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Diretrizes das Ações de Solidariedade 1

Expediente
Ir. Ataíde José de Lima GT – Diretrizes de Solidariedade
Superior Provincial e Presidente das Francisca Camila Gonzaga Freitas
Mantenedoras UBEE – UNBEC Igor Adolfo Assaf Mendes
Jefferson Luiz Clemente de Oliveira
Ir. Renato Augusto da Silva
Luciana de Farias
Vice-Presidente das Mantenedoras UBEE – UNBEC
Nayraline Barbosa de Oliveira
Ir. José Augusto Júnior Paulo Afonso de Araújo Quermes
Ecônomo e Diretor-tesoureiro
Leitura Crítica
Ir. Antônio Carlos Machado Ramalho de Azevedo Deysiane Farias Pontes
Conselheiro Provincial e Diretor-conselheiro Ir. Davi Nardi
Ir. Joilson de Souza Toledo Ir. Eliseudo Salvino
Conselheiro Provincial e Diretor-conselheiro Ir. Lúcio Gomes Dantas
Ir. Maicon Donizete Andrade Silva
Ir. Maicon Donizete de Andrade Silva Ir. Márcio Henrique Ferreira da Costa
Conselheiro Provincial e Diretor-conselheiro Ir. Paulo Henrique Oliveira Soares
Ir. Natalino Guilherme de Souza Marcella S. Cytrangolo Rayol Gomes
Conselheiro Provincial e Diretor-conselheiro Agradecimentos
Elísio Alcântara Neto Ir. Afonso Tadeu Murad
Superintendente de Missão e Gestão Ir. Joilson de Souza Toledo
Ir. Vicente Sossai Falchetto
Jefferson Luiz Clemente de Oliveira Ir. Fábio Soares
Gerente Socioeducacional Alex Gonçalves Pin
Autoria e organização Revisão de Texto
Igor Adolfo Assaf Mendes Brena Kesia Costa Pereira
Nayraline Barbosa de Oliveira
Rudá Ricci Projeto Gráfico e Diagramação
Joaquim Rodrigues dos Santos
Consultoria
Instituto Cultiva www.marista.edu.br

Brasília, janeiro de 2021.

Ficha Catalográfica
Província Marista Brasil Centro-Norte.
Diretrizes das ações de solidariedade da Província Marista Brasil Centro-Norte / Igor
Adolfo Assaf Mendes; Nayraline Barbosa de Oliveira; Rudá Ricci. – Brasília: UBEE, 2021.
34 p. : il.
ISBN: 978-65-86675-09-2 (Versão eletrônica).
ISBN: 978-65-86675-08-5 (Versão impressa).
1. Solidariedade Marista. 2. Pedagogia da Presença. 3. Virtudes Maristas. I. Oliveira,
Nayraline Barbosa de. II. Ricci, Rudá. III. Marista Centro-Norte. IV. Marista. V. Título VI.
CDD: 370
CDU: 37
Sumário
Apresentação 5
Introdução 8
O que já realizamos? 10
Capítulo 1: Princípios Norteadores da Solidariedade Marista 11
Solidariedade e Fraternidade: nossa Casa Comum 11
Solidariedade por meio da Pedagogia da Presença 16
Virtudes norteadoras: Simplicidade, Humildade e Modéstia 17
Educação preferencialmente dos mais pobres 20
Compromisso com a Justiça Social 22
Educar do jeito de Maria 23
Capítulo 2: Orientações Gerais das Diretrizes das Ações de
Solidariedade da Província Marista Brasil Centro-Norte 27
Diretriz 1 28
Diretriz 2 29
Diretriz 3 30
Capítulo 3: Apontamentos finais das Diretrizes das Ações de
Solidariedade 31
Referências 33
Apresentação

História e passado que não passam, o presente pedindo para ser narrado, o
futuro à espera de sua realização (SUBCOMISSÃO INTERAMERICANA DE
SOLIDARIEDADE, 2013, p. 62).

Atendendo às demandas do povo, da Igreja e da instituição marista, este


documento sistematiza nossa concepção de solidariedade a partir da proposta
do Reino de Deus, concebido como justiça, paz e alegria (Rm 14,17), que se
traduz hoje em uma ação para promover a solidariedade e defender os direitos
humanos, pois o Reino não será um advento vindo dos céus, mas construído de
maneira autônoma por cada indivíduo, libertado da opressão.

Sendo assim, em harmonia com a Doutrina Social da Igreja (DSI) e diante


das injustiças sociais, a Província Marista Brasil Centro-Norte (PMBCN)1 dá
continuidade à missão de Marcelino Champagnat, acolhendo a educação
integral, como forma de contribuir para o processo de autorrealização da
liberdade e vivência comunitária, seguindo os passos de educadores brasileiros
como Anísio Teixeira e Paulo Freire, que viram no ensino de qualidade a real
forma de produção dessa liberdade: conhecimento e cultura são essenciais
contribuições para a realização da autonomia. São, assim, parceiros da
evangelização, dados os princípios fundacionais do instituto: educar para
evangelizar.

A missão marista não se edifica somente por esse caminho. Como podemos
constatar ao longo de nossa história, comprometemo-nos também com a
criação de espaços de participação, contestação e amplificação das vozes dos
excluídos e marginalizados. A educação integral, proposta por Marcelino
Champagnat, rompe as barreiras da sala de aula, das instituições escolares,
assim como, a pedagogia da presença, um dos princípios maristas, desafia-nos
a estar ao lado daqueles que necessitam, em especial, crianças, adolescentes
e jovens, acompanhando seu aprendizado e ação fora das formalidades
curriculares.

1
As Diretrizes das Ações de Solidariedade é um documento que abrange as áreas que envolvem
a Província Marista Brasil Centro-Norte (canônica) e o Marista Centro-Norte (executivo) das
mantenedoras União Brasileira de Educação e Ensino – UBEE e União Brasileira de Educação
e Cultura - UNBEC.

Diretrizes das Ações de Solidariedade 5


Sendo assim, o presente documento integra um conjunto de outras obras
publicadas pelo Instituto Marista, pelo Marista Centro-Norte e pela União
Marista do Brasil (UMBRASIL), cuja temática é a solidariedade. Dentre eles,
podemos citar: “Caminhos da Solidariedade Marista nas Américas: crianças e
jovens com direitos”2, que reúne os cenários socioeconômicos das crianças e
jovens dos países que compõem a América Marista e os princípios orientadores
das ações de solidariedade; e o “Relato de Memórias da Solidariedade do Marista
Centro-Norte”3, que resgata a memória das ações solidárias da província.
Outros documentos, como “Diretrizes da Ação Evangelizadora para o Brasil
Marista”4 e a Carta do XII Capítulo Geral5, também integram este conjunto,
servindo de inspiração.

A partir destes documentos maristas e de nossa história, o presente trabalho


aborda de forma objetiva quais são os valores que devem guiar as ações de
solidariedade da PMBCN. O processo de formulação envolveu os seguintes
passos:

1) Levantamento de documentos relevantes para a produção de


fundamentação histórica e teológica;
2) Análise das ações de solidariedade e advocacy nos últimos trinta anos
da instituição;
3) Enumeração das virtudes norteadoras a partir de visão operacional/
prática;
4) Estruturação das possibilidades de atuação;
5) Desenho dos horizontes possíveis.

O documento inicia com uma introdução que esclarece os conceitos de


solidariedade e advocacy, fundamentados não só a partir de pontos de vista
teórico-práticos, mas também a partir da história da PMBCN.

O primeiro capítulo, “Princípios Norteadores da Solidariedade Marista”, aborda


a solidariedade a partir da perspectiva evangelizadora, tendo como referência
fundamental os documentos da Igreja, assinados pelo Papa Francisco, e os
documentos maristas. Em especial, foram abordadas as encíclicas Laudato Si
e Fratelli Tutti, que renovam o compromisso da Igreja com a questão social
e a fraternidade, assim como a proposta de compreender as urgências do
cuidado com a Casa Comum dentro da concepção de solidariedade, a partir da

2
Subcomissão Interamericana de Solidariedade (2013).
3
Marista Centro-Norte (2019).
4
UMBRASIL (2013).
5
Instituto dos Irmãos Maristas (2017).

