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MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS


E O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
MOTIVATION AND REASONING OF JUDICIAL DECISIONS
AND THE PRINCIPLE OF LEGAL CERTAINTY

Carlos Aurélio Mota de Souza*

Recebido para publicação em setembro de 2005

Resumo: As indefinições sobre conceitos jurídicos não favorecem a clareza dos textos de lei, re-
gulamentos ou decisões judiciais. Para entender o que é fundamentação das decisões judiciais,
será oportuno distinguir entre motivar e fundamentar. O ensaio pretende analisar a dinâmica do
convencimento dos juízes no interior do processo intelectivo de motivação ou fundamentação das
sentenças. Os Códigos de Processo referem-se aos fundamentos que motivaram o convencimento
do juiz, mas a Constituição Federal, posterior, foi de precisão maior ao ordenar a fundamentação
de todas as decisões judiciais. A motivação, operação lógico-psicológica do juiz, deve se apresentar
como justificação das circunstâncias fáticas e jurídicas e determinar a individualização axiológica
das razões de decidir. A priorização dos princípios, na Constituição Brasileira de 1988, reclama re-
flexão conseqüente sobre os princípios referentes aos direitos e garantias fundamentais. O poder do
juiz brasileiro foi excepcionalmente dilatado para aferir a compatibilidade dos atos normativos com
as regras e princípios, tais como acesso à Justiça, devido processo legal, coisa julgada e segurança
jurídica. Na persuasão racional dos juízes, as normas processuais devem se referir mais às técnicas
de motivação das questões, e os preceitos constitucionais, sobretudo os de caráter axiológico, de-
vem ser aplicadas na fundamentação propriamente, que é a determinação de uma razão suficiente
de decidir. A ênfase constitucional se dá no dispositivo ou decisum, única parte da sentença que faz
coisa julgada, pode se tornar jurisprudência dominante, e influenciar o ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Certeza jurídica. Coisa julgada. Considerandos. Obiter dicta. Ordenamento jurí-
dico. Ratio decidendi. Razão suficiente.
Abstract: The uncertainties of legal concepts do not favor the clearness of texts of laws, regulations
or judicial decisions. In order to understand the meaning of “reasoning” of judicial decisions, it will
be useful to make a distinction between to motivate and to reason. This essay intends to analyze the
judges’ conviction dynamics inside the intellectual process of judgments motivation or reasoning.
The Codes of Procedure refer to the elements that motivate the judge’s conviction, but the Federal
Constitution, later, has been more precise in determining the reasoning of all judicial decisions. The
motivation, logic-psychological process of the judge, must be the justification of the issues of fact
and law that determine the axiologic individualization of the reasons to decide. The prioritization
of the principles, in the 1988 Brazilian Constitution, claims consequent reflection on the general
and special constitutional principles, related to the fundamental rights and warranties, which have
a higher status than the infra-constitutional rules. The power of the Brazilian judge has been ex-
ceptionally enlarged to check the compatibility of the normative acts with the constitutional rules
or principles, such as access to Justice, due process of law, res judicata and legal certainty. In the
rational persuasion of the judges, the procedural rules must refer more to the motivation techniques
of the issues of fact and law; the constitutional precepts, mainly the ones of axiologic character,

* Advogado. Professor e Orientador de Cursos de Pós-graduação em Direito na UNESP (Franca/SP), Mackenzie, UNIb - Uni-
versidade Ibirapuera, UniABC. Livre-docente em Teoria Geral e Filosofia do Direito pela UNESP, Mestre e Doutor pela USP.
Membro do Tribunal de Ética da OAB - Seccional de São Paulo; do Instituto Jacques Maritain do Brasil (IJMB). Magistrado
aposentado. Administrador do Portal Jurídico www.academus.pro.br

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must focus the reasoning itself, which is the determination of a sufficient basis, as for instance
reason to decide, applied to the decisum. The constitution emphasizes this decision, the only part
of the judgment that becomes res judicata, and may become dominant jurisprudence, and influence
the legal system.
Key Words: Legal Certainty. Consideranda. Legal system. Res judicata. Obter dicta.
Ratio decidendi. Judgment.

Introdução Longos estudos e aprofundadas pes-


quisas enfrentaram as múltiplas questões
Constata-se nos estudos processuais sobre a motivação e/ou fundamentação
o uso corrente das expressões motivação das decisões judiciais, salientando-se re-
e fundamentação da sentença, como sinô-
nomados autores pátrios e estrangeiros.
nimas, sucedâneas ou ambivalentes. Pode-
Dos primeiros destacamos os alentados es-
se, contudo, diferençar ou distinguir, nestes
critos de José Carlos BARBOSA MOREI-
termos, matizes próprios de cada um, a fim
RA, Antonio Carlos de Araújo CINTRA,
de que seu uso se torne apto a uma melhor
Antonio Magalhães GOMES FILHO, Ada
aplicação no campo doutrinário, profissio-
Pellegrini GRINOVER, Cândido Rangel
nal e jurisprudencial. As indefinições so-
DINAMARCO, Nelson NERY JÚNIOR,
bre conceitos básicos dos termos jurídicos
Sérgio NOJIRI, Maria Thereza Gonçalves
não favorecem a clareza dos textos, sejam
leis, regulamentos ou as próprias decisões PERO, Teresa Arruda Alvim WAMBIER,
judiciais. Tais conceitos podem ser expli- Ovídio A. Baptista da SILVA, José Rogé-
citados, para compreensão dogmática de rio Cruz e TUCCI, Kazuo WATANABE, e
suas funções em relação às finalidades do outros; e dos segundos, as obras definitivas
processo judicial. de Michele TARUFFO, Chaïm PEREL-
Convém à doutrina avançar uma dis- MAN, Guido CALOGERO, Mauro CA-
tinção lógico-jurídica, com embasamento PPELLETTI, Ronald DWORKIN, Giuse-
na lingüística, na epistemologia e mesmo ppe ZACCARIA, et alii.
na filosofia. Mas, haveria utilidade prática Este ensaio não pretende a revisão
em se investigar e aprofundar uma análise das teorias e soluções apontadas, do ponto
deste teor? É possível uma teoria da funda- de vista da estrutura ou natureza da mo-
mentação das decisões judiciais com base tivação ou fundamentação das sentenças,
na distinção epistemológica entre motivo mas apenas de sua dinâmica no interior do
e fundamento? E qual seria, atualmente, a processo intelectivo de formação do con-
justificação de uma nova conceituação? vencimento dos juízes, o iter percorrido
Face a uma Teoria Geral Constitucio- para demonstrar ou justificar a correlação
nal do Direito, consideramos três possibili- entre a demanda e a sentença.
dades metodológicas: a) adotar as posições Ao seguir metodologia lógico-jurí-
correntes entre os doutrinadores, nacionais dica, com embasamento filosófico e lin-
e estrangeiros, admitindo a ambivalência; güístico, propomos especificar a termino-
b) distinguir a essência de cada expressão, logia usual sobre causas, razões, motivos,
para melhor definição jurídica; c) recep- princípios, que justificam o sentido das
cionar os entendimentos doutrinários para expressões motivar/motivação, fundamen-
evidenciar a possibilidade de novas com- tar/fundamentação, utilizadas sobretudo
preensões e análises dos fenômenos pro- na Constituição Federal, art. 93, incs. IX e
cessuais. X; no Código de Processo Civil, arts. 131,

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165, 458, II; no Código de Processo Penal, fundamentada, como resultado a que che-
arts. 381, III e IV, 386, 387, 493; 375, 378 gou através da motivação.
(fundamentação), 381-III (motivação); na A motivação abrange a livre convic-
Lei nº 9.099, de 26.09.95, sobre Juizados ção fundamentada (ou persuasão racional),
Especiais, art. 38, caput; na Consolidação pela qual o juiz deverá indicar, na sentença,
das Leis do Trabalho, art. 832, caput; no os motivos que lhe formaram o convenci-
Código de Processo Penal Militar, art. 438, mento (art. 131). Aqui, indicar os motivos
“b”, “c” e “d”. Aliás, na tradição no direito revela claramente que é nesta fase que o
brasileiro, o primeiro estatuto processual juiz forma seu convencimento (determina
civil, Regulamento nº 737, de 25.11.1850, qual é a decisão), que deve declarar no dis-
apontava essa regra em seu art. 232. positivo da sentença. O CPC também esta-
Como toda a atividade do juiz se belece que além das sentenças e acórdãos,
concentra na discussão, ponderação, moti- as demais decisões serão fundamentadas,
vação e determinação1 (escolha definitiva) significando, de fato, motivadas (art. 165).
de um motivo forte, relevante (argumento, É de se invocar o antigo CPC de
razão suficiente, ratio decidendi), a discus- 1939: ao tratar da sentença, dizia em seu
são nos parece centrar-se na motivação, art. 280 que deveria ser clara e precisa, e
da qual emerge o fundamento, como razão conter: I – o relatório; II – os fundamentos
suficiente para uma decisão justa e adequa- de fato e de direito; III – a decisão, tradu-
da. zindo o que a norma pretendia, segundo a
A Constituição Federal de 1988, art. estrutura lógica de um juízo. E o art. 118,
93, estabeleceu um cânone superior a ser par. único, dispunha que o juiz indicará na
observado: todas as decisões dos órgãos sentença ou despacho os fatos e circuns-
do Poder Judiciário serão fundamentadas tâncias que motivaram o seu convenci-
(sob pena de nulidade, inc. IX), e as deci- mento, enfatizando a motivação como o
sões administrativas dos tribunais motiva- momento antecedente à sentença ou des-
das (inc. X). pacho. Esta norma, aliás, explicitava o inc.
O Código de Processo Civil de 1973, II do art. 280.
anterior à Constituição, empregou as mes- Ao analisar estas regras, o saudoso
mas expressões, mas com diferentes apli- processualista Moacyr Amaral SANTOS
cações: o art. 458 estipula como requisitos (1973: 42) assim escreveu: “Desse modo,
da sentença: I – o relatório...; II – os fun- com a exposição das mais variadas opera-
damentos, em que o juiz analisará as ques- ções lógicas desenvolvidas no exame dos
tões de fato e de direito; III – o dispositivo, fatos e do direito, o juiz oferece os motivos
em que o juiz resolverá as questões, que as da decisão, os quais emergem da discussão
partes lhe submeterem (itálicos nossos). dos fatores conducentes à formação da con-
Observa-se que, na segunda fase da vicção. Por isso, a essa parte da sentença se
sentença, analisar as questões (de fato e dá a denominação de motivação, discussão
de direito) implica, para o juiz, em conhe- ou fundamentação” (itálicos nossos). A
cer as causas, os motivos, as razões, as nosso ver, a tônica desta fase está na moti-
circunstâncias dos fatos, processo próprio vação, como discussão dos motivos, e não
do ato mental de motivar. Esta é, portan- na fundamentação, que significa o resulta-
to, a fase da motivação. Na parte final do do final de fundamentar a decisão.
dispositivo, o ato de resolver as questões Vê-se, pois, que o uso corrente de
implica em apresentar o juiz uma decisão expressões diferentes com a mesma co-

