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1663 Gesec
1663 Gesec
ISSN: 2178-9010
DOI: http://doi.org/10.7769/gesec.v14i2.1663
The urban experiences of the black woman with her hair: indications of
difficulties in meeting the brazilian agenda 2030 SDGs?
1
Mestranda em Gestão, Inovação e Consumo, Universidade Federal de Pernambuco - Centro Acadêmico do
Agreste (UFPE-CAA), Av. Marielle Franco, s/n, Nova Caruaru, Caruaru - PE, CEP: 55014-900.
E-mail: vanessa.arcoverde@ufpe.br Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3372-4788
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Graduada em Design, Universidade Federal de Pernambuco - Centro Acadêmico do Agreste (UFPE-CAA),
Av. Marielle Franco , s/n, Nova Caruaru, Caruaru - PE, CEP: 55014-900. E-mail: iris.deliz@gmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2746-3569
3
Mestrando em Gestão, Inovação e Consumo, Universidade Federal de Pernambuco - Centro Acadêmico do
Agreste (UFPE-CAA), Av. Marielle Franco, s/n, Nova Caruaru, Caruaru - PE, CEP: 55014-900.
E-mail: alexandre.ambs@ufpe.br Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2166-2594
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Mestrando em Gestão, Inovação e Consumo, Universidade Federal de Pernambuco - Centro Acadêmico do
Agreste (UFPE-CAA), Av. Marielle Franco, s/n, Nova Caruaru, Caruaru - PE, CEP: 55014-900.
E-mail: pedro.felipe@ufpe.br Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1272-5677
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Doutoranda em Administração, Universidade Federal de Pernambuco - Centro de Ciências Sociais Aplicadas
(UFPE-CCSA), Av. dos Economistas, s/n, Cidade Universitária, Recife - PE, CEP: 50670-901.
E-mail: biianca_ferreira@hotmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7881-398X
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Mestrando em Gestão, Inovação e Consumo, Universidade Federal de Pernambuco - Centro Acadêmico do
Agreste (UFPE-CAA), Av. Marielle Franco, s/n, Nova Caruaru, Caruaru - PE, CEP: 55014-900.
E-mail: marcone.silva@ufpe.br Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0909-8844
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Doutora em Administração, Universidade Federal de Pernambuco - Centro de Ciências Sociais Aplicadas
(UFPE-CCSA), Av. dos Economistas, s/n, Cidade Universitária, Recife - PE, CEP: 50670-901.
E-mail: flavia.zimmerle@ufpe.br Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9210-7889
As vivências urbanas da mulher negra com o seu cabelo: indícios de dificuldades para o cumprimento dos 1809
ODS da agenda 2030 brasileira?
Resumo
A vida urbana, por sua relevância para a sustentabilidade do planeta, é alvo dos ambiciosos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organizações das Nações Unidas
(ONU), participando também da Agenda 2030 brasileira. Nesse trabalho, propomos refletir
acerca desse intento, uma vez que vivenciamos um cenário de racismo estrutural e sistêmico.
Olhamos para a mulher negra, pois sua condição envolve três variáveis que agem em
interseção definindo sua existência: o gênero, a raça e a classe social; nos ocupamos de uma
prática: a vivência capilar nos espaços cotidianos, por sua importância para a constituição
identitária. Nos questionamos: Como as vivências urbanas da mulher negra com o seu cabelo
sinalizam dificuldades para o cumprimento dos ODS da Agenda 2030 brasileira? Apoiados
na pesquisa qualitativa, nosso corpus formado por 60 documentos coletados em redes sociais
e por entrevistas em grupo focal com 4 mulheres negras. Baseados em uma análise de discurso,
procedemos as três principais etapas da análise qualitativa: a) o agrupamento em categorias;
b) análise das funções dos atos de fala; c) a triangulação e chegada às linhas de significação.
Nossos resultados indicaram que os espaços urbanos evidenciam uma face ameaçadora e que
espaços compartilhados se prestam para a construção da representatividade. Concluímos que
para reduzir a desigualdade, empoderando e promovendo a inclusão social, econômica e
política de todos, políticas públicas devem se ocupar, especificamente, do racismo.
