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UC - HISTÓRIA DE PORTUGAL

Ano letivo: 2023-2024


1º ANO - 1º Semestre
Curso de Educação Básica -1º Ciclo de Estudos

C1
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1. Antes de existir Portugal
1.1. A Pré-história peninsular
O género Homo na Península Ibérica
O género Homo está presente no território da Península Ibérica desde há mais de 1 milhão de anos
(1 000 000). Foi o Homo da espécie Erectus o primeiro homem a viver na Península Ibérica. Isto de acordo
com os vestígios paleontológicos encontrados. Mas um dia poderão encontrar-se vestígios de um homem
mais antigo – talvez o Habilis – ou outro … quem sabe!
Provas? As Estações arqueológicas da Estremadura e Sudoeste Algarvio – culturas acheulenses e
abbevillenses (cerca de 1 milhão de anos).

Biface acheulense Biface abbevillense


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- homo erectus: recolectores

Mais tarde,
- neandertal: caçadores e recolectores (100.000 anos)
Temos, por conseguinte, diversos vestígios de algumas culturas do Paleolítico Inferior, Médio, Superior
e Mesolítico conforme documentam as manifestações artísticas de arte rupestre no Vale do Côa

e no Vale do Tejo.

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Parece evidenciar-se uma disposição destas populações no território:
- a sul (vale do Tejo, Alentejo e Algarve) temos um conjunto;
- a norte do Douro (Minho, Douro, Trás-os-Montes e Galiza), outro conjunto.
A separar estes dois conjuntos temos uma região com uma densidade muito baixa de ocupação humana
(a arqueologia não ofereceu até ao momento informações seguras sobre estas populações).

No final da Pré-História, na transição do Mesolítico, numa cronologia situada entre os 8 000 e os 5 000
anos a.C. temos a sucessão das culturas de Muge (Salvaterra de Magos).

O estudo paleontológico dos indivíduos destas estações (foram encontrados esqueletos de três centenas
de indivíduos) permite-nos avançar com a conclusão de que grande parte dos traços anatómicos da
população ibérica estaria já nesta altura definida, dadas as semelhanças entre eles e muitos dos nossos
contemporâneos.
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Ao longo de toda a Pré-história o Homem foi um ser recolector e por essa razão nómada. Vivia em
pequenas comunidades de recolectores e caçadores. Permanecia pequenas temporadas em cada estação,
que era ciclicamente revisitada.

Por volta do V milénio a.C. dá-se na Península Ibérica o início da revolução Neolítica. Ou seja, o homem
torna-se produtor. Após a domesticação dos animais (de algumas espécies), o homem consegue
domesticar as plantas e inicia a aventura da agricultura, deixando de estar na total dependência da
Natureza. Este processo de neolitização, na faixa de território península na qual se insere Portugal parece
ter-se processado do litoral para o interior.
Os instrumentos deste período são em pedra polida e surge um novo conjunto de utensílios, ligados a
atividade produtiva: machados, arados, enxadas, foices e mós.

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A Revolução Neolítica foi a segunda grande revolução da História. Após a Revolução Cognitiva, a invenção
da agricultura permitiu ao Homem garantir a dose diária de calorias necessária ao seu desenvolvimento.
O facto de cultivar os campos, desencadeou uma série de transformações, entre as quais, a fixação a um
espaço, a um território, que doravante passou a ser transformado pelo Homem.
A produção de alimento, exigiu a invenção de novas técnicas, entre as quais a olaria e a cestaria para
armazenar e conservar os alimentos e colheitas.

O cultivo de fibras vegetais e a criação de gado ovino permitiu a obtenção de fibras vegetais (linho) e
animais (lã) que processadas podiam ser utilizadas para a confeção de vestuário de redes de pesca. Essas
técnicas que assistiram estes processos foram a fiação e a tecelagem.

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A religião neste período conheceu um importante desenvolvimento, bem como os comportamentos
mágicos e rituais a ela associados.

Neste período, eram preponderantes os cultos das forças da naturais e da Mãe Natureza. Os monumentos
megalíticos – os dólmens, as mamoas, antas, os menires, os alinhamentos -, as pinturas e as decorações
em cerâmica e madeira, as esculturas em pedra e osso.

A vida girava ao ritmo da Natureza, num movimento circular de vida/morte/vida/morte – “um eterno
retorno”, nas palavras de Mircea Eliade.

À Idade da Pedra, antiga (paleolítico), ou polida (neolítico), sucedeu a Idade dos Metais.
Cronologia para a Idade dos Metais:
- Idade do Cobre: de 3 300 a 1 200 a.C.
- Idade do Bronze: de 3 300 a 700 a.C.
- Idade do Ferro: de 1 200 a.C. a 1 000.
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Estes limites cronológicos são muitos fluídos conforme o espaço a que digam respeito.
O primeiro metal a ser usado foi o cobre (calcolítico). E já o era no Mesolítico, a par do ouro e prata. Mas
a sua aplicação na produção de instrumentos e adornos só veio a verificar-se muito mais tarde, quando se
descobriu o processo de fundição. O vestígio mais antigo desta técnica remonta ao final do V milénio, na
região do atual Irão.
O cobre é um metal muito maleável e dúctil (resistente), capaz de ver reforçada a sua resistência quando
batido, tanto a quente como a frio.
O cobre fundido chega à Península Ibérica apenas no III milénio a.C., sendo contemporâneo das culturas
megalíticas.

Na Península Ibérica durante a Idade do Bronze temos a manifestação de duas culturas muito
interessantes que entram pela Idade do Bronze em determinadas regiões. Essas culturas são:
- A cultura megalítica;
- A cultura do vaso campaniforme.

Cultura Megalítica
É a cultura mais rica da Península Ibérica deste período. Caracteriza-se pela edificação de grandes
construções com grandes pedras: dólmens (antas), menires e cromeleques.
É também nesta cultura que se inicia o fabrico dos primeiros objetos em metal na península Ibérica;

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Mamoa de Sabrosa

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Cultura do Vaso Campaniforme
Esta cultura teve a sua origem no III milénio a.C. (há 4700 anos), e segundo os estudos mais recentes terá
tido origem na faixa ocidental da Península Ibérica. A marca distintiva desta cultura reside no vaso de
cerâmica, decorado e com forma de sino.
Segundo os arqueólogos, esta cultura propagou-se desde a Península Ibérica por toda a Europa (Grã-
Bretanha, Europa Central – Alemanha, Polónia, etc. - e Mediterrâneo – Sicília). O curioso desta difusão é
que segundo estudos genéticos ela ter-se-á efetuado como difusão de uma ideia e não fruto da migração
de populações, pois, nos locais onde se estabeleceu, não se encontram atualmente quaisquer vestígios
genéticos de populações ibéricas.