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notação, podem trazer ambigüidades ou venceram a determinar a razão suficiente


equivocações. Assim, v.g., o emprego das (ratio decidendi ou fundamento) para a so-
expressões segurança jurídica e certeza do lução da controvérsia. A indagação não é
direito, não só em nossa língua, como em despicienda, por se tratar da aplicação ao
outras (em espanhol, apenas certeza del processo de princípios constitucionais, os
derecho; em italiano, igualmente, apenas quais, em razão de sua própria natureza,
certezza del diritto). Em Segurança Jurídi- são de caráter cogente e assumem particu-
ca e Jurisprudência (SOUZA: 1996) pro- lar importância na hermenêutica proces-
curamos demonstrar que havia imprecisão sual, pois as normas processuais devem
em seu uso indistinto, porque a segurança ser interpretadas conforme a Constituição
reside na lei e denota sentido objetivo,2 en- (MEDINA, 2005: 28).
quanto a certeza resulta da interpretação
das normas, fixada na jurisprudência, e re- 1. Motivação processual e fundamenta-
vela sentido subjetivo. ção constitucional
No entanto, o Constituinte de 1988 Os Códigos de Processo tradicional-
foi preciso ao distinguir fundamentação mente marcaram ênfase na motivação das
para as decisões judiciais (inc. IX do art. sentenças, como discussão técnica e endo-
93), e motivação para aquelas administra- processual das questões fáticas e jurídicas.
tivas dos Tribunais (inc. X), pois o Legis- Haja vista os dispositivos legais que tratam
lador ideal não utiliza palavras inúteis ou dos elementos constitutivos da sentença.
sem significado próprio. A questão surge A Constituição de 1988 introduziu
neste contexto: por quais razões o Legis- nítida distinção em relação aos textos pro-
lador constituinte normatizou o mesmo cessuais, ao disciplinar a fundamentação
fenômeno da decisão de processos, com das decisões, com acento, a nosso ver, no
expressões diversas, em dois incisos do dispositivo da sentença. O preceito do art.
art. 93 da Constituição? 93-IX conferiu maior eficácia ao decisum,
Antecipamos uma primeira obser- porque das três partes essenciais da sen-
vação: o fundamento do decisum opera a tença é o único que se torna coisa julgada,
coisa julgada (sua ratio decidendi, e não pode firmar jurisprudência e influenciar o
os motivos), mas a motivação dos proce- mundo jurídico, especialmente ao apre-
dimentos administrativos (a argumentação sentar solução relevante para uma questão
sobre os motivos) não produz esse efeito jurídica.
ou qualidade da coisa julgada, salvo quan- A motivação se apresentava como
do reexaminados pelos tribunais. Uma garantia das partes e do processo, atra-
segunda diferenciação é que para as deci- vés de linguagem técnica, com ênfase nas
sões administrativas não foi cominada san- formalidades processuais. A norma cons-
ção de nulidade, pois podem ser revistas titucional, a nosso ver, veio adotar a fun-
a qualquer tempo ou anuladas por outros damentação como um princípio, no plano
fundamentos jurídicos. das garantias fundamentais, para a segu-
A distinção entre motivação e funda- rança jurídica do indivíduo em relação ao
mentação torna-se nítida em casos de re- Estado, de um lado, e a sociedade, as juris-
curso, por ser o momento em que as partes dições, a comunidade jurídica e o próprio
e os tribunais devem analisar a sentença, ordenamento, de outro.
não pelo resultado a que chegou o juiz (o Pela leitura do texto constitucional
decisum), mas pelas motivações que o con- compreende-se a precisão do Constituinte

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de 88, ao indicar a fundamentação para as do convencimento (do juiz). Os motivos da


decisões judiciais, com cláusula de nulida- parte são as razões de fato e de direito in-
de, quando inobservada. A distinção orien- dicadas na petição inicial, respectivamente
ta este ensaio, e se justifica ademais pela como causa petendi, próxima e remota,
teoria geral do processo, ao distinguir entre necessárias à substanciação do pedido (art.
processo (para as ações judiciais) e proce- 282-III e IV do CPC)3. Por isso que os mo-
dimento (para as administrativas). tivos do art. 131 estão referidos à formação
A primeira razão deste relevo resi- do convencimento do juiz. São as razões
de no instituto da coisa julgada, em todos resultantes da análise e interpretação das
seus aspectos formais e materiais, o que só questões, durante a motivação, e das quais
ocorre na jurisdição; apenas o decisum ju- adotará uma razão suficiente para decidir.
dicial (decisão stricto sensu) produz a coi- O CPC aderiu à teoria da substancia-
sa julgada; o mesmo não ocorre na admi- ção (art. 282, III), em que a causa de pedir
nistração pública, até porque suas decisões é representada não somente pela relação
(lato sensu) estão sujeitas ao controle do jurídica afirmada, mas também pelos fatos
judiciário. e circunstâncias que acompanham essa re-
Segundo argumento é que, em se tra- lação. Por exemplo, na ação de depósito, o
tando de ato judicial, a sentença sem mo- CPC exige a apresentação da causa remo-
tivação fundamentada sofre pena de nuli- ta (o fato gerador do direito, a existência
dade, o que pode não ocorrer nas decisões de uma relação jurídica, a entrega do bem
administrativas, em que o administrador ao depositário), e também da causa pró-
tem o arbítrio de modificá-las ou revogá- xima (a natureza do direito controvertido,
las. os fatos que envolvem esta relação, como
Terceiro aspecto é que na administra- as circunstâncias do desaparecimento do
ção a atividade discricionária consiste em bem). O débito é a causa remota ou motivo
um juízo de oportunidade, e não pode ser do pedido; a infidelidade pela não conser-
equiparada a um juízo de legalidade do ato vação do bem é a causa próxima ou causa
de julgar na jurisdição (Cf. GRAU, 1996: de pedir. O juiz decreta a prisão do devedor
141-142). não porque este deve (causa ou circunstân-
Admite-se na doutrina a motivação cia material) mas porque é infiel (princípio
como a fase da sentença dita dos funda- moral, de valor superior).
mentos, em que o juiz “resolverá as ques- Na correlação necessária entre de-
tões de fato e de direito” (art. 458-II do manda e sentença, o juiz não pode ultra-
CPC), indicando os motivos “que lhe for- passar o objeto litigioso do processo, jul-
maram o convencimento” (art. 131). Vem gando a mais, a menos, ou além do pedido;
a propósito o parecer do emérito professor para atendê-la, deverá, por isso, levar a
Miguel REALE (1997: 158) sobre a função análise da causa petendi (questões de fato
do juiz na motivação da sentença: “a razão e de direito) para o campo da motivação, e
dessa opção (que) constitui propriamente a solução do pedido para o da fundamenta-
o fundamento do decidido”, pois “motivar ção, que é o dispositivo. Esta é a opinião
significa ... a enunciação dos fundamentos autorizada de José Rogério Cruz e TUCCI
em que se baseia a decisão, ... que emerge (2001: 206), invocando o magistério de
do vivo cotejo das questões de fato e de Botelho de Mesquita, e ponto central de
direito”. nossa argumentação: a petição inicial deve
Convém deixar clara a distinção en- mencionar com clareza e precisão a cau-
tre motivos dos fatos (da parte) e motivos sa de pedir e o pedido, elementos seguros

