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CONSTRUINDO CONSTRUTIVISMO

EM BUSCA DE UM MODELO ANALÍTICO PARA O ESTUDO DA POLÍTICA


INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEA.

Bernardo Silva Martins Ribeiro∗

Resumo
Este paper efetua a discussão inicial da minha dissertação de
mestrado que procura mobilizar um modelo ou programa de
pesquisa analítico utilizando o framework construtivista a fim de
analisar fenômenos da política internacional. Nesta discussão de
abertura, um debate teórico e metateórico se estabelece a fim de
definir e erigir o modelo a ser utilizado nas análises. Este modelo
pretende partir de uma proposta de aproximação entre as vertentes
estrutural e regra-orientada do construtivismo através da linguagem
que atua na construção da realidade social e na organização desses
fenômenos sociais, em uma epistemologia construtivista da
construção social do conhecimento. Esta reconstrução tem como
objetivo final conduzir o painel conceitual e as premissas
ontológicas e epistemológicas do construtivismo a fim de atender a
suas promessas e compromissos empíricos de forma coerente e
analíticamente progressiva.

Palavras-chave
Construtivismo, programa de pesquisa, ontologia, epistemologia, agência estrutura,
linguagem, regras, identidade, microestrutura, macroestrutura, níveis de análise.


Mestrando em Relações Internacionais pela PUC Minas, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
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1. Dos Compromissos Empíricos do Construtivismo
(ou “A Promessa Construtivista”)

Construtivismo é uma abordagem teórica que surge e se pretende alternativa


às correntes teóricas canônicas da disciplina acadêmica de Relações Internacionais.
Porém, a despeito de procurar se estabelecer de maneira sólida e fortalecer seus
compromissos conceituais e metodológicos unívoca e progressivamente, o
Construtivismo assumiu formas de um debate para si mesmo. Em outras palavras, o
que é objeto das alternativas propostas filosoficamente pelos princípios de abertura
do Construtivismo, ainda é produto de debates e discussões metateóricas internas.
(GUZZINI, 2001, Pg. 147-148)
O que se preserva como central nas interpretações do Construtivismo em RI é
a importância das idéias nas dinâmicas políticas que ocorrem no ambiente
internacional, e na relação e interação entre seus atores preponderantes, os
Estados. Daí, muito se debate a respeito de como categorizar tais idéias de forma a
permitir encontrá-las, “palpá-las”, no ambiente internacional, sejam elas entendidas
na forma de regras, identidades e outras categorias e conceitos afins. (HOPF, 1998)
À respeito destes debates sobre os objetos que configuram e se configuram
através das idéias, muito foi escrito e discorrido por autores que hoje são
considerados pela academia de RI os principais expoentes na abordagem. Entre
eles estão Wendt e Onuf figurando como os mais célebres, debatendo um sobre
identidades e o outro regras/normas, respectivamente. Mesmo assim, no grande
debate entre as teorias da disciplina, o Construtivismo manifesta forças e é alvo de
críticas, simultaneamente, sobre esta possibilidade de múltipla interpretação de seus
objetos metateóricos. (WENDT, 1999; ONUF, 1989; GUZZINI, 2000)
Stefano Guzzini oferece uma crítica inspiradora a respeito dessa
heterogeneidade, mais vezes nociva, que incide sobre as abordagens
Construtivistas. Em um artigo publicado no European Journal of International
Relations em 2000, ele sugere uma reconstrução metateórica que atue em dois
campos filosóficos: um ontológico e o outro epistemológico; quase propondo (sem
efetivamente fazê-lo) a fundação de um programa de pesquisa, talvez Lakatosiano,
por se poder assentá-lo com base em dois núcleos duros. E nessa inspiração, pude

