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Resumo: As indefinições sobre conceitos jurídicos não favorecem a clareza dos textos de lei, re-
gulamentos ou decisões judiciais. Para entender o que é fundamentação das decisões judiciais,
será oportuno distinguir entre motivar e fundamentar. O ensaio pretende analisar a dinâmica do
convencimento dos juízes no interior do processo intelectivo de motivação ou fundamentação das
sentenças. Os Códigos de Processo referem-se aos fundamentos que motivaram o convencimento
do juiz, mas a Constituição Federal, posterior, foi de precisão maior ao ordenar a fundamentação
de todas as decisões judiciais. A motivação, operação lógico-psicológica do juiz, deve se apresentar
como justificação das circunstâncias fáticas e jurídicas e determinar a individualização axiológica
das razões de decidir. A priorização dos princípios, na Constituição Brasileira de 1988, reclama re-
flexão conseqüente sobre os princípios referentes aos direitos e garantias fundamentais. O poder do
juiz brasileiro foi excepcionalmente dilatado para aferir a compatibilidade dos atos normativos com
as regras e princípios, tais como acesso à Justiça, devido processo legal, coisa julgada e segurança
jurídica. Na persuasão racional dos juízes, as normas processuais devem se referir mais às técnicas
de motivação das questões, e os preceitos constitucionais, sobretudo os de caráter axiológico, de-
vem ser aplicadas na fundamentação propriamente, que é a determinação de uma razão suficiente
de decidir. A ênfase constitucional se dá no dispositivo ou decisum, única parte da sentença que faz
coisa julgada, pode se tornar jurisprudência dominante, e influenciar o ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Certeza jurídica. Coisa julgada. Considerandos. Obiter dicta. Ordenamento jurí-
dico. Ratio decidendi. Razão suficiente.
Abstract: The uncertainties of legal concepts do not favor the clearness of texts of laws, regulations
or judicial decisions. In order to understand the meaning of “reasoning” of judicial decisions, it will
be useful to make a distinction between to motivate and to reason. This essay intends to analyze the
judges’ conviction dynamics inside the intellectual process of judgments motivation or reasoning.
The Codes of Procedure refer to the elements that motivate the judge’s conviction, but the Federal
Constitution, later, has been more precise in determining the reasoning of all judicial decisions. The
motivation, logic-psychological process of the judge, must be the justification of the issues of fact
and law that determine the axiologic individualization of the reasons to decide. The prioritization
of the principles, in the 1988 Brazilian Constitution, claims consequent reflection on the general
and special constitutional principles, related to the fundamental rights and warranties, which have
a higher status than the infra-constitutional rules. The power of the Brazilian judge has been ex-
ceptionally enlarged to check the compatibility of the normative acts with the constitutional rules
or principles, such as access to Justice, due process of law, res judicata and legal certainty. In the
rational persuasion of the judges, the procedural rules must refer more to the motivation techniques
of the issues of fact and law; the constitutional precepts, mainly the ones of axiologic character,
* Advogado. Professor e Orientador de Cursos de Pós-graduação em Direito na UNESP (Franca/SP), Mackenzie, UNIb - Uni-
versidade Ibirapuera, UniABC. Livre-docente em Teoria Geral e Filosofia do Direito pela UNESP, Mestre e Doutor pela USP.
Membro do Tribunal de Ética da OAB - Seccional de São Paulo; do Instituto Jacques Maritain do Brasil (IJMB). Magistrado
aposentado. Administrador do Portal Jurídico www.academus.pro.br
must focus the reasoning itself, which is the determination of a sufficient basis, as for instance
reason to decide, applied to the decisum. The constitution emphasizes this decision, the only part
of the judgment that becomes res judicata, and may become dominant jurisprudence, and influence
the legal system.
Key Words: Legal Certainty. Consideranda. Legal system. Res judicata. Obter dicta.
Ratio decidendi. Judgment.