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para proceder à distinção entre a motivação causa ou determina alguma coisa. Para o
(que encerra a resposta às razões do autor) juiz, motivar é explicar ou justificar os mo-
e o dispositivo da sentença (que encerra a tivos ou as razões dos fundamentos.
resposta às razões do autor) e o dispositivo O jurista De Plácido e SILVA (1990,
da sentença (que contém a resposta à sua III-IV: 213) elucida que motivo significa a
pretensão). causa, a origem, o princípio das coisas e a
Aplicando-se a lição clássica do juris- sua razão de ser. Em Direito, sejam moti-
ta François GÉNY (1932, II; 52), da escola vos jurídicos ou de fato, são causas deter-
da livre pesquisa, sobre o dado e o cons- minantes de ações; segundo as circunstân-
truído no Direito, pode-se entender que os cias, e devidamente analisados, servem de
fundamentos das partes são os dados para fundamento às soluções judiciais. Nas ex-
a motivação, e os fundamentos do juiz se- posições de motivos as razões apresentadas
rão aqueles construídos para a decisão. É justificam a prática de um ato (portarias,
o mesmo parecer de NOJIRI (1999:116), regulamentos, projetos de lei). E nas sen-
que acompanhamos: “Fundamentar signi- tenças, quando se apresentam como estilo
fica enunciar os motivos emergentes das de redação, os consideranda são as exposi-
questões de fato e de direito que sustentam ções de motivos, razões fáticas e jurídicas
a decisão” (itálicos nossos). que fundamentam o decisório.
Ao final da sentença, no dispositivo, Fundamento (do latim fundamen-
haverá o juiz de fundamentar essa deci- tum, de fundare), base, alicerce; razão ou
são com uma ratio decidendi, pela qual argumento em que se funda uma tese, con-
resolve as questões das partes. Esta razão cepção, ponto de vista; razão justificativa
de decidir pode se expressar sob a forma (Dicionário Aurélio). Nas decisões judi-
de um ou de mais fundamentos (rationes ciais, é o juízo fundante de uma decisão;
decidendi). é o argumento relevante, dentre muitos,
determinado pelo juiz segundo uma escala
2. Motivo, fundamento e razão de decidir
de valoração, necessária à livre apreciação
Código de Processo Civil, art. 458: das questões.
São requisitos essenciais da sentença: I – o O mesmo dicionarista (Idem, I-II:
relatório...; II – os fundamentos, em que 332-333) esclarece que na terminologia
o juiz resolverá as questões de fato e de processual, fundamentos da ação, funda-
direito; III – o dispositivo, em que o juiz mentos do pedido ou fundamentos da de-
resolverá as questões, que as partes lhe manda se apresentam como fundamentos
submeterem. de fato e de direito, mas exprimem sempre
Constituição Federal, art. 93: inc. as circunstâncias da prática de um ato: “é
IX – todos os julgamentos dos órgãos do o motivo determinante e justificativo dos
Poder Judiciário serão públicos, e funda- atos jurídicos (...) ou é a razão preponde-
mentadas todas as decisões, sob pena de rante” para satisfação de uma pretensão.
nulidade...; inc. X – as decisões adminis- Podemos inferir, portanto, que os
trativas dos tribunais serão motivadas (...). motivos de uma sentença constituem ele-
mentos essenciais para o juiz formar sua
2.1. Motivos e Fundamentos, o que são? convicção, e determinar, ao fim do proces-
so, o fundamento jurídico do dispositivo.
Motivo (do latim motivum, o que Ainda na exposição lúcida de De Plácido
move), é causa ou razão de algo, o que e SILVA (Idem, III-IV: 213): motivação

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é a justificação em que se procura dar as circunstâncias particulares e fatos secun-


razões ou motivos que fundamentam a pre- dários não são relevantes em si mesmos,
tensão. E motivar é relacionar os motivos mas apenas na medida em que concorram
justificativos “de qualquer ato, de qualquer para compor determinado fato jurídico
direito ou de qualquer ação”. principal”. É a aplicação da teoria da ra-
Esta explicitação constava do Có- tio decidendi e dos obiter dicta, com que
digo de Processo Civil de 1939 (art. 118, argumentamos.
par. único): “o juiz indicará na sentença
ou despacho os fatos e circunstâncias que 2.2. Circunstâncias, obiter dicta, ratio de-
motivaram o seu convencimento”. E mais cidendi.
amplamente, pela regra do CPC de 1973
(art. 131), “o juiz apreciará livremente a Circunstâncias referem-se às ques-
prova, atendendo aos fatos e circunstân- tões de fato, e se identificam pelas per-
guntas quem?, o que?, onde?, com quais
cias constantes dos autos, ainda que não
meios?, por que?, como?, quando?, ado-
alegados pelas partes; mas deverá indicar,
tadas com ênfase na esfera criminal (quis,
na sentença, os motivos que lhe formaram
quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo,
o convencimento” (itálico nosso).
quando), e igualmente na oratória, confor-
Indicar os motivos significa justificar me o célebre Hexâmetro de Quintiliano.
e determinar as circunstâncias das ques-
tões sub judice, com os quais irá, no dispo- Quando alguém pede algo em Juízo,
sitivo, fundamentar a decisão; é requisito deve descrever as circunstâncias do fato,
essencial da sentença, e tem seu momento relativas a seus interesses, e a parte ad-
na fase da motivação, em que o CPC alu- versa deve apresentar outros fatos e suas
de aos fundamentos, como resolução das circunstâncias ou argumentos, expressan-
questões, ou decisum propriamente dito. do interesses contrários (art. 131 CPC). As
As questões, aqui referidas, são as teses circunstâncias referem-se aos próprios mo-
invocadas pelas partes, e fazem parte do tivos do fato, envolvendo as questões apre-
sentadas à apreciação do juiz. A motivação
petitum e da resposta; devem ser apresen-
é atividade lógico-psicológica que consiste
tadas ab initio e discutidas ao longo do
na análise prudencial dos motivos, a pon-
processo intelectivo da motivação, em que
deração de todas as circunstâncias que or-
o juiz forma sua convicção.
bitam em torno ao fato.
O jurista Roberto ROSAS (1999: 43)
Motivos e circunstâncias são, pois,
analisa com acuidade a distinção, ao enfa- elementos informativos, indicativos, pro-
tizar que “mais alicerçada, mais forte será batórios, destinados a determinar o fun-
a decisão se ela tem os fundamentos. Estes damento de uma decisão. O conhecimen-
são calcados nos motivos, nas razões de to dos motivos e circunstâncias dos fatos
decidir. Motivar uma decisão significa, por- permite ao juiz elaborar diversas soluções
tanto, dar os motivos, a ratio decidendi”. jurídicas, a que a doutrina inglesa deno-
Nos casos concretos, em que os fatos mina obiter dicta4 (opiniões valorativas a
e os fundamentos jurídicos se apresentam respeito de um tema principal); destas so-
como causa de pedir, deve o juiz distingui- luções motivadas, cabe ao juiz determinar
la das circunstâncias acidentais da petição aquela predominante, concludente, apoia-
inicial, como a qualificação jurídica ou a da e relacionada às demais, excluindo as
norma aplicável, dadas pelo autor. Pela inverossímeis, irrelevantes ou impróprias a
doutrina de LIEBMAN (1984, I:194), “as firmar convicção.

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Costuma-se denominar de “teses” às que “fundamentar significa o magistrado


questões de direito: as teses do autor, as te- dar as razões, de fato e de direito, que o
ses da defesa ou da Promotoria. Constituem convenceram a decidir a questão daquela
projetos de soluções jurídicas, ordenadas a maneira. A fundamentação tem implica-
firmar a convicção do julgador, que deter- ção substancial e não meramente formal,
minará prudencialmente o melhor sentido donde é lícito concluir que o juiz deve ana-
aplicável ao caso concreto. Este argumen- lisar as questões postas a seu julgamento,
to convincente, ou persuasivo, determina a exteriorizando a base fundamental de sua
razão de decidir (ratio decidendi), a razão decisão”.
predominante que qualifica por primeiro a Quanto ao termo fundamento, ex-
decisão e, após, persuade as partes e os tri- presso no CPC (art. 458-II), parece que não
bunais. (Cf. TUCCI: idem, 205). deve ser entendido literalmente, mas lógi-
Em alentada pesquisa sobre o siste- ca e topicamente, como linguagem técnica
ma da common law, Victoria ITURRAL- do Código, pois quer se referir à motivação
DE SESMA (1995:100-102) observou que da sentença; neste aspecto o termo se con-
a prática dos tribunais ingleses é expor fronta com a linguagem político-social da
detalhadamente a motivação para suas de- Constituição Federal (art. 93, inc. IX), que
cisões, pois não são as decisões em si mes- pretendeu lhe dar função mais precisa.
mas que vinculam, mas a ratio decidendi, Os processos intelectivos, pelos
e esta só pode ser obtida analisando-se o quais o juiz resolve as questões de fato e de
raciocínio do tribunal. A ratio decidendi direito, são concomitantes: a) ao longo da
é um fundamento necessário à decisão; a instrução, o juiz irá apreciando e valorando
contrário senso, as demais considerações, as provas que estarão sendo produzidas; b)
não necessárias para decidir, são meras simultaneamente, através dos métodos ló-
obiter dicta, pois os juízes costumam dar gicos, procede à adequação entre as ques-
razões adicionais da sua sentença, sem que tões suscitadas e as normas que haverá de
façam parte da ratio decidendi (Cf. SOU- aplicar. As questões de fato serão aprecia-
ZA: 1996, 229-230). das e valoradas em concomitância com as
Antonio Magalhães GOMES FILHO questões de direito, não se afastando o juiz
(2001:73), em sua aprofundada tese so- do objeto da causa, antes centrando-se no
bre A motivação das decisões penais, ao objeto do pedido, pois não poderá entregar
se referir à importância dos precedentes prestação judicial nem maior, nem menor
no sistema inglês, justifica que “sem uma ou fora da pretensão inicial.
acurada indicação dos motivos seria im- Nesta fase de compreensão das ques-
possível identificar a ratio decidendi, ou tões, de formação de convencimento, as
seja, o princípio jurídico em que se baseia inúmeras razões ou motivos presentes nos
o pronunciamento judicial”, inclusive para autos se interagem, orientando o juiz a
“justificar a criação jurisprudencial do di- formular uma escala de valoração; são os
reito (...)” pela “escolha entre várias alter- fatos e circunstâncias, sobretudo, que mo-
nativas possíveis”. tivam o convencimento do juiz (cf. redação
do art. 118, par. único, do CPC 1939).
2.3. Fundamentação Até o decisum, portanto, devem estar
resolvidas as questões de fato e de direito,
Ao discorrer sobre o princípio da essenciais ou necessárias, sobre as quais
motivação das decisões judiciais, adverte o a decisão justa deve se fundar. Estas duas
jurista Nelson NERY JÚNIOR (2004:218) ordens de questões deverão ser compostas

