Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo:
A.
1. Prisões são indicador e instrumento de transformação social para
um estado qualitativamente diferente: a) EUA não vai para a
Humanização; b) prisões racionalização das penas.
2. Estudos prisionais deveriam: a) explicar “excesso” de politização
dos assuntos prisionais vs. neutralização das vidas prisionais; b) qual a
especificidade política e funcional das penas judiciais nas sociedades
modernas.
B.
1. Goffman e Foucault influenciaram humanisticamente a crítica das
prisões, com consequências institucionais. Mas não respondem às per
guntas acima.
2. Wacquant mostra-nos que o nosso optimismo evolucionista não
se conforma com a realidade observada, a menos que se faça alguma
coisa: se proteja a Europa das tendências securitárias empresarialmente
organizadas nos EUA.
D. Reforma Prisional
Relatórios oficiais são legalistas e relatórios ONG são empíricos
Reforma prisional é humanista no texto e politicamente apresentada
como securitária
O debate público e científico seria favorável à perspectiva huma
nista
A disponibilidade política para o organizar é reduzida
Objectivos reformistas definidos a longo prazo e em abstracto não
fazem pressão sobre os políticos ou o sistema prisional
A reforma prisional é tanto uma declaração de vontade política
quanto é uma declaração de vontade de continuidade das políticas
seguidas desde 1996
E. Anomia
Estudos prisionais: técnicos (psi) ou políticos (socio)? Ambas as
vertentes são válidas, embora a primeira seja actualmente dominante
Como fazer a guerra contra a droga? Como humanizar as prisões?
Porque não foram bem sucedidos tais objectivos até agora?
ANOMIA EM DURKHEIM - ENTRE A SOCIOLOGIA EA PSICOLOGIA PRISIONAIS 97
1.
98 DIREITO E JUSTIÇA
e controlada uma reportagem nos corredores da morte ou nas prisões de alta segurança.
A morte por injecção letal, depois de anos de isolamento, as prisões brancas que enlou
quecem sem intervenção humana, são comparáveis com as lapidações ou os cárceres
em que os reclusos dormem de pé?
3 Umas das formas de legitimação das acções de força das instituições estatais é,
precisamente, a defesa da integridade física de pessoas perseguidas por populares. A
mesma justificação tem sido usada no sistema prisional português, desde 2001, para
aumentar a discricionaridade da aplicação de castigos disciplinares a reclusos, ao
mesmo tempo que se aumentam para além do máximo de 30 dias o tempo dos castigos.
O parecer negativo do Provedor de Justiça relativamente a estas práticas, justificadas
através do art° 111 da lei prisional em vigor, não tem sido suficiente para erradicar a
prática nem a cumplicidade das instâncias de tutela.
4 Por exemplo, no caso dos acidentes rodoviários, o facto de serem persistentes a
quedas de vitimas nas estatísticas corresponde ao incremento da intolerância cívica
relativamente ao fenómeno (cf. Dores 2OO3Í).
5 Existem serviços jurídicos, sociais e de saúde dentro de cada estabelecimento prisi
onal. cuja missão não é a da segurança, mesmo que na prática acabem por lhes ficar subor
dinada. ao ponto de por em causa critérios deontológicos. Ainda nas cadeias existem
Chefes de Guardas e Directores com responsabilidades directas na organização da disci
plina não apenas dos presos mas também dos profissionais de segurança. Novamenle. na
prática, a cobertura corporativa prestada a incumprimentos disciplinares é evidente mesmo
para quem não tenha contacto com a vida prisional. Quando há casos graves, de óbito, por
exemplo, outras instâncias como os serviços de emergência medica, as polícias de investi
gação criminal, o Instituto de Medicina Legal, o Ministério Público, podem ser chamados
a intervir e a pronunciar-se sobre o que terá ocorrido. Nesses casos ou noutros menos gra
ves. a Inspecção Geral dos Serviços Prisionais, os serviços de auditoria do Ministério da
Justiça, a Provedoria de Justiça, também podem intervir. Existem também associações
cívicas e dc Direitos Humanos, nacionais e internacionais, das quais a mais conhecida é a
Amnistia Internacional (que nasceu como reacção e combate a práticas torcionários no
nosso país, no início dos anos setenta), que são geralmente mal recebidas pelo facto de ale
garem acontecimentos que não são reconhecidos como tendo existido por parte dos
Estados. O número de militantes de Direitos Humanos abatidos no Mundo é grande.