165, 458, II; no Código de Processo Penal, fundamentada, como resultado a que che-
arts. 381, III e IV, 386, 387, 493; 375, 378 gou através da motivação.
(fundamentação), 381-III (motivação); na A motivação abrange a livre convic-
Lei nº 9.099, de 26.09.95, sobre Juizados ção fundamentada (ou persuasão racional),
Especiais, art. 38, caput; na Consolidação pela qual o juiz deverá indicar, na sentença,
das Leis do Trabalho, art. 832, caput; no os motivos que lhe formaram o convenci-
Código de Processo Penal Militar, art. 438, mento (art. 131). Aqui, indicar os motivos
“b”, “c” e “d”. Aliás, na tradição no direito revela claramente que é nesta fase que o
brasileiro, o primeiro estatuto processual juiz forma seu convencimento (determina
civil, Regulamento nº 737, de 25.11.1850, qual é a decisão), que deve declarar no dis-
apontava essa regra em seu art. 232. positivo da sentença. O CPC também esta-
Como toda a atividade do juiz se belece que além das sentenças e acórdãos,
concentra na discussão, ponderação, moti- as demais decisões serão fundamentadas,
vação e determinação1 (escolha definitiva) significando, de fato, motivadas (art. 165).
de um motivo forte, relevante (argumento, É de se invocar o antigo CPC de
razão suficiente, ratio decidendi), a discus- 1939: ao tratar da sentença, dizia em seu
são nos parece centrar-se na motivação, art. 280 que deveria ser clara e precisa, e
da qual emerge o fundamento, como razão conter: I – o relatório; II – os fundamentos
suficiente para uma decisão justa e adequa- de fato e de direito; III – a decisão, tradu-
da. zindo o que a norma pretendia, segundo a
A Constituição Federal de 1988, art. estrutura lógica de um juízo. E o art. 118,
93, estabeleceu um cânone superior a ser par. único, dispunha que o juiz indicará na
observado: todas as decisões dos órgãos sentença ou despacho os fatos e circuns-
do Poder Judiciário serão fundamentadas tâncias que motivaram o seu convenci-
(sob pena de nulidade, inc. IX), e as deci- mento, enfatizando a motivação como o
sões administrativas dos tribunais motiva- momento antecedente à sentença ou des-
das (inc. X). pacho. Esta norma, aliás, explicitava o inc.
O Código de Processo Civil de 1973, II do art. 280.
anterior à Constituição, empregou as mes- Ao analisar estas regras, o saudoso
mas expressões, mas com diferentes apli- processualista Moacyr Amaral SANTOS
cações: o art. 458 estipula como requisitos (1973: 42) assim escreveu: “Desse modo,
da sentença: I – o relatório...; II – os fun- com a exposição das mais variadas opera-
damentos, em que o juiz analisará as ques- ções lógicas desenvolvidas no exame dos
tões de fato e de direito; III – o dispositivo, fatos e do direito, o juiz oferece os motivos
em que o juiz resolverá as questões, que as da decisão, os quais emergem da discussão
partes lhe submeterem (itálicos nossos). dos fatores conducentes à formação da con-
Observa-se que, na segunda fase da vicção. Por isso, a essa parte da sentença se
sentença, analisar as questões (de fato e dá a denominação de motivação, discussão
de direito) implica, para o juiz, em conhe- ou fundamentação” (itálicos nossos). A
cer as causas, os motivos, as razões, as nosso ver, a tônica desta fase está na moti-
circunstâncias dos fatos, processo próprio vação, como discussão dos motivos, e não
do ato mental de motivar. Esta é, portan- na fundamentação, que significa o resulta-
to, a fase da motivação. Na parte final do do final de fundamentar a decisão.
dispositivo, o ato de resolver as questões Vê-se, pois, que o uso corrente de
implica em apresentar o juiz uma decisão expressões diferentes com a mesma co-
para proceder à distinção entre a motivação causa ou determina alguma coisa. Para o
(que encerra a resposta às razões do autor) juiz, motivar é explicar ou justificar os mo-
e o dispositivo da sentença (que encerra a tivos ou as razões dos fundamentos.