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MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS... 363

logicamente pelo juiz para a determinação controvertidas, controle difuso de constitu-


deste fundamento da decisão. Para fixar cionalidade de leis ou regulamentos, etc.);
este dispositivo deverá o juiz apresentar a vocação destas causas é a de serem re-
uma razão suficiente, determinante, rele- examinadas pelos tribunais intermédios e
vante, valorativamente superior às demais. superiores, para fixação de uma jurispru-
A decisão estará fundamentada por uma dência uniformizadora, e incorporação da
razão suficiente. tese ao mundo jurídico (Cf. BARBOSA
Fundamento é, pois, esta razão sufi- MOREIRA, 1988: 87).
ciente, que resulta do processo de motiva- Melhor se fora vinculante. A obriga-
ção sobre as questões de fato e de direito; toriedade das súmulas dos Tribunais supe-
como solução do conflito, esta ratio deci- riores obedece ao princípio de uniformi-
dendi deve se aproximar quanto possível zação da jurisprudência: quanto maior seu
de um princípio valorativo. Pode-se dizer grau de eficácia jurisprudencial, maior a
que a sentença estará fundamentada quan- certeza das decisões das demais instâncias,
do o juiz identifica esta razão suficiente além de tolher recursos inúteis, protelató-
para uma decisão justa e adequada. rios ou repetitivos, que entulham os Tribu-
nais. Corre-se o risco de serem certas, mas
2.4. Destinatários da sentença não justas, o que se resolve por revogação
da súmula ou declaração de sua inconstitu-
Pelas leis processuais anteriores a cionalidade.
1988, exigia-se a motivação das decisões No ensino do renomado jusfilósofo
judiciais para garantia das partes (CPC Álvaro D´ORS (1953: 313-14), “(...) uma
art. 165 c/c 458; CPP, art. 381; CLT, art. sentença judicial é norma em tríplice senti-
832). Nas Constituições modernas, a moti- do (...) 1º É norma particular para as par-
vação tem também função política, sendo tes afetadas pela decisão, para os litigantes,
exigência não só das partes e tribunais que entendida na medida em que aquela sen-
examinarão os recursos, como de qualquer tença tem força de coisa julgada. (...) 2º É
pessoa do povo poderá fiscalizar a impar- norma profissional porquanto cada senten-
cialidade do juiz e a legalidade e justiça ça constitui um precedente, que terá uma
das decisões CINTRA, GRINOVER, DI- influência mais ou menos intensa sobre
NAMARCO (2005: 70). as futuras sentenças daquele mesmo juiz
De fato, a decisão judicial está des- ou de outros juízes. 3º É norma pública,
tinada a vários agentes ou operadores do já que aquela amostra de conduta judicial
direito: por ordem de emanação, em pri- será tida em conta por todos os que tenham
meiro, ao juiz que elaborou o veredicto, que intervir em um caso análogo, e os téc-
persuadido de sua certeza jurídica; em se- nicos de direito, em especial, não esquece-
guida, às partes: elas devem ser convenci- rão aquele exemplo quando se trate de dar
das do acerto da decisão, do direito justo um conselho ao ´público`”.
aplicado. E como destinatários últimos,
os tribunais, e através de sua jurisprudên- 2.5. A sentença nos tribunais
cia, o próprio ordenamento jurídico; v.g.,
nas questões de relevância jurídica, que Quais as questões relevantes que se
interessam à integração do ordenamento apresentam, em um recurso, à considera-
(fixação de índices de correção monetária, ção do juiz relator? Com certeza iniciará
constitucionalidade de tributos, fixação pela análise da motivação da sentença, ao
de entendimento jurídico sobre leis novas perscrutar a linha de raciocínio do senten-

(Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº7 - Jan/Jun 2006 - Vol.2


364 Carlos Aurélio Mota de Souza

ciante, se foi omisso quanto a alguma das trovertida. Por isso, o artigo 93, inc. IX,
teses, se hierarquizou com razoabilidade da Constituição Federal, comina pena de
as provas e as circunstâncias do fato, em nulidade à sentença não fundamentada, o
uma escala valorativa de ponderações. que deve ser interpretado como falta de
Em seqüência, irá identificar a ratio motivação convincente, inepta para funda-
decidendi, como fundamento da decisão, mentar a decisão.
em cotejo com a(s) norma(s) aplicada(s), Mais do que expressa imposição
aferindo a congruência desses elementos: constitucional, é inquestionável que a fun-
o fundamento e a regra aplicada. O fun- damentação das decisões judiciais é a ga-
damento de uma decisão, portanto, não se rantia essencial contra excessos do Estado-
cinge à norma, pura letra da lei, mas deve Juiz; ao torná-la elemento imprescindível
ser o porquê de uma dada solução jurídica, dos atos sentenciais, quis o ordenamento
e não outra; é a justificação final, o motivo erigi-la como fator de limitação dos pode-
fundante da decisão. res deferidos aos magistrados e Tribunais.
Sobre este entendimento, podemos TOURINHO FILHO (1989:183) in-
afirmar que o decisum ou dispositivo, como voca o magistério de Vincenzo MANZINI
fundamento jurídico, não consiste na apli- para justificar este controle das decisões:
cação pura de uma norma. A determinação “A motivação constitui uma garantia para
da solução jurídica, exige esmerada apre- o Estado, porquanto lhe interessa que a sua
ciação das questões de fato e de direito, em vontade seja acatada com exatidão e que a
conjunto; este labor transcorre, previamen- justiça se administre corretamente; consti-
te, na fase processual dita dos fundamentos tui uma garantia para o cidadão e constitui,
(art. 458-II do CPC), mas que, na verdade, também, garantia para o próprio Juiz que,
pela discussão dos motivos que aí se de- motivando suas decisões, se acoberta con-
senvolve, deveria designar-se fase da mo- tra a suspeita de arbitrariedade, de parcia-
tivação da sentença. lidade ou de outra injustiça”.
É de se ver que o fundamento da de- A fundamentação, precipuamente re-
cisão não se confunde com a norma jurídi- levante para as partes, é para elas o direito
ca aplicada: se esta é, por sua natureza, ge- material que lhes foi entregue; como esco-
nérica, de múltipla aplicação, ao oferecer po do processo, é a garantia constitucional
um leque de opções para decidir, o juiz terá de acesso à justiça e do devido processo
que escolher, dentre as obiter dicta, qual legal. Constitui, ademais, irrecusável se-
o motivo determinante e melhor fundado gurança para o Juiz, como demonstração
nos princípios constitucionais, fins sociais, de transparência de seu raciocínio jurídi-
bem comum, consideração ou critério de co, e de sua imparcialidade no tratamen-
eqüidade, enfim, aquilo que melhor con- to e discussão das teses a ele submetidas
vém, que for mais adequado, como medida pelas partes. Por fim, constitui garantia ao
de justiça do caso concreto, etc. próprio Estado, como guardião do ordena-
Conforme o julgamento em primeira mento jurídico, cuja integração uniforme
instância, o relator poderá atuar: a) como lhe interessa, para que a justiça seja minis-
subscritor da motivação da sentença; b) trada com segurança e certeza.
como integrador dos pontos omissos ou 3. O princípio da razão suficiente na ló-
controversos (reforma total ou parcial da gica jurídica
decisão); ou c) como revisor do processo,
podendo anular a sentença, por falta de O estudo da fundamentação de um
motivação, motivação equívoca ou con- juízo remonta à filosofia antiga, em espe-

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MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS... 365

