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A destreza dos yamnayas com os cavalos, que eles levaram à Europa, ainda se
nota em sua região de origem. No Museu Zaporizhzhya, na ilha ucraniana de
Khortytsya, um cavaleiro exibe as proezas acrobáticas que fizeram dos cossacos
temidos guerreiros desde o século 15.
Três grandes fluxos de pessoas moldaram o curso da pré-história europeia. Foram
imigrantes que levaram ao continente a arte e a música, a agricultura e as cidades,
os cavalos domesticados e a roda. Foram eles que introduziram as línguas indo-
europeias atualmente faladas em quase toda a Europa. E é bem possível que
também tenham levado a peste. As últimas contribuições importantes para o
perfil genético dos habitantes da Europa Ocidental e Central – os últimos desses
europeus pioneiros, por assim dizer – chegaram das estepes russas na mesma época
em que Stonehenge estava sendo erguido, quase 5 mil anos atrás. Eles concluíram
o processo.
Mas não era novidade 1,3 mil quilômetros a leste. Nas estepes do sul da atual
Rússia e do leste da Ucrânia, os nômades conhecidos como yamnayas, um dos
primeiros povos a domesticar cavalos no mundo, havia dominado a roda e montava
carroças que lhes permitiam seguir os rebanhos nas pradarias. Os yamnayas tinham
poucos assentamentos permanentes, mas enterravam os indivíduos mais
proeminentes, com adornos de bronze e prata, em imponentes montes funerários
que ainda se avistam nas estepes. Por volta de 2 800 a.C., revelam as escavações,
os yamnayas haviam começado a se dirigir para o oeste, provavelmente em busca
de pastagens mais viçosas. O monte escavado por Włodarczak perto de Žabalj é o
túmulo yamnaya mais a oeste que se encontrou até agora. Todavia, os indícios
genéticos mostram que muitos povos da cultura da cerâmica cordeada eram
descendentes dos yamnayas. Assim como no caso das ossadas
da cultura da cerâmica cordeada, os yamnayas tinham parentesco remoto com os
indígenas americanos – cujos ancestrais eram originários de uma região ainda mais
a leste, na Sibéria.
Os mascarados do Carnaval em Ottana, na ilha da Sardenha, representam o
domínio dos seres humanos sobre os animais, tema que remonta aos primórdios
da domesticação. O DNA dos primeiros agricultores europeus predomina nos
genes dos sardos atuais.
Desde a estepe
Em poucos séculos, outros povos com uma parcela significativa do DNA yamnaya
haviam se espalhado, chegando até às ilhas britânicas. Nessas e em outros locais,
quase nenhum dos agricultores já estabelecidos na Europa sobreviveu às investidas
desses recém-chegados oriundos do leste. Na região da atual Alemanha, “de 70%
a possivelmente 100% da população local foi substituída”, afirma Reich. “Algo de
muito dramático ocorreu há 4 500 anos.” Até então, os agricultores prosperavam
no continente por milênios. Estabelecidos desde a Bulgária até a Irlanda, muitas
vezes viviam em complexos assentamentos de centenas ou mesmo milhares de
moradores. De acordo com o arqueólogo Volker Heyd, havia até 7 milhões de
pessoas vivendo na Europa em 3000 a.C.
No início da construção de Stonehenge, 5 mil anos atrás, agricultores viviam nas
ilhas britânicas. Um milênio depois, quando a estrutura foi concluída, a
população neolítica havia sido substituída por descendentes dos yamnayas – que
talvez tenham levado a peste à região.
Para muitos arqueólogos, a ideia de que um bando de nômades poderia, em apenas
alguns séculos, tomar o lugar de uma civilização consolidada parece implausível.
“Como esses grupos descentralizados de pastores iriam tomar o lugar de uma
sociedade neolítica arraigada, mesmo que tivessem cavalos e fossem bons
guerreiros?”, pergunta o arqueólogo Kristian Kristiansen. Uma pista para isso
talvez esteja nos dentes de 101 indivíduos que viviam nas estepes e nas áreas
europeias mais ocidentais na mesma época em que teve início a migração para o
oeste dos yamnayas. Em sete das amostras, além do DNA humano, os geneticistas
também identificaram o DNA de uma variedade primitiva de Yersinia pestis – o
micro-organismo causador da Peste Negra, que matou cerca de metade de toda a
população do continente europeu no século 14.