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Sucedeu-lhe a Idade do Bronze.
O bronze é uma liga metálica através da junção de estanho à fundição do cobre, conferindo-lhe uma maior
durabilidade, pois o estanho não oxida e resiste à corrosão. Crê-se que terão sido os antigos egípcios pelo
final do IV a.C. milénio os primeiros a desenvolver esta metalurgia. Mas uma vez mais a cronologia não é
uniforme a todas as comunidades humanas. Por exemplo, a África Negra passa diretamente do Neolítico
(pedra polida) à idade do Ferro.
Por isso, podemos concluir que a adoção do bronze variou conforme as culturas. Se na Ásia Central (Irão,
Afeganistão) o bronze chega por volta do ano 2000 a.C., na China só foi adotado na dinastia Shang (1600-
1000 a.C.).

No mar Egeu estabeleceu-se uma área de intenso comércio da liga, principalmente na Ilha de Chipre, onde
existiam minas de cobre de boa qualidade, sendo o estanho importado das ilhas britânicas. Esta circulação
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é prova suficiente da extensão do circuito comercial, em parte responsável pela substituição da civilização
minoica (Creta) pela micénica (Micenas, Grécia).

Na Europa central, esta metalurgia iniciou-se entre 1800-1600 a.C., com expansão considerável entre
1600-1200 a.C., conhecendo o seu fim já no último milénio antes de Cristo por volta do 700 a.C., altura em
que se inicia a metalurgia do ferro.

No que ao território que viria a ser Portugal diz respeito temos vestígios da chamada Idade do Bronze
Atlântica. Esta idade foi um complexo cultural, que se estendeu sensivelmente, segundo as informações
arqueológicas, entre 1300-700 a.C.
Este complexo cultural abrangia uma extensa área que se estendia da Península Ibérica, às ilhas Britânicas
e à zona Atlântica da atual França, sendo os seus principais centros o noroeste da Península Ibérica (atual
Galiza e norte de Portugal), Tartessos (Andaluzia) e Grã-Bretanha.

É durante a Idade do Bronze que se assiste ao aprofundamento da separação (“regionalização”) das


culturas fruto do desenvolvimento económico que o Neolítico possibilitou, e que se traduziu na introdução
de melhorias técnicas, com graus diferentes.
Um desses desenvolvimentos foi a navegação, que permitiu pôr em contacto populações distantes, como
sucedeu entre as da Península Ibérica (desde a Finisterra – noroeste da Galiza) e as do extremo oriental
do Mediterrâneo. Esta navegação desenvolveu as populações ibéricas em termos de produção económica,
bem como culturalmente, pois foi exposta a culturas mais avançadas.

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A metalurgia incipiente permitiu trabalhar melhor os solos agrícolas, por exemplo, através do
desenvolvimento de vias de irrigação. É igualmente, neste tempo, que os rios se tornam importantes vias
de comunicação e de penetração do território peninsular. Surgem os primeiros povoados, que acentuam,
entre as comunidades locais, uma rivalidade crescente, o que sublinha os fatores de diferenciação cultural.
Nascem as primeiras muralhas, fortificações.

É chegada a Idade do Ferro.


A idade do ferro corresponde à utilização da metalurgia deste minério. Esta metalurgia chega ao ocidente
como importação do Oriente, trazida pelas tribos indo-europeias, que a partir de 1200 a.C. começaram a
chegar à Europa Ocidental.
A idade do Ferro divide-se em dois períodos culturais:
- Cultura de Hallstatt;
- Cultura de La Tène.

Na Europa central a Idade do Ferro divide-se em 4 períodos:


- Cultura dos Túmulos;
- Cultura dos Campos de Urnas (1200 a.C.-725 a.C.);
- Cultura de Hallstatt (800 a.C. – 450 a.C.);
- Cultura de La Tène (425 a.C. – século I d.C.).

No que ao território que diz respeito atualmente a Portugal, a Idade do Ferro coincide com a chegada dos
Romanos (218 a.C.) e da sua conquista.
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1.2. Os Celtas, Iberos, Celtiberos, Lusitanos, Galaicos e Turdetanos

Cumpre agora aprofundar um pouco o tema das populações que viviam na Península Ibérica no último
milénio antes de Cristo até à chegada dos Romanos (218 a.C.).

A Península Ibérica dada a sua situação geográfica foi sempre ao longo da História da Humanidade (Pré-
História e História) um lugar de passagem e de fixação de povos.
Os primeiros povos referenciados como iberos foram os povos que se situavam na região sul e sudeste da
Península Ibérica, na costa mediterrânica e que estabelecia contactos comerciais com Fenícios e Gregos.
Para além deste conjunto de povos, existiam mais dois conjuntos, um ocupando a região norte e noroeste
da Península e o outro a região central. Se os primeiros apresentam algumas semelhanças com os povos
da Europa do Norte, dada a presença de artefactos similares (origem do Norte da Europa ou fruto de
contactos comerciais?), já os da zona central apresentam mais semelhanças culturais com os povos do sul
da Península.

No início do último milénio antes de Cristo, verifica-se a primeira onda de invasões de tribos indo-
europeias, em parte motivada por alterações climáticas. São exemplos desses povos os Cinetes, Sempsos,
Sepes, Túrdulos, Estrímnios e Draganes. São povos com uma estatura baixa, pele morena, que vivia em
construções de madeira e que foram importantes pela introdução e difusão da metalurgia do ferro no
norte da Península Ibérica.
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A sul intensifica-se a presença dos fenícios. Os fenícios eram um povo muito evoluído do Mediterrâneo
oriental (Líbano/Síria) que vinha à Península Ibérica em busca dos metais necessários à sua atividade
artesanal. Foram eles os responsáveis pela introdução de variadas técnicas como a roda de oleiro,
desenvolvimento da metalurgia do ferro, tinturaria de tecidos (mures), salga de peixe, produções agrícolas
como o vinho e o azeite. Foram também eles que trouxeram para a Península Ibérica o alfabeto, a
edificação de cidades e novos cultos religiosos.
Porém, a partir do século VI a.C. a sua influência começa a desvanecer.