6 Diretrizes das Ações de Solidariedade


perspectiva da ecologia integral. Os documentos maristas, a exemplo da Carta
do XXII Capítulo Geral, reforçam a importância da educação como projeto de
evangelização e a opção preferencial pelos pobres.

O segundo capítulo, intitulado “Orientações Gerais: Diretrizes das Ações de


Solidariedade da Província Marista Brasil Centro-Norte”, é dedicado às diretrizes
que sustentam a prática solidária da província. Sucinto e intencional, o capítulo
traça objetivos a partir de três diretrizes: 1) Organizar a incidência Marista nos
espaços de participação e formulação de Políticas Públicas; 2) Alinhamento
entre os colégios e escolas educacionais sociais: estruturar os currículos para
promoção do protagonismo infanto-juvenil e para a cidadania ativa; e 3) Ir ao
encontro do empobrecido, com o horizonte na ação comunitária, priorizando o
fomento à construção da autonomia e senso de coletividade.

Por fim, o terceiro capítulo, “Apontamentos finais das Diretrizes das Ações
de Solidariedade”, apresenta os horizontes de implementação das diretrizes,
citando o que deverá ser preservado como ação, aquilo que precisa ser
otimizado e propostas de novos caminhos.

Desejamos a todos(as) uma boa leitura e que estas páginas possam iluminar
nossas ações, a fim de ajudar a ‘alargar o espaço da tenda’ e a caminhar junto
com as crianças, adolescentes e jovens marginalizados pela vida.

Diretrizes das Ações de Solidariedade 7


Introdução

A definição das Diretrizes das Ações de Solidariedade da Província Marista


Brasil Centro-Norte (PMBCN) parte de uma precisão conceitual. Trata-se de
uma diferenciação entre práticas de Advocacy e de Solidariedade que passariam
a orientar ações e programas da Província.

Advocacy é estratégia para mudar uma política pública em nome de uma causa.
Na prática, é a tentativa de influenciar os responsáveis pela formulação e
implementação de políticas públicas. Neste campo, ingressa-se na disputa de
interesses que permeiam qualquer sistema democrático de tomada de decisão
coletiva. Disputas que, ao cabo, influenciam a estrutura, métodos e prioridades
do Estado. Já a ação de solidariedade pode se aproximar das ações de Advocacy
ou de ações de caráter mais assistencial.

As práticas de Advocacy são prioridade nas ações de solidariedade da Província


Marista Brasil Centro-Norte. Dessa forma, os projetos e processos são orientados
a partir de alguns direcionadores que:
a) Garantem iniciativas que possibilitam a concretização da opção
preferencial pelos pobres;
b) Consolidam a presença marista nos espaços de participação democrática
e incidência política;
c) Desenvolvem a dimensão da solidariedade nos processos e projetos
socioeducacionais e nas comunidades.

Partindo da leitura crítica das ações de solidariedade realizadas pelas unidades


socioeducacionais6 ligadas às mantenedoras (União Norte Brasileira de Educação
e Cultura – UNBEC e União Norte Brasileira de Educação e Ensino – UBEE), ação
solidária se diferencia, em primeiro lugar, de eventos. Eventos sensibilizam,
mas não alteram práticas profissionais. As práticas profissionais são tragadas
pelas rotinas, distanciando a intenção do gesto concreto. Assim, eventos não
incidem sobre políticas públicas. Podem sensibilizar famílias, estudantes e até

6
Em 2018, foi realizado um levantamento das ações de cunho solidário executadas pelas
unidades socioeducacionais da Província Marista Brasil Centro-Norte.

8 Diretrizes das Ações de Solidariedade


gestores públicos, mas a chance de definir decisões coletivas é mínima porque
a sensibilidade se relaciona com uma dimensão pessoal, individual. É preciso
que evolua para uma motivação coletiva e, mais ainda, para um valor social que
se transforme em vontade e decisão política7.

A ação solidária pode, ainda, dirigir-se para a assistência ou para a transformação


social. A assistência, tomada em sentido restrito, orienta-se para a proteção
social, a reprodução social da vida, não necessariamente a sua mudança de
patamar. Já a promoção social – para além da proteção social – sugere a mudança
de condição de vida, de patamar de inserção social e fomento à cidadania ativa,
garantindo direitos civis, direitos sociais, direitos de autogoverno e direitos
políticos. Aqui, inscreve-se a intenção marista de promover o protagonismo.
Protagonista é autor de atos de afirmação social e, portanto, não se trata de
cidadania passiva, que recebe benefícios. O protagonismo sugere a autoria na
formulação de direitos e na defesa da observação de direitos já inscritos na lei.

Quando se fala de solidariedade, dita muitas vezes como uma firme determinação
de empenhar-se pelo bem comum, tendo origem no francês, solidarité, a qual,
também, pode remeter a uma responsabilidade recíproca, pode sugerir uma rede
de proteção social, de garantias de sobrevivência e da dignidade humana,
mas, sem garantir o protagonismo do beneficiado; porém, pode transcender
e garantir que o beneficiado da ação solidária seja, ele próprio, seu condutor,
seja sujeito. E ser sujeito significa ser atuante na política, ir além da condição
de objeto de uma ação.

As práticas maristas podem, então, atuar como mediação ou liderança


institucional na garantia e promoção das infâncias, adolescências e juventudes.
Ademais, podem, ainda, promover comunidades, crianças, adolescentes e
jovens como atores sociais, eles próprios como sujeitos da promoção e garantia
de direitos.

Esta distinção pode classificar ou ordenar ações e programas de natureza,


foco e estratégia distintos que são desenvolvidos pela Província Marista Brasil
Centro-Norte.
7
O ex-reitor da Universidade de Lisboa, António Nóvoa, ressalta que adultos não conseguem
alterar práticas sociais ou profissionais com mera sensibilização em virtude das estruturas
mentais já cristalizadas e das rotinas que impelem a todos de interditar as mediações entre o
sensível e a prática concreta. O que altera, segundo o autor, a prática profissional é a reflexão
sobre a prática cotidiana, o ato reflexivo permanente por meio de processos de formação
continuada e em serviço (no local de trabalho com seus pares), por meio de simulações,
projeções e dramatizações ou do planejamento participativo articulado ao monitoramento
coletivo dos impactos das ações implementadas.

Diretrizes das Ações de Solidariedade 9


O que já realizamos?

A PMBCN já realiza ações ou programas que ampliam o espaço formativo e


caminham para a compreensão de instâncias de formulação de políticas públicas,
como no caso do projeto pedagógico SIM – Simulação Internacional das Nações
Unidas8. Há, ainda, programas e ações de participação em instâncias colegiadas
de formulação e gestão pública, como conselhos de direitos. Existem, também,
projetos que fomentam o protagonismo infanto-juvenil, como as Comissões das
Juventudes9 e o Voluntariado Estudantil10 ligados à Evangelização, dentre outras
ações. Não cabe aqui desfiar as inúmeras iniciativas maristas no interior da
PMBCN. No entanto, vale registrar a multiplicidade de ações e programas em
execução, mesmo que nem sempre estabeleçam um diálogo entre si ou uma
identidade institucional nítida. O conteúdo de todas essas iniciativas possui
ênfases distintas.

Para definição de diretrizes sólidas e alinhadas com o carisma marista é preciso


fazer escolhas e unificar o foco e conceito pedagógico/pastoral das intervenções
da Província. Trata-se, portanto, da necessidade de definições institucionais.
Estas definições precisam estar alinhadas ao modelo de carisma e missão onde
a Instituição foi erguida, atualizando os princípios institucionais aos novos
diálogos sociais contemporâneos.

Diante desse cenário conceitual, a PMBCN alinha suas ações solidárias a


princípios que permeiam a identidade confessional e o carisma marista,
partindo da perspectiva da vida e missão de Marcelino Champagnat, do Papa
Francisco e dos horizontes do XXII Capítulo Geral. A seguir, contextualizamos
a ação solidária na perspectiva dessas referências e de alguns princípios que
fazem de nós Maristas de Champagnat na atualidade.