cífico no campo da lógica, à qual devemos mais com os princípios ou arquétipos,


recorrer como fonte da construção do sa- acompanhando o pensamento de Pitágo-
ber; este é o motivo para invocarmos algu- ras, para quem a sabedoria era a ciência
mas lições de lógicos e filósofos que trata- dos princípios (arkhai).
ram deste princípio, considerado essencial O princípio da razão suficiente foi es-
à compreensão da motivação judicial. tudado igualmente pelo filósofo brasileiro
Três são os primeiros princípios Mário Ferreira dos SANTOS (1968: 210),
clássicos, válidos para a universalidade que assim o definiu: “o que quer que exis-
dos domínios do conhecimento, em espe- ta, ou pode ser entendido, tem de ter, in-
cial o jurídico: o princípio de identidade trínseca ou extrinsecamente, em sua emer-
e de contradição, o princípio do terceiro gência ou em sua predisponência, parcial
excluído e o princípio de razão suficiente. ou totalmente, uma razão suficiente de sua
Segundo lição de MANS PUIGARNAU essência, de sua existência, e também de
(1978: 28-30), estes primeiros princípios sua inteligibilidade”.
são proposições evidentes por si mesmas, Em seu Vocabulário Técnico e Críti-
estão implícitas ou pressupostas como uma co da Filosofia, André LALANDE registra
norma absoluta em todas as operações in- que o princípio da razão suficiente também
telectuais; e também se chamam racionais
se denomina princípio de razão determi-
porque estão imediatamente constituídos
nante e princípio de razão. E lembra que
pela razão.
Schopenhauer dividiu este princípio em
São eles: a) O princípio de identida-
quatro fórmulas a que chamou respectiva-
de, que se enuncia afirmativamente me-
mente de princípios da razão suficiente do
diante a proposição: «o que é, é», ou: «A
devir, da razão suficiente do conhecer, da
é A»; b) O princípio do terceiro excluído,
que assim se exprime: «uma coisa é ou não razão suficiente do ser (relações matemá-
é» - versão ontológica; ou ainda: «entre ticas), e da razão suficiente do agir ou da
duas coisas contraditórias não cabe termo motivação (1996: 921).
médio» - versão lógica; c) O princípio de Este princípio de razão suficiente, ou
razão suficiente, em seu enunciado afirma- de razão determinante, é um dos dois gran-
tivo reza: «tudo o que é tem sua razão de des princípios sobre os quais se fundam,
ser», e no negativo: «nada há sem razão segundo Leibniz, todos nossos raciocínios,
suficiente». sendo o outro o princípio da contradição.
Deste último deriva o princípio de Foi, portanto, Arthur SCHOPENHAUER,
causalidade, segundo o qual «tudo o que em A quádrupla raiz do princípio de razão
é ou acontece tem uma causa», posto que, suficiente (1989:29), quem questionou se
de outra forma, dar-se-ia um ser ou acon- todas as razões (ou motivos) que orbitam
tecer sem razão suficiente. Causa e condi- em torno de um fato (caso concreto, tema,
ção não se confundem: causa é aquilo pelo tese jurídica) são suficientes para se for-
qual se produz o efeito; condição é aquilo mular um juízo.
sem o que não se produz. O sol é a causa Kant chamou de juízo a uma relação
da luz que ilumina uma sala; a condição é de conceitos, claramente pensada e ex-
o fato de que a janela esteja aberta. pressada, agora como princípio da razão
Neste ponto, ao compararmos Aris- suficiente: se um juízo tem que expressar
tóteles a Platão, vemos o Estagirita preo- um conhecimento, deve ter uma razão sufi-
cupado mais com as causas, enquanto o ciente; em virtude desta propriedade rece-
filósofo da Academia elaborou suas idéias be o nome de verdadeiro (Idem: 158).

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366 Carlos Aurélio Mota de Souza

Na língua do filósofo de Königsberg, nada mais falta para que o juízo seja plena-
a palavra Grund (razão, fundamento) indi- mente verdadeiro.
ca que o juízo se baseia em um fundamen- O princípio lógico de razão expres-
to; nas línguas latinas o sentido da razão sa que todo juízo, para ser verdadeiro, ne-
de conhecimento ou de razão se expressam cessita de uma razão suficiente, enquanto
como ratio, ragione, razón, raison, e em o jurídico indica que toda norma, para ser
inglês reason. O que evidencia que no co- válida, necessita de um fundamento sufi-
nhecimento das razões de um juízo se en- ciente de validez. O princípio jurídico de
contra a função principal do fundamento. razão suficiente faz depender a validez de
Ao sistematizar a ordem de razões, toda norma de certo fundamento; uma nor-
Schopenhauer elaborou: 1º) o princípio de ma de direito só pode ser válida se possuir
razão de ser; 2º) a lei da causalidade; 3º) um fundamento bastante; tal fundamento,
a lei da motivação; 4º) o princípio de ra- porém, não reside na própria norma, mas
zão suficiente de conhecimento (Idem: 214 em algo que com ela se relaciona e lhe ser-
- § 46); e extrai uma relação entre Razão ve de base.
e Conseqüência: “segundo a lei da causa- Para enfrentar esta dificuldade, en-
lidade e a lei da motivação, a razão deve tendemos que o juiz deveria recorrer a uma
preceder à conseqüência na ordem do tem- pauta valorativa ou critério de julgamento,
po” (Idem: 215 - § 47). e este critério é o mesmo que remete ao
Aplicada à dinâmica do pensamento princípio de razão suficiente. De onde se
do juiz, ao formular seu juízo de conven- colhe que a aplicação de princípios, em um
cimento, pode-se afirmar que motivação é julgamento, exige o conhecimento de uma
a causalidade vista por dentro, e aparece razão, capaz de sustentar a validez de cada
como princípio de razão suficiente para o fundamento.
agir, ou, simplesmente como lei da moti- Deverá, pois, o juiz, no iter da moti-
vação, seguindo-se a lógica deste filósofo. vação da sentença, identificar quais serão
as razões pelas quais fundamentará não só
3.1. Razão suficiente, validez e eficácia do a validez e a existência mesma das normas
julgado jurídicas, como a eficácia do seu julgado.

4. Interpretação e motivação
Aplicando este princípio lógico ao
Direito, o jusfilósofo mexicano Eduardo Os romanos nos legaram um axioma
GARCIA MAYNEZ, em sua Introducci- que vale a pena recordar: Em tudo o que
ón a la lógica jurídica (1951: 130-31), ao faças, olha para o fim (In omnium respice
analisar este principium rationis sufficien- finem), que nos transmite uma metodolo-
ti, afirmou que “todo juízo, para ser verda- gia finalística dos atos humanos: a) o fim
deiro, necessita de uma razão suficiente”. projeta luz sobre as etapas do caminho;
Nesta proposição fundamentou o autor a b) indica o procedimento para o julgador
regra segundo a qual o juiz não deve admi- chegar à decisão, convencido de suas me-
tir, sem razão suficiente, a verdade de um lhores razões; c) se o juiz, durante o cami-
julgamento. nho, não vislumbra esse alvo (o decisum),
Entende por razão de um juízo aquilo para o qual se destina, arrisca-se a decisões
que é capaz de justificar o enunciado nele injustas e inadequadas. A interpretação e a
mesmo. Uma razão é ‘suficiente’ quando motivação integram esta etapa necessária,
basta por si mesma como apoio completo em que o juiz prepara seu arsenal de razões
ao enunciado; quando, por conseguinte, e argumentos para bem decidir.

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MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS... 367

A interpretação operada pelo juiz to íntimo que apresentam; e que, encerrada


é sempre uma atividade motivadora, e a a motivação, o juiz decide, o que é feito na
motivação implica um ofício interpretati- parte dispositiva (ou decisão).
vo. Motivar e interpretar se correlacionam, Também Américo CANABARRO
portanto, como vias intelectivas de mão (1977:152) descreve que “na fundamenta-
dupla, pois a motivação é pertinente à in- ção passa o juiz a motivar o seu conven-
terpretação. Não são atividades mentais cimento, estabelecendo os fundamentos da
distintas, mas reflexos da faculdade de sin- decisão que irá proferir, através do exame
dérese5 do juiz, defronte às situações fáti- das alegações das partes, e das questões de
cas e jurídicas apresentadas à sua decisão. fato e de direito”. Segundo nosso raciocí-
Cabe indagar em que ocasião o Juiz nio, o autor identifica, na fase chamada de
interpreta, no âmbito da motivação da sen- fundamentação o momento de motivação
tença? É no momento em que apreende do convencimento, durante o qual estabe-
a realidade dos elementos do processo e lece os fundamentos do julgado.
busca alcançar os motivos, causas ou ra- É freqüente, como se vê, a utilização
zões para justificar a futura decisão; esta indiferente dos termos motivar/motivação,
atividade se diz motivação, e só nesta se dá fundamento/fundamentação, não contri-
a interpretação. Na instrução do processo, buindo para a precisão desses conceitos e
enquanto o juiz colhe as provas e conhece a uma clara adequação quanto às distintas
(no sentido processual do termo) das ques- funções processuais e constitucionais, as-
tões de fato e de direito, ele as estará inter- pecto que trataremos adiante.
pretando a fim de formar sua convicção.
Desta atividade judicial de interpre- 4.1. Princípios e Valores no ordenamento
tação/motivação deverá resultar, necessa- jurídico
riamente, um produto, a ser apresentado
na fase subseqüente do dispositivo, sob a Nossa Constituição incorporou inú-
forma de um ou mais fundamentos. Argu- meros princípios axiológicos que ingressa-
mentamos, com isso, que a motivação é um ram plenamente no ordenamento jurídico,
meio, uma atividade intelectiva instrumen- haja vista sua influência na nova Legislação
tal dirigida a um fim último, a decisão fun- civil.6 Iniciam em seu preâmbulo e se irra-
damentada, ou seja, a entrega da prestação diam pelos títulos sobre direitos e garantias
jurisdicional expressa por um fundamento, fundamentais, permeando todas as disposi-
uma ratio decidendi ou razão suficiente de ções referentes à dignidade da pessoa. Evo-
decidir. luiu de um positivismo legalista a um jusna-
Ao dissertar sobre a motivação das turalismo realista, recepcionando os valores
sentenças, José Frederico MARQUES essenciais à pessoa humana, à cidadania e
(1958: 519) demonstrou que a primeira ao próprio Estado democrático.
tarefa do magistrado será estabelecer os Estes princípios fundados em valo-
fundamentos do juízo que vai pronunciar: res, sejam constitucionais, gerais de direito
“entramos na fase de motivação do judi- ou processuais (SOUZA, 1987:30ss.), de-
cium, em que o magistrado, examinando as vem nortear a atividade interpretativa dos
questões de fato e de direito, constrói as julgadores, que se opera na fase de moti-
bases lógicas da parte decisória da senten- vação das sentenças. Neste labor interpre-
ça”, operando concomitantemente a reso- tativo/motivador do juiz, as alegações das
lução dessas questões, tal o entrelaçamen- partes recebem melhor apreciação à luz

