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TEOLOGIA DA
REFORMA
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor Executivo de EAD
William Victor Kendrick de Matos Silva
Pró-Reitor de Ensino de EAD
Janes Fidélis Tomelin
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
SEJA BEM-VINDO(A)!
Olá, amigo(a)! Bem-vindo(a) a nossa disciplina de História da Teologia da Reforma, no
Bacharelado em Teologia da Unicesumar. É um grato privilégio compartilhar com você,
neste fascinante caminho da teologia, conceitos teóricos e motivadores como resultado
de uma pesquisa em minha carreira acadêmica.
Meu desejo é que este estudo possa estimulá-lo(a) a compreender melhor um dos mo-
mentos mais sublimes da história da Igreja e a formação de seu pensamento constituti-
vo, com a finalidade de você criar sua própria apreciação da tradição Reformada.
Infelizmente, o espaço e o tempo de que dispomos para o estudo do conteúdo e as
vertentes do assunto não permitem que todos temas sejam incluídos. O interesse e a
tarefa de um docente é buscar temas que possam inspirar e levar a um aprendizado
mais eficaz, dentro do tempo que este curso dispõe. Espero, assim, motivá-lo(a) para um
progredir constante, com leituras e pesquisas que encorajo que as façam.
Nesta disciplina, selecionei para nosso trabalho um conjunto de cinco temas, que cons-
tituem cinco unidades subdivididas em tópicos que julguei relevantes e imprescindíveis
para seu aprendizado acadêmico.
Nossa ênfase aqui é dar os aspectos históricos que afetaram de alguma maneira a cons-
trução dos pensamentos reformados. Noutro momento você estudará tópicos da pró-
pria teologia reformada, aqui serão apontados temas rapidamente, pois o propósito
desta disciplina é abrir essa porta para o mundo reformado desde o contexto histórico.
Espero que esta disciplina, com seus temas estudados, seja um trabalho conjunto abenço-
ador, e que juntos possamos crescer no conhecimento da sola scriptura, da sola gratia, da
sola fide e, sobretudo, do solus Cristus. Que o Senhor nos capacite e habilite para esta tarefa.
Na unidade um estudaremos a Gestão e a História da Reforma protestante, pois o pensa-
mento reformado não pode ser compreendido sem a história e o contexto em que se deu.
A seguir, na segunda unidade, a ênfase será ligar a história com o que pode ser conheci-
do como o “ethos” reformada, ou seja, aos grandes temas que caracterizaram o jeito de
ser reformado.
Na unidade três é preciso apontar o pensamento reformado construído desde os gran-
des reformadores, Zwinglio, Calvino e outros e como aconteceu o desenvolvimento do
pensamento reformado.
Seguindo na mesma linha a unidade quatro, visa observar de forma a esclarecer do que
veio após Calvino, a expansão e a difusão do pensamento reformado no mundo e como
chegou ao Brasil.
Finalmente, a unidade cinco busca apontar o impacto e a natureza reformada e para
onde caminha diante dos desafios contemporâneos.
Soli Deo Gloria! (somente a Deus a Glória)l
Bons Estudos!
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SUMÁRIO
UNIDADE I
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
15 Introdução
16 O Contexto do Tempo
26 Os Contextos Teológicos
44 Outras Reformas
52 Considerações Finais
57 Referências
58 Gabarito
UNIDADE II
61 Introdução
74 Pregação e Pastoral
97 Considerações Finais
102 Referências
103 Gabarito
UNIDADE III
107 Introdução
138 Referências
139 Gabarito
UNIDADE IV
143 Introdução
182 Referências
183 Gabarito
UNIDADE V
187 Introdução
228 Referências
229 Gabarito
230 Conclusão
Professor PhD. Silas Barbosa Dias
I
UNIDADE
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar a gestação histórica da tradição reformada.
■ Expor e discutir o contexto em que foi gerada a reforma e o lugar
recursivo das 95 teses de Martinho Lutero.
■ Debater as difusões do pensamento reformado pós Calvino.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ O Contexto do Tempo
■ A Gênese de uma Época
■ Os Contextos Teológicos
■ Lutero e seu Protesto
■ Questões Teológicas fundamentais
■ Outras reformas
15
INTRODUÇÃO
Reforma é uma palavra curiosa. Tem o sabor de “mudança” sobre ela - re-forma.