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produzir um trabalho que opera esta formulação de Guzzini, avançando no sentido
supracitado do programa de pesquisa, sendo os dois núcleos:
A construção social da realidade social partindo de um campo ontológico; e a
construção social do conhecimento partindo de um campo epistemológico.
(GUZZINI, 2000; RIBEIRO, 2008)
Essas definições possuem uma série de implicações que, ao fim e ao cabo,
vão consubstanciar os elementos e as possibilidades da pesquisa empírica em RI
via Construtivismo. Mesmo que ainda suscite novos debates internos, elas tendem a
organizar duas frentes de construção metateórica para o Construtivismo:
A primeira delas se desprende do campo ontológico para conceber os,
chamemos, fenômenos da Construção Social da Realidade Social. Em outras
palavras, por quem, e como a realidade social é construída. Aqui destaca-se o nivel
da ação, num esquema intersubjetivo mais do que individualista. Então, devem ser
identificados – como a própria dimensão filosófica suscita – os elementos que fazem
essa realidade ser o que ela é. São definidos os objetos, sujeitos e conceitos que
devem fazer parte da ontologia Construtivista, com o fim de compreender como os
fenômenos da Construção Social da Realidade ocorrem em suas dinâmicas sociais.
(GUZZINI, 2000, Pg 162-164; RIBEIRO, 2008, Cap 2)
Do campo epistemológico, desprendem-se concepções de como ocorrem os
fenômenos da Construção Social do Conhecimento. Aqui destaca-se o nível a
observação, que distingue uma teoria sobre conhecimento. O teórico Construtivista
deve conceber nesta dimensão, como a construção social da realidade gera
conhecimento ou objetos de conhecimento. Nesta perspectiva as estruturas sociais,
tais quais construídas através dos instrumentos e processos ontológicos estudados
nos parâmetros do campo anterior, se organizam, referem-se e são referenciados
aos e pelos sujeitos sociais. A importância de um esquema de dupla-hermenêutica
aqui é fundamental. (GUZZINI, 2000, Pg. 156-162; RIBEIRO, 2008, Cap 3)
É possível fazer uma analogia com a idéia de contexto. Enquanto a dimensão
ontológica mostra quais os elementos que são mobilizados na construção de
contextos a partir da ação social, a dimensão espistemológica mostra como são
organizados estes contextos internamente e entre si, bem como eles informam a
ação social nos mais diversos momentos em que ela se dá.

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Exemplificando toda esta dinâmica, o Construtivista pode estudar como o
Estado é construído socialmente, tanto em termos conceituais como na vida prática.
Seja mobilizando uma identidade unificadora dos povos naquele Estado e território,
como brasileiros, por exemplo, seja na definição de regras, normas e práticas que
definem um Estado consubstanciado em suas instituições governamentais e sistema
de leis, por exemplo.
Uma vez isso estudado do ponto de vista ontológico, o Construtivista pode dar
um passo à frente observando como os indivíduos daquele Estado referem-se a ele
e se organizam nos termos através dos quais eles o construiram. Submeter-se às
leis, reconhecer cidadania, participar da política e até mesmo das instituições de
governo são ocorrências que obedecem a uma série de elementos que emanam da
identidade, das normas, das regras, das práticas e até mesmo do conceito de
Estado em questão. E esta parte do estudo reflete os compromissos
epistemológicos do Construtivismo.
Pode-se dizer, assim, que o Construtivismo explora duas dimensões: Uma
dimensão individualista, porém coletivizada por focar no ator em sociedade, e que
estuda a intersubjetividade, a construção das identidades e de seus objetos de
análise, as regras/normas/costumes/práticas que são construídas por atores sociais,
a linguagem e o discurso que são efetivamente utilizados pelos agentes em toda
essa dinâmica. A segunda dimensão é estruturalista, uma vez que procura estudar
como as construções observadas nessa primeira dimensão, devidamente
convertidas em conhecimento, tornam-se referência para a vida em sociedade e até
mesmo para construções subsequentes e complementares.
Nada disso ocorre de forma isolada, nem mesmo autossuficiente, quando se
trata de observar empiricamente. Não é possível analisar e compreender apenas
como identidades formatam, por exemplo, o comportamento dos Estados no
ambiente internacional. A lógica da dupla-hermenêutica surge nesse momento como
um elo fundamental entre a dimensão ontológica e a dimensão epistemológica do
Construtivismo. (GUZZINI, 2001, Pg. 160, 162) Para deixar isso claro, cabe uma
argumentação mais minuciosa:
As dinâmicas de construção da realidade social para os Construtivistas,
obedecem a uma lógica de co-constituição. Isso abre a possibilidade de dizer que a
origem de todos os elementos que constituem esta realidade – sejam eles de caráter

