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JOHN C. DAWSEY
Professor Livre-Docente do Departamento de
Antropologia da USP e coordenador do Núcleo
de Antropologia da Performance e do Drama
(Napedra/USP).
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Dilthey, Turner descreve cinco “momentos” Seriousness of Play] (Turner 1982a), eu gostaria
que constituem a estrutura processual de cada de “brincar” com o modelo de “drama social”
erlebnis, ou experiência vivida: 1) algo acontece do autor, explorando uma possível meta-nar-
ao nível da percepção (sendo que a dor ou o rativa de Dewey, Dilthey and Drama: An Essay
prazer podem ser sentidos de forma mais inten- in the Anthropology of Experience. Embora eu
sa do que comportamentos repetitivos ou de não esteja exatamente contribuindo para ate-
rotina); 2) imagens de experiências do passado nuar algumas das críticas aos usos da noção
são evocadas e delineadas – de forma aguda; 3) de drama social – que vira, de acordo com
emoções associadas aos eventos do passado são Geertz, “uma fórmula para todas as estações”
revividas; 4) o passado articula-se ao presente (Geertz [1980] 1983: 28) –, intriga-me ver
numa “relação musical” (conforme a analogia como o próprio texto de Turner ilumina uma
de Dilthey), tornando possível a descoberta e forma dramática. Alguns ruídos que surgem,
construção de signi�cado; e 5) a experiência se quem sabe, do límen do seu ensaio podem sus-
completa através de uma forma de “expressão”. citar questões em relação à noção de experi-
Performance – termo que deriva do francês an- ência. Haveria em Turner a nostalgia por uma
tigo parfournir, “completar” ou “realizar intei- experiência que se expressa melhor na noção
ramente” – refere-se, justamente, ao momento de erfahrung do que na de erlebnis? A�nidades
da expressão. A performance completa uma entre a antropologia de Turner e o pensamento
experiência (Turner 1982b: 13-14). benjaminiano merecem atenção. Assim como
A imagem de Dilthey também fulgura em algumas diferenças. Antes de tudo isso, porém,
“�e anthropology of performance” (Turner convido o leitor a um exercício de rememo-
1987b). O próprio Turner apresenta-se nes- ração do percurso de Turner, que vai, como
te artigo como um dos precursores da “virada veremos, do ritual ao teatro, e do liminar ao
pós-moderna” na antropologia. O “perigo”, diz liminoide.
Turner, não vem dos chamados “pós-moder-
nos”, mas das tentativas “clássicas” e recentes I Ritos e dramas sociais
de fazer da antropologia uma das variantes das
ciências naturais, uma ciência do ser huma- À primeira vista, o percurso de Turner suge-
no sem vida, despojada de experiência vivida re algo como um esquema evolucionista: do ri-
– mais um sintoma de uma época em que “o tual ao teatro. No princípio, o ritual. Por outro
signi�cado é que não há signi�cado”.3 Daí a lado, questões do pensamento teatral colocam-
importância de Dilthey. No mundo contem- se desde o início. Inclusive, a mãe de Turner,
porâneo a busca do sentido torna-se cada vez Violet Witter, que era atriz, foi uma das funda-
mais difícil. As a�nidades entre a antropologia doras do Teatro Nacional Escocês nos anos de
“pós-moderna” e antropologia da experiência 1920. Em Schism and Continuity in an African
(e da performance) de Turner revelam-se num Society, Turner supõe que ritos de passagem,
“desvio”: a atenção do antropólogo volta-se aos assim como dramas sociais, evocam uma forma
ruídos e elementos estruturalmente arredios. estética que se encontra na tragédia grega (Tur-
Nesta apresentação, levando a sério “a se- ner [1957] 1996). As atenções de Turner para
riedade humana da brincadeira” [�e Human elementos estruturalmente arredios eviden-
ciam-se desde suas primeiras pesquisas, à luz
3. Este comentário, sobre uma época em que “o signi- das discussões de Max Gluckman sobre “ritos
�cado é que não há signi�cado”, aparece em Turner de rebelião” (Gluckman 1954), de Van Gen-
(1986: 43).