Palavras-chave: Vivências Capilares da Negra. Racismo Estrutural. Desigualdade. Agenda
2030 brasileira.
Abstract
Urban life, due to its relevance to the sustainability of the planet, is the target of the ambitious
Sustainable Development Goals (SDGs) of the United Nations (UN), also participating in the
Brazilian 2030 Agenda. In this work, we propose to reflect on this intent, since we are
experiencing a scenario of structural and systemic racism. We look at the black woman,
because her condition involves three variables that act in intersection defining her existence:
gender, race and social class; we deal with a practice: the capillary experience in everyday
spaces, due to its importance for the constitution of identity. We ask ourselves: How do the
urban experiences of the black woman with her hair indicate difficulties in meeting the SDGs
of the Brazilian 2030 Agenda? Supported by qualitative research, our corpus is made up of 60
documents collected from social media and focus group interviews with 4 black women.
Supported by a discourse analysis, we proceeded with the three main stages of qualitative
analysis: a) grouping into categories; b) analysis of the functions of speech acts; c) the
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triangulation and arrival at the lines of meaning. Our results indicated that urban spaces show
a threatening face and that shared spaces lend themselves to the construction of
representativeness. We conclude that to reduce inequality, empowering and promoting the
social, economic and political inclusion of all, public policies must deal specifically with
racism.
Keywords: Black Women's Capillary Experiences. Structural Racism. Inequality. Brazilian
2030 Agenda.
Introdução
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de identidade e, quando se trata das mulheres negras, esse símbolo representa um contexto
histórico marcado por preconceitos e pela busca de representatividade social. Mesmo sendo
socialmente tratado com inferioridade e a ele sendo atribuídos nomes pejorativos, o cabelo
cacheado e crespo passou a ser considerado um símbolo da identidade negra (Gomes, 2019).
Para alguns autores, sendo o lócus privilegiado da diferenciação, inversamente, o significado
assumido pelo cabelo resultou em um maior fortalecimento da autoaceitação das mulheres
negras e, assumir a suas características, se tornou uma forma de resistência (Campestrini,
2016; Gomes & Arrazola, 2019). Segundo Fanon (1968, p.176):
O negro, que nunca foi tão negro como desde que está dominado pelo branco, quando decide provar a
sua cultura, fazer cultura, compreende que a história lhe impõe um terreno preciso, que a história lhe
indica uma perspectiva exata e tem de manifestar uma cultura negra.
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Seguimos Cruz e Figueiredo (2015) e adotamos o termo “salão étnico” para definir os salões de beleza
especializados em cabelos cacheados e crespos.
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Referencial Teórico
Desde 2015, a Agenda 2030 dos ODS foi assumida por cento e noventa e três Estados
vinculados a ONU e, do processo, participaram colaborativamente representações da
sociedade civil, dos governos, da iniciativa privada e de instituições de pesquisa. A Agenda
2030 possui dezessete ODS, cento e sessenta e nove metas, duzentos e trinta e dois indicadores
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padrões de beleza e dos discursos da moda (Quintão, 2013; Gomes, 2019). Com a melhoria
das condições de vida da população brasileira de baixa renda ocasionada pelos investimentos
dos últimos governos de esquerda, a procura por produtos gerou oferta e um mercado se abriu.
A mulher negra, no papel de consumidora, deseja vivenciar experiências de consumo
satisfatórias, sejam elas adquiridas na forma de produtos, serviços ou mesmo nos espaços em
que as práticas de consumo são empreendidas (Ndichu & Upadhyaya, 2018; Askegaard &
Linnet, 2011).
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consumidor faz suas escolhas fortemente pautado em suas interações sociais e, nessa prática,
influencia outros consumidores, em sua ação coletiva e cotidiana os valores de produtos e
serviços são recorrentemente coproduzidos. É na instauração de uma dinâmica intersubjetiva
que a prática de consumidores promove vários tipos de valor para os produtos e serviços com
os quais se envolvem (Catulli, Cook & Potter, 2017), o que se presta para organizar e definir
seus próprios espaços sociais a partir das práticas de consumo.