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onto ou espistemológico – é difusa. Não se obtém, por exemplo, uma resposta
objetiva e unívoca para a questão das origens da soberania. Se ela advém do povo,
consubstanciada no Estado, ou no princípio de não-intervenção operado no
internacional. É uma questão de difícil apreciação e de reposta mais difícil ainda.
Porém, o que a lógica da dupla-hermenêutica permite observar é como os
elementos que compõem o cotidiano das coisas do mundo – no exemplo em curso,
da soberania – se articulam construindo ou sendo construidos por eles; gerando
sentido e tornando-se parte prática e abstrata do cotidiano social. (GUZZINI, 2001,
Pg. 160, 162)
Em outras palavras, ainda mobilizando o exemplo da soberania, o
Construtivista está atento aos significados atribuídos à soberania tanto enquanto
conceito, quanto enquanto prática e/ou atributo dos Estados. Do ponto de vista
ontológico, ele refere-se ao conjunto de normas, práticas, costumes e regras que
permitem referência e uso da soberania no cotidiano político das relações
internacionais. Além disso, essa percepção permite ao Construtivista perceber a
força da soberania na constituição das identidades dos Estados em razão de permitir
observar o valor social a ela atribuída.
Por outro lado, do ponto de vista epistemológico, o Construtivista é capaz de
observar e compreender como os atores estatais se apropriam da soberania e a e
leem, enquanto prática e/ou atributo, e demais elementos adjacentes no cotidiano
político do internacional. Aqui são avaliadas a importância política no sentido de
poder e legitimidade que se depreende da soberania. Quando, por exemplo,
organizam-se políticas e práticas internacionais de intervenção, articulam-se
conteúdos sobre soberania, intervenção e não-intervenção que organizam
esquemas de poder e legitimidade para fundamentar o próprio arranjo de
intervenções internacionais. E é isso que interessa ao Construtivista nessa dinâmica.
Por fim, o Construtivista em RI, além disso tudo, precisa ter clareza sobre
como observar o funcionamento desses campos, dessas dinâmicas, nos diferentes
níveis de análise que influenciam o internacional. Aqui cabe uma importante
discussão a respeito desses níveis, tal qual Hollis e Smith (2003) levantam no livro
“Explaining and Understanding in International Relations”.
Há muitos debates sobre como enfrentar a questão dos diferentes níveis de
análise quando se trata das relações internacionais. A principio essa lógica de níveis

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obedece ao fundamento do inside/outside que delimita o ambiente internacional
como anárquico, no sentido de não haver um governo sobre os Estados; e o
ambiente doméstico detentor de ordem política com um governo capaz de criar,
sancionar e manter leis. (HOLLIS & SMITH, 2003, Pg. 07).
Isso, na argumentação de abordagens pós-estruturalistas, permitiu que o
estudo científico das relações internacionais se diferenciasse teórica e
metodologicamente da ciência política, atribuindo uma dicotomia que organiza
características únicas para o internacional que assim requerem exame
especializado. (WALKER, 2001)
Para o Construtivismo, essa relação entre níveis deve suscitar uma discussão
diferente. O salto entre níveis de análise deve oferecer uma lógica analítica que
permita ao estudioso verificar relações diferenciadas entre sistemas e unidades,
entre ontologia e espistemologia. Hollis & Smith chamam atenção para uma
característica interessante desse debate, levantada por David Singer: ela refere-se à
discussão sobre “o problema de se o comportamento do sistema internacional deve
ser considerado em função dos Estados que o compõem, ou vice-versa”. (SINGER,
apud, HOLLIS & SMITH, 2003, Pg. 07, tradução livre).
Esta relação entre sistema e unidades, observada sob o prisma dos níveis de
análise, mostra percursos que podem apresentar uma série de ganhos em uma
análise teórica em relações internacionais e política internacional. Especialmente
quando se trata do estudo de como políticas são formadas e então conformam os
atores que nelas se inserem. O exame interno entre os níveis de análise desvela
relações entre atores e sistemas que modifica a natureza de determinadas unidades
em função do salto entre níveis. O debate sobre as características do internacional e
o comportamento das unidades que o compõem assume contornos especiais diante
desta ótica e mais ainda com o auxílio da noção de dupla-hermenêutica do
construtivismo.
Para melhor compreender essa idéia, olhemos de perto para os níveis de
análise tais quais expressos por Hollis & Smith:

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Fonte: HOLLIS & SMITH, 2003, Pg. 09

Deixando de lado as ideias subjacentes ao quadro sobre primeiro, segundo e


terceiro debates, o que nos importa e deve chamar atenção, são os três diferentes
níveis possíveis de análise para o estudo do internacional e do doméstico. Dessa
forma, essa relação de níveis deve inspirar a observação das dimensões
interpretativas da relação estabelecida entre unidade e sistema em cada nível, assim
permitindo perceber se “regras sociais e instituições dão conta da performance de
papéis sociais ou vice-versa”. (HOLLIS & SMITH, 2003, Pg. 08, tradução livre).
Não obstante os debates, cada nível é referido através do número que dá
nome aos debates em si, e assim serão tratados. Dessa forma, explorando a
discussão supracitada, no “Primeiro Nível” observamos o debate entre o
“internacional” enquanto sistema e o “Estado” enquanto unidade. Traduzindo, se
desdobra a possibilidade de apreciação da idéia de que o comportamento dos
Estados pode ser concebido e analisado através das características do sistema
internacional ao mesmo tempo em que tais características são organizadas,
definidas e construídas através das ações dos Estados, no limite de seu
comportamento. (HOLLIS & SMITH, 2003, Cap. 04)
No “Segundo Nível” descemos para o interior dos “Estados”, onde
observamos estes últimos assumindo o papel de sistema em função desse nível de
análise; e desvelando unidades, na concepção de Hollis & Smith, baseadas nas
“burocracias” que compõem os Estados institucionalmente. (HOLLIS & SMITH, 2003,
Cap. 04)

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Aqui cabe uma problematização à respeito da relação sobre a composição de
sistemas políticos e sistemas sociais em relação a essa dicotomia entre Estado-
sistema e burocracias-unidades. Talvez, para sistemas políticos, de um modo mais
restrito, permitem a redução de unidades possíveis às burocracias institucionais que
compõem o Estado administrativamente, legalmente, judiciariamente. Por outro lado,
essa redução pode ser simplista diante das aspirações do Construtivismo ao que ele
procura fazer frente analítica a sistemas sociais. Essa noção amplifica a
possibilidade de unidades no interior do Estado e que efetivamente conseguem
acessar o internacional através deste último, já no primeiro nível. Sistemas sociais
comportam maior variedade de unidades do que sistemas políticos, que obviamente,
restringem-nas ao universo da política.
Assim, chega-se ao “Terceiro Nível” que assume as tais “burocracias” como o
sistema e desvela os “indivíduos” que as compõem como unidades. Nesta dinâmica
é interessante notar uma preocupação com as pessoas que fazem as burocracias
funcionar, que efetivamente as constroem, definem o que podemos chamar de seu
mandato, suas regras, seu modus operandi. Para o construtivismo essa noção é
fundamental para compreender como as regras sociais são operacionalizadas em
instituições stricto sensu e tornam-se referências, manuais, instrumentos e objetos
de conhecimento para a vida em sociedade. Isso não deixa de ser observado
também nos demais níveis, mas aqui há uma clareza que precisa ser transportada
para a análise dos demais. (HOLLIS & SMITH, 2003, Cap. 04)
Serve um exemplo, para notar essa clareza: o código de trânsito é uma
sistematização, uma instituicionalização de regras de conduta no trânsito idealizadas
pelos indivídios devidamente dotados de legitimidade para tanto, a fim de organizar
o trânsito em suas sociedades. Por um lado, as regras que o compõem foram
definidas à mercê desses indivíduos, havendo, desta feita, provisões para sua
alteração, atualização e melhoria. Por outro lado, os indivíduos que desejam se
locomover no trânsito de sociedades que possuem este sistema de regras, deverão
obedecê-las sob o risco de punições e até mesmo colocar sua vida em risco. Dessa
forma, motoristas param seus veículos diante da luz vermelha dos semáforos.
Radicalizando, para fins de argumentação, se todos resolvessem parar diante da luz
verde, eventualmente essa regra poderia se modificar, apesar da existência da regra
sobre a luz vermelha durante o processo.