8
O projeto promove debate de qualidade, a partir da simulação de conselhos e assembleias
da Organização das Nações Unidas (ONU), incentivando os estudantes do Ensino Médio a
lapidarem a argumentação e a ficarem atentos às notícias do mundo, formando o senso crítico
para a cidadania.
9
A Comissão das Juventudes é formada por adolescentes e jovens que compõem os
diferentes grupos e iniciativas pedagógico-pastorais que dinamizam a missão nas Unidades
Socioeducacionais da PMBCN.
10
A proposta do Voluntariado Estudantil Marista (VEM), em seu itinerário formativo, oferece a
possibilidade de construção de autonomia e emancipação dos sujeitos ora estudantes maristas
- reconhecendo o movimento originário e que reproduz as desigualdades - possam, em sua ação
voluntária, contrapor a tal movimento, pensando junto com a comunidade outro projeto de
sociedade onde caibam todos com garantia de seus direitos na condição de pessoas humanas.
Acompanhar e fiscalizar as políticas sociais, exercendo o controle social em redes, fóruns ou
conselhos de direitos voltados para a temática em questão.

10 Diretrizes das Ações de Solidariedade


CAPÍTULO 1: PRINCÍPIOS
NORTEADORES DA
SOLIDARIEDADE
MARISTA

Marcelino Champagnat viveu entre crianças, adolescentes e jovens, amou-os


profundamente e lhes dedicou todas as suas energias. Como seus discípulos,
também experimentamos uma alegria especial em partilhar com eles o
nosso tempo e as nossas vidas; fazemos eco das suas aspirações; sentimo-
nos cheios de compaixão para com eles e fazemo-nos presentes nas suas
dificuldades: (COMISSÃO INTERPROVINCIAL DE EDUCAÇÃO MARISTA,
2000, p. 31).

As Diretrizes das Ações de Solidariedade da PMBCN são construídas a partir


de princípios norteadores dos processos institucionais referentes à formação
de crianças, adolescentes e jovens. Apoiados nos valores cristãos e maristas
da nossa história, elegemos aqueles que nos ajudarão a visualizar as ações
solidárias da PMBCN a partir de um horizonte de empatia.

Solidariedade e Fraternidade: nossa Casa Comum


O Instituto Marista, em seu XXII Capítulo Geral, impulsiona-nos a caminhar
lado a lado com a realidade social posta. Convida-nos a sermos construtores de
pontes e a ouvirmos os apelos daqueles(as) que estão à margem da sociedade,
fazendo história com eles(as), de mãos dadas. Os irmãos nos propõem, por
meio de cinco apelos11, que sejamos farol de esperança nesse mundo turbulento
que aflige nosso público prioritário: as crianças, os adolescentes e os jovens.

11
Família Carismática Global, farol de esperança neste mundo turbulento; 2 - Ser o rosto e as
mãos de tua terna misericórdia; 3 - Inspira nossa criatividade para sermos construtores de
pontes; 4 - Para caminhar com as crianças e jovens marginalizados pela vida; 5 - Responder
com audácia às necessidades emergentes.

Diretrizes das Ações de Solidariedade 11


Além do convite para caminhar próximo das crianças, dos adolescentes e
dos jovens, o Papa Francisco nos motiva a pensar tal espaço de construção
conjunta e empatia social. Em sua Encíclica, Fratelli Tutti, o pontífice ressalta o
imperativo moral de não reduzir a vida à relação com “um pequeno grupo, nem
mesmo à própria família, porque é impossível compreender-me a mim mesmo
sem uma teia mais ampla de relações” (PAPA FRANCISCO, 2020, p. 89). A
encíclica adota um tom intimista, que se apresenta como uma conversa serena
e profunda. Com isso, o Papa sugere uma relação social plena, não meramente
comunitária, mas que se oriente pela amizade social, para um dinamismo de
abertura e união guiada pela caridade. Significativamente, a encíclica traduz o
valor da caridade como uma relação a quem é “caro para mim”.

Nesta perspectiva, a mensagem final do XXII Capítulo Geral nos lança o apelo
a essa ‘amizade’, tendo como princípio responder com audácia as necessidades
emergentes, abandonando velhos paradigmas e buscando criativamente
modelos alternativos para tornar visível o amor de Deus no mundo de hoje. Isso
só é possível quando nos comprometemos firmemente na promoção e defesa
dos direitos das crianças, dos adolescentes e dos jovens.

A Encíclica Fratelli Tutti destaca também a situação das pessoas que “sentem que
vivem sem pertença nem participação” e “que as impede de beneficiar da plena
cidadania”. E sustenta: o objetivo não é apenas cuidar delas, mas acompanhá-
las e “ungi-las” de dignidade para uma participação ativa na comunidade civil e
eclesial. Uma nova perspectiva solidária (PAPA FRANCISCO, 2020).

Com isso, a carta sugere, explicitamente, a superação de um mundo de sócios,


marcado por organização autodefensiva e autorreferencial, em que o termo
‘próximo’ perde todo o significado. A solidariedade que nos sugere Francisco
se relaciona à caridade, movida aos outros – que nos são caros -, em especial,
aos que não se sentem pertencentes e que não participam das benesses da
plena cidadania: “Quero destacar a solidariedade, que como virtude moral e
comportamento social, fruto da conversão pessoal, exige empenho por parte
duma multiplicidade de sujeitos que detêm responsabilidades de carácter
educativo e formativo” (PAPA FRANCISCO, 2020, p. 114).

Em seu capítulo sétimo, que recebe o título “Percursos de um Novo Encontro”,


o Papa Francisco sustenta o posicionamento nítido na defesa dos direitos, da
dignidade humana e da rejeição à opressão social:

Somos chamados a amar a todos, sem exceção, mas amar um opressor


não significa consentir que continue a ser tal; nem levá-lo a pensar que
é aceitável o que faz. Pelo contrário, amá-lo corretamente é procurar, de

12 Diretrizes das Ações de Solidariedade


várias maneiras, que deixe de oprimir, tirar-lhe o poder que não sabe usar
e que o desfigura como ser humano. Perdoar não significa permitir que
continuem a espezinhar a própria dignidade e a do outro, ou deixar que
um criminoso continue a fazer mal. Quem sofre injustiça tem de defender
vigorosamente os seus direitos e os da sua família, precisamente porque
deve guardar a dignidade que lhes foi dada, uma dignidade que Deus ama
(PAPA FRANCISCO, 2020, p. 241).

Tal engajamento social já estava expresso no chamado ao Pacto Educativo


Global, anunciado pelo Papa Francisco em setembro de 2019. Em sua mensagem
original, na qual se convoca o mundo a forjar este pacto, a coragem é definida
como uma virtude urgente para colocar no centro a pessoa e para formar
pessoas disponíveis para se colocarem a serviço da comunidade.

Em diversos outros momentos, o pontífice já havia sinalizado para este


engajamento, que é feito de escolhas morais. Em 21 de novembro de 2015,
na Sala Paulo VI do Vaticano, em discurso proferido no congresso mundial,
promovido pela Congregação para a Educação Católica, o Papa Francisco
recordou um conselho que deu às irmãs da Patagônia:

A uma congregação de irmãs com uma vocação especial na Argentina, para


o Sul da Argentina, para a Patagônia, eu disse: por favor, fechar metade dos
colégios da capital de Buenos Aires, e enviai para lá as irmãs, para aquela
periferia da pátria, porque de lá virão as novas contribuições, os novos
valores e virão também as pessoas capazes de renovar o mundo (SAYAGO,
2019, p. 93).

O conselho se embasava numa leitura da realidade social que provoca o


compromisso educacional, em especial, cristão. Nesta fala, no congresso
de novembro de 2019, o Papa Francisco sustenta que o primeiro desafio
educacional cristão seria deixar os lugares onde há muitos educadores e ir às
periferias para procurar ali os que têm a experiência da sobrevivência, da fome,
das injustiças, que têm a humanidade ferida. Nas suas palavras:

Eles têm uma coisa que os jovens dos bairros mais ricos não possuem – não
por culpa deles, mas porque é uma realidade sociológica: têm a experiência
da sobrevivência, também da crueldade, da fome, das injustiças. Têm uma
humanidade ferida. E penso que a nossa salvação vem das feridas de um
homem ferido na cruz. Daquelas feridas, eles obtêm sabedoria, se houver um
bom educador que os leve em frente. Não se trata de ir lá fazer beneficência,
ensinar a ler, dar de comer... não! Isto é necessário, mas é provisório. É o
primeiro passo. O desafio – e eu os encorajo – é ir lá para os fazer crescer
em humanidade, em inteligência, em valores, em hábitos, para que possam
ir em frente e levar aos outros experiências que não conhecem (SAYAGO,
2019, p. 92).