A partir do século VII a.C. outro povo do Mediterrâneo chega à Península Ibérica - os Gregos. Não
influenciaram tão profundamente a península, mas exerceram tal como os fenícios uma intensa atividade
comercial e o seu principal contributo terá sido a introdução da moeda nas transações comerciais. Foram
os gregos que fundaram os polos primitivos das cidades de Faro (Ossonoba) e Lisboa (Olissipo).

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Na transição do século V a.C. para o IV a.C. dá-se uma transformação profunda na ocupação do norte,
noroeste e centro da Península Ibérica pela chegada da 2ª vaga de povos Indo-Europeus, denominados de
Celtas. O sul ficou à margem desta transformação.

Segundo alguns autores, as principais etnias que existiam na Península Ibérica terão sido completamente
reordenadas com a chegada destes povos. Segundo outros autores, podemos crer numa evolução e não
no seu desaparecimento. Por exemplo os Lusis (Lysis) referenciados no século IV a.C. poderão ser os
Lusitanos, e os Cinetes (identificáveis com os Conii) poderão ter sido absorvidos pelos Celtas e terem por
isso deixado os traços culturais, visíveis em diversas inscrições em rocha.

Em todo o caso, podemos falar de uma nova geografia étnica da Península Ibérica após a chegada dos
Celtas:
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- Norte Celta;
- Centro Celtibero;
- Sul e sudeste Ibero.

O centro de irradiação desta migração, no que ao território português diz respeito, parece ter sido a zona
entre o Tejo e o Guadiana. Esta tese encontra justificação na ocupação mais antiga dos Lusitanos,
relativamente aos celtiberos.

A geografia étnica, então, após as movimentações subsequentes às ondas de invasões, parecer ser
aproximadamente esta:
- Na zona central ocidental da meseta ibérica (desde Ávila à raia portuguesa), habitavam os Vetões. Havia
grandes afinidades culturais entre os Vetões e os Lusitanos (são povos indo-europeus);
- Os Túrdulos e os Turdeletanos (que no século I a.C. estarão praticamente fundidos) são povos
mediterrânicos e ocupavam a faixa sul da Península Ibérica;
- Os Celtiberos fixaram-se na zona central;
- Os Galaicos estabeleceram-se no território a norte do Douro (região noroeste e norte);
- A leste dos Galaicos, a norte fixaram-se os Astures.
- Na zona norte e nordeste teríamos os Cantábrios, Vascões e Carpetanos.

Propostas de representação cartográfica desta geografia étnica pré-romana surge no mapa seguinte:

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I
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No século III a.C. a Península Ibérica recebe mais um povo mediterrânico cuja chegada alterará, para
sempre, o rumo da sua História – os Cartagineses.

Cartago, antiga colónia fenícia no norte de África (atual Tunísia-Tunes), era uma poderosa cidade comercial
que tinha por objetivo dominar o comércio no Mediterrâneo. Para tal, fundou colónias na Península
Ibérica, a principal Cartagena (Qart Hdasht). A sua fixação na região sul foi facilitada pelo facto de os povos
iberos serem, de uma forma generalizada, pouco dados à resistência militar. Os contactos seculares com
o Mediterrâneo e o desenvolvimento do comércio fizeram deles um conjunto de povos dado à abertura e
ao acolhimento de comunidades mais evoluídas, como era o caso dos cartagineses.

De facto, com os cartagineses desenvolveu-se na Península Ibérica o comércio de tecidos, peças de vidro,
e sobretudo aprofundaram-se os conhecimentos e técnicas da conservação dos alimentos através do sal.
Durante o governo de Amílcar Barca (238-229 a.C.), Cartagena converte-se na capital da Hispânia Púnica
(Cartaginesa). Mas com os povos de raiz céltica a situação já não era a mesma. Os confrontos foram fortes
e significativos, levando à submissão de algumas tribos lusitanas.

No que ao território português diz respeito, há marcas da sua presença, no tempo de Aníbal, com a
fundação de Portus Hannibilis cuja localização seria entre Portimão e o Alvor.

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A chegada dos cartagineses traz para a linha da frente um povo da Península Ibérica que viria a ter um
papel importante no desenvolvimento da sua História nos séculos subsequentes. Falamos dos Lusitanos.
Este povo ocupa no imaginário português um lugar especial fruto de uma visão nacionalista da história
portuguesa que se popularizou nos últimos dois séculos, procurando enraizar-se a razão da autonomização
e da independência de Portugal, nestes antepassados longínquos.
Quem eram os lusitanos?
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Este povo ocupava numa primeira fase a região compreendida entre os rios Douro e Tejo, com a exceção
da faixa costeira que nesse tempo estaria povoada por Túrdulos e Celtas. Mas, ao fim de alguma insistência
e habilidade militar, os Lusitanos conseguiram “romper o cerco” e conquistar as cidades costeiras de
Olissipo e Cetóbriga (Setúbal). Na posse destes importantes centros comerciais, os Lusitanos mantiveram
o contacto com o mundo mediterrânico, e conseguiam garantir a proteção do seu espaço agrário interior.
Foram estes feitos que terão levado Estrabão a escrever que os Lusitanos se tornaram “na mais forte das
nações ibéricas”.

De acordo com a descrição de Estrabão, a Lusitânia era um território rico em ouro, chumbo e estanho. Os
Lusitanos praticavam a agricultura e a pastorícia. Mas destacou essencialmente o caráter belicoso dos
Lusitanos que se dedicavam a períodos mais ou menos longos de guerra com os povos vizinhos. De acordo
com Tito Lívio, os Lusitanos combateram ao lado de Aníbal (247-183 a.C.), na qualidade de mercenários,
na invasão da Península Itálica contra Roma durante a Segunda Guerra Púnica.
Os guerreiros lusitanos apresentavam-se em combate equipados com um pequeno escudo redondo atado
a uma correia de couro, suspenso ao pescoço o que facilitava os movimentos dos braços, couraças de
linho, capacetes de couro, um punhal e uma lança comprida com a ponta em bronze.
Quanto aos costumes em geral, os lusitanos levavam uma vida frugal e sóbria. Bebiam água, cerveja de
cevada e leite de cabra. Usavam manteiga em vez de azeite e alimentavam-se de pão, carne de ovino e
caprino e pescavam nos rios. Dormiam no chão, usavam o cabelo comprido como as mulheres prendendo-
o com uma fita. Os homens vestiam-se com lã preta e com peles de cabra. Os criminosos condenados à
morte eram despenhados em precipícios.