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Porém, o que mais interessa para a discussão em pauta, muito mais do que a
exata composição de cada nível de análise, é o que Hollis & Smith chamam de
relação top-down; bottom-up. Por top-down entende-se uma relação epistêmica
entre sistemas e setores. Por bottom-up entende-se uma relação ontológica entre
atores e sistemas. O Construtivismo elaboraria esta relação, que ocorre em co-
constituição nos seguintes termos: as idéias seguem até o topo (top) criando
referências até o fundo (bottom). (HOLLIS & SMITH, 2003, Cap. 04)
Dessa maneira, a função dos níveis de análise para este modelo
construtivista é o de fornecer bases para sustentar a elaboração de uma série de
variáveis que efetivamente mobilizem e tornem observáveis empiricamente os
elementos e conceitos que compõem as caracterizações ontológicas e
epistemológicas. Portanto, para que essa discussão tenha sequência, e tais
variáveis possam ser apresentadas neste modelo, é importante seguir uma
discussão essencial sobre tais caracterizações, conceitos e categorias definidas
pelas abordagens construtivistas como centrais na relação entre Estados no
Internacional a partir das perspectivas nucleares aqui defendidas.

2. Construção Social da Realidade Social e do Conhecimento

O grande esforço metateórico que o Construtivismo em Relações


Internacionais se propõe a efetuar incide diretamente na exploração dos elementos
ontológicos que são mobilizados pelos agentes em sociedades. Mais do que
compreender quais as “forças que movem o mundo”, o desafio dessa abordagem é
o de compreender como tais “forças” ocorrem, em primeiro lugar, partindo da noção
de que uma dinâmica cíclica de construção e reconstrução ocorre entre elementos
da estrutura e seus agentes.
As alternativas originais do construtivismo derivam dessa perspectiva e
procuram observar o papel central dos agentes nessa dinâmica de Construção
Social da Realidade e do Conhecimento. Eles mobilizam uma série de elementos
que fundamentam a ação humana para tanto. Tais elementos, trabalhados na seção
anterior, se aliam a fortes compromissos epistemológicos que resultam nos efeitos
finais dessas mobilizações ontológicas. Esses compromissos desembocam na
Construção Social do Conhecimento e se organizam das mais variadas formas na

