,9%
No que se refere à área científica da qualificação escolar completa mais elevada (ver figura 9),
as mais representadas são as áreas da Economia/Gestão/Negócios (30,4%) e das Ciências
Naturais e Engenharias (16,4%, acredita-se que a maioria de Engenharia Civil). Estes valores
estão relacionados com o facto de estas duas áreas científicas terem sido bastante valorizadas
na seleção de trabalhadores públicos durante as décadas de 80 e 90 do séc. XX por serem
vistas como mais orientadas para a racionalidade técnica (Christensen & Lægreid, 2013). O
menor número de inquiridos da área científica do Direito (ao contrário do que seria de esperar
17
dada a tradição legalista) está muito provavelmente relacionado com o facto de os formados
nesta área científica ocuparem frequentemente cargos em órgãos não incluídos na estrutura
de linha, ou com uma certa tendência de contratualização de consultoria jurídica ao setor
privado.
Figura 8: Distribuição dos Inquiridos por Área Científica do Nível Educacional mais elevado (%)
Direito 15,9%
Negócios, Gestão, Economia 30,4%
Ciência Política, Administração Pública 3,7%
Outras Ciências Sociais e Humanidades 11,5%
Ciências Médicas 5,1%
Ciências Naturais e Engenharias 18,6%
Outras 4,7%
Antiguidade (ver figura 10): os resultados apresentados na figura 10 revelam que uma grande
maioria dos inquiridos detém um nível muito reduzido de experiência profissional fora do
setor público. Relativamente à experiência no setor público, a maioria dos inquiridos
posiciona-se em uma de duas situações extremas: por um lado, uma larga maioria de
inquiridos trabalha no setor público há menos de 1 ano (54,7%); mas, por outro lado, 40,9%
dos inquiridos trabalham no setor público há mais de 10 anos. Estes valores deverão estar
relacionados com critérios ‘duais’ de seleção de dirigentes (nomeações políticas vs. por
carreira) e com vagas de reforma antecipada acima referidas. Acredita-se que o menor nível de
antiguidade quanto às organizações e cargos que os inquiridos ocupam atualmente estará
relacionado com eventuais opções de carreira, mas sobretudo com processos de
reestruturação organizacionais (fusões, mudanças de ministério, etc) que têm vindo a ocorrer
na última década.
Figura 9. Distribuição dos Inquiridos por níveis de antiguidade e experiência profissional (%)
18
4. Valores e Atitudes dos Dirigentes Públicos
Identidade e perceção do papel enquanto dirigente (ver figura 11). Quando questionados
quanto à forma como encaram o seu papel enquanto dirigentes do setor público, as atividades
que os inquiridos consideram mais importantes são ‘assegurar o uso eficiente dos recursos’
( ̅ =6,61; escala de importância 1-7) e ‘alcançar resultados’ ( ̅ =6,45). Os inquiridos
consideram também bastante importante ‘assegurar uma implementação imparcial de
leis e regras’ ( ̅ =6,27), ‘procurar soluções conjuntas para resolver problemas do interesse
público’ ( ̅ =6,22), ‘disponibilizar experiência e conhecimento técnico’ ( ̅ =6,03), ou mesmo
ainda ‘colocar as organizações públicas a trabalharem em conjunto’ ( ̅ =5,80). Por sua vez,
‘desenvolver novas agendas de políticas públicas’ e ‘dar voz aos interesses sociais
coletivos’ são atividades consideradas não tão relevantes no âmbito do desempenho dos
seus papéis de dirigentes. Estes últimos resultados poderão ser indicativos da divisão
política-administração ainda prevalecente na administração pública portuguesa (Corte-
Real, 2008).
19
Figura 10. Papéis e (auto-)perceções (valores médios)
1 2 3 4 5 6 7
Preferências valorativas relativamente a prioridades no setor público (figura 12). Numa outra
questão foi solicitado aos inquiridos que se posicionassem quanto às suas preferências face a
um conjunto de prioridades do setor público com base numa escala com opções polarizadas.
Os resultados da figura 12 indicam uma clara predominância de posições intermédias (para
efeitos de análise, situação B). A análise comparativa do peso das frequências relativas dos
posicionamentos claramente preferenciais de um dos tipos de valores (categorias 1 e 2
(situação A) vs. categorias 6 e 7 (situação C)) permite, no entanto, extrair algumas conclusões.