resposta às razões do autor) e o dispositivo O jurista De Plácido e SILVA (1990,
da sentença (que contém a resposta à sua III-IV: 213) elucida que motivo significa a
pretensão). causa, a origem, o princípio das coisas e a
Aplicando-se a lição clássica do juris- sua razão de ser. Em Direito, sejam moti-
ta François GÉNY (1932, II; 52), da escola vos jurídicos ou de fato, são causas deter-
da livre pesquisa, sobre o dado e o cons- minantes de ações; segundo as circunstân-
truído no Direito, pode-se entender que os cias, e devidamente analisados, servem de
fundamentos das partes são os dados para fundamento às soluções judiciais. Nas ex-
a motivação, e os fundamentos do juiz se- posições de motivos as razões apresentadas
rão aqueles construídos para a decisão. É justificam a prática de um ato (portarias,
o mesmo parecer de NOJIRI (1999:116), regulamentos, projetos de lei). E nas sen-
que acompanhamos: “Fundamentar signi- tenças, quando se apresentam como estilo
fica enunciar os motivos emergentes das de redação, os consideranda são as exposi-
questões de fato e de direito que sustentam ções de motivos, razões fáticas e jurídicas
a decisão” (itálicos nossos). que fundamentam o decisório.
Ao final da sentença, no dispositivo, Fundamento (do latim fundamen-
haverá o juiz de fundamentar essa deci- tum, de fundare), base, alicerce; razão ou
são com uma ratio decidendi, pela qual argumento em que se funda uma tese, con-
resolve as questões das partes. Esta razão cepção, ponto de vista; razão justificativa
de decidir pode se expressar sob a forma (Dicionário Aurélio). Nas decisões judi-
de um ou de mais fundamentos (rationes ciais, é o juízo fundante de uma decisão;
decidendi). é o argumento relevante, dentre muitos,
determinado pelo juiz segundo uma escala
2. Motivo, fundamento e razão de decidir
de valoração, necessária à livre apreciação
Código de Processo Civil, art. 458: das questões.
São requisitos essenciais da sentença: I – o O mesmo dicionarista (Idem, I-II:
relatório...; II – os fundamentos, em que 332-333) esclarece que na terminologia
o juiz resolverá as questões de fato e de processual, fundamentos da ação, funda-
direito; III – o dispositivo, em que o juiz mentos do pedido ou fundamentos da de-
resolverá as questões, que as partes lhe manda se apresentam como fundamentos
submeterem. de fato e de direito, mas exprimem sempre
Constituição Federal, art. 93: inc. as circunstâncias da prática de um ato: “é
IX – todos os julgamentos dos órgãos do o motivo determinante e justificativo dos
Poder Judiciário serão públicos, e funda- atos jurídicos (...) ou é a razão preponde-
mentadas todas as decisões, sob pena de rante” para satisfação de uma pretensão.
nulidade...; inc. X – as decisões adminis- Podemos inferir, portanto, que os
trativas dos tribunais serão motivadas (...). motivos de uma sentença constituem ele-
mentos essenciais para o juiz formar sua
2.1. Motivos e Fundamentos, o que são? convicção, e determinar, ao fim do proces-
so, o fundamento jurídico do dispositivo.