Miles (2010) discorre sobre os espaços de consumo como o lugar primordial para a
concretização de experiências de consumo, pois esses espaços oferecem para os consumidores
um espelho de si próprios, o que os ajudam a construir as suas próprias imagens, e a se
comunicar no meio social. As experiências vão desde o ato da compra até a questão simbólica
envolvida, como por exemplo, a sensação de liberdade de escolha e até mesmo a ideia de fuga
ou de escape da realidade.
Por sua vez, os ambientes de consumo passam a ser projetados em torno dos
conceitos/resultados do consumo cultural, pois eles objetivam estabelecer identificações,
gerar significados e proporcionar experiências relevantes tanto no meio coletivo como no
individual. Esse cenário é possível porque o espaço tanto adquire significados para
comunidades ou movimentos, como também proporciona experiências únicas para cada
consumidor, podendo ser assumido como a afirmação mais concreta de um processo de
experiências (Miles, 2010).
Assim, o espaço de consumo alcança uma grande relevância para os consumidores,
pois se associa aos seus projetos, ao próprio produto consumido, caracterizando-se como uma
“manifestação física de uma ideologia vivida” (Miles, 2010, p. 07). Os consumidores se
identificam e vão em busca desses espaços com objetivos próprios - alguns estreitamente
vinculados às suas ideologias de vida, objetivam constituir identidades e socialidade,
evidenciar o seu lugar no mundo e encontrar as respostas para as suas questões. Logo, o
consumo e suas experiências como um meio de auto realização, se revela uma prática social
que possui um caráter estritamente cultural (Miles, 2010; Slater, 2002).
Procedimentos Metodológicos
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seus cabelos no espaço urbano, o corpus dessa pesquisa foi formado por corpora diferentes
para comparação (Bauer & Aarts, 2002). Procedemos a dois tipos de coleta: entrevista em
grupo focal e documentos contendo depoimentos coletados em postagens do Instagram e
Facebook.
Para coleta documental, estabelecemos por critério que o sujeito deveria ser: mulher,
negra, moradora de Caruaru, praticar ativismo em seu perfil nas redes sociais e se afirmar
consumidora de serviços de salões étnicos. Quanto ao conteúdo da postagem, ele deveria
conter depoimentos acerca de experiências cotidianas em espaços urbanos dadas com cabelos.
Sessenta documentos foram coletados entre abril de 2021 e junho de 2022.
Para a coleta do dado primário, o grupo focal foi escolhido por ser uma técnica
considerada privilegiada para coletar experiências (Freitas & Oliveira, 2006). No grupo focal
o pesquisador interage com os integrantes, de modo que eles possam fornecer informações
históricas, sociais, culturais de seus cotidianos sobre o tema. O processo permite que o
pesquisador possa moderar a linha de questionamento abordada (Creswell, 2010).
Nessa etapa, o corpus foi formado por 4 entrevistadas moradoras da cidade de Caruaru-
PE. Optamos por um grupo pequeno e um tempo mais longo em cada encontro visando
aprofundar a partilha de percepções acerca do tema (Freitas & Oliveira, 2006). As entrevistas
em profundidade foram conduzidas por 3 pesquisadores e realizadas em 2 dias. As
respondentes foram escolhidas por serem ativistas e frequentadoras dos salões étnicos. Elas
foram localizadas através da rede social Instagram, no qual explicitaram sua relação com os
mesmos três salões de beleza étnicos localizados na cidade. Porém, ainda sob efeitos da
pandemia da COVID-19, pela dificuldade de efetivar encontros presencialmente, optamos por
realizar o grupo focal por meio de videoconferências.
O roteiro da entrevista foi montado de modo a fazê-las contar livremente suas
experiências de consumo com os três salões de beleza étnicos em questão, bem como
incentivando-as a narrar sua vivência em relação as características de seu cabelo e como se
deu sua relação e cuidados com ele durante sua trajetória de vida em contextos cotidianos. As
entrevistas foram transcritas em sua integralidade.