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368 Carlos Aurélio Mota de Souza

dos princípios axiológicos já expressos no tende a um alvo determinado, um valor a


ordenamento, e orientados à justificação ser atingido.
suficiente da ratio decidendi. Antonio HERNANDEZ-GIL
É o que propõe Maria Thereza Gon- (1981:26) afirmou que o Juiz deve ter
çalves PERO (2001:4), ao analisar a figura “una mirada hacia arriba”, que o leva a
do juiz como “portador de valores ético- considerar o transcendentalismo da Jus-
políticos e protagonista dos conflitos so- tiça; e uma “mirada hacia abajo”, para
ciais”, e ao estudar as atividades e a função que desça à consideração das condições
do julgador sob os enfoques sociológico sociais subjacentes. A mesma idéia expres-
e político, para evidenciar os componen- sou Theodor VIEHWEG (1979:83), para
tes metajurídicos da decisão e a função da quem a aplicação do direito é “uma recí-
motivação nesse contexto. proca aproximação entre os fatos e o orde-
Será no plano dos princípios funda- namento jurídico”, um “permanente efeito
mentais, e não nos aspectos processuais recíproco”, a “ida e volta do olhar”.
puramente técnicos, que a atividade juris- Nesta linha de pensamento, PERO
dicional deve exercer suas funções de guar- (Idem: 154) entende que no discurso do
diã constitucional, decorrente da obrigato- juiz, isto é, a motivação, cabe ao intérprete
riedade e publicidade da motivação. Na identificar, entre os diversos tipos de juí-
análise de José Carlos Barbosa MOREIRA zos que ele formula, aqueles que se deno-
(1988:88), será pelas opções valorativas minam “juízos de valor”, ou seja, aqueles
do julgador, na motivação, que se fará o critérios éticos, políticos, ou metajurídicos
devido controle das soluções dadas. que realizam a valoração dos fatos, coi-
Observa-se, pela jurisprudência, que sas ou situações, e uma vez identifica­dos,
toda decisão, ao adotar um princípio em constituirão um dado de fato (o dado “sig-
seu fundamento, atende a um grau maior nificante”), emergente do exame da moti-
de razoabilidade, e satisfaz aos destinatá- vação.
rios da sentença, das partes aos tribunais, Para Ronald DWORKIN (1984:94)
da comunidade jurídica ao próprio orde- sempre existirá nas discussões jurídicas
namento. Toda sentença, justa e adequada, certa margem residual de incerteza; quando
acaba por confirmar não somente a valida- as normas não trazem soluções e os princí-
de das leis, como fixar a qualidade da coisa pios não são percebidos claramente, cabe
julgada e da jurisprudência sobre o tema ao juiz descobri-los, elevando suas pautas
decidido. de julgamento até os valores e princípios
No processo constitucional moder- da Constituição, para melhor fundamentar
no, o juiz deve interpretar e aplicar as leis suas decisões.
com uma visão acima dela, buscando so- Numa interpretação axiológica (não
luções sempre mais elevadas, senão meta- apenas pragmática), a satisfação dos inte-
jurídicas. Para tanto, na determinação das resses dos cidadãos é um bem socialmente
decisões justas, deve alçar-se das regras relevante. A consecução deste bem é um
aos princípios; no feixe de soluções para valor superior. Assim compreendido, toda
o caso sub iudice deverá identificar a que decisão fundamentada deve constituir um
mais se aproxime de um princípio, pois es- valor em si mesmo, pois a solução de um
tes estão ordenados a valores: assim como litígio tem por escopo alcançar a paz entre
a flecha, disparada por um arqueiro hábil as partes, e em relação à sociedade, que é
(princípio, motivo, causa eficiente), que um valor maior.

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MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS... 369

Lembrando os trabalhos deste autor prescreve a indicação dos motivos de fato


americano, ressalta Antonio Magalhães e de direito em que se fundar a decisão.
GOMES FILHO (Idem: 134) ocorrer na Resultantes de longa tradição, os Có-
atividade judicial casos difíceis em que digos enfocaram apenas a estrutura formal
“não havendo uma regra precisa que resol- interna da sentença, com ênfase na moti-
va o caso, cabe ao juiz descobrir a resposta vação do convencimento do juiz. Daí po-
correta, socorrendo-se dos princípios con- dermos inferir o porquê do uso indiferen-
sagrados pelo sistema jurídico...”, o que ciado dos verbos motivar e fundamentar,
exige deva ele “balancear os valores em que leva os juristas a aplicarem tais ter-
jogo e decidir o que possui maior peso”. mos como sinônimos, análogos ou mesmo
De tal sorte, nenhuma decisão judi- equívocos.
cial será irrelevante, pequeno que seja o Explica-se. A Constituição Federal
interesse disputado. Perante a Justiça, o de 1988 provocou uma revolução axioló-
tostão da viúva será tão importante quan- gica, ao suplantar a esquemática estrutura-
to o milhão do banqueiro, pois se discute ção das sentenças, e estabelecer um cânone
um interesse subjetivo próprio de pessoa superior a ser observado: todas as decisões
humana, constitucionalmente um valor serão fundamentadas, não cogitou da
maior. E será mais justa e adequada a sen- formação interna do convencimento dos
tença que determinar um valor ou princí- julgadores, objeto próprio dos códigos de
pio como seu fundamento. processo, fato este identificado por NOJI-
RI (1999: 28), ao observar que “a regra de
5. Decisões judiciais fundamentadas e
se motivarem as decisões judiciais passou
garantias constitucionais
a ter dignidade constitucional, adquirindo,
Como os Códigos e a Constituição assim, status de garantia constitucional”.
disciplinaram a fundamentação das sen- Qual foi a evolução distintiva? Mu-
tenças? O CPC de 1939, no art. 118, par. dou-se o enfoque da técnica formalista en-
único, aludia aos fatos e circunstâncias doprocessual dos Códigos, para uma visão
que motivaram o convencimento do juiz; extraprocessual da sentença; naquela se
e o art. 280-II apenas exigia a explicitação priorizava a motivação interna ao proces-
dos fundamentos de fato e de direito; de tal so; nesta, correlata à publicidade dos atos
forma, ambos completavam o entendimen- judiciais, a ênfase recai no decisum, como
to do que deveria conter a sentença. E seu tópico visível da sentença, única parte do
parágrafo único prescrevia que o relatório processo com vocação a gerar a coisa jul-
mencionará o nome das partes, o pedido gada, e que, por tal relevância, atende ao
e o resumo dos respectivos fundamentos, interesse público e à segurança jurídica.
entendidos estes como fundamentos das Como se observa do cotejo destas
partes, obviamente. normas, a tônica constitucional recai na
O CPC de 1973, pelo art. 131, aponta fundamentação do decisum, e não na sen-
que o juiz deverá indicar, na sentença, os tença como um todo; sem revogar as dis-
motivos que lhe formaram o convencimen- posições processuais, valoriza em particu-
to. E no art. 458-II cobra os fundamentos, lar o fundamento, essência do dispositivo,
em que o juiz analisará as questões de fato e não mais os motivos, que são instrumen-
e de direito. A primeira regra complementa tais à atividade da cognição.
e explicita o entendimento da seguinte. E o Kazuo WATANABE (1999: 65)
Código de Processo Penal, no art. 381-III identificou precisamente no dispositivo

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370 Carlos Aurélio Mota de Souza

toda a carga da garantia constitucional: “A único, que denomina, com propriedade, de


cognição está voltada à produção do resul- provimento jurisdicional fundamentado,
tado final, que é a decisão ou o provimento concluindo que “é a Constituição e são as
jurisdicional. Ao longo do iter percorrido, leis processuais e materiais, assim como
o magistrado enfrenta e resolve inúmeras os princípios que delas decorrem, que es-
questões de fato e de direito, e o esque- tabelecem o caminho a ser percorrido pelo
ma do silogismo final e os aspectos mais magistrado, que condicionam, enfim, o
importantes para a justificação lógica da procedimento intelectual que leva à deci-
conclusão última devem ficar expressos na são e que deve vir expresso na motivação”
´motivação`”. (Idem: 115).
Por esta afirmação fundamental do Do exposto, entendemos que ao ser
ilustre professor e magistrado, entendemos constitucionalizado o preceito sobre a fun-
conclusão última como a razão suficiente damentação das decisões judiciais, ficou
determinada pela motivação; ela antecede assegurada processualmente aos cidadãos e
ao resultado final e será identificada por à sociedade, além da satisfação de interes-
um fundamento (ou ratio decidendi). Sob ses privados, também uma ampla garantia
outro ângulo, o resultado final se expressa dos direitos fundamentais, especificamente
não em motivos, mas em um fundamento
os princípios de acesso à justiça, ao devido
motivado, posto que os motivos não se
processo legal e à irretroatividade da coisa
contam na formação da coisa julgada, mas
julgada, implícita à segurança jurídica.
apenas o decisum.
Há de se invocar, neste ponto, toda a
DECISÕES JUDICIAIS
doutrina processualista, unânime quanto à
formação da coisa julgada exclusivamente Art. 458 CPC
pelo dispositivo da sentença, e não mais, II – Fundamentos
como no CPC de 1939, também pelos seus (Norma)
Motivação valorativa Interpretação e
motivos. Colhe-se, a propósito, a lição per-
das questões de fato e aplicação da norma
tinente de BARBOSA MOREIRA (1988: de direito ao caso concreto
87), ao ver a obrigatoriedade da motivação (Causa petendi) (Pedido)
como condição do funcionamento eficaz Motivação
(Sentenças e
Fundamentação
dos mecanismos destinados a promover Acórdãos)
“a uniformização da jurisprudência, para a Jurídica
qual são as teses jurídicas que importam, e Arts. 131, 165 e 458
CPC
não as conclusões nuas dos julgados”.
Em profunda investigação sobre o I- Relatório III- Dispositivo
(Fato) (Valor)
tema da motivação das sentenças, o profes-
sor Antonio Magalhães GOMES FILHO
(2001:108/109) detectou este confronto Constituição Federal, artigo 93:
de normas: “ao mandamento constitucio- Serão fundamentadas todas as deci-
nal de que ´serão (...) fundamentadas todas sões dos órgãos do Poder Judiciário, sob
as decisões, sob pena de nulidade´(art. 93, pena de nulidade (Inc. IX), e motivadas
IX) correspondem singelas prescrições dos as decisões administrativas dos Tribunais
Códigos de Processo Penal e Civil” (arts. (Inc. X).
381, III, do CPP, e 458, II, e 131 do CPC); Na correlação entre a demanda e a
identifica, assim, uma superioridade da sentença, as questões de fato e de direito
Constituição, ao estabelecer um modelo (a causa de pedir) são apreciadas e inter-