Comparando os resultados de Portugal com os dos dez países iniciais, existem algumas
tendências dignas de registo. Entre elas está o facto de os inquiridos portugueses, em conjunto
com os inquiridos espanhóis, franceses e italianos, serem aqueles que atribuem um maior nível
de importância média ao valor da eficiência (vs. Qualidade) e à orientação para o cidadão (vs.
orientação para o cliente). Tais resultados não deixam de ser estranhos face à cultura
administrativa napoleónica do setor público português. No entanto, importa relembrar que
este valor tem sido particularmente premente no conjunto de reformas mais radicais que
tiveram início no novo milénio (Magone, 2011). Ademais, é expectável que a exposição à
situação atual de crise tenha enfatizado a relevância da importância do valor da eficiência.
20
Figura 11. Prioridades dos serviços públicos (valores médios)
Motivação (figura 13). Um outro ponto que se pretendia analisar através do questionário está
relacionado com as principais motivações associadas ao desempenho de funções públicas,
nomeadamente perceber a importância relativa de motivações extrínsecas e de motivações
intrínsecas, ou mesmo ainda de motivações altruísticas. De acordo com os resultados
apresentados na figura 13, as motivações mais relevantes são de natureza intrínseca (‘trabalho
interessante’) e altruística (‘desempenho de algo útil para a sociedade’ e ‘oportunidade de
ajudar outras pessoas’). No entanto, os resultados indicam também um elevado nível de
importância de motivações de natureza extrínseca, tais como ‘ter boas oportunidades de
progressão’, ‘ter um salário elevado’, ou ter ‘segurança quanto à manutenção do posto de
trabalho’.
1 2 3 4 5 6 7
Q. Qual a importância que pessoalmente atribui a uma função profissional que proporcione…
Escala: 1= Nada importante; 7=Muito importante
21
5. Características do Contexto de Trabalho na Administração Pública
Por forma a comparar estes resultados entre países, procedeu-se à criação de uma
variável composta que reflete o nível de ambiguidade dos objetivos6. Através desta
variável, é possível concluir que os inquiridos portugueses consideram que existe um nível
relativamente baixo de ambiguidade de objetivos. Tal como é possível observar no ‘Cross-
National Report’ do projeto COCOPS (Hammerschmid, et al., 2013b), Portugal é dos países
em que a ambiguidade de objetivos percecionada pelos dirigentes revela um menor nível.
No entanto os valores associados a cada um dos 10 países em análise não diferem de
forma significativa, pelo que as comparações entre países não permitem conclusões
expressivas.
6
Média dos seguintes itens: Item 1 ‘Os nossos objetivos são claramente definidos’ (invertida); item 2 ‘Os
nossos objetivos são comunicados a todos os trabalhadores’ (invertida); item 3 ‘Temos um elevado
número de objetivos’; item 4 ‘É fácil observar e medir as nossas atividades’.
22
Figura 13. Ambiguidade e mensurabilidade de objetivos (valores médios)
1 2 3 4 5 6 7
23
Figura 14. Grau de autonomia de gestão (valores médios)
1 2 3 4 5 6 7
Q. No seu entender, qual o grau de autonomia na tomada de decisão de que dispõe relativamente a…
Escala: 1= Autonomia muito baixa; 7=Autonomia muito alta
Por forma a realizar uma comparação entre países, procedeu-se à criação de uma variável
composta que resulta da média dos valores registados em todos os 8 itens. De acordo com
esses resultados, Portugal tem um nível médio de autonomia de gestão bastante reduzido
( ̅ =2,56). Comparando este valor médio de autonomia com os valores apresentados no ‘Cross-
National Report’ do projeto COCOPS (Hammerschmid, et al., 2013b), Portugal é o país que
regista valores de autonomia de gestão mais reduzidos. Tal como é possível observar neste
último relatório, os países com maior nível de autonomia são a Holanda ( ̅ =5,69), a
Noruega ( ̅ =4,97) e a Alemanha ( ̅ =4,91). Por sua vez, os países com valores mais próximos
dos registados em Portugal são Itália ( ̅ =3,39) e Espanha ( ̅ =2,56), ou seja, países que, tal
como Portugal, pertencem à tradição administrativa napoleónica.
Grau de politização (figura 16). A retórica subjacente aos processos de reforma administrativa
defende que um maior nível de autonomia de gestão deverá estar relacionado com um
consequente reajuste do nível de politização (Hood, 1991). Por outras palavras, importa
perceber em que medida os dirigentes das organizações do setor público têm capacidade de
decisão baseada na sua experiência e conhecimento ou se, por outro lado, estão sujeitas à
influência dos agentes políticos.
24
Por forma a realizar uma comparação entre países, procedeu-se à criação de uma variável
composta que resulta da média dos valores registados nos três primeiros itens apresentados
no gráfico. Tendo por base este cálculo, Portugal apresenta, assim, um nível médio de
politização relativamente elevado (( ̅ =4,71), o qual é superior aos dos restantes 10 países em
análise no ‘Cross-National Report’ do projeto COCOPS (Hammerschmid, et al., 2013b).