Para realizar a interpretação dos dados utilizamos a análise de discurso classificada
por Gill (2002, p.246) como sendo pertencente a uma ampla tradição analítica “influenciada
pela teoria do ato de fala, etnometodologia e análise da conversação. [...] estas perspectivas
acentuam a orientação funcional, ou a orientação da ação que o discurso possui” no contexto
em que são pronunciadas, ou seja, se interessa pela finalidade do que é dito nas interações.
Para Gill (2002), como os processos analíticos de estruturação de dados e da
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construção interpretativa são voltadas a buscar respostas para o problema de pesquisa, eles
devem estar correlacionados. Portanto, nos apoiamos nas três principais etapas da análise
qualitativa (Gil, 2008): a) agrupamento, organização e categorização dos dados obtidos em
cada corpora; b) análise das funções dos atos de fala existentes no interior de todas as
categorias; c) Por fim, como os corpora têm o mesmo tema e fim específicos, consideramos
a sua conformidade, por meio da comparação (Bauer & Aarts, 2002), realização da
triangulação e chegada às linhas de significação decorrentes dos padrões encontrados.
Para segunda etapa da análise buscamos evidenciar a função ou intuito de cada ato de
fala no contexto interativo, por considerar que todo discurso é político, portanto, sempre
exerce uma ação no campo discursivo. Identificamos nessa fase analítica cinco funções
existentes nos depoimentos proferidos em cada categoria (vide o Quadro 2).
Função Descrição
Depor Refere-se a uma prática de incentivo/apoio comum à comunidade das mulheres
negras: elas narram suas experiências com intuito de demonstrar a possibilidade de
superação (em suas palavras: cicatrização) das feridas ou dores que lhe foram
abertas.
Apoiar-se mutuamente Envolve a ação efetuada com intento de fortalecer pessoas negras, seja financeira,
jurídica ou moralmente. Nessa função surgem ações de cunho pedagógico voltadas
para a vida e/ou para aspectos profissionais.
Confiar Envolve a crença nas pessoas, em seu conhecimento e/ou na sua prática profissional
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As mulheres negras sofrem, desde cedo, menosprezo social e/ou assédio por causa suas
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características corporais, sendo o seu cabelo um dos alvos mais frequentes de ataque. O espaço
público, o virtual e, por vezes, o espaço doméstico se revelam um desafio constante em termos
da pressão exercida sobre tais características, no sentido de uma plena construção de sua
representatividade.
A seguir ilustramos como o espaço público é citado com as funções: sentir-se
pressionada e precaver-se. Os trechos são numerados, localizando a respondente.
Sobre tirar e botar de novo as tranças. É muito real, porque assim, a gente sabe que não é barato, a gente
fica feliz, a autoestima muda. Mas, não é barato. Eu lembro da primeira vez eu gostei tanto que eu não
queria voltar a receber aqueles comentários negativos sobre o meu cabelo natural, sem as tranças (E1).
Questão da identidade. Essa questão eu acho meio nebulosa, porque assim: eu me intitulo como mulher
não branca, mas eu acho forçado eu dizer que sou uma mulher negra; eu acho forçado eu ocupar lugares
que são extremamente estigmatizados e eu dizer simplesmente assim: a aqui ó, sou negra também,
também quero, também vou entrar numa cota, vou fazer um lugar de fala aqui. Eu sei que obviamente
aqui no Brasil eu não sou uma mulher branca, mas eu me sinto um pouco desconfortável em entrar
nessas pautas (E3).
Como vemos, ter direito a política de cotas para entrada na Universidade exige uma
declaração de que se é negra, o que parece ainda constranger a respondente. No contexto de
fala ela demonstra que isso se deve as suas vivências com a violência racista. O direito é
garantido por lei, mas ela optou por não utilizar. Apesar De Castro (2022) ter identificado que
essa política aumentou significativamente o número de negros com formação superior no pais,
aqui indicamos que muitos podem ter se colocado à margem desse direito.