ANOM1A EM DURKHE1M - ENTRE A SOCIOLOGIA E A PSICOLOGIA PRISIONAIS 99
seja por entidades privadas que não tenham tutela do Estado, seja por
órgãos de comunicação social? Porque é que os criminosos ou os sim
ples cidadãos se tomam potencialmente tão importantes politicamente
depois de capturados? Porque são necessários acordos diplomáticos
internacionais10 como forma de salvaguardar os valores da publicidade
dos disfuncionamentos e ilegalidades dentro dos serviços prisionais e
de polícia? De que forma e em que circunstâncias esses relatórios afec-
tam, ou podem afectar. a credibilidade do Estado de Direito e do zelo
do Estado em fazer cumprir as leis pelas instâncias de administração da
força?11 De um modo mais abstracto. porque serão as funções judiciais
Essa luta dos presos chocou a opinião pública por se ficar a saber a)
serem as condições de prisão preventiva piores, na prática, do que as
condições para cumprimento de penas; b) haverem várias dezenas de
pessoas que todos os anos saem de meses de prisão preventiva sem
culpa judicial e muitos outros tendo o tribunal competente acabado por
acordar numa pena equivalente ao tempo de prisão preventiva cumprido
na altura de proferir a sentença; c) terem ficado claras as fragilidades
dos tribunais criminais, nomeadamente a importância das condições
sociais e económicas dos arguidos no acesso à justiça e nos desfechos
dos processos. Esta luta foi a causa próxima que provocou uma outra
atenção por parte do governo para a situação prisional, tendo resultado
na substituição, alegadamente por razões pessoais, do Director Geral,
bem como numa alteração do rumo da política prisional.
Também desta vez, o Director Geral seguinte, Dr. João Figueiredo,
esteve no lugar para além do mandato do governo do PS, e a sua polí
tica teve continuidade, no essencial, mesmo depois da sua demissão
106 DIREITO E JUSTIÇA
ver medidas se segurança especial nas prisões que traziam mais proble
mas políticos.
Na campanha eleitoral o tema das prisões foi mobilizado pela opo
sição que anunciou a sua intenção de realizar uma Reforma Prisional.
A ida para o governo implicou a prestação de contas por essa pro
messa. Quase dois anos depois da tomada de posse, em Fevereiro de
2004, é divulgado um documento de enquadramento a longo prazo do
que possa ser a Reforma Prisional, produzido sob a direcção de um
político senatorial, Freitas do Amaral, com a participação dos titulares
ou seus representantes de órgãos de Estado directamente implicados.
Entretanto, no terreno, a prisão de alta-segurança estava adjudicada, as
políticas securitárias mantinham-se em prática, os agentes de segurança
prisional viram substancialmente aumentados os seus quadros,22 uma
série de suicídios em celas disciplinares, contestados por familiares e
amigos das vítimas como sendo homicídios, ensombrou as primeiras
semanas de 2004. Mais uma vez o contraste entre as declarações de
intenções humanistas e o alarme público perante notícias sobre as vidas
prisionais é apresentado aos órgãos de comunicação social, que as
divulgam.
Pode perguntar-se: será a Reforma Prisional um programa legisla
tivo ou um processo de reorganização do sistema prisional? Caberá à
Reforma Prisional dar resposta retórica aos embaraços políticos causa
dos pelos acontecimentos dos últimos anos, a propósito do sistema pri
sional, ou os estudos prisionais deverão concentrar-se mais na factuali-
dade das vidas prisionais? As perguntas são tanto mais legítimas
quanto, num debate televisionado sobre a Reforma Prisional, o novo
Director-Geral que foi nomeado para a levar a cabo afirmou que as leis
não são cumpridas nas prisões.23
As leis não podem ser cumpridas nas prisões, por exemplo, dada a
distância que existe entre as teorias jurídicas de gabinete e as práticas
26 Provavelmente tal tradição terá as suas origens no regime do Estado Novo, que
se travestiu de democrático para americano (míope) ver, depois da Segunda Grande
Guerra. Seja como for, em Portugal, a discussão jurídica passa quase sempre por dis
cutir não tanto a qualidade das leis mas principalmente as formas da sua aplicação (cf.
Boaventura Sousa Santos, 1996, Saldanha Sanches 2004, Marinho e Pinto 2003)
110 DIREITO E JUSTIÇA
Anomia
mia paralela, reforçada enormemente pelo tráfico, que não tem parado
de crescer.29 Neste cenário, o governo procura ignorar o mais que pode
o problema (vinculado que está ao proibicionismo global que não con
trola) e os serviços prisionais ficam sem orientações explícitas para se
orientarem, ao ponto de a própria lei deixar de ser referência útil,
segundo o próprio Director Geral dos Serviços Prisionais.
Organizar melhor o sistema prisional levou a comissão de Reforma
a enfatizar a necessidade de implementar os planos individuais de rea
bilitação ... já previstos na lei de 1979 mas nunca implementados.
Organizar de outra maneira o sistema prisional levou a comissão a pro
por que se passasse a considerar a pena judicial de referência o traba
lho a favor da comunidade, uma pena alternativa à prisão. A questão
política é a de saber se existem condições nas sociedades actuais, a bra
ços com fortes ondas securitárias a nível global e local, bem como
ondas de violência cada vez mais politicamente ameaçadoras e influen
tes, para levar a cabo estas medidas no sentido desejado, no sentido
humanista e de justiça social? E se essas condições políticas existirem,
quais são delas as que são indispensáveis manter durante os próximos
doze anos, duração prevista para a Reforma, para que as realizações
possam ser sustentadas?