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1.3. A Conquista Romana e a Romanização da Península Ibérica

a) A Conquista

Os Romanos começaram a conquista da Península Ibérica pelo ano 218 a.C. (durante a Segunda Guerra
Púnica, entre Roma e Cartago), sob o comando de Cneu Cipião que desembarcou em Ampúrias.
Durante vários anos lutaram contra o domínio dos Cartagineses, acabando por expulsá-los da Península
em 206 a. C.
Seguem-se as lutas contra os povos peninsulares. Por volta de 194 a. C. deu-se o primeiro confronto com
os Lusitanos, cujos chefes militares mais famosos foram Viriato e depois Sertório. A conquista foi-se
estendendo do sul para o norte, mais montanhoso, onde era mais fácil resistir, sobretudo por parte dos
povos do noroeste da Península Ibérica.

A conquista da Península iria demorar dois séculos, concluindo-se no ano 19 a. C., (já no tempo de Augusto)
dada a enorme resistência dos povos peninsulares do centro e sobretudo do norte.

Em 209 a.C. temos a primeira organização administrativa do território ibérico feita pelos romanos:
- Hispânia Ulterior (da Andaluzia a Valência);
- Hispânia Citerior (de Valência à Catalunha).

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O norte e o centro entrarão nos objetivos da conquista Romana.
Já no século II a.C., Roma faz uma investida séria sobre os Lusitanos, designação dada ao conjunto de tribos
nativas que ofereciam resistência às legiões. Apesar da resistência, em 185 a.C. os Lusitanos e os Celtiberos
são derrotados face à força excessiva dos exércitos dos pretores Lúcio Quíncio Crispino e de Gaio Calpúrnio
Píson.
Mais tarde, em 150 a.C., o pretor Sérvio Galba pune severamente os Lusitanos e acorda paz com a condição
dos nativos deporem as armas. Uma vez verificada esta entrega das armas, Sérvio massacra as populações
lusitanas, o que causou uma revolta profunda pelo incumprimento do acordo de paz. Esta revolta originou,

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nos sobreviventes, entre os quais Viriato, uma resistência ainda mais aguerrida e sanguinária por parte
dos Lusitanos que nos anos seguintes infligiram pesadas baixas aos romanos.

Viriato é eleito, pelos chefes das tribos e clãs, comandante dos exércitos lusitanos, passando a dirigir a
guerra contra o invasor romano. É assim que conquista Segobriga e vence o pretor Cláudio Unimano. No
ano de 146 a.C. os Lusitanos derrotam o exército de Pláucio e milhares de legionários são mortos. No
mesmo ano o Pretor Cláudio Unimano perde todo o seu grandioso exército.

Dois anos mais tarde, em 145 a.C., Quinto Fábio Máximo (irmão de Cipião “O Africano”) é nomeado cônsul
na Hispânia Citerior e é encarregue da campanha contra Viriato. Apesar dos êxitos iniciais, em 143-142
a.C. Viriato derrota as suas forças e remete-os para Córdova.

Em 140 a.C. Viriato derrota o Cônsul Fábio Máximo Serviliano, que numa situação comprometedora
garante aos lusitanos a conservação do seu território, através da assinatura de uma paz precária, pela qual
Viriato é reconhecido como amicus populi Romani. Em Roma, esta trégua é considerada um ultraje e
decide continuar com a guerra. Para isso envia, em 139 a.C. o general Servílio Cipião, que é também
derrotado por Viriato.

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b) A Romanização

A romanização da Península Ibérica ocorreu simultaneamente com a sua conquista. Progrediu desde a
costa mediterrânica até ao interior e à costa do Atlântico.

Para o processo de aculturação foram determinantes a expansão do latim e a fundação de várias cidades.

Os romanos miscigenaram-se com as populações nativas. Durante os seis séculos de domínio romano
registaram-se momentos de desenvolvimento mais ou menos acentuado, atenuando, sem dúvida, as
diferenças étnicas do primitivo povoamento.

A sua influência fez-se sentir em todos os setores. Na economia, na língua, na religião, na construção de
infraestruturas.
As povoações, até aí predominantemente situadas nos cimos dos montes e montanhas, passaram a surgir
nos vales ou planícies, habitando casas de tijolo cobertas com telha. Como exemplo de cidades que
surgiram com os Romanos, temos Braga (Bracara Augusta), Beja (Pax Julia), Santiago do Cacém
(Miróbriga), Conímbriga e Chaves (Aquae Flaviae).

A divisão administrativa e judicial realizada por Roma, fez-se com a divisão da Península em três províncias
(Tarraconense, Lusitânia, Bética) e com a criação dos conventos jurídicos.

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A rede viária

À medida que o Império se expandiu, a administração adaptou o mesmo esquema nas novas províncias.
No seu apogeu, a rede viária romana principal atingiu, tendo em conta vias secundárias de menor
qualidade, cerca de 150 000 quilómetros. Os comerciantes romanos viram logo o interesse desses eixos
viários. Distintamente de outras civilizações mediterrânicas que fundaram o seu desenvolvimento
comercial quase unicamente a partir dos seus portos, os romanos utilizaram a sua rede de estradas em
paralelo com a sua frota comercial.

Isto favoreceu os intercâmbios no interior continental, provocando uma expansão mercantil fulgurante.
Regiões inteiras especializaram-se e comerciaram entre si (vinhos e azeite na Hispânia, cereais na Numídia,
cerâmicas e carnes na Gália, por exemplo). Note-se que a extensão e funcionalidade desta rede de estradas
perdurou muito para lá do fim do Império Romano, seja com muitas estradas atuais seguindo o traçado
romano ou até em ditados populares como " quem tem boca vai a Roma" ou "todos os caminhos vão dar
a Roma".