Para além de Portugal, os países cujos resultados revelam maior nível de politização são
Espanha, Áustria e Itália. Por sua vez, os países cujos resultados indicam um menor nível
de politização são a Holanda, a Noruega e o Reino Unido.
Frequência de Interação (figura 17). As relações entre diferentes atores do setor público e
destes com atores do setor privado revelam-se como um importante domínio dos processos
de reforma do setor público, sobretudo no âmbito do designado Pós-New Public Management
(Christensen & Lægreid, 2007). Desta feita, analisou-se a frequência com que as organizações
dos inquiridos interagem com um conjunto de outros atores do setor público e privado, por
forma a aferir a intensidade da relação entre estes e retirar ilações sobre os desafios da
coordenação e fragmentação.
Através dos resultados apresentados na figura 17, é possível observar-se que é bastante
elevada a percentagem de inquiridos que interagem com muito pouca frequência (nunca ou
raramente) com atores que não sejam da administração pública, tais como representantes dos
sindicatos (86,2%), instituições internacionais (81,6%), ministros da tutela (77,8%), órgãos de
comunicação social (75,7%), governos locais ou regionais (74,5%), ou outros políticos (74,1%).
Por outro lado, os atores com que os dirigentes inquiridos interagem com maior frequência
(pelo menos semanalmente) são a sua equipa direta (94,9%), os seus superiores hierárquicos
diretos (71,5%) e as unidades administrativas das suas organizações (50,2%). Um outro dado
importante é a relativamente alta percentagem de inquiridos que interage pelo menos
mensalmente com atores de outros organismos públicos de Administração Direta (41%) e da
Administração Indireta (46%).
25
Figura 16. Frequência de interação entre organização do inquirido e outros organismos (%)
Instit. públicos e outros organismos semi-autónomos 6,6 9,6 37,9 26,5 19,5
Unidades admin. da organização (Contab., RH,
15,9 30 50,2
Informática, etc)
Organiz. auditoria, inspeções e organ. reguladores 17,0 39,1 26,8 11,2 5,8
Outros organ. públicos exteriores à sua organização 17,6 37,0 24,5 16,5
Q. Por favor indique com que frequência interage com os seguintes atores ou organismos.
Através destes resultados é possível verificar que existe ainda uma orientação
intraorganizacional muito forte, o que pode indiciar problemas de persistência de ‘silos’. No
entanto, os resultados indiciam uma certa abertura à relação (ainda que esporádica) com
outros organismos da administração pública.
Qualidade de Coordenação (figura 18). Para além da frequência de interação entre atores,
importa ainda perceber qual o nível de qualidade de coordenação entre atores de diferentes
organizações. Um primeiro resultado que importa referir diz respeito à percentagem
relativamente elevada de inquiridos que escolheu a opção ‘Não Consigo avaliar’ (cerca de 20%
em todas as variáveis apresentadas no gráfico), o que poderá indicar pouco à-vontade com a
temática da coordenação.
26
Para além destas considerações, os resultados apresentados na figura 18 permitem-nos
concluir que o nível médio de qualidade de coordenação percecionada é relativamente
reduzido, sobretudo nas relações entre os organismos da Administração Central do Estado e os
organismos de base territorial ( ̅ =3,49) e com outros organismos governamentais nacionais
( ̅ =3,87). Estes resultados indiciam, portanto, problemas ao nível da coordenação inter-
organizacional de nível vertical e horizontal.
Figura 17. Qualidade da Coordenação entre organização do inquirido e outros organismos (%)
1 2 3 4 5 6 7
27
6. Relevância das reformas do New Public Management e do Pós-New Public Management
Tal como é possível observar na figura 19, as tendências de reforma consideradas como mais
importantes são o fomento da ‘transparência e de uma governação aberta’ ( ̅ =6,4), a ‘redução
da burocracia interna’ ( ̅ =6,3), o fomento de ‘relações de colaboração e cooperação entre
diferentes atores públicos’ ( ̅ =6,3), o ‘enfoque nos impactos e resultados’ ( ̅ =6,0), o
desenvolvimento de instrumentos de ‘governo digital ou eletrónico’ ( ̅ =5,9), bem como o
‘tratamento de cidadãos como clientes’ ( ̅ =5,6). Contrariamente, as tendências de reforma
consideradas menos importantes pelos inquiridos são as ‘privatizações’ ( ̅ =2,5), a ‘criação de
organismos autónomos (institutos públicos) ou de empresas públicas’ ( ̅ =2,7), a ‘extensão da
provisão estatal a novas áreas’ ( ̅ =3,3), bem como a ‘contratualização externa de serviços’
( ̅ =3,4).
