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FLAMENGO
RESUMO
Nos anos 1960, ocorreu a primeira pesquisa de torcidas no Brasil. Ela foi realizada em âmbito
nacional e estadual, e os resultados em cada estado mostravam que, com apenas uma exceção,
todos os times que tinham as cinco maiores torcidas do estado eram locais. Em uma pesquisa
divulgada em 2023, a única região que não é liderada por times do sudeste é a região sul —
que, mesmo assim, tem três times sudestinos completando o top 5. Essa disparidade entre o
resultado das pesquisas pode ser visto como algo natural, ou simplesmente um reflexo da
globalização, mas ela também guarda um significado de imposição cultural do centro do país
em relação às outras regiões, que evidencia como a televisão pode ser uma ferramenta política
e de disseminação de ideias. Esse não é um processo único ao esporte, mas que envolve a
cultura e costumes das regiões mais abastadas do Brasil, que são mostradas na mídia com um
viés positivo, fazendo as pessoas de outros centros julgarem-na como correta. Apesar dessa
conjuntura ter beneficiado a todos os times grandes do sudeste, o Flamengo foi o clube com o
maior crescimento de torcida, saindo de ter muitos adeptos no Rio de Janeiro para uma torcida
gigante no país inteiro, especialmente na região nordeste, que passou a ter um acesso mais
amplo à televisões no início dos anos 80. As teorias do Agendamento e do Gatekeeper,
frequentemente citadas na área da comunicação, ajudam a entender esse fenômeno, visto que,
tanto a figura do Gatekeeper — aquele que decide o que será publicado ou televisionado —
quanto a do editor que, segundo a teoria do Agendamento, nos diz o que e como pensar sobre
algo, podem ser aplicadas ao magnata Roberto Marinho, dono e fundador da Rede Globo, e
flamenguista fanático, que cuidava de como o clube era tratado por sua televisão. Esse
fenômeno resultou em um apagamento dos clubes da região, e, por consequência, enfraqueceu
a identidade nordestina como um todo. Atualmente, isso é combatido por movimentos e
indivíduos, que se conscientizaram da situação e buscam muda-lá.
ABSTRACT
In the 1960s, the first fan survey took place in Brazil. It was held at the national and state
level, and the results in each state showed that, with only one exception, all the teams that had
the top five fanbases in the state were local. In a survey released in 2023, the only region that
is not led by teams from the southeast is the southern region — which, even so, has three
teams from the southeast completing the top 5. This disparity between the results of the
surveys can be seen as something natural , or simply a reflection of globalization, but it also
holds a meaning of cultural imposition of the center of the country in relation to other regions,
which shows how television can be a political tool and a tool for the dissemination of ideas.
This process isn’t unique to sport, but one that involves the culture and customs of the more
affluent regions of Brazil, which are shown in the media with a positive bias, making people
from other centers judge it as correct. Despite this situation having benefited all the big teams
in the southeast, Flamengo was the club with the biggest growth in supporters, going from
having many supporters in Rio de Janeiro to a huge crowd all over the country, especially in
the northeast region, which started to access televisions in the early 1980s. The theories of
Scheduling and the Gatekeeper, often cited in the area of communication, help to understand
this phenomenon, since both the figure of the Gatekeeper — the one who decides what will be
published or televised — as well as that of the editor who, according to the theory of
Scheduling, tells us what and how to think about something, can be applied to the tycoon
Roberto Marinho, owner and founder of Rede Globo, and a fanatical Flamengo supporter,
who took care of how the club was handled by his television. This phenomenon resulted in
the erasure of clubs in the region, and, consequently, weakened the northeastern identity as a
whole. Currently, this is fought by movements and individuals, who have become aware of
the situation and seek to change it.
Há duas teorias jornalísticas que podem ser analisadas ao se tratar desse assunto. A
primeira delas é a Teoria do Gatekeeping, termo que foi cunhado em 1947 pelo psicólogo
alemão Kurt Lewin, que versava sobre os hábitos alimentícios da população. Três anos
depois, em 1950, o pesquisador David Manning White importou esse termo para uma teoria
da comunicação. Ele buscava entender como ocorre o filtro das notícias dentro das redações.
Para ilustrar sua teoria, White criou a figura metafórica do Sr. Gates, um jornalista
experiente que atua como editor em um jornal e, diariamente, tem de selecionar as notícias
publicadas em seu jornal, dentre as milhares que recebia de uma agência. Na metáfora, Gates
representa a figura do gatekeeper, aquele que decide o que será veiculado ou não. O
pesquisador afirmou que a ação pessoal era o fator determinante na seleção das notícias.
Basicamente, a teoria defende que não apenas as notícias, mas também o viés com o
qual são publicadas, passam por um filtro pessoal, que, por sua vez, torna utópica qualquer
suposta imparcialidade.