Diretrizes das Ações de Solidariedade 13


Ainda nesta oportunidade, o Papa Francisco avança sobre a urgência de um
pacto educativo que adote como referência a superação do neopositivismo, que
só educa para as coisas imanentes e se esquece da transcendência. Sugere que
não se pode falar em educação católica sem falar de humanidade. Sustenta que
educar é conduzir as crianças, os adolescentes e os jovens nos valores humanos
em todas as realidades:

Hoje há a tendência a um neopositivismo, ou seja, a educar para as coisas


imanentes, para o valor das coisas imanentes, e isto tanto nos países
de tradição cristã como nos países de tradição pagã. O que não significa
introduzir os jovens, as crianças na realidade total: falta a transcendência.
[...] A educação tornou-se demasiada seletiva e elitista. Parece que só os
povos e as pessoas com um certo nível ou capacidade têm direito à educação;
mas sem dúvida nem todas as crianças e jovens têm direito à educação. Esta
é uma realidade mundial que nos envergonha. É uma realidade que nos leva
a uma seletividade humana, e que, em vez de aproximar os povos, afasta-os.
[...] Mas isto acontece também em nosso âmbito: o pacto educativo entre a
família e a escola se quebrou! Deve-se recomeçar. [...] A educação formal
empobreceu por causa da herança do positivismo. Concebe apenas um
tecnicismo intelectualista e a linguagem da mente. E por isso empobreceu-
se. É preciso interromper este esquema. E há experiências como a arte, o
esporte. A arte e o esporte educam. É preciso abrir-se a novos horizontes,
criar novos modelos (SAYAGO, 2019, p. 86-88).

Esta passagem indica nitidamente uma revisão das prioridades educacionais


para crianças, adolescentes e jovens. Um currículo aberto, que supere as
hierarquias de conteúdos focada na inserção no mundo de racionalidades
e sucessos individuais. Uma educação para a solidariedade que possibilite,
como nos diz o XXII Capítulo Geral, em um de seus apelos, “abandonar velhos
paradigmas” (INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS, 2017).

As Diretrizes das Ações de Solidariedade da Província Marista Brasil Centro-


Norte se alinham com essa orientação: o engajamento social em direção aos
desvalidos e dos que não se sentem socialmente pertencentes, mas, também,
ao equilíbrio entre a segurança e o risco, no caminho da mudança, da justiça e
da criatividade. Neste sentido, há ainda uma outra orientação dada pelo Papa
Francisco, anunciada na sua encíclica Laudato Si, assim como, trazida em um
dos apelos do XXII Capítulo Geral: a Ecologia Integral.

Por Ecologia Integral, o Papa Francisco amplia a noção comumente empregada


que se associa à preservação do meio ambiente para um olhar sobre o
modelo econômico que levou o planeta ao estado atual de degradação social
e ambiental. Estaria ainda vinculada às tradições perdidas por comunidades
indígenas impactadas por grandes obras, aos humanos que foram substituídos

14 Diretrizes das Ações de Solidariedade


por robôs em indústrias e às pessoas que vivem com crises de ansiedade e são
incapazes de admirar a beleza ao redor.

Para a solidariedade marista, o caminho entre equilíbrio e segurança passa pelo


cuidado com a casa comum quando “despertamos uma consciência ecológica
que nos comprometa com o cuidado de nossa casa comum” (INSTITUTO DOS
IRMÃOS MARISTAS, 2017). Somos parte de um todo que se constrói por meio
das relações de cuidado e empatia. Nossa casa deve nos inspirar na perspectiva
de olhar o outro como irmão, por isso necessita estar cuidada e ser amada.

A escolha do nome da Encíclica Laudato Si já é uma indicação clara: trata-se


da citação do Cântico das Criaturas, em que São Francisco exaltou a natureza
como um reflexo da imagem de Deus. O subtítulo da encíclica é “sobre o
cuidado da casa comum”, que trata de outro conceito associado à noção de
ecologia integral. São Francisco se referia à “casa comum” como “nossa irmã,
a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores
coloridas e verduras”. Para proteger essa casa comum, o Papa conclama “toda
a família humana” a se unir “na busca de um desenvolvimento sustentável
e integral”. E vai além: sustenta que as soluções para a crise planetária
exigem simultaneamente “combater a pobreza” e “devolver a dignidade aos
excluídos”(PAPA FRANCISCO, 2013).

Diante desse apelo do Papa, o mundo propõe planejarmos a busca por um


desenvolvimento sustentável por meio dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS). A Agenda 2030 nos motiva a prever um mundo livre
dos problemas atuais como pobreza, miséria, fome, doença, violência,
desigualdades, desemprego, degradação ambiental, esgotamento dos recursos
naturais, entre outros.

Os princípios centrais são a soberania plena e permanente de cada


Estado, a universalidade, o desenvolvimento integrado, que assegure uma
implementação nacional consistente com as aspirações nacionais e a visão
global, e não deixar ninguém para trás, o que implica no cumprimento dos
objetivos e metas em todos os países e em todos os segmentos da sociedade.
Os compromissos estão presentes nos objetivos e metas, que devem ser
compartilhados através de uma maior cooperação internacional. Com isso,
ela reafirma também compromissos com os direitos humanos (incluindo o
direito ao desenvolvimento) e o direito internacional.12

São 17 objetivos e 169 metas de ação global para alcance até 2030, em
sua maioria, abrangendo as dimensões ambiental, econômica e social do
12
“Transformando Nosso Mundo - A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”.
Acesso em 10 de nov de 2020. Disponível em: https://odsbrasil.gov.br/home/agenda

Diretrizes das Ações de Solidariedade 15


desenvolvimento sustentável, de forma integrada e inter-relacionada. Guiados
pelas metas globais, espera-se que os países definam as suas metas nacionais
de acordo com as suas circunstâncias e as incorporem em suas políticas,
programas e planos de governo.

A Agenda 2030 precisa entrar no nosso radar. A solidariedade perpassa planejar


e construir processo para a promoção de crianças, adolescentes e jovens.

Solidariedade por meio da Pedagogia da Presença


Esforçamo-nos para nos aproximar da vida dos jovens (Constituições).
Buscamos encontrá-los nos seus próprios ambientes e através de sua própria
cultura. Criamos oportunidades para nos envolver nas suas vidas e acolhê-
los nas nossas (COMISSÃO INTERPROVINCIAL DE EDUCAÇÃO MARISTA,
2000, p. 47).

Marcelino Champagnat viveu em um contexto sociopolítico convulsionado,


marcado pela pobreza e a violência revolucionária. Sua vivência nessa época
tão conturbada, movida por inúmeras violações de direitos, em especial, na
educação de crianças, adolescentes e jovens, o fez incorporar premissas para
um novo projeto educativo emergente. Nesse projeto, ele ressignificou valores
e princípios da sua época numa perspectiva transformadora.

A fundação do Instituto Marista foi a resposta dada por Marcelino Champagnat


a uma sociedade que se reconstruía após a revolução. Seu projeto propunha
criar condições para que crianças, adolescentes e jovens fossem bons cristãos e
virtuosos cidadãos, sendo valorizados e estimulados diariamente; que houvesse
emprego de todos os recursos educativos necessários para educar; e que o
educador tivesse proximidade com seus educandos. Essa proximidade fez nascer
o desejo de uma pedagogia da presença (SUBCOMISSÃO INTERAMERICANA
DE SOLIDARIEDADE, 2013, p. 80-81).

A pedagogia da presença marista é revestida de escuta e empatia. Queremos


ser presença no processo formativo de crianças, adolescentes e jovens. Somos
convidados, cotidianamente, a estar próximos deles, ouvindo-os e amando-os
por meio da presença que cuida e forma não somente para ser um profissional,
mas para a vida. Sendo assim, nossa ação educativa, por meio da pedagogia
integral13, promove:

13
A educação marista assume uma concepção cristã e sistêmica da pessoa humana na
configuração de uma educação integral, de modo a educá-la na e para a solidariedade,
formando agentes de transformação social e encorajando-os a assumir sua responsabilidade
pelo futuro da humanidade (UMBRASIL, 2010, p. 52).