O espaço público também se coloca como lugar de vivências de desestímulo. Os
trechos a seguir ilustram como isso se dá:
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A minha transição durou 1 ano e 2 meses, porque era o tempo todo piadinha dentro e fora de casa... Eu
nunca pensei que uma pessoa com cabelo grande pudesse passar por isso ... mas não era o cabelo grande,
era o de ser cabelo grande CRESPO, tem esse adjetivo que estava ali, e que fazia toda diferença (E2).
Eu só queria alguma coisa que resolvesse, se alguém chegasse para mim e dissesse assim: é R$ 1.000,00
(mil reais), mas a gente vai resolver o seu problema, você não vai sofrer na transição. Eu pagaria, assim
eu vendia, a geladeira, mas eu pagaria (E3).
Uma coisa que me incomodou bastante, é... Essa coisa do... de também existir o cabelo correto. Sabe?
Eu vejo muito isso no discurso das blogueiras, apesar de elas não dizerem claramente, mas existe sim
um cabelo correto, um cabelo assim: que é sem frizz, um cabelo que tem uma onda perfeita (E3).
Eu coloquei Lace, e durou assim - um dia, para mim foi terrível. Essa experiência de colocar um negócio
artificial no meu cabelo e achar bonito. Assim, artificial não, porque trança não é artificial, vocês
entenderam o que eu quis dizer, botar um negócio diferente, fazer um penteado e tal. Porque eu fiquei
horrorosa, parecia uma peruca, ficou muito artificial ... meu marido me chamou de Luis XIV, eu fiquei
muito constrangida, minha mãe olhava para mim e ria. Então durou 1 dia (E1)
Essa é a segunda vez que eu estou fazendo transição, no começo da pandemia, eu comecei, por questões
práticas mesmo, porque eu passei acho que mais de um ano em casa. Assim, total em casa, então eu não
ia... eu achava uma hipocrisia eu ir para o salão fazer um negócio no cabelo. Mas eu desisti da transição
por alguns comentários de mainha e do meu marido. Por incrível que pareça as piores coisas que eu
lembro, assim, em relação a cabelo, são de dentro de casa mesmo. Isso é horrível! (E3)
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Figura 2 – E o cabelo?
Fonte: Arquivo de pesquisa, 2023.
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E elas falaram um pouco, muito assim também de história, sabe? De história mesmo, além de empoderar
muito, dessa questão da história, da importância que tem os penteados para a gente (E2)
Por sua vez, os salões de beleza se mostraram um lugar de acolhimento. A forma como
os salões de beleza étnicos promove a beleza e se pautam em conhecimentos da ancestralidade
negra ao realizarem serviços de cuidado para cabelos crespos/cacheados que não é encontrada
em outros salões. As consumidoras se identificam com o serviço personalizado. A experiência
de consumir serviços no salão étnico assume caráter pedagógico, pois revela um envolvimento
com a cultura ancestral africana que esteve muito presente nos discursos durante a feitura de
uma trança, por exemplo, histórias que são comuns e parte do espaço de memória da mulher
negra em suas relações com familiares. A prática de buscar ensinar sobre a historicidade dos
cuidados e penteados pautadas na ancestralidade, evidenciou-se como uma estratégica
importante nos espaços de consumo. Essa foi uma constante no cenário discursivo,
desenvolveu novos entendimentos acerca da relevância de assumir as características naturais
dos cabelos, demonstrando esse como um exercício de resistência a ser assumido pelo negro,
sendo essas funções de acolhimento e apoio mútuo.
Apesar de, muitas vezes, ao longo da vida dos negros, o cabelo natural não ter sido
socialmente considerado um cabelo bonito ou recebedor de cuidados, ele descobre no espaço
comercial um lugar de pertencimento, um grupo acolhedor que entende suas dificuldades e
sabe aconselhar acerca do como e porque fazer, além dos cuidados que se deve ter na
manutenção de seus cabelos. Essa importância do espaço comercial para o sentir-se acolhida
pode ser vista no depoimento a seguir:
Assim, oh... Também é uma questão de cultura, sabe? Porque você não vai para o salão só para fazer
um penteado. Tem história, minha gente. Aí, eu aprendi que as tranças elas também eram usadas pelas
negras para guardar sementes para os negros que tinham fugido. Então, elas tiravam as sementes que
estavam nas tranças enroladas, para que eles pudessem plantar e se alimentar. Não é só mostrar que é o
cabelo a estética, é a cultura, isso traz uma mensagem de sobrevivência sobre isso, sabe? Não só estética.