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edificação de arranjos sociais que vão, ao fim, consubstanciar o mundo, a realidade
ou a estrutura sociais. (GUZZINI, 2000.;ONUF, 1989, Cap. 6)
A realidade, o mundo, ou a estrutura social, depende de esforços
estruturantes fundamentados nas idéias e na ação humana. Por outro lado, as
estruturas que formam tal realidade apresentam também resultados na construção
das agências. Assim sendo, a epistemologia construtivista da Construção Social do
Conhecimento permite iluminar os mecanismos que informam aos agentes sobre os
elementos da realidade social tal qual ela é construída. (GUZZINI, 2000)
Os elementos da ontologia: linguagem, idéias, atos de fala, regras, normas,
identidades surgem como instrumentos de relacionamento entre atores e agentes e
estruturas. De uma perspectiva ontológica, tais elementos são mobilizados pelos
agentes em relação à estrutura. Do outro extremo, quando tais elementos são
mobilizados pela estrutura em relação aos agentes – numa perspectiva abstrata –
tem-se uma perspectiva epistemológica. (RIBEIRO, 2008, Cap 3)
Dessa maneira, esta perspectiva apresenta uma heurística estrutural, não na
acepção neorrealista do termo, mas na idéia de que a realidade social agrega uma
série de elementos que se organizam em uma lógica estrutural tal qual comumente
teorizada na Sociologia por Giddens, por exemplo. O trunfo construtivista está no
fato de não tomar esta estrutura como dada, assim como o fazem boa parte das
teorias estruturais. O Construtivismo nunca concebe a realidade, o mundo, ou a
estrutura social sem procurar destrinchar os elementos que a compõem e que
efetivamente são moblizados pelos agentes nessa composição. (HOPF, 1998;
GIDDENS, 2003; WIENER, 2006)
Estes elementos todos se agrupam e se organizam em objetos de
conhecimento. Para não ter que ‘inventar a roda’ para sempre, os objetos de
conhecimento funcionam como referência para praticamente toda interação entre
agência e estrutura e entre agentes, e até mesmo para ações individuais. São,
assim, compartilhados intersubjetivamente ou formalizados das mais diversas
maneiras – como Organizações Internacionais, no caso das relações internacionais.
Sumariamente, as partes que compõem o mundo, a realidade ou a estrutura
social são formadas pelos elementos mobilizados pelos agentes na Construção
Social da Realidade Social. (GUZZINI, 2001; RIBEIRO, 2008, Cap 03)

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Para exemplificar, o modelo político de organização de sociedades através do
um Estado-Nação tornou-se um objeto de conhecimento. O Estado-Nação é
resultado de um esforço na construção social dos elementos que devem defini-lo
como o uso legítimo da força em um determinado território. Desta feita, quando um
povo procura emancipar-se e organizar-se socialmente, procura uma referência
através da qual alcançar esse objetivo. Na modernidade o Estado é a referência
ideal, é o objeto de conhecimento legítimo que incorpora formas de organização de
sociedades da maneira mais aceita e flexível. Alternativamente poderíamos pensar
em tribos, cidades-estado, feudos. Não obstante a primazia do Estado na
modernidade, as alternativas ainda estão presentes, abstratamente falando, no
leque de opções disponível como objetos de conhecimento na realidade social.
A própria linguagem, instrumento de significação do mundo e dos elementos
da estrutura social, torna-se um objeto de conhecimento com suas regras
gramaticais, vocabulário, símbolos, etc. (BERGER & LUCKMAN, 1996)
Expressos pela linguagem, os objetos de conhecimento obedecem a
diferentes lógicas da relação entre os agentes e o mundo social. Considerando, na
lógica construtivista, que ocorrem via atos de fala, gerando regras (formais e/ou
informais). (ONUF, 1989, Cap. 02) Assim, é possível perceber essas lógicas de
relação agentes-mundo social da seguinte maneira:
Há esforços de encaixe de palavras ao mundo. São fruto de relações
interpretativas, ao que se organizam fenômenos da materialidade e expressões
humanas dessa maneira, objetificam-se elementos que dotam as coisas do mundo
de características. Isso permite que a acessibilidade às coisas do mundo sejam
intuitivas e possam partilhar de experiências pregressas, sem a necessidade de
recorrer à reinterpretação sempre. Este esforço também apresenta claras intenções
de organizar os elementos que compõem o mundo de forma a dotá-los de sentido e,
ao fim e ao cabo, de funções. Essa função de encaixe e significação é o fundamento
das regras (originárias de atos de fala) assertivas, que são sentenças sobre o
mundo. (ONUF, 1989, Cap 02; RIBEIRO, 2008, Cap 02)
Há esforços de encaixe do mundo às palavras. O efeito conduz coisas do
mundo a idealizações humanas. Há uma forte função emancipatória nesse aspecto,
uma vez que procurar transformar o mundo através da ação humana. Ao encaixe do
mundo às palavras precede o ideal que procura forçar elementos da materialidade e