À diferença da Peste Negra, disseminada por mosquitos, a sua versão anterior era
transmitida de uma pessoa para outra. Aparentemente, os nômades da estepe
haviam convivido com a doença durante séculos, talvez desenvolvendo alguma
imunidade ou resistência. E, assim como a varíola e outras doenças devastaram as
populações nativas das Américas, a peste, uma vez introduzida no continente pelos
yamnayas, poderia ter se espalhado facilmente pelos apinhados vilarejos
neolíticos. Isso poderia explicar tanto o colapso surpreendente como a rápida
difusão do DNA dos yamnayas. “As epidemias abriram o caminho para a expansão
yamnaya”, diz o biólogo evolutivo Morten Allentoft, responsável por identificar o
DNA dessa peste antiga. Mas só recentemente os indícios da peste foram
constatados em antigas ossadas e, até agora, ninguém topou com nada similar às
fossas repletas de esqueletos de vítimas que restaram da epidemia da Peste Negra,
no século 14. Se uma peste eliminou os agricultores neolíticos,
não sobrou dela nenhum vestígio evidente.
TENHAM OU NÃO sido portadores da peste, os yamnayas, sem dúvida, levaram
os cavalos domesticados e o modo de vida nômade, baseado em carroças, à Europa
neolítica. E, ao introduzirem ali armas e utensílios metálicos inovadores, é possível
que tenham contribuído para o início da Idade do Bronze no continente. Mais: a
chegada deles ao continente coincide com a época na qual os linguistas situam
a difusão inicial das línguas indo-europeias, uma família de centenas de idiomas
hoje falados desde a Irlanda até a Rússia e o norte da Índia. Considera-se que todos
tenham evoluído a partir de uma única língua protoindo-europeia, e a questão de
onde ela era falada, e por quem, é um tema debatido desde o século 19. Segundo
uma das hipóteses, os agricultores neolíticos da Anatólia é que a teriam introduzido
na Europa. Outra hipótese, proposta um século atrás pelo estudioso alemão Gustaf
Kossinna, sustenta que os indo-europeus eram uma antiga raça germânica
setentrional – a mesma população responsável pelos machados e utensílios de
cerâmica da cultura da cerâmica cordeada. Kossinna estava convencido de que a
etnicidade de um povo no passado podia ser deduzida dos objetos que ele havia
deixado para trás. Essa tribo de indo-europeus do norte da Alemanha, dizia ele,
havia se expandido e dominado uma área que se estendia quase até a atual Moscou.
Mais tarde, os nazistas recorreram a tais ideias como justificativa intelectual para
que a moderna “raça dominante” ariana ocupasse o leste da Europa.
Em parte por isso, depois da Segunda Guerra Mundial, toda a concepção de que
mudanças culturais antigas pudessem ser explicadas por migrações adquiriu uma
reputação duvidosa em certos círculos. Mesmo hoje, há arqueólogos que se sentem
incomodados quando geneticistas traçam flechas contundentes em mapas da
Europa. “Esse tipo de simplificação remonta a Kossinna e evoca velhos
demônios”, comenta o arqueólogo Volker Heyd, que é alemão.
O DNA, que gera informações diretas sobre a biologia dos seres humanos da
Antiguidade, acabou reforçando os argumentos contra a hipótese de Kossinna. Ao
documentar a progressiva difusão dos yamnayas e seus descendentes por toda a
Europa, os indícios do DNA confirmam a hipótese mais favorecida pelos
linguistas: a de que os protoindo-europeus saíram das estepes russas e migraram
para a Europa, e não o inverso. Em conjunto com as descobertas arqueológicas,
isso implica rejeitar a alegação, feita por Kossinna, de que existe na Europa alguma
raça pura, que poderia ser reconhecida por seus artefatos culturais. Todos os
europeus atuais resultam de uma mescla. O perfil genético de um europeu inclui
partes quase iguais dos yamnayas e dos agricultores anatólicos, com pitadas do
caçador-coletor africano. “Os exames de DNA estão solapando o paradigma
nacionalista de que sempre vivemos aqui e nunca nos misturamos com outros
povos”, diz Kristian Kristiansen. “Não há dinamarqueses, suecos ou alemães.”
Em vez disso, “somos todos russos, somos todos africanos”.
Fonte: https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2019/08/quem-foram-
os-primeiros-europeus Acesso em 26/01/2024.