Motivo (do latim motivum, o que Ainda na exposição lúcida de De Plácido
move), é causa ou razão de algo, o que e SILVA (Idem, III-IV: 213): motivação
ciante, se foi omisso quanto a alguma das trovertida. Por isso, o artigo 93, inc. IX,
teses, se hierarquizou com razoabilidade da Constituição Federal, comina pena de
as provas e as circunstâncias do fato, em nulidade à sentença não fundamentada, o
uma escala valorativa de ponderações. que deve ser interpretado como falta de
Em seqüência, irá identificar a ratio motivação convincente, inepta para funda-
decidendi, como fundamento da decisão, mentar a decisão.
em cotejo com a(s) norma(s) aplicada(s), Mais do que expressa imposição
aferindo a congruência desses elementos: constitucional, é inquestionável que a fun-
o fundamento e a regra aplicada. O fun- damentação das decisões judiciais é a ga-
damento de uma decisão, portanto, não se rantia essencial contra excessos do Estado-
cinge à norma, pura letra da lei, mas deve Juiz; ao torná-la elemento imprescindível
ser o porquê de uma dada solução jurídica, dos atos sentenciais, quis o ordenamento
e não outra; é a justificação final, o motivo erigi-la como fator de limitação dos pode-
fundante da decisão. res deferidos aos magistrados e Tribunais.
Sobre este entendimento, podemos TOURINHO FILHO (1989:183) in-
afirmar que o decisum ou dispositivo, como voca o magistério de Vincenzo MANZINI
fundamento jurídico, não consiste na apli- para justificar este controle das decisões:
cação pura de uma norma. A determinação “A motivação constitui uma garantia para
da solução jurídica, exige esmerada apre- o Estado, porquanto lhe interessa que a sua
ciação das questões de fato e de direito, em vontade seja acatada com exatidão e que a
conjunto; este labor transcorre, previamen- justiça se administre corretamente; consti-
te, na fase processual dita dos fundamentos tui uma garantia para o cidadão e constitui,
(art. 458-II do CPC), mas que, na verdade, também, garantia para o próprio Juiz que,
pela discussão dos motivos que aí se de- motivando suas decisões, se acoberta con-
senvolve, deveria designar-se fase da mo- tra a suspeita de arbitrariedade, de parcia-
tivação da sentença. lidade ou de outra injustiça”.
É de se ver que o fundamento da de- A fundamentação, precipuamente re-
cisão não se confunde com a norma jurídi- levante para as partes, é para elas o direito
ca aplicada: se esta é, por sua natureza, ge- material que lhes foi entregue; como esco-
nérica, de múltipla aplicação, ao oferecer po do processo, é a garantia constitucional
um leque de opções para decidir, o juiz terá de acesso à justiça e do devido processo
que escolher, dentre as obiter dicta, qual legal. Constitui, ademais, irrecusável se-
o motivo determinante e melhor fundado gurança para o Juiz, como demonstração
nos princípios constitucionais, fins sociais, de transparência de seu raciocínio jurídi-
bem comum, consideração ou critério de co, e de sua imparcialidade no tratamen-
eqüidade, enfim, aquilo que melhor con- to e discussão das teses a ele submetidas
vém, que for mais adequado, como medida pelas partes. Por fim, constitui garantia ao
de justiça do caso concreto, etc. próprio Estado, como guardião do ordena-
Conforme o julgamento em primeira mento jurídico, cuja integração uniforme
instância, o relator poderá atuar: a) como lhe interessa, para que a justiça seja minis-
subscritor da motivação da sentença; b) trada com segurança e certeza.
como integrador dos pontos omissos ou 3. O princípio da razão suficiente na ló-
controversos (reforma total ou parcial da gica jurídica
decisão); ou c) como revisor do processo,
podendo anular a sentença, por falta de O estudo da fundamentação de um
motivação, motivação equívoca ou con- juízo remonta à filosofia antiga, em espe-
Na língua do filósofo de Königsberg, nada mais falta para que o juízo seja plena-
a palavra Grund (razão, fundamento) indi- mente verdadeiro.