Isso eu aprendi lá. (E2).
Prioridade!! Tratamento, acolhimento que você tem no salão crespo especializado é outra coisa. Porque
são pessoas que tem a mesma, é…, você se identifica né? São pessoas que você se identifica, que tem
basicamente assim, passou por experiências parecidas com as que você passou (E1)
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Porque lá eles são negros, eles sabem como é a luta do cabelo crespo. Eles têm muitas dicas. Então, isso
foi muito importante (...) então, o legal, eu não fui no salão só para botar uma trança, eu fui também
aprender e criar estratégia e me preparar para o que estava por vir (E1).
Aí ela me deu algumas dicas que foram bem… que ficaram marcadas para mim, sabe? Eu enxugava o
cabelo muito para poder fazer uma finalização e ela disse que é sempre fazer a finalização com o cabelo
molhado, ensopado para poder ficar, aquele uma pegada mais nos cachos. E isso ajudou muito, porque,
as vezes a gente só usa amarrado para sair, porque não sabe fazer a finalização, para deixar bonito...
Porque é bonito! (E3)
Claro que o serviço lá é mais caro, não é a mesma coisa que uma escova, a gente passa o dia as vezes...
aí é caro, mais vale a pena. E eu prefiro fazer o serviço com mulher negra, assim... pagar para outra
mulher negra, vê o negócio dela dá certo, porque as oportunidades não são muitas pra gente né, e é bom
demais ajudar as manas! (E4)
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O movimento Black Money nasceu nos Estados Unidos e vem sendo ressignificado
por afrodescendentes brasileiros. Ele objetiva incentivar a circulação mais consciente do
capital, gerando oportunidades para os negros e diminuindo as desigualdades financeiras. Suas
campanhas pregam a ideia de pretos comprarem de pretos e, em seus perfis em redes sociais
divulgam produtos e serviços de empresários negros.
A Figura 4 revela como o espaço corporal teve por função apoiar-se mutuamente por
meio da narração de histórias, parte da ancestralidade já mencionada:
A última relação entre categorias e funções dessa linha de sentidos, trata como o espaço
corporal tem por função depor. A prática de depor com relação a proferir depoimentos acerca
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de vivências difíceis é bem comum, especialmente, nas redes sociais digitais. Por meio de
depoimentos sobre feridas abertas pelo racismo e como conseguiu superá-las, os negros se
apoiam, se consolam e constroem esperança de mudanças. O exemplo, em parte já
apresentado, ilustra a relação (figura 5).
Como vemos, a promoção de uma beleza antes negligenciada (Gomes, 2019), passa
por processos de auto aceitação, envolve a transição capilar e os espaços de convívio urbano
da mulher negra; a complexidade contextual participa do processo de ressignificação de
identidade cultural, pois a construção envolve diversas questões histórico sociais, o gênero, a
raça e a situação econômica.
Figura 5: E o cabelo?
Fonte: Arquivo de pesquisa, 2023.
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ODS da agenda 2030 brasileira?
indústria de consumo uma representação em seus serviços de uma forma genuína e satisfatória
(Soares, 2021).
Se por um lado, partindo do pressuposto que o consumo se dá por desejos distintos que
envolvem questões culturais coletivas (Woodward, 2000), os dados indicam que em espaços
compartilhados estamos caminhando para uma consciência étnica mais politizada, que
respeita e valoriza as diferenças, ao menos no interior do grupo racial; por outro lado, os
espaços urbanos inclusive com algumas práticas domésticas, ainda ameaçam a existência das
mulheres negras, dificultando a auto aceitação, fase inicial de qualquer mudança efetiva em
uma realidade opressora.