Procedendo a uma análise diferenciada por setores de políticas (ver figura 20), é possível
observar algumas diferenças que merecem uma análise aprofundada. Por exemplo, os setores
da Saúde e das Infraestruturas e Transportes destacam-se como tendo sido particularmente
reformistas. No caso do setor da Saúde, as tendências de reforma consideradas mais
importantes ao nível global (transparência e governação aberta; redução da burocracia
interna; colaboração e cooperação entre atores públicos; e, enfoque nos impactos e
resultados) revelam valores ainda mais expressivos. Já no caso do setor das Infraestruturas e
Transportes, os inquiridos atribuem um particular destaque às tendências de reforma
relacionadas com a redução da burocracia interna, mas também quanto ao tratamento dos
cidadãos enquanto clientes (ex: transportes públicos e autoestradas) e quanto ao fomento de
28
métodos de participação dos cidadãos (ex: espaços de consulta pública sobre projetos de
obras públicas). Por sua vez, os setores cujos inquiridos consideram que as tendências
reformistas são menos evidentes são: o setor dos Negócios Estrangeiros, sobretudo ao nível da
‘privatização’, ‘participação dos cidadãos’ e ‘tratamento dos cidadãos enquanto clientes’; e, o
setor da Cultura, nomeadamente ao nível da ‘contratualização externa’, da ‘redução da
dimensão do setor’, das ‘fusões entre organismos’ e da ‘participação dos cidadãos’. Por fim,
merece ainda destaque a particular importância das seguintes tendências: ‘redução da
dimensão do setor público’ no setor do Emprego; ‘parcerias externas e alianças estratégicas’,
‘métodos de participação dos cidadãos’ e ‘contratualização externa’ no setor do Ambiente; e,
‘transparência e governação aberta’ e ‘colaboração e cooperação entre organismos públicos’
no setor dos Serviços Gerais da Administração Pública.
Privatização 2,53
1 2 3 4 5 6 7
Q. Quão importante é cada uma das seguintes tendências de reforma no seu domínio de política
pública?
Escala: 1= Nada importante; 7=Muito importante
29
(Portugal ̅ =6,28 vs. ̅ =4,75); colaboração e cooperação entre organismos do setor público
(Portugal ̅ =6,27 vs. ̅ =5,06); enfoque nos impactos e resultados (Portugal ̅ =5,99 vs. ̅ =4,81);
e, governo digital e eletrónico (Portugal ̅ =5,91 vs. ̅ =5,12). Na compreensão destes
resultados tão discrepantes será necessário ter-se em consideração o ponto de partida, já que
Portugal tem uma tradição administrativa claramente caracterizada por um excessivo
legalismo, formalismo, e procedimentalismo e por uma reduzida orientação para a
transparência e os cidadãos (Corte-Real, 2008; Magone, 2011). Neste sentido, a adoção de
medidas relacionadas com as questões da transparência e da redução da burocracia interna
assumiram-se como claras prioridades de diferentes governos (Carvalho, 2007).
Por sua vez, os inquiridos em Portugal atribuem, em média, um menor nível de importância
que a média dos restantes países em análise às tendências de reforma da privatização
(Portugal ̅ =2,53 vs. ̅ =2,62), criação de agências autónomas e de empresas públicas
(Portugal ̅ =2,69 vs. ̅ =3,33), extensão da provisão do Estado a novas áreas (Portugal
̅ =3,34 vs. ̅ =3,56), bem como contratualização externa (Portugal ̅ =3,36 vs. ̅ =3,64).