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nep sobre “ritos de passagem” ([1908] 1960), determinados instantes, tensões a�oram. Ele-
e, certamente, de Violet Witter sobre teatro. mentos não resolvidos da vida social se mani-
Roland Barthes de�ne teatro como uma ati- festam. Irrompem substratos mais fundos do
vidade que “calcula o lugar olhado das coisas” universo social e simbólico. As relações sociais
(Barthes 1990: 85). Essa idéia pode ser interes- iluminam-se a partir de fontes de luz subter-
sante para se discutir a própria antropologia, râneas.
particularmente como ela se manifesta em Vic- Victor Turner produz um desvio metodo-
tor Turner. As a�nidades entre procedimentos lógico no campo da antropologia social britâ-
etnográ�cos e ritos de passagem são bastante nica. Para se entender uma estrutura, é preciso
conhecidas. Ambos envolvem estratégias que suscitar um desvio. Busca-se um lugar de onde
visam produzir efeitos de estranhamento em seja possível detectar os elementos não-óbvios
relação ao familiar. A partir de deslocamen- das relações sociais. Estruturas sociais reve-
tos do lugar olhado das coisas, conhecimento lam-se com intensidade maior em momentos
é produzido e adquire densidade. A sacada de extraordinários, que se con�guram como ma-
Turner foi ver como as próprias sociedades sa- nifestações de “anti-estrutura”. O antropólogo
caneiam-se a si mesmas, brincando com o peri- procura acompanhar os movimentos surpreen-
go, e suscitando efeitos de paralisia em relação dentes da vida social.
ao �uxo da vida cotidiana. Isso através de ritos, Experiências que irrompem em tempos e
cultos, festas, carnavais, música, dança, teatro, espaços liminares podem ser fundantes. Dra-
procissões, rebeliões e outras formas expressi- mas sociais propiciam experiências primárias.4
vas. Universos sociais e simbólicos se recriam a Fenômenos suprimidos vêm à superfície. Ele-
partir de elementos do caos. mentos residuais da história articulam-se ao
Nos anos de 1950, vendo como as aldeias presente. Abrem-se possibilidades de comuni-
Ndembu ganhavam vida em momentos de cri- cação com estratos inferiores, mais fundos e
se, Victor Turner elaborou o modelo de drama amplos da vida social. Estruturas decompõem-
social que lhe serviria como instrumento de se – às vezes, com efeitos lúdicos. O riso faz
análise, inclusive nas formulações posteriores estremecer as duras superfícies da vida social.
da antropologia da performance e antropologia Fragmentos distantes uns dos outros entram
da experiência. Discussões sobre ritos de passa- em relações inesperadas e reveladoras, como
gem foram fundamentais para as formulações montagens. Figuras grotescas manifestam-se
de Turner. De acordo com o modelo de Van em meio a experiências carnavalizantes (Turner
Gennep, ritos de passagem envolvem três “mo- 1967b: 105-106). No espelho mágico de uma
mentos”, ou sub-ritos: 1) de separação, 2) de experiência liminar, a sociedade pode ver-se a
transição (“liminares”), e 3) de reagregação. No si mesma a partir de múltiplos ângulos, expe-
modelo de drama social elaborado por Turner, rimentando, num estado de subjuntividade,
os três momentos desdobram-se em quatro: 1) com as formas alteradas do ser.5
ruptura, 2) crise e intensi�cação da crise, 3) No espelho da anti-estrutura, �guras vis-
ação reparadora, e 4) desfecho (que pode levar tas como estruturalmente poderosas podem
à harmonia ou cisão social).
Estruturas sociais – entendidas, sob o sig- 4. Turner discute a noção de “processo primário”, termo
no da antropologia social britânica, como sugerido por Dario Zadra, em seu artigo sobre Hidal-
conjuntos de relações sociais empiricamente go e a revolução mexicana (Turner 1974a: 110).
observáveis – estão carregadas de tensões. Em 5. A metáfora do “espelho mágico” aparece em vários
escritos de Victor Turner (Turner 1987a: 22).