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MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS... 371

pretadas na motivação; e o pedido o juiz 5.2. Poder jurídico e Jurisprudência


resolve no dispositivo ou decisum, por
uma razão suficiente de decidir, ou fun- Esta auctoritas, como saber pruden-
damento. cial, é um valor inerente à Jurisprudência,
como autoridade complementar à Lei, no
5.1. Poder político e Poder jurídico sentido que lhe dá o Título Preliminar do
Código Civil espanhol (art. 1, nº 6). Por
Convém recordar que a sociedade é a uma conceituação realista da Jurispru-
detentora dos poderes do Estado, e inicial- dência, o juiz “cria” direito, não como
mente os únicos poderes foram o político legislador, mas por agregar à lei todas as
e o jurídico, que perpassam a história em circunstâncias valorativas do julgado, tais
constante tensão dialética, conforme pre- como doutrinas, costumes, precedentes ju-
ciosa análise do cientista social Dalmacio diciais; tem valor proeminente a função do
NEGRO PAVÓN (1993: 16). O poder po- juiz moderno em trabalhar com as motiva-
lítico é o detentor da potestas (mais que ções, visualizando com precisão e ênfase
poder, potestade), que transparece nítida o fundamento do decisum, responsável
no Executivo e no Legislativo, e o poder pelo evento da coisa julgada. Muitas de-
cisões judiciais, sobre questões jurídicas
jurídico é visível no Judiciário, que detém
relevantes, tendem a formar jurisprudência
a auctoritas (SOUZA, 1996: 222).
dominante, com reflexos no próprio orde-
Rafael DOMINGO (1987: 47-51),
namento jurídico (SOUZA, Idem: 223).
invocando a doutrina de Álvaro D´Ors, es-
Como muitos, entendemos que a
clarece que “a autoridade é o saber social-
Jurisprudência tem valor como fonte do
mente reconhecido e a potestade é o poder
Direito7 porque trata da compreensão de
socialmente reconhecido”, sendo a Juris- conexões normativas orientadas a valores;
prudência o “saber prudencial socialmente de fato, pela teoria tridimensional de Rea-
reconhecido”. E para esclarecer utiliza o le, que supera a visão positivista do Direi-
refrão pergunta quem “pode”, responde to, não importam apenas o fato e a norma,
quem “sabe”; a Jurisdição pode, mas é o mas sobretudo o valor, pelo qual o juiz
Juízo que sabe o Direito. decide segundo uma pauta axiológica que
Sob esta visão, o juiz está investido deve adotar.8
de potestas enquanto agente administrativo Por trás da tensão natural entre a
na condução do processo, como no exercí- Lei e a Jurisprudência há um conflito em
cio do poder de polícia; está na gestão de permanente reprodução, entre Direito e Li-
um poder, mas ainda não exerce a auctori- berdade, Estado e Cidadania; neste campo,
tas, ou a exação específica de uma “auto- só a Jurisprudência, com força de aucto-
ridade”, na expressão popular. Na verdade, ritas, culminância do saber jurídico, pode
a essência dessa autoridade o juiz somente equilibrar a potestas do poder político. E
a exerce no momento culminante em que ao Judiciário compete atuar continuamen-
profere o decisum. Instante único em que te em seu construtivismo jurisprudencial,
prescinde de qualquer auxílio externo para adequando a norma aos fatos, aos tempos,
decidir. Convive só com sua consciência, aos lugares e aos valores, sem tolhimen-
seu conhecimento técnico-jurídico, sua to pelo poder político, mas respeitando-se
cultura pessoal: apenas nesse átimo de sua independência e autoridade.
tempo atua com autoridade, como saber Esta deve ser a missão do juiz mo-
socialmente reconhecido. derno, conforme análise precisa do eméri-

(Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº7 - Jan/Jun 2006 - Vol.2


372 Carlos Aurélio Mota de Souza

to constitucionalista Ives Gandra da Silva À guisa de conclusões destes tópicos,


MARTINS (1993: 22): “O Direito moder- verifica-se que a força do Estado de Direito
no já não admite a visão estreita do positi- se manifesta no permanente equilíbrio en-
vista, nem a redução do campo de abran- tre o poder político e o poder jurídico; mas
gência de seu cientista à dicção perfeita e é das decisões do Judiciário, definindo o
pura. Exige um intérprete humanista, uni- valor, a extensão, a eficácia e a exeqüibi-
versal, com ampla visão dos fenômenos lidade das normas legais e constitucionais,
sociais e de suas manifestações nas mais que resulta, afinal, a segurança jurídica ne-
variadas ciências”. cessária às instituições e à sociedade.
Logo após a promulgação da nova Nas conclusões de seu estudo, Ma-
Constituição Federal, a processualista ria Thereza Gonçalves PERO (idem: 185)
Ada Pellegrini GRINOVER (1990: 14/15) reflete que “ao proferir a sentença, expres-
sensibilizando-se com o novo regramen- são culminante da função jurisdicional, o
to, comentou que “O importante é ler as magistrado está concretizando uma função
normas processuais à luz dos princípios de Poder (...), os modos de exercê-la e os
e das regras constitucionais. É verificar a fins objetivados, sendo o principal deles a
adequação das leis à regra e ao espírito da pacificação social”.
É o mesmo pensamento que colhe-
Constituição. É vivificar os textos legais à
mos em Cândido Rangel DINAMARCO
luz da ordem constitucional. É (...) proce-
(1990:337), quando disserta sobre o esco-
der à interpretação da norma em confor-
po do processo e a técnica processual: “A
midade com a Constituição. E não só em
certeza proporcionada pelo exercício con-
conformidade com sua letra, mas também
sumado da jurisdição coincide com a segu-
com seu espírito, (...) possibilitando que,
rança jurídica, que é fator de paz social e
mantida a letra, o espírito da lei fundamen- constitui importante escopo processual”.
tal seja colhido e aplicado de acordo com o Ademais, em suas funções decisó-
momento histórico que se vive”. rias, são os Juízes e Tribunais que vivifi-
Quando cuida de aferir a compati- cam os textos legais sob a luz da realidade,
bilidade dos atos normativos com regras sintetizando-os em sentenças e acórdãos
ou princípios constitucionais, a auctori- que põem fim às controvérsias; e quando
tas do juiz brasileiro é excepcionalmente julgam teses relevantes, produzem a coisa
dilatada. Além do controle direto, a cargo julgada e consolidam a jurisprudência do-
do Supremo Tribunal Federal, pela guarda minante.
precípua da Constituição, todo juiz é titular O julgador atua como individualiza-
do controle difuso, podendo afastar a inci- dor da vontade da lei; passa do comando
dência de normas inadequadas, quando da abstrato da norma ao comando aplicado em
apreciação da causa. concreto; é simplificador da ordem jurídi-
Detinha o juiz, tradicionalmente, ca, ao tornar simples os textos complexos
responsabilidade funcional quanto à publi- e difíceis de conciliar; é realista e reabili-
cidade e motivação dos atos processuais; tador do verdadeiro papel da norma legal,
pelo poder e autoridade que recebeu dos ao retirar da utopia normativa um coman-
preceitos constitucionais, foi-lhe acrescida do realizável; é causa eficiente da certeza
a responsabilidade de fundamentar suas jurídica, ao tirar da ambigüidade da lei um
decisões, pena de nulidade, para garantir comando preciso (SOUZA: 226).
às pessoas e entidades interessadas o con- É garantidor último da estabilidade
trole de suas atividades jurisdicionais. das instituições, e garantia é segurança