30
Figura 19. Importância das tendências de reforma por setores de atividade (valores médios)
Justiça,
Serv. Neg. Assuntos Infraest. e Ordem Púb. Proteção
Gerais Estrang. Finanças Económic. Transport. Defesa e Segurança Emprego Saúde Social Educação Ambiente Cultura Portugal
Transparência e
6,65 4,63 6,38 6,40 6,64 5,75 6,48 6,14 6,71 6,25 6,48 6,14 5,40 6,38
governação aberta
Redução burocracia
6,29 5,75 6,10 6,36 6,86 5,67 6,36 6,50 6,68 6,04 6,19 5,71 5,00 6,28
interna
Colaboração
6,56 5,88 6,10 6,18 6,50 6,00 6,04 6,36 6,61 6,33 6,38 6,29 5,80 6,27
interorganizacional
Enfoque nos impactos e
6,05 5,14 5,76 5,94 6,38 5,08 6,44 5,86 6,54 5,88 6,14 5,83 5,20 5,99
resultados
E-government 5,80 5,88 6,28 5,73 5,43 5,45 6,24 6,07 6,11 6,13 6,05 6,00 4,80 5,91
Tratamento utilizadores
5,65 3,75 5,69 5,58 6,50 4,82 5,76 5,36 6,07 5,75 5,62 5,43 5,20 5,62
como clientes
Parcerias externas e
5,24 5,13 5,18 5,06 4,50 4,45 5,38 4,92 5,52 4,67 5,62 5,86 4,40 5,19
alianças estratégicas
Métodos de participação
5,15 3,13 4,79 4,67 6,00 5,09 5,04 5,00 4,96 5,29 5,24 5,71 4,00 4,84
dos cidadãos
Fusões de organizações 4,65 4,25 5,14 4,72 4,86 5,09 5,08 4,86 5,07 4,96 4,67 4,57 3,80 4,81
Flexibilização do
4,68 4,13 4,31 4,88 4,79 4,50 4,36 4,36 4,71 5,04 5,00 3,86 3,60 4,67
emprego
Redução da dimensão
4,44 4,75 4,72 4,25 5,14 5,09 4,96 5,21 4,54 4,67 4,57 4,43 3,00 4,50
do Estado
Contratualização externa 3,50 3,25 3,62 3,53 3,79 2,36 3,64 2,79 3,50 2,83 3,14 5,00 2,60 3,36
Extensão da atividade do
3,59 3,25 3,03 2,95 3,36 3,64 3,25 3,79 3,71 3,82 3,67 3,57 3,40 3,34
Estado a outras áreas
Criação de organismos
3,25 2,25 2,72 2,51 3,36 2,91 2,64 2,36 3,25 2,58 2,62 3,14 2,20 2,69
autónomos ou empresas
Privatização 2,36 1,75 2,90 2,65 3,29 3,64 2,68 1,57 2,56 2,58 2,40 2,57 2,00 2,53
31
No que se refere às dinâmicas de reforma, os resultados apresentados na figura 21
demonstram que os inquiridos consideram que as reformas implementadas nos seus setores
de políticas foram definidas de forma claramente top-down e impulsionadas pelos políticos,
com um bastante reduzido nível de envolvimento público e sem o apoio dos sindicatos. Estes
resultados estão, portanto, em linha com a tradição administrativa napoleónica (Corte-Real,
2008). Para além disso, os inquiridos consideram que as reformas têm sido claramente
impulsionadas por situações de crise ou incidentes e têm versado maioritariamente sobre
medidas de contenção de custos, ao invés de direcionadas para a melhoria dos serviços. Estas
conclusões vêm portanto ao encontro do que Magone (2011) refere no seu artigo sobre o
processo de reforma da administração pública portuguesa.
Por fim, é necessário salientar que os inquiridos tendem a considerar que, apesar de as
reformas do setor público terem sido em número excessivo, estas não foram muito
consistentes ou abrangentes. Desta feita, não será de estranhar que considerem que as
reformas não foram genericamente bem-sucedidas.
Q. Por favor indique a sua perspetiva sobre a reforma do setor público, utilizando as escalas abaixo
indicadas. As reformas do setor público no seu domínio de política pública tendem a ser
Escala: 1= Total alinhamento com dinâmica da esquerda; 10=Total alinhamento com dinâmica da direita
32
Em termos comparativos, Portugal é dos países cujos inquiridos consideram que o processo de
reforma do setor público terá registado maiores níveis de intervenção política e menores
níveis de envolvimento público. De igual modo, os dirigentes portugueses são dos que
consideram que a crise/incidentes e a pressão da contenção de custos tiveram maior nível de
influência nos processos de reforma do setor público. De destacar, por fim, que os dirigentes
inquiridos em Portugal são aqueles que consideram que as reformas nos seus respetivos países
foram menos bem-sucedidas.
Para além destes instrumentos de gestão orientados para os objetivos e resultados, os valores
da figura 22 demonstram também uma significativa importância de instrumentos como
‘códigos de conduta’ ( ̅ =4,76) e ‘inquéritos ao cliente/utilizador’ ( ̅ =4,69). A importância
destes instrumentos de gestão vem, por conseguinte, confirmar a relevância atribuída a
tendências de reforma relacionadas com a transparência e a orientação para o cliente (ver
ponto 6.1 e figura 19).
33
Figura 21. Relevância de diferentes instrumentos de gestão (valores médios)
1 2 3 4 5 6 7
Gestão de Desempenho
34
Figura 22. Relevância da gestão de desempenho (valores médios)
1 2 3 4 5 6 7
Os resultados de Portugal estão, portanto, em linha com os resultados médios dos países
analisados no ‘Cross-National Report’ do projeto COCOPS (Hammerschmid, et al., 2013b).
Tal como acontece em Portugal, os restantes países tendem a atribuir maior importância
à mensuração dos resultados e impactos, em detrimento dos recursos e dos processos. A
grande diferença que os resultados de Portugal apresentam está relacionada com a muito
baixa importância conferida pela administração pública em Portugal à atribuição de
recompensas pelo cumprimento de objetivos.