Considerações Finais
Nesse artigo buscamos identificar como a experiência de consumo nos salões étnicos
caracteriza o cenário da exclusão racista e como isso afeta os ODS da Agenda 2030 brasileira.
Diante dos discursos analisados e resultados obtidos, identificamos duas linhas de sentidos a
partir dos espaços de vivências das mulheres negras com seus cabelos: uma favorável a
construção da representatividade e outra desfavorável, portanto, dificultadora de uma vida
urbana mais justa e inclusiva. Se a vida urbana é alvo dos ODS na agenda brasileira para 2030,
um trabalho de base ainda precisa ser feito em relação ao racismo estrutural de modo
específico, para além de contemplar as questões de gênero e de classe social.
De um total de 254 Indicadores, grande parte não apresenta dados no site oficial9. No
Objetivo 5- Igualdade de gênero, O Indicador 5.5.2 - Proporção de mulheres em posições
gerenciais, ainda revela que até 2019 os homens ainda eram maioria e, entre as mulheres, as
pretas ou pardas representam praticamente a metade delas. Vinte e um são os indicadores
brasileiros para o Objetivo 10 – redução das desigualdades. O indicador 10.1.1 - Taxa de
crescimento das despesas domiciliares ou rendimento per capita, aponta que em 2020 e 2021
tivemos um percentual negativo, uma queda para -2 pontos percentuais. Especificamente, os
dados do Indicador 10.21, apresenta que, entre os anos 2012 e 2019, tivemos um aumento na
proporção de homens e mulheres vivendo abaixo de 50% do rendimento mediano. Por fim, o
Indicador de igualdade, que revela os dados de práticas discriminatórias, não está disponível.
O Objetivo 16 – Paz, justiça e Instituições eficazes possui 10 Indicadores. O Indicador
16.13 – proporção da população sujeita à violência física, psicológica ou sexual no último
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Disponível em: https://odsbrasil.gov.br/objetivo10/indicador1021
Revista Gestão e Secretariado (GeSec), São Paulo, SP, v. 14, n. 2, 2023, p. 1808-1831.
As vivências urbanas da mulher negra com o seu cabelo: indícios de dificuldades para o cumprimento dos 1828
ODS da agenda 2030 brasileira?
ano, revela que, na totalidade brasileira, os pretos e pardos adultos são a esmagadora maioria
vitimada; que os negros lideram a formação percentual da população com menor rendimento
mensal domiciliar per capta, e que a maioria, são do sexo feminino.
Como consumidoras, as mulheres negras agem e se apoiam coletivamente,
compartilham dos mesmos sentimentos, objetivos e lutam em busca de representatividade. Tal
como analisa Ferreira (2017), o espaço comercial instalado nos bairros da cidade, se revelaram
importantes espaços de vivências e de trocas interativas. Segundo Gomes (2019), esses são
espaços socioculturais, corpóreos, voltados para a estética e identidade negra, no qual o seu
maior objetivo é valorizar a beleza negra, compartilhando conhecimento acerca dos cuidados
e consequentemente da manutenção do cabelo cacheado/crespo. Tais espaços, na visão da
autora, contribuem para a construção de uma consciência racial, uma vez que produzem os
sentidos da negritude por meio da relevância que o cabelo adquiriu nesse contexto. Assim, as
mulheres negras se ajudam no fortalecimento da autoestima. Contudo, se o ideário é reduzir a
desigualdade, empoderando e promovendo a inclusão social, econômica e política de todos,
isso é insuficiente. Concordamos com Buss (2007): políticas públicas devem se ocupar
especificamente do racismo para promover espaços urbanos mais justos, portanto, uma vida
urbana socialmente sustentável. Assim, corroboramos que os salões de cabelo afro são espaços
importantes de construção de vivência coletiva na diminuição dos estigmas para mulheres
negras de que elas têm cabelos feios ou difíceis de serem cuidados, como também na própria
construção da sua consciência racial e da negritude.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio das seguintes instituições: Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento
001, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação
de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE).
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