Os romanos notabilizaram-se acima de tudo como grandes engenheiros preocupados com as condições
de vida, construindo sofisticadas infraestruturas como canalizações, aquedutos e as estradas. Estas obras
estenderam-se por todo o Império, e grande parte do seu sucesso dependeu da facilidade de circulação
das legiões, o que permitia realizar, rapidamente, a pacificação na região sublevada.
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As estradas locais herdavam os nomes da localidade a que se dirigiam: Nomentana, Tiburtina, Tuscolana,
Ardeatina, Ostiense, Portuense; por fim, as estradas que tinham fins particulares, eram batizadas de
acordo com a sua utilização: Salária, …
Vias Romanas na Hispânia
As principais Vias Romanas da HISPÂNIA eram: ( I ) - VIA AUGUSTA; ( II ) - EMERITA CAESAR AUGUSTAM
( III ) - ASTURICA TARRACONEM; ( IV ) - EMERITA ASTURICAM

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Como se poderá verificar pelo mapa das estradas romanas da Hispânia, que se mostra em cima, os
romanos tinham uma rede impressionante de vias de comunicação, que ainda hoje causa admiração
passados mais de 2000 anos. Estradas e pontes, como a ponte de Alcântara na atual Espanha, de grande
qualidade técnica e com uma duração que parece quási eterna.

A Via Augusta vinha desde as Gálias, entrava por Iuncaria, Barcino, Tarraco, Dertosa, Sagunto, Saltigis,
Lucentum, Laminium, Mariana, Caxtulo, Corduba, Astigis, Hispalis e terminava em Gades. Desde Gades
havia uma derivação para Ossoba e Ossonoba.

A Via Emerita Caesar Augustam, vinha desde Caesaraugusta, passava por Segovia, Tiltucia, Toletum e
terminava em Emerita Augusta. Tinha derivações em Emerita para Scalabis, com um desvio para Evora.
Desde Evora havia derivações para Salapo e Pax Julia, e desde aqui para Ossonoba, no actual Algarve.
Desde Salapo a estrada romana seguia para Olisipo, e daqui seguia para Scalabis, Aeminium até Portus
Cale.

A Via Asturica Tarraconem saía de Tarraco, seguia até Caesaraugusta, Uxania, seguia até Gemina onde
estava estacionada a VII Legião (actual Leon), Asturica Augusta e continuava por Aquae Flavia (Chaves) até
Bracara Augusta (Braga).

A Via Emerita Asturicam vinha de Brigatium até Hispalis onde parecia entroncar com a Via Augusta.
Passava por Asturica Augusta, Sarmanca, Salmantica, Capera, Norba, Emerita Augusta e Hispalis. Havia
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também uma via de ligação de Bracara até Norba que atravessava parte do norte e centro de Portugal,
passando por Veseo e Egitania.

Organização administrativa da Hispânia

A Hispânia Romana estava dividida (nos tempos de Augusto) em três Províncias:


Lusitânia - Com capital em Emerita Augusta (Mérida) e mais dois "Conventus Iuridicus" Pax Julia (Beja) e
Scalabis (Santarém).
Tarraconense - Com capital em Tarraco e mais seis "Conventu Iuridicus" Cartago Nova, Caesar Augusta,
Clunia, Austurica Augusta, Lucus e Bracara (Braga).
Bética - Com capital em Corduba e mais três "Conventus Iuridicus" Astigi, Hispalis e Gades.

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A Lusitânia e a Tarraconense eram províncias imperiais, ao passo que a Bética era uma província
senatorial.
Esta divisão provincial manteve-se até ao tempo do imperador Diocleciano que, em 300 d.C., fez uma nova
organização administrativa que vigoraria até 410 d.C. É nesta divisão que são introduzidas as dioceses.

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Miscigenação dos Romanos com os nativos
Os romanos instalaram-se no território, sobretudo, através de duas vias: colónias de povoamento
(recompensa aos legionários) e através da constituição de villae, grandes propriedades agrícolas,
inicialmente propriedade de famílias ricas que procediam de Roma e arredores, e, mais tarde também de
famílias indígenas que adotaram com rapidez os costumes romanos. Estas fixações levaram os romanos a
miscigenarem-se com as populações nativas, constituindo famílias, fixando os seus usos e costumes, ao
passo que os nativos iam condicionando a vida económica, em termos de produção e consumo. Embora
não se tenha constituído uma sociedade homogénea na Península Ibérica, durante os seis séculos de

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romanização registaram-se momentos de desenvolvimento mais ou menos acentuado, atenuando, sem
dúvida, as diferenças étnicas do primitivo povoamento.

A Língua
O latim acabou por se impor como língua oficial, funcionando como fator de ligação e de comunicação
entre os vários povos e sobretudo enquanto língua do poder instituído. Esta presença linguística não mais
se deixará de sentir na história, dando origem a particamente todas as línguas e dialetos falados na
Península Ibérica.

O Direito Romano
Integrando muitos costumes locais, para facilitar a integração das populações no Império, fruto do seu
pragmatismo, os romanos não deixaram de afirmar a sua superioridade jurídica, o que contribuiu
decisivamente para a modelação dos costumes, sobretudo no plano civil, das populações conquistadas, o
que levou ao reconhecimento de todos como romanos pelo Imperador Caracala pelo édito de 212 d.C..
Para além da divisão administrativa que já aludimos.

A Religião
Durante os séculos de domínio romano sobre as províncias de Hispânia, Roma jogou habilmente a questão
religiosa. Tolerou, aceitou, integrou até alguns cultos peninsulares, mas também soube introduzir e impor
a sua religião, dando-lhe destaque nos centros urbanos. Serão igualmente os romanos que vão instituir o
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Cristianismo como religião oficial do Império no final do século IV com o Edito de Salónica em 380 pela
mão do Imperador Teodósio. Davam-se os passos decisivos para a formação da cultura hispano-romana
que ofereceu grandes vultos das artes e políticos, entre outros.