35
Figura 23. Soluções de coordenação (valores médios)
1 2 3 4 5 6 7
Tal como acontece em Portugal, a solução mais frequente na resolução de problemas entre
atores na maioria dos 10 países iniciais do projeto COCOPS é efetivamente reportar o assunto
a um nível superior da hierarquia. No entanto, será importante destacar que o único país cujos
resultados são superiores aos de Portugal é a França ( ̅ =5,79) e que após estes dois países,
os valores mais altos são os de Espanha ( ̅ =5,43) e Itália ( ̅ =5,18). Estes resultados
confirmam, assim, que a cultura administrativa napoleónica destes países conduz
geralmente a uma maior verticalização das relações entre organismos. Importa ainda
destacar a relevância da criação de grupos de trabalho ou de projeto transversais
enquanto solução de coordenação mais comum em países como a Holanda e a Noruega,
ou como segunda solução de coordenação mais comum em países como o Reino Unido, a
Estónia, ou a Hungria.
Tal como é possível observar pelos resultados apresentados na figura 25, os dirigentes públicos
de topo que responderam ao questionário utilizam os indicadores de desempenho sobretudo
na gestão interna das organizações, principalmente na avaliação da concretização dos seus
próprios objetivos e metas ( ̅ =5,70), na resposta a solicitações dos seus superiores
( ̅ =5,24), bem como na monitorização do desempenho dos seus colaboradores ( ̅ =5,66).
De acordo com os resultados, os inquiridos utilizam também indicadores de desempenho
36
com uma certa frequência para identificar problemas que necessitem de atenção
( ̅ =5,17), ou para promoverem processos de aprendizagem e melhoria ( ̅ =4,93).
1 2 3 4 5 6 7
Para efeitos de comparação entre países, criaram-se duas variáveis compostas: uma que se
reporta à importância da utilização de indicadores de desempenho para fins externos e que
agrega os três primeiros itens da figura 25; e, uma segunda variável, que se reporta à
importância da utilização de indicadores de desempenho para fins internos e que agrega os
cinco restantes itens. De acordo com os resultados apresentados no ‘Cross-National Report’
do projeto COCOPS (Hammerschmid, et al., 2013b), Portugal é dos países cujos inquiridos
utilizam indicadores de desempenho para fins externos de forma mais expressiva (apenas
o Reino Unido apresenta valores superiores) e o país que utiliza esses indicadores de
desempenho para fins internos de forma mais expressiva. Estes resultados poderão ser
explicados pelo enorme ênfase que o processo de reforma administrativa em Portugal
tem atribuído aos resultados e impactos e à avaliação de desempenho, tal como
anteriormente demonstrado.
37
7. Impacto da Crise Financeira na Administração Pública
Tal como é sabido, Portugal tem sido severamente afetado pela atual crise económica e
financeira. Os últimos cinco anos foram claramente marcados por um discurso de austeridade,
sobretudo no quadro do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) para o
período 2011-2014, definido entre o Governo Português de então, os principais partidos da
oposição (atualmente no Governo) e a designada troika (Comissão Europeia, Banco Central
Europeu e Fundo Monetário Internacional).
Em relação à Administração Pública, o PAEF previa, entre outras medidas, alguns planos de
contenção de custos relacionados com as parcerias público-privadas e com empresas estatais,
a implementação de serviços partilhados, bem como a adoção de diversas medidas ao nível de
gestão de pessoal (congelamento de contratações e limitação de promoções; congelamento e
cortes de salários; etc). Para além disso, previa-se a definição de planos de reestruturação de
áreas com excesso de trabalhadores e com recursos excessivo a horas extraordinárias. Por fim,
previa-se igualmente cortes nas pensões de velhice e em prestações sociais.
Medidas de contenção de custos e cortes (figura 26). Numa das questões apresentadas,
solicitava-se aos inquiridos que referissem qual a principal estratégia de contenção de custos
no seu setor de políticas, tendo sido utilizada nesta questão a tipologia de estratégias
apresentada por Pollitt e Bouckaert (2011): cortes proporcionais transversais a todas as áreas
(cheese-slicing); cortes direcionados de acordo com definição de prioridades; e, poupanças
geradas por produtividade.