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MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS... 373

jurídica. Aos juízes cabe zelar pela segu- gatória para assegurar aos jurisdicionados
rança, não apenas legal, mas de todas as a máxima confiança e certeza jurídica de
categorias que informam as estruturas so- como as decisões são proferidas (Cf. BAR-
ciais, pela aplicação justa da lei, e precisa- BOSA MOREIRA, Idem: 91).
mente porque detém a derradeira palavra Ao final, cabe recordar o pensamento
na solução dos conflitos de interesses, deve sempre atual do grande jurista Rui Barbo-
justificar as razões e fundamentos de suas sa: “(...) a esperança nos juízes é a última
decisões. esperança. Ela estará perdida, quando os
Na tradicional preleção de Miguel juízes já nos não escudarem dos golpes do
REALE (1982: 598), “O mínimo de fun- Governo.” (Obras Completas de Rui Bar-
damento axiológico, exigido pela socie- bosa.V. 25, t. 2, 1898, p. 130).
dade em qualquer circunstância, postula,
também, a certeza do Direito, põe e exige Conclusões
um Direito vigente. O princípio da certeza É consenso na doutrina que a moti-
preside - em díade indissolúvel com o da vação das decisões submete-se ao princí-
segurança - todo o evolver histórico da vi- pio constitucional da publicidade e con-
gência do Direito, e, por via de conseqüên- trole dos atos judiciais e administrativos, a
cia, a toda a história do Direito positivo”. ser exercido pelos poderes públicos, pelos
E como bem descreve NOJIRI jurisdicionados, pela sociedade e pela co-
(1999: 110): “o dever de fundamentar as munidade jurídica.
decisões judiciais, (...) posto em contraste Tocante às decisões judiciais, a ex-
com o primado da segurança jurídica, (...) pressão fundamentar, com o mesmo sig-
deve curvar-se perante este”; mas entende- nificado de motivar, está a merecer apre-
mos tratar-se não apenas de uma opção ou ciação diferenciada, em razão das funções
prevalência, e sim de uma complemen- distintas que exercem, dentro e fora do
taridade, em que a uniformidade dos jul- processo.
gados reflete uma opção pelos princípios Para o juiz estabelecer a necessária
de justiça e de certeza do direito, ambos correlação entre a demanda e a sentença, a
necessários à segurança dos cidadãos. motivação deve se ocupar das questões de
Foram premonitórios, ainda em fato e de direito, apresentadas como causa
1978, os reclamos de BARBOSA MOREI- petendi, enquanto a fundamentação desti-
RA (Idem: 94/95), ao externar sua convic- na-se finalisticamente à solução do pedido,
ção de que “o princípio da motivação obri- mediante a determinação de um fundamen-
gatória das decisões judiciais, por espelhar to jurídico aplicável ao caso concreto.
garantia inerente ao Estado de Direito, A instrumentalidade da motivação
merece consagração expressa em eventual está em possibilitar ao juiz a descoberta das
reformulação da Lei Maior”, asseverando diversas soluções jurídicas (rationes deci-
que sua significação transcende o nível da dendi), como razões que fundamentem seu
técnica processual, pois não é bastante o julgamento; dentre elas, deverá adotar um
que os Códigos afirmam. argumento determinante (ratio decidendi),
Diante do extraordinário poder jurí- ou razão suficiente para o dispositivo ou
dico de todos os juízes e tribunais de pro- decisum, que é seu fundamento.
nunciarem a “última palavra” sobre coisas A ratio decidendi é obtida pela moti-
e pessoas, interesses privados e públicos, vação do juiz ou tribunal. As demais consi-
torna-se essencial a fundamentação obri- derações ou circunstâncias, não necessárias

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374 Carlos Aurélio Mota de Souza

para decidir, são simples obiter dicta, que como exigência de solução da causa peten-
os juízes costumam adicionar às sentenças, di, mediante o dispositivo da sentença.
sem fazer parte da razão de decidir. Enfim, considerar este decisum
A fundamentação das decisões ju- como elemento essencial da coisa julgada,
diciais foi elevada a princípio pela Cons- e causa eficiente da jurisprudência domi-
tituição de 1988, no quadro das garantias nante, reclamando fundamentos de con-
fundamentais, interligado aos direitos de teúdo axiológico, sobretudo na discussão
acesso à justiça, ao devido processo legal de questões jurídicas relevantes, à face das
e à irretroatividade da coisa julgada, com realidades econômicas, políticas e sociais
fortes acentos axiológicos, e sintetizando conflituosas.
exigências de segurança jurídica.
Em decorrência desta magnitude
constitucional, a função do juiz no proces- REFERÊNCIAS E INDICAÇÃO DE
so ultrapassa as formalidades técnicas e LEITURAS
endoprocessuais da motivação, como jus- ARAGÃO, Egas Moniz de. Sentença e Coisa
tificação de seus atos às partes e aos tribu- Julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992.
nais; e exige a decisão fundamentada para CANABARRO, Américo. Estrutura e dinâ-
cumprir suas finalidades extraprocessuais, mica do processo judiciário. 2ª ed. São Paulo:
em relação à sociedade, à comunidade Freitas Bastos, 1977.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Sentença mal
jurídica e ao próprio ordenamento, como
fundamentada e sentença não-fundamentada.
controle democrático da imparcialidade e Revista de processo, n. 81, p. 220-225, jan.-
publicidade em suas decisões. mar./1996.
A discussão sobre o tema é extensa, CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Motivo e
desde os autorizados doutrinadores estran- Motivação do Ato Administrativo. São Paulo:
geiros, com frutuosos reflexos entre os Revista dos Tribunais, 1979.
nacionais; sem pretensões de inovar, este CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINO-
VER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
ensaio buscou enfatizar o papel constitu- Rangel. Teoria Geral do Processo. 21ª ed. São
cional dos juízes, que consiste na funda- Paulo: Malheiros, 2005.
mentação motivada de questões relevantes COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del De-
de direito, voltadas à formação de juris- recho Procesal Civil. 3ª ed. Buenos Aires: De-
prudência dominante, coberta pela certeza palma, 1976.
jurídica, com forte reflexo na evolução do DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumen-
talidade do Processo. 2ª ed. São Paulo: Revista
próprio ordenamento normativo.
dos Tribunais, 1990.
As idéias centrais postas à discussão DOMINGO, Rafael. Teoría de la “auctoritas”.
centram-se na distinção conceitual entre Pamplona: EUNSA, 1987.
motivação e fundamentação nas decisões D’ORS, Álvaro. Principios para una teoría rea-
judiciais, diferenciando-se das decisões lista del derecho. Anuario de Filosofia del De-
administrativas, em que a norma constitu- recho, p. 313-314, 1953.
cional apenas exigiu a motivação, a nosso DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio.
Barcelona: Ariel, 1984.
ver por inexistir o dispositivo fundamenta-
FRANÇA, Rubens Limongi. O Direito, a Lei
do, com força de coisa julgada, como na- e a Jurisprudência. São Paulo: Editora Revista
quelas. dos Tribunais, 1994.
Ademais, discutir a motivação das GARCIA MAYNEZ, Eduardo. Introducción a
questões de fato e de direito, relacionada ao la lógica jurídica. Buenos Aires: Fondo de Cul-
petitum, e a conseqüente fundamentação, tura Económica, 1951.

Revista Brasileira de Direito Constitucional - Nº 7 - Jan./Jun 2006 - Vol.2 (Artigos)


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376 Carlos Aurélio Mota de Souza

SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança NOTAS


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1
Seguindo tradicional ensino do emérito jurista
______. Poderes Éticos do Juiz. Porto Alegre: Juan B. VALLET DE GOYTISOLO, e em ho-
Antonio Fabris Editor, 1987. menagem a nosso mestre, entendemos que ao
______. Correlação entre demanda e sentença escolher dentre as soluções possíveis e razoá-
no Processo Penal e a identificação do seu ob- veis para o litígio, o juiz determina a decisão.
jeto. Revista de Processo. São Paulo, n. 66, pp. O verbo determinar é congruente com decidir,
61-71, abr-jun 1992. convencer, definir, colocar termo a uma deman-
TARUFFO, Michele. La motivazione della sen- da. Utilizaremos este significado ao longo da
tenza civile. Padova: CEDAM, 1975. exposição.
TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade
2
Lei (lex, legis) vem de legere, ler, dentre ou-
tros sentidos (eligere, ligare, etc).
das decisões judiciais. São Paulo: Juarez de 3
Em alguns dispositivos o CPC emprega direta-
Oliveira, 2002.
mente a expressão “causa de pedir”, ao invés de
TOURINHO FILHO. Processo penal, vol. 4.
fato e fundamentos jurídicos do pedido, como
11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989.
nos arts. 264, caput, e par. único, 295, par. úni-
TUCCI, José Rogério Cruz e. A Motivação da sen-
co, I, e 321. Em outros, o legislador empregou
tença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987. o termo ´fato(s)`no sentido de ´causa de pedir`:
_______. A causa petendi no direito processual ci- arts. 302, caput e par. único, 319 e 326.
vil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 4
Obiter, advérbio (de ob-iter) de passagem, em
TUCCI, José Rogério Cruz e; BEDAQUE, José caminho, e dicta (plural de dictum, i), palavras,
Roberto dos Santos (coordenadores). Causa de termos.
pedir e pedido no processo civil. São Paulo: 5
Sindérese, faculdade natural de julgar com re-
Editora Revista dos Tribunais, 2002. tidão, bom senso, ponderação.
VALLET DE GOYTISOLO, Juan B. Meto- 6
É de se ressaltar a forte influência da De-
dología de la determinación del derecho, vol. claração Universal dos Direitos do Homem,
I. Madrid: Editora Centro de Estudios Ramón da ONU, sobre o Constituinte de 1988, e das
Areces, 1994. Constituições modernas dos países democráti-
VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. cos, notadamente Espanha e Portugal, que lhe
Tradução de Tércio Sampaio Ferraz Jr. Brasília: antecederam. Ao arrepio das tendências do
Editora UnB, 1979. positivismo jurídico, até então predominantes,
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades a Constituição abrigou teses jusnaturalistas de
do processo e da sentença. 5ª ed. São Paulo: cunho personalista e humanista, como os con-
Revista dos Tribunais, 2004. ceitos de dignidade da pessoa humana, cidada-
WATANABE, Kazuo. Da cognição no proces- nia e prevalência dos direitos humanos.
so civil. 2ª ed. São Paulo: Central de Publica- 7
Miguel REALE (1973) denomina modelos ju-
ções Jurídicas: Centro Brasileiro de Estudos e rídicos e Rubens Limongi FRANÇA (1974:169)
Pesquisas Judiciais, 1999. formas de expressão do Direito.
ZAVARIZE, Rogério Bellentani. A Fundamen-
8
Cabe evocar a imagem da Jurisprudência
tação das Decisões Judiciais. Campinas: Mil- como frutos que caem além dos muros do Di-
lennium Editora, 2004. reito positivo...

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