16 Diretrizes das Ações de Solidariedade


- Preparação do ser humano de forma integral para a vida. Ou seja,
um ser humano completo, unindo seu coração, sua mente, sua
vontade14;
- Educação/Acompanhamento para compreender, compartilhar;
para a verdade e a justiça;
- Cuidado com os valores humanos a partir de um senso crítico
sério: os sociais, os culturais, os da afirmação da pessoa e os
transcendentais (PUJOL, 2013).

Fundamentada nesses três direcionadores, a pedagogia ensinada por Marcelino


Champagnat é desenvolvida a partir do trinômio simplicidade, humildade
e modéstia, virtudes de autenticidade humana e que são absolutamente
maristas. Elas se constituem a partir de movimentos que promovem uma
atitude evangélica; de semeador; que acolhe o mais valioso de todos os
métodos; de uma pedagógica do retraimento, de uma modéstia radical; de
atitudes de amável acolhida, de interesse pela pessoa e suas necessidades
(PUJOL, 2013, p. 97).

A pedagogia da presença marista nos motiva a uma solidariedade do ‘ouvir com


outros olhos’, trazendo o sujeito, com suas especificidades e bagagens, para a
autonomia da realização coletiva de construção de uma sociedade mais justa,
solidária e fraterna.

Virtudes norteadoras: Simplicidade, Humildade e Modéstia


A solidariedade se materializa por meio de atitudes de cuidado para com as
crianças, adolescentes e jovens. Aprendemos de Marcelino Champagnat o valor
das virtudes de simplicidade, humildade e modéstia (FURET, 19, p. 221), que nos
ensinam a cultivar um jeito próprio de educar e de ser presença significativa na
vida do outro.

Uma das possíveis raízes etimológicas da palavra simplicidade é ‘sem dobras’.


Uma pessoa simples é autêntica. Não se esconde nas dobras das máscaras,
nas imagens falsas de si mesma. Na sociedade contemporânea, o contrário
da simplicidade é a cultura da aparência e o consumismo. As pessoas criam
perfis e postam imagens idealizadas de si mesmas nas redes sociais. Como
não cultivam o acesso ao seu ‘eu interior’, precisam consumir cada vez mais

14
Integral também significa que ela é uma pedagogia adaptada às crianças, aos adolescentes
e aos jovens em suas mentalidades diversas; clara, suficiente em suas diferentes situações
cronológicas. Busca integralidade na verdade que seja facilitada de todos os modos,
particularmente, pelo amor, pelo entusiasmo e pela doação, como sendo o método apropriado.

Diretrizes das Ações de Solidariedade 17


produtos e recorrer a uma infinidade de serviços para compensar o vazio
existencial. Povoam suas casas, suas roupas e até seus corpos com adereços e
complementos por vezes desnecessários e artificiais. Nas organizações, nota-
se a ausência de simplicidade quando se cria uma imagem mercadológica que
não corresponde à sua identidade real. Ou, ainda, quando se adota o luxo e a
ostentação. Em ambos os casos, substitui-se ‘o que somos’ por ‘como queremos
que os outros nos vejam?’

Para nós maristas, no que tange à formação de crianças, adolescentes e


jovens, ser simples não é fazer somente o necessário. O simples nos remete
ao contrário daquilo que é complexo ou exagerado. Portanto, é autêntico e
associado a realizar ações dignas ao contexto; não é pobreza material nem falta
de qualidade no processo.

A experiência nos ensina mais uma vez que cometemos um erro palmar.
Na última visita que fiz, constatei surpreso que o estabelecimento está com
falta das coisas mais necessárias, seja no tocante ao espaço ocupado pelos
alunos, seja na parte reservada aos Irmãos, seja quanto ao mobiliário, seja
quanto ao pagamento, que não está em dia: embora mínimo, não foi pago
integralmente no primeiro ano.

Previno o senhor de que, em consonância com o parecer unânime dos


prezados Irmãos que compõem o meu conselho, na primeira visita que
fizemos, pela festa de São João, nossos Irmãos vão receber a ordem de sair
de mudança, caso o local e a mobília não estejam em boas condições (Cartas
de Champagnat, n° 39).

Por vezes, usa-se o adjetivo ‘simples’ para classificar uma pessoa ingênua, sem
senso crítico, de pouca cultura letrada, que apresenta limitação intelectual
ou se expressa mal. Nada disso tem a ver com simplicidade. Essa não está no
começo do caminho da humanização, mas ao final. São Tomás de Aquino dizia
que a sabedoria e o conhecimento, na medida que evoluem, se simplificam.
Há pessoas com alta capacidade artística, técnica, intelectual, operacional, que
mantém a simplicidade, porque a ilusão do poder, do conhecimento, dos cargos
e do dinheiro não lhes dominou. Porque são simples, sabem viver intensamente
os pequenos momentos do cotidiano e os grandes momentos de fracassos e
conquistas; conhecem sua beleza e sua limitação; aprendem com o tempo;
continuam sempre aprendizes; são adultos, com a alegria e a fluidez do coração
de criança; descomplicam os problemas; tentam compreender a complexidade
da realidade sem análises rasas e simplistas.

18 Diretrizes das Ações de Solidariedade


O Padre Champagnat, fundador dos maristas, cultivava a simplicidade como
característica básica. A partir do seu próprio testemunho, ensinou os seus
seguidores a viver com o essencial. Desde o início, renunciou aos privilégios
da condição clerical. Dedicava-se ao trabalho manual, em contato com a terra
e ‘arregaçava as mangas’ nas construções e reformas das casas dos Irmãos.
Saboreava as pequenas conquistas com alegria. Ao mesmo tempo, zelava
pela dignidade das comunidades maristas. Lutava para que as escolas, então
pequenas e conveniadas com as prefeituras ou as paróquias, tivessem as
condições básicas para funcionar.

Para nós, hoje, a simplicidade se traduz em oferecer as condições materiais,


pedagógicas e humanas necessárias para nossos(as) educandos(as), com
beleza, eficiência e de forma ecologicamente sustentável. Propomos o consumo
consciente e a transparência institucional. Em âmbito pessoal e comunitário,
buscamos responder ao apelo do Papa Francisco (2013), que nos pede a
“sobriedade feliz”.

A sobriedade, vivida livre e conscientemente, é libertadora. Não se


trata de menos vida, nem vida de baixa intensidade; é precisamente o
contrário. As pessoas que saboreiam mais, e vivem melhor cada momento
(..) experimentam o que significa dar apreço a cada pessoa e a cada coisa,
aprendem a familiarizar com as coisas mais simples e sabem alegrar-
se com elas. (..) A felicidade exige saber limitar algumas necessidades
que nos entorpecem, permanecendo assim disponíveis para as múltiplas
possibilidades que a vida oferece (PAPA FRANCISCO, 2013).

Na prática da simplicidade, é necessário resgatar constantemente o sentido da


humildade. A simplicidade é reflexo das ações humildes nas várias instâncias
da nossa vida, ligando-as enquanto valores àquilo que externalizamos nas
nossas relações.

Para Marcelino Champagnat ser humilde é se colocar à disposição, é


compreender o contexto da posição que ocupa e quais são os horizontes de
possibilidades, é fazer o possível sem alardes e com as condições condizentes
à realidade. “Eu termino por um último fato saboroso, contado por um de
seus primeiros discípulos, o Irmão Silvestre, que nos mostra como o Padre
Champagnat era humilde e convencido de seus limites” (LANDRY, 2016, p. 98).

A biografia e cartas de Marcelino Champagnat nos apontam a pessoa humilde


nas atitudes e palavras em todas as relações que construía ao longo da sua
vida. Sua humildade era exalada por meio da modéstia que o fazia valorizar
seus esforços e os esforços dos seus irmãos à serviço de uma educação
evangelizadora, principalmente, para os mais pobres.

Diretrizes das Ações de Solidariedade 19


Para ele, ser modesto é ausentar-se da vaidade e do orgulho das suas próprias
obras, é reconhecer o seu valor sem soberba. Sua história e seu exemplo nos
convidam, até hoje, a seguir um caminho de compreensão do que somos,
vestindo o avental do serviço pela missão a nós confiada, sem alardes.