O Urbanismo Romano
Roma trouxe para a Península Ibérica uma panóplia de infraestruturas que marcaram uma rutura
definitiva na forma de organizar a vida urbana. Essas infraestruturas acrescentar qualidade de vida aos
habitantes. Para além das vias já referidas, referimo-nos a serviços públicos de utilidade e de lazer, como
aquedutos, pontes, viadutos, termas, esgotos, mercados, teatros, anfiteatros, circo, entre outros

Economia na Lusitânia Romana


O território lusitano era rico em minerais, o que fez do território uma importante região estratégica para
os romanos desde que invadiram a Península.
A Lusitânia desenvolvida, foi fortemente impulsionada, por conseguinte pela intensa indústria de
mineração - os campos explorados incluíam Aljustrel (Vipasca), São Domingos e Riotinto na Faixa Piritosa
Ibérica que se estendia para Sevilha e continha cobre, prata e ouro. Todas as minas pertenciam ao Senado
Romano e foram operadas por escravos.
A agricultura de subsistência foi substituída por grandes unidades de exploração (villa romana), a produzir
azeite, cereais e vinho, a criação de gado. Esta atividade agrícola foi localizada principalmente na região
ao sul do Rio Tejo, a terceira maior área produtora de grãos no Império Romano.

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Houve também o desenvolvimento da atividade pesqueira, a produzir o valorizado garum ouliquamen, um
condimento obtido a partir da maceração de peixe, de preferência atum e cavala, exportado para todo o
Império Romano.
Restos de fábricas de garum mostram um acentuado crescimento da indústria de conservas em Portugal,
principalmente na costa do Algarve, mas também na Póvoa de Varzim, Angeiras (Matosinhos) e no estuário
do Rio Sado, que fez dela um dos mais importantes centros de conservas na Hispânia.
Ao mesmo tempo, as indústrias especializadas também foram desenvolvidas. A salga de peixe e conservas,
por sua vez exigiu o desenvolvimento da salicultura, da construção naval e indústrias de cerâmica, para
facilitar o fabrico de ânforas e outros recipientes que permitiam o armazenamento e transporte de
mercadorias como o óleo, vinho, cereais e compotas.
Todo este dinamismo produtivo ajudou a desenvolver também o comércio, surgindo feiras e mercados,
com a circulação da moeda, que baseado na extensa rede viária e portuária ligava os principais centros de
todo o Império.

A influência romana fez-se sentir também na religião e nas manifestações artísticas. Tratou-se, pois, de
uma influência profunda, sobretudo a sul, zona primeiramente conquistada. Todos estes passos foram
passos decisivos para a formação da cultura hispano-romana que ofereceu grandes vultos das artes e
políticos, entre outros.

Cidades romanas na Lusitânia

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Bracara Augusta (Braga). Salatia (Alcácer do Sal)

Aquæ Flaviæ (Chaves). Sines e a Ilha do Pessegueiro.

Portucale-Castrum Novum (Porto) Miróbriga, (na periferia de Santiago do Cacém).

Aeminium (Coimbra). Eburobrittium (Óbidos).

Interamniense-Viseo (Viseu) Vipasca (Aljustrel).

Tongóbriga - Lugar do Freixo (Marco de Canaveses) Abelterium (Alter do Chão).

Conímbriga (Condeixa). Pax Julia (Beja).

Olisipo Felicitas Julia (Lisboa). Ebora Liberalitas Julia (Évora).

Scallabis (Santarém). Myrtillis (Mértola), no Baixo Alentejo.

Ammaia, no Parque Natural de São Mamede (Marvão). Ossonoba (Faro), no Algarve. Balsa, perto de Tavira no Algarve.

Sellium (Tomar) Lacobriga (Lagos), no Algarve.

Tróia (e as suas fábricas de peixe). Baesuris (Castro Marim).

1.4. As Invasões Germânicas dos séculos V e VI

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Quem são os bárbaros?
Todos os povos que não falavam latim nem grego e que viviam fora do limes (limite/fronteira) do Império
Romano eram designados por bárbaros.
Estes povos aproximavam-se da fronteira do império desde o século I d.C. e alguns, a pouco e pouco, foram
entrando, sobretudo para trabalhar na agricultura, dada a escassez de mão-de-obra. No século II e III dada
a falta de legionários, muitos imperadores e pretores recrutaram bárbaros para reforçar as suas legiões.

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No século V, pressionados por movimentações a leste, desde o centro da Ásia, estes povos forçaram a
entrada no Império, invadindo e conquistando muitas cidades romanas. Muitos destes povos eram ainda
parcialmente nómadas, por isso, quando entraram no Império, fixavam-se temporariamente numa região,
deslocando-se em grupo ao fim de algum tempo para outra região.

Foi o caso dos Vândalos, Suevos e Alanos.


No inverno de 406, Vândalos, Suevos e Alanos invadiram o Império Romano numa movimentação contínua
e demorada que se iniciou a 31 de dezembro de 406. Após três anos, cruzaram os Pirenéus e chegaram à
Península Ibérica. Os invasores, oriundos de diferentes regiões, não encontraram grande resistência por
parte das guarnições romanas. Quando chegaram à linha dos Pirenéus, debateram-se com exércitos
constituídos pelos servos ao serviço dos proprietários dos grandes latifúndios (villae romanas).

Entre 407 e 408, a Hispânia manteve a sua defesa, mas em 409, a pressão aumentou sobre as forças que
defendiam os Pirenéus e abriu-se o caminho às hordas de bárbaros que invadiram e saquearam a Península
Ibérica, que submetida à pilhagem, deparou-se com a fome.

Os Visigodos, tribo germânica oriunda da Europa Oriental (Dácia) instalou-se na Península Ibérica. Este
povo pagou o direito de ocupar a terra da Hispânia, com a obrigação de guerrear com outros bárbaros que
ali se tinham instalado. Celebraram um tratado com os Romanos e instalaram-se numa parte da Península
Ibérica (e no Sul da Gália).

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Os Vândalos disputavam com os Suevos a posse de algumas regiões montanhosas no Norte, mas ao fim
de algum tempo voltaram-se para sul, ocupando uma grande parte daquilo que veio a ser o território
português.
Os Alanos e alguns Vândalos - derrotados pelos Visigodos - juntaram-se aos Suevos, que se mantinham no
Noroeste da Península (entre o Douro e Mar Cantábrico). Mas o grosso destes povos, em 429 seguiram
para o norte de África onde se instalaram e fundaram o seu reino (antiga Cartago).
Os Suevos terão sido os mais marcantes na Península. Apresentavam uma organização política.
Expandiram-se até Lisboa, o que significa que o rio Douro foi transposto pela primeira vez como fronteira
natural, entre duas regiões politicamente diferentes. A Galécia e a Lusitânia apareciam unidas num espaço
que viria, mais tarde, a ser o núcleo inicial de Portugal.