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da condição humana a ideias das mais variadas formas. Tanto regras diretivas,
sentenças onde o locutor demanda ação de outro ator sobre o mundo, quanto regras
compromissais, que estabelece o compromisso com um estado futuro de coisas,
geram regras que obedecem a essa lógica de encaixe. (ONUF, 1989, Cap 02;
RIBEIRO, 2008, Cap 02)
Na lógica da dulpa-hermenêutica, ao mesmo tempo em que o agente produz
estes esforços no sentido de construir o conhecimento, isto sendo
intersubjetivamente reconhecido e aceito, os agentes irão reagir e interagir com o
mundo em resposta aos objetos de conhecimento que o compõe.
O Construtivismo promete perceber não apenas os objetos de conhecimento
sobre as coisas do mundo, de certa maneira tidas como externas aos agentes.
Também permite conceber os objetos de conhecimento sobre os agentes em
sociedade e o que os compõe. Suas identidades. Elas permitem interpretações e
predições sobre todo o ato socialmente signficativo quando exercido por outros
atores.
Além disso tudo, a construção do conhecimento e das coisas do mundo
obedecem duas lógicas de criação humana: a lógica que poderíamos chamar de
tecnológica, que seriam transformações e/ou adaptações de elementos da natureza
para garantir a consecução de objetivos humanos; e a lógica social, que seriam
criações ideacionais humanas que procuram fomentar a coordenação de atividades
humanas em sociedade.
Na lógica tecnológica podemos destacar as ciências naturais, a própria
tecnologia, engenharia, e outras coisas criadas materialmente, transformando e
adaptando condições da natureza com objetivos individuais, coletivos ou
coletivizados.
Na lógica social há criações fundamentalmente ideacionais, que podem ter
expressões materiais ou não, como o dinheiro, mas não dependem da materialidade
para existir. O Estado, a justiça, o internacional, ideologias, mitologias, culturas, são
exemplos de arranjos estruturais que obedecem a lógica social.
Toda essa lógica de estruturação que o construtivismo permite conhecer pode
ser sintetizada na seguinte idéia: os agentes constroem séries de objetos de
conhecimento através das mais diversas funções ontologicas que compõem a ação
humana. Estes objetos de conhecimento se organizam epistemicamente através de

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arranjos estruturais. Tais arranjos incidem sobre os agentes oferecendo seus objetos
de conhecimento como referências para a ação dos agentes. Em um dado
momento, esses esforços assumem um fluxo cíclico, na forma da dupla-
hermenêutica, os agentes constroem as estruturas ao mesmo tempo em que são
informados por elas, modificando-as ou por elas sendo constrangidos e até
modificados. (RIBEIRO, 2008; ONUF, 1989, Cap 02 e 05; GUZZINI, 2001).
Com isso esclarecido, é hora de adicionar um dos elementos mais
importantes para este modelo: os níveis de análise.
Na cultura teórica de Relações Internacionais é fundamental que se executem
investigações empíricas no primeiro nível, o do Internacional. De fato, não se pode
abandonar a certeza de que o nível do internacional é o mais importante para o
estudioso das relações internacionais. Dessa maneira é imprescindível destacar do
que este nível é composto. Primeiro através de um debate metateórico, se
diferenciam os elementos de um nível de análise entre agência e estrutura, em
outras palavras, quem são os agentes e o que pode ser identificado como estrutura.
Assim, é possível destacar num debate diretamente teórico, no primeiro nível,
do Internacional, que os Estados são os agentes e as estruturas estão embebidas
na própria organização do chamado sistema internacional, isto é, em uma série de
elementos que compõem abstratamente o que se chama de ambiente internacional.
Na lógica de Robert Putnam haveria mais um nível passível de consideração:
o nível doméstico. Porém a própria lógica compreensivista do Construtivismo permite
desmembrar este nível, além do fato dos debates metateóricos em RI já terem feito
este desmembramento.
Assim, um segundo nível, refletindo tanto o segundo debate quanto o
desmembramento do modelo de Putnam, é do Estado em relação às suas
burocracias. No mesmo esquema de identificação entre agentes e estruturas, o
Estado (que no primeiro nível era agente) torna-se a estrutura. Os agentes seriam as
burocracias do Estado, mas isso definitivamente não basta ao Construtivismo. Como
ele opera em uma lógica social, onde agentes e estrutura vão se formatando em
função da vida em sociedade, o que de fato interessa ao Construtivismo enquanto
agentes nesse segundo nível são grupos sociais. Os Estados organizam estes
grupos e são organizados por eles na lógica da dupla-hermenêutica.