Certo dia, relata o Irmão Silvestre, nós estávamos, alguns Irmãos, de viagem
com o bom Padre Champagnat. Outro padre, edificado com a modéstia e do
recolhimento dos Irmãos, e não conhecendo o venerado Padre Champagnat,
lhe pergunta a meia voz quem eram esses Irmãos que ele via pela primeira
vez? “São, respondeu o Padre Champagnat, Irmãos que se ocupam da
instrução da juventude.” E o padre, naturalmente, quis inteirar-se de seu
fundador. “Sabe-se pouco - respondeu o venerado Padre Champagnat - é
uma sociedade que se formou, pouco a pouco, pelos cuidados de um vigário
que reuniu alguns jovens aos quais se juntaram a eles.” O padre, vendo todos
nos olhares voltados para o bom Padre Champagnat, e compreendendo
sua resposta vaga diz então: “Não firamos a modéstia.” Depois vendo o
embaraço que sua pergunta causou ao bom Padre Champagnat, mudou de
conversa.” O Irmão Silvestre acrescenta: “É notório que nosso venerado
fundador tinha uma aversão marcada ao louvor e aos cumprimentos, e toda
espécie lisonjas” (LANDRY, 2016, p. 98-99).

Marcelino Champagnat foi um homem que viveu a missão inspirado em Jesus


e guiado pelos exemplos de Maria. Sua opção foi estar entre as crianças, os
adolescentes e os jovens, partilhando de suas condições para criar modos
de educar e evangelizar para a promoção humana. Por isso, a solidariedade
marista dirige-se para aqueles lugares aonde ninguém quer ir. Nesses lugares,
partilhamos o sofrimento, sendo presença fiel e serviço, apesar de todos os
riscos (INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS, 2007, p. 52-53).

Educação preferencialmente dos mais pobres


A PMBCN, em sintonia com a trajetória da Igreja Latino-Americana e as
opções do XXII Capítulo Geral para pensar a opção preferencial pelos pobres,
reporta-se à II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, ocorrida
em Medellín, buscando viver “uma clara e profética opção preferencial e
solidária pelos pobres”. Esta opção qualifica e intensifica nossa concepção de
Solidariedade e Advocacy.

A opção preferencial pelos empobrecidos consiste em inclui-los no centro da


ação educativa e evangelizadora, como interlocutores - nunca objeto -, dando
voz e vez a eles. Para a PMBCN, afirmar a opção preferencial pelos pobres
como marca do Instituto Marista e da Igreja Latino-Americana significa que
todos os processos educativos e pastorais, de alguma forma, contribuem para a

20 Diretrizes das Ações de Solidariedade


construção de uma sociedade justa e fraterna, vivência contemporânea do que
Marcelino Champagnat chamou de “bons cristãos e virtuosos cidadãos”.

A motivação e o fundamento da opção pelos pobres é sempre a pessoa e o


projeto de Jesus que se deixa encontrar nos empobrecidos e vulneráveis da
história. Os rostos sofredores do Senhor se mostram para nós, Maristas de
Champagnat, como os Montagnes de hoje. Tomados pelo jeito de ser e viver
de Jesus e sua aproximação com os pobres, assumimos suas causas e lutamos
contra as estruturas que geram a pobreza. É um processo de fazer ‘com’ e não
fazer ‘por’, seguindo o que o XXII Capítulo Geral chamou de “caminhar com
crianças e jovens marginalizados pela vida”. Os que já o fazem são convidados a
serem companheiros de caminhada junto aos pobres em processo de libertação.

O documento de Medellín afirma:

Devemos tornar mais aguda a consciência do dever de solidariedade para


com os pobres. Esta solidariedade significará fazer nossos seus problemas e
lutas e saber falar com/por eles. Isto se concretizará na denúncia da injustiça
e opressão, na luta contra a intolerável situação em que se encontra o pobre
e na disposição de dialogar com os grupos responsáveis por esta situação, a
fim de fazê-los compreender suas obrigações (Pobreza da Igreja, 10).

Em Puebla, a Igreja faz uma opção preferencial pelos pobres e pelos jovens.
Seus documentos sinalizam a necessidade de um processo de conversão. Assim
também a PMBCN entende que é preciso rever posturas e processos para a
vivência mais intensa da solidariedade.
Em sintonia com os ensinamentos da Igreja, Marcelino Champagnat,
juntamente com seus irmãos, tornou-se referência, em sua época, na
educação de crianças, adolescentes e jovens, principalmente os mais pobres.
Aprendendo com ele, precisamos não só vislumbrar, mas também agir com
o mesmo horizonte educacional para este público presente nos nossos
colégios e escolas educacionais sociais. Porém, o caminho precisa ser
diferente. Fomentemos uma educação para a solidariedade, para participação,
para colaboração solidária, para transformação contextualizada e ciente das
injustiças que passam cada um desses sujeitos.

Estou tendo uma simpatia cada vez maior para com esta obra que, se bem
examinada, não fica fora do meu objetivo, pois diz respeito à educação dos
pobres. Portanto, senhor Bispo, envidarei de bom coração todos os esforços
para favorecer o zelo de V. Exa., uma vez que se dignou pensar em minha
pessoa (Cartas de Champagnat, Nº 28).

Reconhecemos, nesse amor por todas as crianças, adolescentes e jovens,


e especialmente pelos pobres, a característica essencial da nossa Missão
Marista (Missão Educativa Marista, 2000, p. 31).

Diretrizes das Ações de Solidariedade 21


Marcelino Champagnat, em 1840, ano de sua morte, expõe com clareza o
objetivo da instituição marista:

Monsenhor, nossa instituição está inteiramente em benefício ao interesse


das crianças pobres das zonas rurais e cidades pequenas. Com o menor custo
possível, queremos proporcionar a eles a instrução religiosa e cristã que os
Irmãos das Escolas Cristãs oferecem, com tanto mérito, às crianças pobres
das grandes cidades (Cartas de Champagnat, n° 314).

Entendemos assim que somos responsáveis por continuar a missão de


Marcelino por meio da solidariedade marista em todos os espaços onde somos e
onde queremos ser presença, especialmente entre as crianças, os adolescentes
e os jovens mais pobres. Queremos estar próximos deles e nos ambientes de
luta e compromisso social na elaboração de políticas públicas que favoreçam
dignidade à vida desses sujeitos.

Compromisso com a Justiça Social


Como Maristas de Champagnat, empoderamo-nos da responsabilidade de
lutarmos pela defesa, promoção e proteção dos direitos das crianças, dos
adolescentes e dos jovens marginalizados pela sociedade. Nesta perspectiva,
a PMBCN possui uma Política Institucional de Proteção Integral às Crianças
e aos Adolescentes, fundamentada no conjunto de princípios e diretrizes
provinciais, em sintonia com os valores humanos, cristãos e Maristas, com a
Legislação Brasileira e os tratados internacionais de Direitos Humanos.

Queremos ser “Farol de Esperança nesse mundo turbulento” (INSTITUTO


DOS IRMÃOS MARISTAS, 2017), respondendo com audácia às necessidades
emergentes. Por isso, seguimos na luta pela defesa, promoção e proteção de
crianças, adolescentes e jovens,

I. garantindo que os princípios da Doutrina Social da Igreja guiem as ações


(estruturas, políticas e atitudes);
II. promovendo os direitos humanos por meio de uma educação marista
crítica, integral, solidária, inspirada no Evangelho;
III. tendo coragem para denunciar as estruturas sociais econômicas, políticas,
culturais e religiosas que oprimem as crianças e os jovens;
IV. sendo testemunha individualmente, mas também comunitária e
institucionalmente, na defesa de seus direitos;
V. abrindo o coração aos clamores das crianças, adolescentes e jovens e
promover maior presença marista nas regiões mais pobres, acompanhando
os marginalizados;
VI. favorecendo os destinatários, crianças e jovens, proporcionando ocasiões
de compartilhar, de participar das decisões e de exercer uma liderança;
VII. criando e fortalecendo redes maristas de colaboração e de comunicação

22 Diretrizes das Ações de Solidariedade


com a sociedade civil organizada, ou seja, o poder legislativo, governos,
instituições eclesiais, no âmbito local, nacional e internacional, respeitando a
diversidade cultural (SUBCOMISSÃO INTERAMERICANA DE SOLIDARIEDADE,
2013, p. 94).

Reforçamos, assim, a mensagem final do XXII Capítulo Geral: “Converter


nossos corações e flexibilizar nossas estruturas, sem medo de assumir riscos,
para aproximar-nos das periferias, em defesa dos mais pobres e vulneráveis”
(INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS, 2017), contribuindo para que sejam
líderes humanos e preocupados com os problemas que assolam a sociedade e
atingem a todos.