Tal como é possível observar na figura 26, a estratégia mais comummente utilizada terá sido
claramente a da aplicação de cortes direcionados (50% dos inquiridos), seguindo-se uma
abordagem visando poupanças geradas por produtividade e eficiência (29,5%). De acordo com
as opiniões dos inquiridos, a preponderância da primeira estratégia é particularmente visível
nos setores da Cultura (60%), Economia (57,3%), Transportes e Infraestruturas (57,1%), e
Proteção Social (54,5%), ou seja, setores que estão relacionados com grande investimentos
públicos ou com elevados montantes gastos em prestações sociais. Por sua vez, os setores em
que este tipo de estratégia é menos preponderante são a Defesa (33%) e os Negócios
Estrangeiros (37,5%).
Por outro lado, a contenção de custos resultante de poupanças geradas por produtividade e
eficiência terá sido uma estratégia particularmente importante nos setores da Cultura (40%),
dos Serviços Gerais da Administração Pública (39,5%), da Justiça, Ordem Pública e Segurança
38
(37,5%), da Proteção Social (36,4%) e da Saúde (33,3%) – resultados que se considera estarem
relacionados, sobretudo, com processos de racionalização de estruturas e de processos.
Q. Na resposta à crise financeira, de que forma descreveria a abordagem geral para gerar poupanças no
seu domínio de política pública? (escolha apenas uma)
Estratégias de Poupança. Tal como é possível observar através dos resultados da figura 27, as
estratégias de poupança que os inquiridos consideram terem sido mais incisivas prendem-se
com o congelamento ( ̅ =6,46) e cortes ( ̅ =6,27) nos salários, bem como com o
congelamento de contratações ( ̅ =5,45). De acordo com os inquiridos, outras tipologias
de estratégias de poupança particularmente expressivos terão sido o adiamento ou
cancelamento de novos programas e políticas públicas ( ̅ =5,28), ou cortes em programas
existentes ( ̅ =5,14). Por sua vez, as estratégias de poupança que os inquiridos referiram
como menos expressivas terão sido demissão de funcionários ( ̅ =1,72), aumento de taxas
e encargos para o utilizador ( ̅ =2,30), ou mesmo a redução nos serviços de atendimento
dos cidadãos (front-office) ( ̅ =2,76). A propósito deste último conjunto de resultados,
importa reforçar que o questionário foi aplicado no final do ano de 2012, pelo que estes
ainda não refletem a aplicação do programa de rescisões amigáveis.
39
Figura 26. Importância de medidas de contenção de custos (valores médios)
1 2 3 4 5 6 7
Q. Na resposta à crise financeira, em que medida a sua organização aplicou as seguintes medidas de
contenção?
Escala: 1= Não aplicou; 7=Aplicou em larga escala
40
8. Impacto da Reforma da Administração Pública
No que concerne à avaliação geral da evolução da administração pública nos últimos 5 anos
(ver figura 28), apenas uma pequena percentagem dos inquiridos (16%) considera que houve
uma clara melhoria (categorias 8 a 10 numa escala de 1-10). Uma larga parte dos inquiridos
(45,8%) considera que a administração pública não registou alterações significativas
(categorias 4 a 7), ao passo que 37,3% dos inquiridos considera que a administração pública
piorou claramente no decorrer dos últimos 5 anos.
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Q17. Em comparação com a situação de há 5 anos atrás, como classifica o desenvolvimento da situação
da administração pública no seu país?
Escala: 1= Pior; 10=Melhor
Os resultados indicam ainda que esta avaliação geral tendencialmente negativa ( ̅ =4,68) será
ligeiramente mais expressiva nos inquiridos que ocupam postos de direção intermédia
( ̅ =4,66) do que entre os dirigentes superiores inquiridos ( ̅ =4,75). Já ao nível dos setores
de atividade, aqueles cujos inquiridos apresentam uma atitude mais crítica são os setores
da Cultura ( ̅ =2,40), do Ambiente ( ̅ =3,29) e dos Negócios Estrangeiros ( ̅ =3,86). Por sua
vez, os dirigentes menos críticos quanto à evolução da Administração Pública nos últimos
5 anos são os dos setores do Emprego ( ̅ =6,07), das Finanças ( ̅ =5,50), da Educação
( ̅ =5,40) e da Proteção Social ( ̅ =5,05). Importa registar, a este propósito, que os valores
registados nos três setores sociais (Emprego, Educação e Proteção Social) causam alguma
estranheza face aos cortes que sofreram e não estão em linha com os valores da avaliação
por diferentes indicadores de desempenho (figura 29).
41
que considera que se registou uma significativa melhoria. Para além dos inquiridos
portugueses, aqueles que apresentam uma posição mais negativa face à evolução da
administração pública dos seus países são os espanhóis, ao passo que os inquiridos da
Holanda, da Estónia e da Noruega são aqueles que têm uma avaliação mais positiva.