O facto de uma tal discussão não ter sido ponderada pela comissão
constitui uma lacuna no seu trabalho. O que nos faz pensar ter-se feito
sentir, também no trabalho da comissão, a tendência de subalternizar os
aspectos políticos dos estudos prisionais em função dos aspectos admi
nistrativos e de gestão. A ausência de debate político sobre a matéria evi
dencia a falta de interesse em trazer o debate à boca de cena, ou mais
provavelmente o interesse em evitar tal debate.30 Independentemente da
realidade, é uma ambição natural dos investigadores verem o seu assunto
preferido ser atendido pelos seus concidadãos. Por isso vale a pena
reflectirmos nós sobre as condições em que isso possa vir a acontecer.
29 O Estado não está em condições de exercer a vigilância contra o tráfico dentro das
prisões, sob pena de a doença dos toxicodependentes se manifestar de forma violenta
por falta de satisfação do vício e estar em causa a já de si frágil ordem nas prisões.
30 Por política entendemos aqui a reflexão possível e contraditória entre as inten
ções declaradas pelos modernizadores e as condições sociais de realização dos objecti-
vos práticos. Não entendemos por política, o que é um entendimento vulgar nas ciên
cias políticas, os jogos declamatórios das agências políticas. Mas mesmo que fosse esse
o nosso entendimento, por exemplo referido a um debate político entre diferentes posi
ções partidárias, é evidente a ausência dessa política a respeito da proposta reformista.
114 DIREITO E JUSTIÇA
I
ANOMIA EM DURKHEIM - ENTRE A SOCIOLOGIA E A PSICOLOGIA PRISIONAIS 115
Bibliografia
Dores, António Pedro. “Espirito moderno, violência e teoria social” à Mesa Redonda
Violência na Contemporaneidade, XI Congresso Brasileiro de Sociologia.
Sociologia e Conhecimento: Além Das Fronteiras, 01 a 05 de Setembro, UNI-
CAMP, Canipinas/SP. http://home.iscte.pt/~apad/textos.htnil , 2003c.
Dores, António Pedro (org), Prisões na Europa - um debate que apenas começa -
European prisons - starting a debate, Oeiras. Celta, 2003f.
Dores, António Pedro. "A liberdade de circulação" em Jorge Freitas Branco e Manuel
João Ramos (coord). Estrada Viva? Aspectos do Processo de Motorização da
Sociedade Portuguesa, Lisboa. Assírio & Alvim, 2003i.
Dores, António Pedro, “La Lucha de los presos a favor de la justicia en Portugal" in
Panoptico n°3. Barcelona, Vírus ed., 2002b:33-45.
ANOMIA EM DURKHEIM - ENTRE A SOCIOLOGIA E A PSICOLOGIA PRISIONAIS 117
Dores, António Pedro, “Os estados de espírito, intenções e estigmas", working paper
do Departamento de Sociologia do ISCTE, 2001.
Elias, Norbert, A Sociedade de Corte, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. 2001 (1* edi
ção alemã de 1983).
Elias, Norbert, O Processo Civilizacional, (Vol I e II), Lisboa, D. Quixote, 1990, 1939
(l.“ edição alemã).
Foucault. Michcl, Microfísica do Poder, Rio de Janeiro, Graal, 1999.
Foucault, Michel. Vigiar e Punir - história da violência nas prisões, Petropolis, Vozes,
1999, Ded 1975.
Goffman, Erving. Manicôinios, Prisões e Conventos, S. Paulo, Perspecliva, 1999, 1* ed
1961
Hirschman, Alberl O.. Ar Paixões e os Interesses, Lisboa, Bizâncio, 1997.
Morgado, Maria José e José Vegar. O Inimigo Sem Rosto - Fraude e Corrupção em
Portugal, Lisboa, D.Quixote, 2003.
Kelly. Robert J. e Rufus Schatzberg, “'Once upon a time in America": organized crime
and civil society” em Allum, Felia e Renate Siebert, Organized Crime and the
Challenge to Democracy, London, Routledge e ECPR, 2003:129-146.
Pinto, António Marinho e. Aí Faces da Justiça, Lisboa, Campo da Comunicação, 2003.
Sanches, José Luís Saldanha, O Natal do Sinaleiro e outras crónicas, Lisboa,
D.Quixote, 2004.
Santos, Boaventura Sousa, Marques, Maria Manuel Leitão, Pedroso, João. Ferreira.
Pedro Lopes, Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas - o caso português.
Porto. Afrontamcnlo/Centro de Estudos Sociais/Centro de Estudos Judiciários,
1996
Woodiwiss, Michael, Crime, Crusades and Corruption ■ Prohibitions in the United
States, 1900-1987, London, Piter Publisher, 1988.
Young, Jock, The Exclusive Society, London, Sage, 1999.