ca que o juízo se baseia em um fundamen- O princípio lógico de razão expres-
to; nas línguas latinas o sentido da razão sa que todo juízo, para ser verdadeiro, ne-
de conhecimento ou de razão se expressam cessita de uma razão suficiente, enquanto
como ratio, ragione, razón, raison, e em o jurídico indica que toda norma, para ser
inglês reason. O que evidencia que no co- válida, necessita de um fundamento sufi-
nhecimento das razões de um juízo se en- ciente de validez. O princípio jurídico de
contra a função principal do fundamento. razão suficiente faz depender a validez de
Ao sistematizar a ordem de razões, toda norma de certo fundamento; uma nor-
Schopenhauer elaborou: 1º) o princípio de ma de direito só pode ser válida se possuir
razão de ser; 2º) a lei da causalidade; 3º) um fundamento bastante; tal fundamento,
a lei da motivação; 4º) o princípio de ra- porém, não reside na própria norma, mas
zão suficiente de conhecimento (Idem: 214 em algo que com ela se relaciona e lhe ser-
- § 46); e extrai uma relação entre Razão ve de base.
e Conseqüência: “segundo a lei da causa- Para enfrentar esta dificuldade, en-
lidade e a lei da motivação, a razão deve tendemos que o juiz deveria recorrer a uma
preceder à conseqüência na ordem do tem- pauta valorativa ou critério de julgamento,
po” (Idem: 215 - § 47). e este critério é o mesmo que remete ao
Aplicada à dinâmica do pensamento princípio de razão suficiente. De onde se
do juiz, ao formular seu juízo de conven- colhe que a aplicação de princípios, em um
cimento, pode-se afirmar que motivação é julgamento, exige o conhecimento de uma
a causalidade vista por dentro, e aparece razão, capaz de sustentar a validez de cada
como princípio de razão suficiente para o fundamento.
agir, ou, simplesmente como lei da moti- Deverá, pois, o juiz, no iter da moti-
vação, seguindo-se a lógica deste filósofo. vação da sentença, identificar quais serão
as razões pelas quais fundamentará não só
3.1. Razão suficiente, validez e eficácia do a validez e a existência mesma das normas
julgado jurídicas, como a eficácia do seu julgado.
4. Interpretação e motivação
Aplicando este princípio lógico ao
Direito, o jusfilósofo mexicano Eduardo Os romanos nos legaram um axioma
GARCIA MAYNEZ, em sua Introducci- que vale a pena recordar: Em tudo o que
ón a la lógica jurídica (1951: 130-31), ao faças, olha para o fim (In omnium respice
analisar este principium rationis sufficien- finem), que nos transmite uma metodolo-
ti, afirmou que “todo juízo, para ser verda- gia finalística dos atos humanos: a) o fim
deiro, necessita de uma razão suficiente”. projeta luz sobre as etapas do caminho;
Nesta proposição fundamentou o autor a b) indica o procedimento para o julgador
regra segundo a qual o juiz não deve admi- chegar à decisão, convencido de suas me-
tir, sem razão suficiente, a verdade de um lhores razões; c) se o juiz, durante o cami-
julgamento. nho, não vislumbra esse alvo (o decisum),
Entende por razão de um juízo aquilo para o qual se destina, arrisca-se a decisões
que é capaz de justificar o enunciado nele injustas e inadequadas. A interpretação e a
mesmo. Uma razão é ‘suficiente’ quando motivação integram esta etapa necessária,
basta por si mesma como apoio completo em que o juiz prepara seu arsenal de razões
ao enunciado; quando, por conseguinte, e argumentos para bem decidir.
jurídica. Aos juízes cabe zelar pela segu- gatória para assegurar aos jurisdicionados
rança, não apenas legal, mas de todas as a máxima confiança e certeza jurídica de
categorias que informam as estruturas so- como as decisões são proferidas (Cf. BAR-
ciais, pela aplicação justa da lei, e precisa- BOSA MOREIRA, Idem: 91).
mente porque detém a derradeira palavra Ao final, cabe recordar o pensamento
na solução dos conflitos de interesses, deve sempre atual do grande jurista Rui Barbo-
justificar as razões e fundamentos de suas sa: “(...) a esperança nos juízes é a última
decisões. esperança. Ela estará perdida, quando os
Na tradicional preleção de Miguel juízes já nos não escudarem dos golpes do
REALE (1982: 598), “O mínimo de fun- Governo.” (Obras Completas de Rui Bar-
damento axiológico, exigido pela socie- bosa.V. 25, t. 2, 1898, p. 130).