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(codi�cados “a”, “b”, “c”, e “d”), as seqüências meiras referências ao que se poderia ver, nos
do ensaio de Turner podem ser analisadas da termos do modelo de “drama social”, como “a
seguinte forma: crise e intensi�cação da crise”. Turner discute
as di�culdades de se recriar universos sociais e
[C1] AÇÃO REPARADORA: DEWEY. simbólicos no mundo contemporâneo, onde
Inicia-se com uma discussão de Dewey, autor indivíduos se vêem sozinhos e abandonados
estratégico por sua ênfase na articulação das diante da responsabilidade de darem sentido
tradições do passado ao presente (o tempo do às suas vidas. Trata-se de uma “crise de ação
“agora”). Tradição não precisa (nem deve?) virar simbólica”. Como essa discussão segue à apre-
sacrifício. Assim como a tradição, a expressão sentação da noção de erlebnis, seria possível
artística não se desvincula do cotidiano. Trata- perguntar se Turner não estaria se vendo diante
se de uma “celebração da experiência cotidiana dos limites dessa idéia de experiência.
(ordinary experience)”. Dewey aparece, no con-
texto do ensaio, como um dos atores centrais [C3] AÇÃO REPARADORA: A METÁ-
que contribuem para uma “ação reparadora” da FORA DO “DRAMA SOCIAL” DE TUR-
“crise” de fundo, ainda a ser delineada. Porém, NER. Turner parece sinalizar algo nessa direção:
Turner irá propor algumas reformulações em a unidade de experiência de Dilthey privilegia
relação à sua noção de experiência. questões de cultura e psicologia. Talvez a men-
ção à psicologia seja crucial. Em “Liminal to
[C2] AÇÃO REPARADORA: DILTHEY. liminoid...” Turner observa que símbolos limi-
A primeira reformulação vem de Dilthey, que noides tendem a ser de natureza “pessoal e psi-
propicia uma distinção fundamental entre cológica” em vez de “objetiva e social”. Até que
“mera experiência” e “uma experiência”. Aqui ponto erlebnis se restringe à experiência vivida
se introduz a noção de erlebnis, experiência do indivíduo? O artigo de Roger D. Abrahams,
vivida. A etimologia de experiência remete à que segue ao de Turner em �e Anthropology
noção de “perigo”, etc. Os elementos do mode- of Experience, é bastante explícito nesse senti-
lo de experiência discutidos na introdução de do (Abrahams 1986: 45-72). Abrahams suge-
From Ritual to �eatre aparecem, embora não re cautela nos usos da noção de “experiência”,
de modo esquemático. Dilthey surge como produzindo um distanciamento re�exivo em
uma poderosa �gura ancestral, tal como as relação ao entusiasmo demonstrado por ela ao
que irrompem durante ritos de cura entre os longo da história cultural dos Estados Unidos.
Ndembu.13 De qualquer forma, num movimento que re-
vela o caráter propositivo de seu ensaio, Turner
[B] CRISE E INTENSIFICAÇÃO DA procura demonstrar a relevância de sua noção
CRISE: DIFICULDADE LIMINOIDE DE de “drama social” para questões de “experiên-
SIGNIFICAR O MUNDO. Surgem as pri- cia”. Dramas sociais podem propiciar formas
de acesso a substratos do universo social e sim-
bólico. Ritos que surgem como expressões de
13. Como já foi visto, Dilthey é uma �gura recorrente
nos artigos de Turner. Na introdução de From Ritu- “ação reparadora” (terceiro momento do drama
al to �eatre: �e Human Seriousness of Play, Turner social), assim como ritos que inauguram mo-
imagina a frase “O Professor Dilthey aprovaria” como mentos de “ruptura” (primeiro), criam o “pal-
um selo �nal de aprovação das tentativas de gerar- co” para que estruturas de experiência únicas
se uma antropologia e um teatro da experiência (Cf. (erlebnis) possam ocorrer. Isso devido às fontes
Turner 1982b: 18).
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Dilthey, citado no início desta apresentação, a também lá se encontram bons indícios de caute-
descoberta e construção do signi�cado tornam- la em relação às suas manifestações. Ressalta-se
se possíveis na medida em que o passado arti- nesse autor, além da busca por communitas, a
cula-se ao presente numa “relação musical”. Na sua atenção aos ruídos. Um lembrete: aquilo que
frase inicial do título irrompem três imagens interessa a Turner é o que ele chama de “com-
do passado: Dewey, Dilthey, e... o jovem Tur- munitas espontânea”, e não as manifestações su-
ner (que elaborou o modelo do drama social). per�ciais, discutidas no capítulo quatro de �e
Estas, poderíamos sugerir, articulam-se a um Ritual Process, como “communitas ideológica” e
presente que é vivido como uma “crise”: a di- “communitas normativa” (Turner 1969a: 131-
�culdade liminoide de ressigni�car o mundo.15 165).