Para além desta avaliação global, o questionário incluiu também uma pergunta na qual se
solicitava aos inquiridos que avaliassem a evolução da administração pública nos últimos 5
anos (escala de 1-7) relativamente a um amplo conjunto de indicadores de desempenho. De
acordo com os resultados apresentados na figura 29, os inquiridos consideram que se
registaram algumas ligeiras melhorias quanto à qualidade do serviço prestado ( ̅ =4,95), à
inovação ( ̅ =4,91), à igualdade no acesso aos serviços ( ̅ =4,78), ao comportamento ético
dos trabalhadores ( ̅ =4,75), à eficiência ( ̅ =4,66), bem como ao tratamento justo dos
cidadãos ( ̅ =4,52). Por sua vez, as dimensões em que os inquiridos consideram que se
registaram claras deteriorações são ao nível da atratividade do setor público como
empregador ( ̅ =2,62), da motivação dos recursos humanos ( ̅ =3,23), da coesão social
( ̅ =3,38), ou mesmo da confiança dos cidadãos no setor público ( ̅ =3,52).
1 2 3 4 5 6 7
*
Q22. Pensando sobre o seu domínio de política pública durante os últimos cinco anos, de que forma
classificaria o comportamento da administração pública relativamente aos seguintes assuntos?
Escala: 1=Piorou significativamente; 7=Melhorou significativamente
42
Ao comparar os resultados de Portugal e dos restantes países em análise no ‘Cross-National
Report’ do projeto COCOPS (Hammerschmid, et al., 2013b), é possível observar-se que os
resultados da avaliação dos inquiridos portugueses seguem, de uma forma geral, as
tendências gerais. Este alinhamento com a média dos restantes 10 países regista-se
sobretudo ao nível da ‘eficiência’, da ‘justiça no tratamento dos cidadãos’, da
‘participação e envolvimento dos cidadãos’, bem como a ‘confiança dos cidadãos no setor
público’.
43
9. Conclusão
Esta dupla influência denota-se, desde logo, pelos valores que os inquiridos consideram
mais importantes para nortear o desempenho das suas funções e as atividades da
administração pública em geral. Por um lado, os valores que os inquiridos consideram como
mais relevantes no desempenho da sua atividade de dirigentes são o ‘uso eficiente de
recursos’ e a ‘concretização de resultados’, ao mesmo tempo que consideram que o valor da
‘eficiência’ deverá nortear a atividade da administração pública. Por outro lado, atribuem
também um significativo nível de importância a valores mais relacionados com a
Administração Pública Tradicional, quer seja ao nível dos seus papéis enquanto dirigentes
(‘assegurar implementação imparcial de leis e regras’), quer seja ao nível da forma como a
administração pública deve funcionar (‘enfoque no cidadão’ e ‘provisão estatal’).
Por fim, o carácter Neo-Weberiano denota-se, ainda, no facto de os inquiridos terem definido
como tendências de reforma bastante importantes a transparência e governação aberta, a
redução da burocracia interna, o enfoque nos impactos e resultados, ou mesmo a
preocupação com os cidadãos. Estas tendências de reforma alinham-se, sobretudo, com o
designado Pós-NPM, o qual resulta, ele próprio, de uma conjugação de valores da
Administração Pública Tradicional e do New Public Management.
Não obstante este carácter reformista, a análise das principais dinâmicas de reforma
evidencia a influência ainda prevalecente da cultura administrativa napoleónica, na medida em
que os inquiridos consideram que o processo de reforma seguiu uma abordagem top-down e
44
foi claramente liderado por atores políticos, não contando com expressivo envolvimento de
atores da Sociedade Civil (cidadãos e sindicatos).
Para além desta influência da cultura napoleónica, uma outra importante dinâmica de reforma
do setor público parece ter sido a orientação para a contenção de custos. Com efeito, a
situação de debilidade económica e financeira que o país atravessa há pelo menos uma década
tem claramente marcado o processo de reforma do setor público em Portugal (Magone, 2011).
Esta orientação para a contenção de custos tem sido intensificada no atual contexto de crise,
registando-se cortes, sobretudo, ao nível dos recursos humanos (congelamento e cortes
salariais, bem como congelamento de contratações), mas também ao nível do adiamento ou
cancelamento de novos programas, ou de cortes nos programas existentes.
Como se pode observar, o processo de reforma do setor público em Portugal revela claras
dinâmicas híbridas. Por um lado, tem vindo a registar-se, sobretudo na última década, um
claro alinhamento managerialista ao nível da orientação para a eficiência e controlo de custos
e do enfoque em objetivos e resultados. Por outro lado, muitas das características da
Administração Pública Tradicional vistas como problemáticas para o funcionamento do
sistema, tais como o legalismo, a politização e a centralização da tomada de decisão, mantêm-
se ainda bastante evidentes, sendo percecionadas como condicionantes do sucesso das
reformas.
45
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