Lisboa foi entregue sem guerra aos Suevos. O rei suevo Réquila (438-448) saiu da Galiza, conquistou
Mérida, cercou Mértola e ocupou Sevilha. O seu sucessor Requiário (448-456), continuou a expansão e
casou-se com a filha de Teodorico. Invadiu a Tarraconense, vindo depois a assinar um tratado de paz com
os Romanos. Entrou na Gália e ameaçou Toulouse, a capital dos Visigodos. Perante esta ameaça sueva,
Visigodos e Romanos uniram-se para derrotar Requiário, que se refugiou em Braga, cidade que não
escapou ao saque. Em 457, o líder suevo era definitivamente derrotado pelos seus inimigos.
O reino visigodo na Península Ibérica esteve durante algum tempo sob o domínio dos ostrogodos da Itália,
mas logo conquistou a sua autonomia.
O domínio visigodo da península concretizou-se em 585 quando conquistaram e anexaram o reino Suevo,
que à época correspondia às regiões atuais do norte de Portugal e da Galiza.

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A unidade do reino visigótico ficou comprometida pela questão religiosa (entre outros problemas): os
visigodos professavam o arianismo e os hispano-romanos eram católicos. O próprio filho de Leovigildo,
Hermenegildo, chegou a sublevar-se contra o pai, depois de convertido ao Catolicismo.
Mas esse obstáculo para a fusão com os hispano-romanos resolveu-se em 589, ano em que o rei Recaredo
I proclamou o Cristianismo religião oficial da Hispânia Visigótica.
Com efeito, em 589, no III Concílio de Toledo, capital do reino Visigótico, o rei Recaredo anuncia a
conversão dos visigodos ao catolicismo, abandonando desta forma o arianismo, corrente cristã
considerada herética desde o I Concílio de Niceia em 325.
O reino visigótico vai prosperar, em estreita aliança com a igreja e os bispos ibéricos, até ao final do século
VII quando fruto de disputas políticas, a posição da corte visigótica se vê, envolta numa série de alianças e
traições que conduzirão ao seu fim, com a invasão muçulmana em 711, século VIII, comandada pelo
berbere Tariq.

1.5. A chegada dos muçulmanos

A monarquia visigótica era eletiva, isto quer dizer que o seu rei era eleito entre os mais notáveis do reino.
Com a morte do rei Vitiza, as Cortes reuniram-se para eleger o novo rei, constituindo-se dois partidos em
disputa pela eleição:
- o partido de Ágila II;
- e o partido de Rodrigo.

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Os partidários de Ágila II solicitaram o apoio do governador muçulmano do norte de África, Tariq -Ibn-
Zyad, tendo para tal facilitado a sua entrada em Ceuta (cidade no norte de África) e incitando-o a enviar
uma expedição militar à Península Ibérica para proteger os judeus, perseguidos na Península, e dentro da
Shariah islâmica, é obrigação dos muçulmanos defender os adeptos dos Livros (judeus e cristãos).
É desta forma que entre abril e maio de 711, Tariq-Ibn-Zyad atravessa o estreito que separa a Península
Ibérica de África, e que a partir daí receberia o nome de Gibraltar (de Jabal al Tariq, “a montanha de Tariq”)
com um exército composto de árabes e berberes.

Tariq-Ibn-Zyad, antigo escravo que se tinha tornado lugar-tenente de Musa Ibn Nusayr, governador de
Ifriqiya, província do Império Omíada (atual Tunísia), comandou ele próprio o exército invasor e combateu
e venceu Rodrigo e as forças visigóticas no Guadalete (ou Barbate para alguns). Perante esta vitória, Tariq
não cumpriu o acordado com Agila II, não o colocando no trono, e assumiu ele o controlo do reino
visigótico, alargando as conquistas a outras regiões da Hispânia, que doravante passa a ser designada por
Al-Andaluz (nome árabe para Hispânia), colocando sob tutela cristãos e judeus, pois ambos sofriam
ataques e combatiam-se mutuamente.

Rodrigo desapareceu na batalha e segundo a tradição cristã terá sido sepultado em Viseu. Tariq prossegue
com o seu avanço e conquista Toledo, onde passaria o inverno de 711-712. Só nesta altura, o governador
Ifriqiya chega à Península e censura Tariq pelo ato de conquista. O califa Omíada de Damasco, al-Walid,
nada sabia sobre esta invasão.

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A chegada dos árabes e dos berberes foi saudada pelos judeus, que tinham sido perseguidos nas últimas
décadas do reino visigodo. As determinações de sucessivos concílios da Igreja peninsular tinham
contribuído para a discriminação deste grupo: o III Concílio de Toledo determinou o batismo forçado de
crianças filhas de casamentos entre judeus e cristãos; o XVI Concilio proibiu os judeus de praticarem o
comércio com cristãos, o que provocou a ruína de muitas famílias, e o XVIII condenou-os à escravatura sob
o pretexto de conspirarem, junto com judeus do norte de África, para a queda do reino visigótico. Muitos
judeus abriram as portas das cidades aos exércitos muçulmanos e ofereceram-se como guardas das
cidades ao serviço dos novos senhores.

A conquista islâmica da Península Ibérica seria efetuada num período de cinco anos entre 711 e 716, tendo
o território que corresponde hoje a Portugal sido conquistado entre 714-16.

Só em 722 os cristãos refugiados nas Astúrias, comandados por Pelágio (718-737) conseguiram a sua
primeira vitória, na batalha de Covadonga. Esta batalha marca simbolicamente o início do movimento de
conquista do território, denominado por “Reconquista Cristã”. Um movimento lento, feito de avanços e
recuos e que só estaria totalmente completo já só no final do século XV com a conquista de Granada em
1492 pelos reis católicos – Isabel de Castela e Fernando de Aragão.

Mas no século VIII, os muçulmanos desejam mais do que a Península Ibérica. Pretendem atravessar os
Pirenéus e atacar o reino Franco, mas são travados na batalha de Poitiers em 732 por Carlos Martel.