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Por fim, chegamos ao terceiro nível, objeto do terceiro debate, e também
fundamental para o construtivismo. Ele descortina os grupos sociais como arranjos
estruturais em relação, finalmente, aos indivíduos – os atores individuais.
É fundamental perceber, portanto, que ao deslocar a análise entre estes três
diferentes níveis, ocorrem também deslocamentos de agentes e estruturas. Assim, a
lógica da dupla-hermenêutica é quem permite conceber como esquemas de
‘estruturação dos agentes’ e ‘agenciamento das estruturas’ trespassam os
relacionamentos exclusivamente de um ou outro nível.
Em outras palavras, o destaque dos níveis parece à primeira vista,
negligenciar como, por exemplo, fundamentos do ambiente internacional – no
primeiro nível – afetam os indivíduos no terceiro nível. Mas isso não é verdade. O
modelo acima estruturado permite perceber não só tudo o que ele preconiza no
interior dos níveis de análise, mas também trans-níveis.

3. Conclusão

A partir de toda a formulação desenvolvida acima, o argumento segue a


seguinte fundamentação: ao passo que o agente constrói os elementos dos arranjos
estruturais em seus respectivo nível que por si incidem estruturalmente sobre os
agentes nesse mesmo nível, carregam consigo (os agentes) os resultados e as
premissas que foram mobilizadas naquele nível para o nível seguinte, onde ele se
transforma em estrutura. Isso, observando o sentido top-down ou outside-inside.
No outro sentido, bottom-up ou inside-outside, há mais clareza ainda em
como o modelo opera trans-níveis, uma vez que os esforços construtores
perpetrados pelos agentes emergem até as estruturas nos diversos níveis acima a
partir da ação das agências nível acima. Os indivíduos organizam os grupos sociais
estruturalmente, que organizam os Estados estruturalmente, que organizam o
ambiente internacional estruturalmente. Cada um levando consigo os fenômenos de
níveis anteriores.
E essa complexa relação fornece a heurística do modelo, permitindo observar
uma série de variáveis e como elas se comportam na construção da política
internacional.

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O descortinamento de uma séria de funções construtoras que atravessam os
níveis de análises em ambos os sentidos, deve ser explorado por um modelo
construtivista de modo a permitir que o pesquisador seja capaz de mobilizar a
ontologia e da espistemologia da abordagem de forma analítica. É possível, dessa
maneira, levantar variáveis que agrupam estes elementos metateóricos no interior
dos níveis e via seus processos e dinâmicas.
Em função do nível de análise e dos processos de construção social da
realidade e do conhecimento é possível destacar a variação de números de agentes
operando em cada nível, aumentando no sentido top-down, o que tende a tornar
difusa a capacidade de mudança estrutural de funções ontológicas individuais,
diminuindo o poder de agência.
A densidade estrutural, o teor estruturante de cada sistema e o número de
arranjos sociais tende a aumentar no sentido top-down exatamente em função dessa
variação no número de atores com capacidade para mudança estrutural. Isso tudo
em função da diminuição dos locais de legitimação e das estruturas de poder e
autoridade que se concentram cada vez mais no sentido bottom-up.
A observação dessas variáveis pode ser fundamental para a emergência de
um bom modelo construtivista que possa ser capaz de mostrar a construção social
na política internacional, a função dos atores nesses processos e os resultados de
esforços em todas estas dinâmicas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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