No caso de Dewey e Dilthey, particularmente, Hoje temos acesso a experiências liminoides,
trata-se de vozes “ancestrais” oriundas de subs- cujas origens remetem às dimensões do liminar,
tratos mais próximos aos de onde ocorrem os diz Turner. Até que ponto é possível num mun-
abalos originários da “ruptura”, a Revolução do pós-revolução industrial o acesso direto a ex-
Industrial. No desfecho, ressoam novamente periências liminares não está claro. No �nal de
Dewey, Dilthey e drama – agora em voz unís- “Liminal to liminoid...” Turner parece buscar
sona. Até mesmo alguns ruídos evocativos da na noção de �ow (�uxo) de Csikszentmihalyi
“crise” retornam neste �nal. Vamos a eles. – noção que se refere ao envolvimento total da
pessoa naquilo que ela faz – algo parecido com a
IV Ruídos communitas (Csikszentmihalyi 1990). O desfe-
cho daquele artigo – em contraste com “Dewey,
Um “�nal feliz”: podemos ter experiências Dilthey and drama...” – é anti-climático: com-
de communitas no teatro. Porém, o desfecho munitas é algo que se manifesta entre indivídu-
do artigo – como revela a frase de Turner sobre os, enquanto �ow acontece no indivíduo. Flow
“culturas declinantes” – não elimina os ruídos. pertence ao domínio da estrutura.
Seria surpreendente para o próprio Turner, par- Duas questões se oferecem:
ticularmente, se os eliminasse: desfechos harmo- 1. A nostalgia de Turner pela experiência
nizantes (ou até unissonantes) tendem a oferecer liminar que os rituais em sociedades de soli-
apenas soluções parciais e provisórias. Mesmo dariedade mecânica podem proporcionar teria
sem recorrer a Bertolt Brecht, Antonin Artaud, a ver com uma percepção aguda, embora não
Nelson Rodrigues, José Celso Martinez Corrêa explicitada, dos limites da noção de erlebnis,
ou outras expressões do teatro contemporâneo, experiência vivida? Creio que a tentativa de ar-
há no próprio texto de Turner – imagino no seu ticular a noção de dramas sociais à discussão
límen, em meio a inúmeras “sugestões de como sobre erlebnis sugere que sim.
continuar a história” – razões para estranhar-se o 2. Rondando esse ensaio – no seu límen,
desfecho. Se há nos escritos de Turner uma espé- quem sabe – não haveria outra categoria de
cie de nostalgia por experiências de communitas, experiência discutida por Dilthey – erfahrung?
Não seria esta categoria mais apropriada do
15. Observa-se que o ensaio foi publicado, como vimos que a de erlebnis para iluminar a nostalgia de
anteriormente, no mesmo ano em que ganha força, Turner por uma experiência coletiva, vivida em
no campo da antropologia, a percepção de uma “crise comum, passada de geração em geração, e ca-
das representações” – através da publicação de dois paz de recriar um universo social e simbólico
dos textos mais conhecidos da antropologia “pós-mo- pleno de signi�cado?
derna”. Cf. nota no. 2.
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a grande tradição narrativa: o seu “não-acaba- diatamente precede algumas de suas a�rma-
mento essencial” (Gagnebin 1985:12). Trata- ções mais entusiasmadas sobre communitas.16
se da abertura dessa tradição para as múltiplas Como interpretá-lo? Haveria aqui uma hesita-
e espantosas possibilidades interpretativas. ção, e, quem sabe, um indício da cautela de
Como exemplo de narrativa tradicional, Ben- Turner diante de manifestações de communi-
jamin apresenta a história de Psammenites, tas, particularmente em meio à fragmentação
contada por Heródoto. E diz: das relações sociais e ao estilhaçamento do es-
pelho mágico do ritual?17
Heródoto não explica nada. Seu relato é dos 2. Considerando-se que a experiência de
mais secos. Por isso essa história do antigo communitas tende a irromper às margens da
Egito ainda é capaz, depois de milênios, de sociedade, o ruído produzido no texto de Tur-
suscitar espanto e re�exão. Ela se assemelha ner seria proveniente de um duplo desloca-
a essas sementes de trigo que durante milha- mento – às margens das margens?18
res de anos �caram fechadas hermeticamente
nas câmaras das pirâmides e que conservam 16. “Um senso de harmonia com o universo se evidencia
até hoje suas forças germinativas (Benjamin e o planeta inteiro é sentido como uma communitas”
1985b: 204). (Turner 1986: 43).