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Na Península Ibérica, a hostes cristãs acantonadas nas Astúrias organizam a sua ação militar contra os
muçulmanos, primeiro por Fávila (737-739), depois por Afonso I (739-757), que por volta de 750 alargou
consideravelmente o território cristão de sul para norte, passando a incluir a região da atual Galiza. É neste
período que o reino das Astúrias se expande e se organiza em diversos territórios que mais tarde darão
origem a vários reinos cristãos.

Esta expansão só foi possível também pelo facto de o mundo muçulmano estar, desde o início da década
de quarenta, em convulsão, em autêntica guerra civil, o que levou os invasores berberes a abandonar o
território a norte do Douro rumo ao sul para combater os árabes. Esta situação foi aproveitada pelas
populações cristãs (hispano-góticas) para se posicionarem ao lado dos cristãos do norte. A região onde se
registaram os combates mais intensos foi precisamente a Galiza.

A queda dos Omíadas em Damasco e a tomada do poder pelos Abássidas em 750 teria repercussões
políticas profundas no Al-Andaluz. O único sobrevivente do massacre da família real Omíada, o príncipe
Abd Ar-Rahman, chega à Península Ibérica em 756 e instala-se em Córdova, onde toma o título de Emir,
declarando-se independente do califado dos Abássidas, e, marcando o início de uma dinastia que
governará o Al-Andaluz até 1031.

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A partir deste ano dá-se a desagregação do Al-Andaluz, do Califado de Córdoba, em diversos reinos taifa.
Esta desagregação facilitou o esforço de guerra cristão a norte, permitindo um avanço mais rápido.

Balanço da presença muçulmana


Através de negociações de acordos de paz muitas cidades submeteram-se ao controlo dos muçulmanos.
Entre Cristãos e Muçulmanos existiram períodos de paz, em que mouros e cristãos conviveram e se
respeitaram. Essa convivência e a tolerância religiosa, contribuiu para o respeito pelos costumes e
tradições praticadas tanto pelos Cristãos como pelos Muçulmanos.
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Os Muçulmanos estiveram cerca de 800 anos (711-1492) na Península Ibérica e por isso influenciaram
muito a população local. Muitos dos habitantes da Península Ibérica chegaram mesmo a converter-se à
religião islâmica, a falar o idioma árabe e a aceitar totalmente os seus costumes.

A influência muçulmana foi muito forte nas terras a sul do Tejo. A razão é simples: essa zona foi
reconquistada mais tarde. Aí formaram-se grandes e populosas cidades muçulmanas como Córdova,
Granada, Lisboa, Mértola ou Silves.
Em Portugal, toda a zona do Algarve e Baixo Alentejo ainda hoje revela fortes marcas da influência
muçulmana.

Exemplos da influência muçulmana


No Algarve podemos ver casas com características herdadas dos mouros:
- açoteias (terraços) onde a chuva pouco intensa é conduzida para depósitos ou cisternas;
- paredes caiadas de branco, portas e janelas estreitas (devido às condições climáticas).

Desenvolveram algumas indústrias artesanais:


- armas e outros trabalhos de metal (Toledo);
- carros e arreios (em Córdova);
- tapetes (em Arraiolos)

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Trouxeram as suas técnicas de captar, elevar e distribuir a água:
- Nora;
- Açude;
- Picota.

A agricultura:
- Com as novas técnicas de regadio puderam cultivar legumes e plantar árvores de fruto como: laranjeira,
limoeiro, amendoeira, figueira, alfarrobeira, meloeiro (ficaram célebres os grandes pomares que
plantaram no Algarve, os figos e uvas de Évora e as enormes maçãs de Sintra);
- Introduziram a cultura do arroz (Mondego, Tejo e Sado);
- Desenvolveram o cultivo da oliveira;
- Generalizaram o uso de moinhos de vento.

Novos conhecimentos de medicina, navegação, astronomia e matemática, muito evoluídos para a época,
marcaram uma época de florescimento da ciência na Península Ibérica, em contraste com o norte cristão-
godo.
Do Oriente trouxeram muitas notícias, que se tornaram úteis quando os portugueses no século XV,
partiram para a descoberta de novas terras. Divulgaram a bússola e instrumentos de orientação pelos
astros, como o astrolábio utilizado nos Descobrimentos. A caravela, usada nas viagens de descoberta, tem
influências do carib árabe. Deram a conhecer o fabrico do papel e da pólvora.

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Outras contribuições:

- Geografia (traçando mapas e fazendo relatos das terras por onde viajavam).
- Matemática (os algarismos que hoje utilizamos e que substituíram a numeração romana, a invenção do
zero).
- Língua portuguesa (cerca de 600 palavras são de origem árabe - algumas delas são fáceis de identificar
porque começam por al). O nome de muitas terras portuguesas é também de origem árabe, como por
exemplo: Silves, Loulé, Tavira, etc. As palavras de origem árabe começam geralmente com o artigo definido
al (por exemplo, almofada, de al + mohada), sendo, às vezes, o l assimilado pela consoante seguinte
(azeitona, al + ceitun). Além destes substantivos, o árabe deixou também alguns adjetivos (mesquinho,
baldio) e uma preposição (até).

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Considerações finais
Etnia
Todos estes povos que invadiram e conquistaram a Península Ibérica contribuíram para a formação da
etnia que hoje constitui a dos portugueses/espanhóis - resultante da miscigenação–antropológica definida
pelas características dos traços mediterrânicos.
TIPO MEDITERRÂNEO (Morenos básicos de cabeça larga):
a. Cor de cabelo: desde castanho a negro;
b. Cor de olhos: desde castanho-escuro a castanho-claro;
c. estatura média/alta;
d. Forma da cabeça: índice cefálico menor de 80.

Língua
Dialetos na Península Ibérica:
• Latim literário (essencialmente escrito e recitado);
• Galaico-português (a norte do rio Douro);
• Lusitano (a sul) – sobre este incidiu a língua árabe Lusitano-moçárabe;

Durante os séculos XI-XII, entre outros contributos, mais circunscritos, podemos aceitar que …
• Galaico-português
Originaram o Português
• Lusitano-moçárabe
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Bibliografia

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