dade em qualquer circunstância, postula,
também, a certeza do Direito, põe e exige Conclusões
um Direito vigente. O princípio da certeza É consenso na doutrina que a moti-
preside - em díade indissolúvel com o da vação das decisões submete-se ao princí-
segurança - todo o evolver histórico da vi- pio constitucional da publicidade e con-
gência do Direito, e, por via de conseqüên- trole dos atos judiciais e administrativos, a
cia, a toda a história do Direito positivo”. ser exercido pelos poderes públicos, pelos
E como bem descreve NOJIRI jurisdicionados, pela sociedade e pela co-
(1999: 110): “o dever de fundamentar as munidade jurídica.
decisões judiciais, (...) posto em contraste Tocante às decisões judiciais, a ex-
com o primado da segurança jurídica, (...) pressão fundamentar, com o mesmo sig-
deve curvar-se perante este”; mas entende- nificado de motivar, está a merecer apre-
mos tratar-se não apenas de uma opção ou ciação diferenciada, em razão das funções
prevalência, e sim de uma complemen- distintas que exercem, dentro e fora do
taridade, em que a uniformidade dos jul- processo.
gados reflete uma opção pelos princípios Para o juiz estabelecer a necessária
de justiça e de certeza do direito, ambos correlação entre a demanda e a sentença, a
necessários à segurança dos cidadãos. motivação deve se ocupar das questões de
Foram premonitórios, ainda em fato e de direito, apresentadas como causa
1978, os reclamos de BARBOSA MOREI- petendi, enquanto a fundamentação desti-
RA (Idem: 94/95), ao externar sua convic- na-se finalisticamente à solução do pedido,
ção de que “o princípio da motivação obri- mediante a determinação de um fundamen-
gatória das decisões judiciais, por espelhar to jurídico aplicável ao caso concreto.
garantia inerente ao Estado de Direito, A instrumentalidade da motivação
merece consagração expressa em eventual está em possibilitar ao juiz a descoberta das
reformulação da Lei Maior”, asseverando diversas soluções jurídicas (rationes deci-
que sua significação transcende o nível da dendi), como razões que fundamentem seu
técnica processual, pois não é bastante o julgamento; dentre elas, deverá adotar um
que os Códigos afirmam. argumento determinante (ratio decidendi),
Diante do extraordinário poder jurí- ou razão suficiente para o dispositivo ou
dico de todos os juízes e tribunais de pro- decisum, que é seu fundamento.
nunciarem a “última palavra” sobre coisas A ratio decidendi é obtida pela moti-
e pessoas, interesses privados e públicos, vação do juiz ou tribunal. As demais consi-
torna-se essencial a fundamentação obri- derações ou circunstâncias, não necessárias
para decidir, são simples obiter dicta, que como exigência de solução da causa peten-
os juízes costumam adicionar às sentenças, di, mediante o dispositivo da sentença.
sem fazer parte da razão de decidir. Enfim, considerar este decisum
A fundamentação das decisões ju- como elemento essencial da coisa julgada,
diciais foi elevada a princípio pela Cons- e causa eficiente da jurisprudência domi-
tituição de 1988, no quadro das garantias nante, reclamando fundamentos de con-
fundamentais, interligado aos direitos de teúdo axiológico, sobretudo na discussão
acesso à justiça, ao devido processo legal de questões jurídicas relevantes, à face das
e à irretroatividade da coisa julgada, com realidades econômicas, políticas e sociais
fortes acentos axiológicos, e sintetizando conflituosas.
exigências de segurança jurídica.
Em decorrência desta magnitude
constitucional, a função do juiz no proces- REFERÊNCIAS E INDICAÇÃO DE
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