A exemplo de Maria, caminhamos com um olhar que nos guia a sermos


construtores de pontes e promotores de uma justiça que contribua para a
equidade, para autonomia e para uma cultura da solidariedade.

Educar do jeito de Maria


O nome Marista deriva da essência e experiência de Maria na vida de Jesus e
Champagnat. Ela foi aquela que disse SIM sem saber das rotas que a guiariam
para ser a mãe de Jesus. Ela teve coragem, mesmo diante de um contexto sócio-
histórico de marginalização feminina. Assim, nossa identidade nos conduz ao
movimento realizado por Maria ao aceitar uma missão.

Nossa verdadeira identidade é um dom que assume a forma de um convite


incisivo, um chamado, uma vocação. Maria de Nazaré nos inspira a tomar
atitudes cotidianas diferenciadas, como pessoas singulares, um coletivo de
educadores(as) e instituição educativa e evangelizadora.

Maria provou três etapas em sua vida e missão. A primeira etapa corresponde
ao período de gestação, nascimento e educação de Jesus, até que ele se tornasse
adulto. Educar é uma tarefa longa, paciente, que exige amor e acompanhamento
constante.

A segunda etapa corresponde ao espaço-tempo da missão pública de Deus.


Maria renuncia aos privilégios de mãe da cultura patriarcal e mediterrâneo.
O filho não lhe pertence mais. Jesus substitui a família biológica pela nova
família dos discípulos e discípulas (Lucas 8, 1-3; Lucas 8, 19-21). Importa agora
ouvir a Palavra de Deus, expressa nos gestos e palavras de Jesus, e praticá-la.
Então, Maria se fez discípula, aprendiz do mestre. Quantas mudanças realizou
na sua forma de ver as pessoas e o mundo, a partir dos ensinamentos de Jesus.
Experiência alegre e por vezes dolorosa, como uma espada (Lucas 2, 34-35).

Diretrizes das Ações de Solidariedade 23


Por fim, após a morte e ressurreição de Jesus, Maria vive a última etapa, de
mãe e companheira da comunidade. Para nós, essas etapas são simultâneas,
pois ao mesmo tempo somos educadores(as), aprendizes e companheiros(as)
no caminho das novas gerações. E Maria nos estimula a viver intensamente
essas três dimensões.

- “Eis aqui a serva do Senhor” – Lc 1, 38 (Ela aceita a missão): “O anjo


entrou onde ela estava, e disse: ‘Alegre-se, cheia de graça! O Senhor está com
você!’ Ouvindo isso, Maria ficou preocupada, e perguntava a si mesma o que
a saudação queria dizer. O anjo disse: ‘Não tenhas medo, Maria, porque você
encontrou graça diante de Deus. Eis que você vai ficar grávida, terá um filho, e
dará a ele o nome de Jesus’”.

Na cena da anunciação (Lucas 1, 26-38), Deus vem ao encontro de Maria “onde


ela está”. Qualquer lugar se faz espaço de fé, quando estamos com o coração
aberto. Maria se deixa surpreender por Deus. Ao receber o convite para ser a
mãe do Salvador, fica intrigada, pensa, questiona e quer saber como aconteceria.
Somente depois desse processo de discernimento, que não sabemos quanto
tempo durou, ela toma uma decisão firme. Então, ela nos ensina a nos preparar
para fazer opções na vida ‘de corpo e alma’, que nos comprometem com as
grandes causas sociais e educativas.

- “Maria partiu às pressas” – Lc 1, 39 (Ela vai ao encontro de Isabel):


“Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, às
pressas, a uma cidade da Judéia. Entrou na casa de Zacarias, e saudou Isabel”.

Com esse gesto, Maria nos diz: “o amor tem pressa”. Saímos de nossa zona
de conforto e vamos ao encontro do(a) outro(a). Isabel e Maria se abraçam
carinhosamente. Olhos nos olhos, coração a coração. Nessas duas mulheres
grávidas que cantam e dançam alegremente sentimos que somos geradores(as)
de vida, parturientes de uma nova sociedade. Cultivamos o afeto nas nossas
relações com os/as estudantes e nossos companheiros(as) de missão.
Celebramos a beleza da existência, apesar de tantos sinais de morte que nos
rodeiam. Abraçamos a esperança.

- “Mulher, minha hora ainda não chegou” – Jo 2, 4 (Ela incentiva Jesus ao


protagonismo): “Faltou vinho e a mãe de Jesus lhe disse: ‘Eles não têm mais
vinho!’ Jesus respondeu: ‘Mulher, que existe entre nós? Minha hora ainda não
chegou’. A mãe de Jesus disse aos que estavam servindo: ‘Façam o que ele
mandar’”.
O cântico de Maria (Lc 1, 46-55) é também o nosso canto. Como ela, aprendemos
a reconhecer que Deus faz em nós maravilhas! Então, brota a alegria incontida, o

24 Diretrizes das Ações de Solidariedade


louvor e ação de Graças. Quanto bem semeamos pela educação: a solidariedade
e a defesa dos direitos das crianças, dos adolescentes e dos jovens. Na missão,
defrontamo-nos também com muitas fragilidades humanas.

- “Bem aventurado os que creem” Jo 20, 29 (Símbolo da esperança e


cuidado): “A mãe de Jesus, a irmã da mãe dele, Maria de Cléofas, e Maria
Madalena estavam junto à cruz. Jesus viu a mãe e, ao lado dela, o discípulo
que ele amava. Então disse à mãe: ‘Mulher, eis aí o seu filho’. Depois disse ao
discípulo: ‘Eis aí a sua mãe’. E dessa hora em diante, o discípulo a recebeu em
sua casa”.

Vemos as consequências das múltiplas formas de violência contra as


mulheres, os afrodescendentes e as novas gerações. Inspirados(as) em Maria,
proclamamos com firmeza a misericórdia e o amor recriador de Deus. Ficamos
indignados com as injustiças sociais e estimulamos o protagonismo dos jovens
e dos pobres. Assim, vamos fazendo história, na certeza de que Deus é fiel e que
a sociedade pode e deve ser diferente: justa, inclusiva, solidária e sustentável.

Diretrizes das Ações de Solidariedade 25


26 Diretrizes das Ações de Solidariedade
CAPÍTULO 2: ORIENTAÇÕES
GERAIS DAS DIRETRIZES
DAS AÇÕES DE
SOLIDARIEDADE DA
PROVÍNCIA MARISTA
BRASIL CENTRO-NORTE

A Rede de Solidariedade do Brasil Marista é um projeto da União Marista do


Brasil (UMBRASIL), que visa ressignificar um valor fundacional muito caro para
a pedagogia e a missão do Instituto Marista: a Solidariedade. Esse valor faz parte
da nossa missão, que nos conduz às adaptações e às reestruturações sociais que
o mundo e as relações entre seus sujeitos realizam, o que possibilita trabalhar o
nosso carisma com ousadia e criatividade.

Nesse processo de ressignificar a Solidariedade para que o Brasil Marista possa


atuar para além muros das nossas unidades socioeducacionais, teremos a
possibilidade de incidirmos diretamente na dinâmica da educação pública, por
meio de projetos que contribuam para a qualificação desse espaço. Para isso, a
Rede está sendo construída a partir das seguintes premissas:

• A defesa e qualificação da educação pública e fortalecimento


do sistema de garantia dos direitos de crianças, adolescentes
e jovens do Brasil;
• A adoção, como objetivos centrais da Rede, do atendimento das
crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade
e exclusão social, a partir da educação pública de qualidade e
promoção do seu protagonismo;
• O fortalecimento de instrumentos participativos, de articulação
de atores afins e instâncias colegiadas de gestão pública e;
• Ações e serviços que promovam a autonomia e empoderamento
coletivos, fundamentados no Pacto Educativo Global, a
Economia de Francisco e orientações do Instituto Marista.

Diretrizes das
Diretrizes das Ações
Ações de
de Solidariedade
Solidariedade 27
Tais premissas orientam o trabalho unitário da ação de Solidariedade do Brasil
Marista, portanto, a formulação das diretrizes que passamos a elencar para o
desenvolvimento das ações de Solidariedade da Província Marista Brasil Centro-
Norte, aliadas aos princípios descritos no capítulo anterior deste documento, é
fundamentada no diálogo sobre essa temática conectada as três províncias do
Brasil, valorizando o trabalho que já está posto, assim como, contribuindo para
pensar novas possibilidades de fazer Solidariedade.

