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Helena Almeida

LISBOA, 1934
Helena Almeida
LISBOA, 1934

Entrevista a Helena Almeida, artista plástica Por vezes surge uma ideia, e a partir de uma ideia que eu considero má
Cristina Margato, 16 de outubro de 2016 chega uma boa ideia. É difícil explicar. Há muitos colegas meus que se
queixam da angústia do papel branco, da tela branca. A mim, isso nunca
me acontece. Nunca tive a angústia da tela branca. E se me acontecer saio
“A minha obra é o meu corpo o meu corpo é a daqui e vou dar uma volta. Acabou-se. Se não tiver uma ideia, também
minha obra. (...) É um corpo. Não é especifica- não venho [ao ateliê].
mente o meu corpo. No fundo, é uma procura do Passa muito tempo a desenhar antes de montar o cenário e fotografar?
outro por mim própria.” Sim, passo. Desenho desde pequenina. Fazia os deveres e ia logo desen-
har. Para mim, o desenho sempre foi um recreio. Era uma coisa muito
A artista plástica Maria Helena de Castro Neves de Almeida nasceu em boa, que eu adorava fazer. E continua a ser. Estou feliz quando estou a
1934, em Lisboa, e formou-se em pintura na Escola Superior de Belas-Ar- desenhar.
tes de Lisboa.
Os seus pais guardaram esses primeiros desenhos? Como eram?
Contacta primeiramente com a arte abstrata, sendo as suas obras iniciais Sim, passo. Desenho desde pequenina. Fazia os deveres e ia logo desen-
marcadas pelos jogos de inter-relação entre espaços interiores e exte- har. Para mim, o desenho sempre foi um recreio. Era uma coisa muito
riores. Na sua primeira exposição apresenta composições geométricas e boa, que eu adorava fazer. E continua a ser. Estou feliz quando estou a de-
abstratizantes nas quais questiona o espaço pictórico e explora os limites senhar. Guardaram, mas depois quando mudaram de casa deitaram tudo
físicos da pintura. Passa a centrar-se na intensa reflexão sobre a autor- fora. Eles achavam que não tinham valor.
representação e sobre as relações de tensão entre o corpo, o espaço e a
obra: o seu próprio corpo é então encarado enquanto objeto e suporte (...) Mas podia gostar do contacto com as tintas...
da obra, temática que é desenvolvida através da manipulação de meios Sim, e adorava. Até salivava com as cores. Era tão bom ter as cores e
como a pintura, o desenho, a gravura, a instalação, a fotografia e o vídeo. estendê-las... Mas depois comecei a tracejar, a fazer tracejados. Não sei
porquê. Era como se fosse para cortar.
Surgem assim as suas séries “Desenho habitado” e “Pintura habitada”
(1975, 1976, 1977), que prosseguem nos anos seguintes com outras séries,
como “Estudo para um Enriquecimento Interior” (1977-78), “Ouve-me,
“Não ia continuar a pintar azul. Fui andando para
Sente-me, Vê-me” (1978 e 1979). Paralelamente a série “Tela habitada” a frente, e há bastantes anos que só eu fico em
(1976), quando veste o quadro, processo iniciado com “Tela Rosa para Ve-
stir” (1969), quando regista em fotografia pela primeira vez.
frente da máquina.”
(...) Mas há uma fotografia dessa primeira exposição onde se vê a sua
Em “Dentro de mim” (1998, 2001), é a própria autora – como sempre –
sombra enquadrada numa moldura?
mas aqui apenas ela, que forma a figura (pontualmente, o pigmento ou a
Sim, antes da “Tela Rosa para Vestir” [1969], em que não se via o rosa,
cor vermelha). É como que uma homenagem, um abraço, um carinho ao
por ser uma fotografia a preto e branco. Gostei muito desse efeito, e as
atelier.
fotografias passaram a ser sempre a preto e branco. Consegui conter o
“Seduzir” (2001) são as mãos e os pés que tocam o chão do atelier, que o
desejo da cor. Adoro a cor. Ainda ponho aquele azul.
sentem, que o acarinham. Seduzida pelo espaço – sempre. Em “Seduzir”,
(2002) já é a dança de sentir o espaço todo. E o vermelho, no pé que liga