O gatekeeper em questão é Roberto Marinho, dono e fundador da Rede Globo. Por ser
torcedor fanático do Flamengo, Marinho escolheu o clube como o carro-chefe das
transmissões esportivas da emissora, o que causou um crescimento enorme na torcida rubro-
negra em regiões que, anteriormente, não tinham como acompanhar o clube, especialmente o
nordeste.
A postura do magnata também bate com a Teoria do Agendamento, que foi formulada
por Donald Shaw e Maxwell McCombs na década de 70. Ela defende que o público
consumidor de notícias tende a tratar como mais relevantes os assuntos que estão em pauta
pela mídia.
A teoria pressupõe que os veículos de comunicação nos dizem em quê e como pensar,
agendando os assuntos que tratamos em nosso cotidiano, em conversas com amigos,
familiares e conhecidos.
Logo, se observarmos o espaço que a mídia dá ao Flamengo, é fácil entender como o
clube se tornou tão popular. Em sua autobiografia, Fala, Galvão!, o lendário narrador Galvão
Bueno conta que foi cobrado pela direção da Globo por proferir elogios ao Vasco da Gama
em uma partida contra o Flamengo, e apenas continuou como o principal narrador da emissora
porque provou ser flamenguista fanático.
Armando Nogueira foi tão especial para mim que uma vez me tirou de uma saia justa
com ninguém menos que doutor Roberto Marinho. Todos sabíamos da paixão de
doutor Roberto pelo Flamengo. Não foram poucos os domingos em que ele vinha à tv
com amigos para assistir aos jogos em circuito fechado, quando não havia
transmissões ao vivo dos jogos do Maracanã. Pois um desses jogos foi narrado por
mim, um Vasco x Flamengo. Mal começa o jogo, Vasco 1 x 0. Ainda no primeiro
tempo, Vasco 2 x 0. “Só dá Vasco”, disse ao microfone. Minutos depois, Armando
ligava para a cabine com um recado do patrão: “Diga ao meu speaker que ninguém
quer ouvir a opinião dele, que ele se restrinja a narrar o jogo”. Ele estava irritado
porque eu dizia que o Vasco estava arrasando o Flamengo. No dia seguinte, Armando
levou à sala dele uma gravação de várias vitórias do Flamengo narradas por mim,
inclusive a do Mundial de Clubes no Japão. “Doutor Roberto”, disse Armando,
“ninguém é mais rubro-negro do que o senhor, mas o Galvão chega perto”. Doutor
Roberto aceitou o argumento.
4. CONCLUSÃO
O crescimento meteórico da torcida do Flamengo não pode ser analisado sem citar
a mídia, especialmente a televisão. Frequentemente usado com fins políticos e culturais, o
meio foi fundamental para que o clube penetrasse no interior do Brasil, especialmente nas
cidades do Nordeste, que, em via de regra, passaram a ter acesso aos televisores no início da
década de 80, período em que o clube teve a melhor fase de sua história.
A escolha de transmitir os jogos do Flamengo, no entanto, não foi por acaso:
Roberto Marinho, dono e fundador das Organizações Globo, não apenas optou por uma
cobertura massiva aos eventos do clube, mas também cuidou para que ele fosse tratado de
forma positiva pelos seus contratados.
Esse contexto implicou em um enorme crescimento da torcida flamenguista,
especialmente na região nordeste. Isso gerou um fenômeno que hoje é conhecido como o dos
“torcedores mistos”, que torcem para um time da região e também para o Flamengo.
Ao longo do tempo, alguns nordestinos passaram a ver o fenômeno com maus-
olhos, alegando que a adesão em massa de seus conterrâneos a um time do centro do país
enfraquece não apenas o cenário esportivo da região, mas também sua identidade cultural
como um todo — o que sempre foi comum em relação aos costumes e tradições nordestinas.
Nos últimos anos, nasceu um movimento chamado de “anti-misto”, que chegou a
ser aderido por alguns clubes, e visa a valorização do futebol nordestino. Isso foi mal-visto
por jornalistas do centro do país, que estigmatizaram a causa como “preconceituosa”,
ignorando o contexto social na qual ela está inserida.
Esse movimento fez com que alguns torcedores se conscientizassem em relação ao
impacto que a mídia teve em sua escolha de torcer para o Flamengo. Alguns deles deixaram
de torcer para o clube, e relatam que uma maior aproximação aos times de sua região
reafirmou sua identidade como nordestino.
REFERÊNCIAS
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer aos meus familiares pelo apoio que sempre me deram em
todas as minhas empreitadas, à minha namorada Isabela Lobianco por todo o apoio que me
deu durante esse complicadíssimo semestre, aos meus amigos pelo companheirismo
(especialmente ao meu grande amigo Ivan Cintra), e ao professor Daniel Pala Abeche, por
toda a compreensão, amizade e orientação durante a disciplina.