Diante desse cenário, destacamos, a seguir, três diretrizes centrais para a


solidariedade da Província Marista Brasil Centro-Norte:

Organizar a incidência Marista nos espaços de participação e


DIRETRIZ 1 formulação de Políticas Públicas.

• Focar na Advocacy ou Incidência Política em conselhos/


fóruns de tomada de decisão pública ou elaboração de
políticas sociais de garantia e promoção de direitos da
criança, adolescente e jovem;

• Organizar nossa intervenção tendo como instrumento uma


Escola de Formação para Incidência Política Marista
que defina o projeto estratégico e alinhe as intervenções em
conselhos, fóruns e instâncias de construção de políticas
públicas e;

• Priorizar a ação no campo público, do debate, da construção


de diagnósticos abrangentes sobre o impacto das políticas e
ações públicas - na constante construção de instrumentos
maristas de Produção de Conhecimento e Monitoramento
do Impacto Social das Políticas Públicas de garantia e
promoção de direitos - sobre a vida de crianças, adolescentes,
jovens e suas famílias.

28 Diretrizes das Ações de Solidariedade


Alinhamento entre os colégios e escolas educacionais sociais:
DIRETRIZ 2 estruturar os currículos para promoção do protagonismo infanto-
juvenil e para a cidadania ativa.

• Fomentar o alinhamento com escolas educacionais sociais


e colégios por meio do Currículo, reforçando conteúdos
atitudinais e estimulando a inteligência intrapessoal (do
autocontrole) e interpessoal (do relacionamento social).
Contudo, não se trata somente de um programa curricular
de formação integral, mas de promoção e interação com a
comunidade e sociedade e;
• Estimular a formação para a cidadania, para o protagonismo
infanto-juvenil. O currículo adotará como eixos a formação
para a ética, a pesquisa sobre o entorno escolar, as ações
solidárias entre estudantes de níveis distintos, a formação
para compreensão do funcionamento do orçamento público
- programa de Orçamento Participativo Criança e Jovem15
(com estudo e formulação de propostas para melhoria da
cidadania), fomentando e reforçando as Comissões das
Juventudes e o Voluntariado Estudantil em cada colégio e
escola educacional social.

15
O Orçamento Participativo Criança ou OP Criança trata-se de um projeto pedagógico que
envolve redes municipais de ensino nas quais, uma vez por semana, a grade horária de aulas
é dedicada ao estudo da realidade local, metodologia de pesquisa, aplicação de pesquisas
sobre problemas sociais no entorno escolar e discussão de soluções. Nas redes municipais de
ensino, são realizadas assembleias regionais das escolas públicas e, finalmente, a Conferência
Municipal de Crianças e Adolescentes.

Diretrizes das Ações de Solidariedade 29


Ir ao encontro do empobrecido, com o horizonte na ação
DIRETRIZ 3 comunitária, priorizando o fomento à construção da autonomia e
senso de coletividade.

• Garantir a presença em todas as comunidades no entorno


das escolas educacionais sociais e/ou colégios e comunidades
religiosas de Irmãos, junto às famílias atendidas,
acompanhadas por nossa ação, assim como, nos territórios
comunitários onde ainda não conseguimos chegar;

• Integrar ações evangelizadoras às frentes de ação solidária,


incidência política e programas curriculares por nós
desenvolvidos, por meio de parcerias e envolvimento dos
irmãos e leigos(as) com entidades eclesiais que são lideranças
nas comunidades e;

• Potencializar os espaços eclesiais e pastorais como encontros


sociais e comunitários de populações empobrecidas.

30 Diretrizes das Ações de Solidariedade


CAPÍTULO 3:
APONTAMENTOS FINAIS
DAS DIRETRIZES DAS
AÇÕES DE SOLIDARIEDADE

O capítulo que segue apresenta apontamentos para a construção de um


processo de transição para a implementação das diretrizes das ações de
solidariedade apresentadas. Trata-se de uma contribuição às instâncias que
elaborarão um Plano de Ação para efetivação das diretrizes. As proposições
sugeridas, enquanto marcos a serem perseguidos, procuram consolidar um
patamar organizativo que expressa as intenções de cada diretriz.

Assim, no que tange à incidência marista nos espaços de participação e


formulação de políticas públicas, elegem-se como propostas a formalização
de organizações que estruturam esta diretiva: instâncias de formação e
unificação dos colaboradores, de construção de referências e da organização de
dados e formatação das experiências internas num instrumento unificado de
monitoramento de impacto de políticas públicas.

No que diz respeito ao alinhamento entre os colégios e escolas educacionais


sociais, a proposição é a integração entre colégios maristas, escolas educacionais
sociais, ações de solidariedade, advocacy e ações de evangelização, na busca de
uma unidade a partir dessas múltiplas frentes. Uma unidade inspirada nas três
línguas sugeridas pelo Papa Francisco: a língua da mente, a língua do coração
e a língua das mãos.

A busca é por harmonia: “pensar o que se sente o que se faz; sentir bem o que
se pensa e o que se faz; e fazer bem o que se pensa e o que se sente” (SAYAGO,
2019, p. 16). São muitas possibilidades de construção da unidade, como a de
promover uma agenda comunitária entre família e escola a partir de projetos
que envolvam as famílias ou de visitas engajadas entre colaboradores e públicos
envolvidos com ações de advocacy, dos colégios e escolas educacionais sociais,
das ações de solidariedade e de evangelização. A visita engajada significa o

Diretrizes das Ações de Solidariedade 31


envolvimento proativo de uma frente em relação à outra, como parte de uma
agenda profissional e de compromisso institucional e social. Uma agenda
transdisciplinar e transituacional.

Finalmente, no que se relaciona à presença junto ao empobrecido para promover


a autonomia e senso de coletividade, a proposta é a definição de orientações
institucionais da Ação Evangelizadora Solidária nas comunidades que se
integrem às ações educativas (de colégios e escolas sociais e comunidades
religiosas; MCHFM e Animação Vocacional; à incidência política institucional
e às ações de solidariedade). A busca, aqui, é da integração de frentes a partir
da ação evangelizadora dos Maristas.

As proposições sugeridas se constituem num futuro a ser construído. Para tal


caminhada, indicamos ações e programas em andamento que sugerimos que
sejam preservados, por serem elementos constitutivos de cada diretriz e por
manter identidade com as proposições sugeridas (Semana Social Marista, SIM,
Comissão das Juventudes, Marista ENEM Social, Conexão Marista, Voluntariado
Estudantil e Voluntariado Interprovincial Marista).

Finalmente, indicamos um foco mais nítido e unificado de ações (como a


prioridade, nas ações de advocacy, da participação em fóruns e instâncias
da promoção de direitos de crianças, adolescentes e juventudes), ou
maior integração das missões a partir de uma frente de ação ou, ainda, a
universalização de uma prática/ação desenvolvida por uma ou outra unidade.
Neste caso, a orientação chave foi a convergência das missões e frentes de
trabalho na constituição de um patamar organizativo.

A solidariedade da Província Marista Brasil Centro-Norte está em nossas mãos.


Ela se ressignifica/concretiza a partir da história institucional e dos novos
cenários sociopolíticos, socioemocionais e socioambientais que as crianças, os
adolescentes e os jovens têm vivenciado. São com eles que serão construídos
caminhos que valorizem a pessoa como sujeito de direitos, na perspectiva de
priorização da cidadania ativa na ação educativa/evangelizadora das escolas,
colégios, famílias, comunidades religiosas e irmãos e no posicionamento pela
promoção humana de todos, especialmente, dos favoritos de Champagnat.

32 Diretrizes das Ações de Solidariedade


REFERÊNCIAS

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um projeto para nosso tempo. Tradução Manoel Alves, Ricardo Tescarolo. 2. ed.
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2016. 288 p.

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Solidariedade Marista nas Américas: crianças e jovens com direitos. Porto
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jeito de conceber a Educação Básica. Brasília: UMBRASIL, 2010.

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FURET. Jean-Baptiste. Vida de São Marcelino José Bento Champagnat /


[tradução: Ir. Ângelo Mizael Canatta]. - São Paulo: Loyola: SIMAR, 1999.

34 Diretrizes das Ações de Solidariedade


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