Depois há o vermelho, que aparece na série “Seduzir” [2002]...
ao chão, como o mesmo sangue. “O abraço” (2006) com o marido, os
O vermelho também aparece noutras circunstâncias. Uso as coisas con-
dois, nas duas imagens. A cumplicidade mútua da criação, da vida, do tra-
forme o que quero. Uso o vermelho para especificar outras situações,
balho produzido. Reforçado por “Sem Título” (2015), com o marido, juntos
como a de peso. É a mão que leva o vermelho até à tela que vou tocar,
pelo fio que os une nas pernas, num caminhar juntos, ao longo de tantos
porque quero explicar que há dois espaços. Há este espaço e aquele es-
anos – pelo atelier e pela vida toda.
paço. O espaço do espectador e o meu, que também é o do espectador. Aí
Um último projeto, de 2012, “Desenho”. O papel do desenho regressa à
tinha de ser vermelho para haver peso.
imagem, mas o desenho que agora liberta é a própria Helena Almeida.
Houve alguma vez uma intenção feminista no seu trabalho?
Não! Isso é outro erro. Discuti tanto com o João Ribas [curador da ex-
Acha mesmo que em Portugal há um desinteresse pela sua obra?
posição “A Minha Obra É o Meu Corpo, o Meu Corpo É a Minha Obra”] que
Há. A minha obra é vista de outra maneira noutros sítios.
não pode imaginar. Veja, o João Ribas acha que eu sou a maior feminista
portuguesa! Eu acho que já não há razão para ser feminista na Europa.
Perguntavam-lhe “porque é que não pinta”, não era?
Diseñar una cubierta o un cartel implica crear una imagen que guarda una
Perguntavam, perguntavam. Diziam-me: “Porque é que não pintas o que
relación inevitable con el contexto del que forma parte. ¿Cómo entiende la
estás a fazer? Podias fazer o mesmo mas em pintura.” Não dá para re-
relación del significado entre una cubierta y el libro o un cartel y el motivo
sponder, para explicar. Gosto de falar sobre as coisas que faço. Mas nestes
que anuncia?
casos não dá para nada.
Porque é que se começou a esconder?
Se fosse hoje, com o que aprendeu ao longo dos anos, o que teria respon-
Não, não. Toda a gente diz isso. Não é nada por estar mais velha. Quando
dido a essas pessoas que lhe diziam para pintar?
cortei a minha cabeça das fotografias foi porque achei que os trabalhos
Não teria dito nada. Não tenho nada a dizer. As pessoas ficam lá com a
ficavam muito melhores. Ficavam mais expressivos.
sua ideia. Não é possível explicar. Há certas coisas que é preciso entrar
um bocadinho nelas, só um bocadinho, para poder fazer perguntas. Aí eu
Nunca mais voltou a pintar, a pintar mesmo?
explico. Agora uma pessoa vir dizer porque é que não pinto? Quando está
Não. Faço os meus desenhos. Meto um bocadinho de cor. Um azul ou um
a ver a minha figura a pintar para a frente... É porque não percebe nada.
encarnado. Mas é com pastel. Mas, para mim, é como se estivesse a pintar.
Não está a perceber que eu estou a pintar para a frente para pôr o outro
no meu espaço, no espaço do quadro, ao mesmo tempo que me coloco no
Está sempre a pensar no próximo trabalho?
espaço da pessoa que está a ver. Essa pessoa não está a ver nada.
Estou. Que remédio. Sinto-me feliz, contente. Tão contente! Quando es-
tou no atelier pode vir a casa abaixo.
“Vou vivendo a minha vida como se fosse
eterna. ”
Como é que surgem esses desenhos que faz antes de fotografar?
Surgem a toda a hora, em qualquer lugar, às vezes até a ouvir uma con-
versa. Surgem como um relâmpago, de repente. Ou vêm a pouco e pouco.
PINTURA HABITADA , 1975 ESTUDO PARA UM ENRIQUECIMENTO INTERIOR, 1977

LISBOA, 1934
Helena Almeida

PINTURA HABITADA , 1975 ESTUDO PARA UM ENRIQUECIMENTO INTERIOR, 1977-1978


ESTUDO PARA UM ENRIQUECIMENTO INTERIOR, 1977-1978 PINTURA HABITADA , 1976

LISBOA, 1934
Helena Almeida

ESTUDO PARA UM ENRIQUECIMENTO INTERIOR, 1977 PINTURA HABITADA , 1976

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