17. Tendo-se em vista o movimento de expansão do uni-
De modo semelhante, nos substratos mais verso liminoide e seus efeitos de descentramento nas
esferas de ação simbólica – evocativos, quem sabe, de
fundos do entretenimento e dos novos gêneros
uma espécie de revolução copernicana sob a égide do
de ação simbólica, Turner descobre as fontes do mercado –, haveria nas expressões de nostalgia por
poder liminar. As formas expressivas que ger- liminaridade e communitas uma reação centrípeta,
minaram após a Revolução Industrial também ou, ainda, uma tentação ptolomaica? Até que ponto
propiciam manifestações do caos criativo, ca- a nostalgia pelo liminar manifesta processos de for-
pazes de surpreender, com efeitos de estranha- mação, num mercado do lazer, de centros de poder
simbólico para controle e uso do “caos criativo” que
mento, as con�gurações do real, energizando
se associa aos gêneros liminoides de expressão?
e dando movência aos elementos do universo Em meio ao estilhaçamento, ressalta-se a perplexida-
social e simbólico. Embora estejam às margens de dos indivíduos. Mas, haveria como reviver as con-
de processos centrais de reprodução da vida dições do teatro antigo? O que implicaria “transferir
social, estas expressões liminoides apresentam o peso da responsabilidade de atribuição de signi�-
um potencial ainda maior do que as formas ar- cado do indivíduo para o grupo” (Turner 1986: 37)?
Como reconstituir a coesão do universo simbólico em
caicas para promover a transformação das rela-
meio à proliferação das possibilidades interpretativas?
ções humanas. E, nessas circunstâncias, como reviver experiências de
communitas – sem que elas virem experiências coleti-
VI. Margens das margens vas em que “o signi�cado é a falta de signi�cado”? En-
�m, uma questão de fundo: a constituição de centros
Antes de abandonar esta apresentação, ar- gravitacionais num universo liminoide, e seus efeitos
de atração sobre as margens.
risco algumas questões:
18. O que irrompe às margens das margens? Turner
1. O que dizer do ruído – a frase sobre “cul- compara uma experiência, no sentido que lhe é dado
turas declinantes” em que “o signi�cado é de por Dilthey, a “uma pedra num jardim de areia Zen”
que não há signi�cado” – provocado por Tur- (Turner 1986: 35). Quando pedras viram areia na ór-
ner no momento em que o seu ensaio chega a bita de uma reação centrípeta – em meio ao possível
um “�nal feliz”? Ressalta-se que o ruído ime- ofuscamento da visão – talvez seja preciso um duplo
deslocamento do lugar olhado das coisas. Isso, para
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de passagem” – aquém do drama. Tomando os margens.22 Quer dizer, vamos às margens das
três momentos dos “ritos de passagem” como margens. Uma ressalva: esta lição aprendemos
elementos meta-narrativos (codi�cados “a”, com o próprio Turner. O límen pode ser um
“b”, e “c”), as seqüências da apresentação po- lugar privilegiado para se observar um fenôme-
dem ser analisadas da seguinte forma: no, tal como um texto.
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Não apenas permanecemos em meio às discus- In O Óbvio e o Obtuso: Ensaios Críticos. Rio de Janeiro:
sões do texto de Turner sobre a Antropologia Nova Fronteira, p. 85.
da Experiência, mas, na companhia de Wal-
ter Benjamin (pessoa relativamente estranha 22. As aberturas para uma antropologia benjaminiana
à antropologia), exploramos os seus ruídos e tornam-se expressivas nos estudos de Michael Taussig
(Taussig 1980; 1986; 1993).
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