Menos frequentemente associada à “revolução”. Contudo, quando Martinho
Lutero protestou contra certas práticas da Igreja Católica em 1517 e tentou refor-
mar, ele, sem saber, desencadeou uma das maiores revoluções já conhecidas.
Esta unidade explica como este bem-intencionado monge de uma pequena
cidade na Alemanha rearranjou a arquitetura espectro religiosa no mundo oci-
dental. Começaremos explicando o contexto de um tempo, o Século XV, e a
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queixa que Lutero fez protestando contra tudo o que não vinha das Escrituras.
Em seguida, devemos descrever o próprio protesto que Lutero expressou
com tamanha clareza e grandeza. Precisamos, com isso, dar os primeiros passos
para dentro da teologia Reformada, pois não podemos falar em teologia refor-
mada, sem antes olhar para a reforma.
Naquele período, não é importante apenas ver os protestantes em protesto,
mas ver também como foi a contra-reforma, ou seja, qual a reação Romana contra
eles. Ver os Reformadores vindo com a força gloriosa de uma teologia substan-
ciada na Palavra e no Espírito Santo.
Finalmente, precisamos, além de repassar por uma galeria de heróis refor-
mados, também compreender algo mais, o futuro da própria teologia reformada.
Qual o caráter essencial da mudanças que Lutero desencadeou, em especial quanto
a um novo conceito de salvação - pela fé. Tema que foi o coração da revolução
implementada por Martinho Lutero.
Com estas sementes, nasce o mundo moderno, uma nova forma de pensar
acontece – cria-se de fato uma nova civilização. Esta é a história: a reforma e os
reformadores criaram uma civilização.
Entendi algo único e expresso nessa assertiva de um teólogo reformado bra-
sileiro, Godoy Sobrinho: “Teologia é um falar de Deus, na Sua presença e para
a sua Glória, na Igreja, com a Igreja e pela Igreja”.
Introdução
16 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O CONTEXTO DO TEMPO
A moral de Leão X era boa em meio à imoralidade, sua natureza, inclinada para
uma alegria simpática e autêntica, deu exemplo de felicidade a uma cidade, que
um século antes tinha sido decadente e desolada. Todos os erros dele foram
superficiais, exceto sua superficialidade.
Leão X fazia pouca distinção entre os bens de sua família e os da Igreja e
gastou os fundos do papado com poetas e guerras discutíveis. Era normalmente
tolerante: apreciou a sátira contra os eclesiásticos no Elogio da Loucura de Erasmo
e executou com interrupções esporádicas o acordo tácito pelo qual a Igreja da
Renascença concedia liberdade considerável a filósofos, poetas e sábios que se
dirigiam, geralmente em latim, à minoria letrada, mas que deixavam inalterada
a fé insubstituível das massas.
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
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esses países estavam sendo sugados de suas riquezas, que as economias nacio-
nais estavam transtornadas pelas campanhas frequentes para canalizar dinheiro
para Roma, onde os reis eram poderosos.
Leão era prudente: concordou em que Henrique VIII retivesse um quarto
dos lucros na Inglaterra; adiantou um empréstimo de 170.000 ducados ao rei
Carlos I (mais tarde imperador Carlos V) contra as coletas em expectativa na
Espanha; e Francisco I deveria ficar com parte da quantia levantada na França.
A Alemanha recebeu tratamento menos benigno, pois não tinha monar-
quia forte para negociar com o Papa. Entretanto, o imperador recebeu a modesta
quantia de três mil florins das receitas, e os Fugger deveriam retirar das cole-
tas os 20.000 florins que tinham emprestado a Albrecht de Brandemburgo para
pagar o Papa por sua confirmação como arcebispo de Mogúncia.
Infelizmente essa cidade perdera três arcebispos em 10 anos (1504-1514) e
pagará duas vezes pesados emolumentos de confirmação. Para livrá-Ia de pagar
uma terceira vez, Albrecht fez um empréstimo (DURANT, 1957).
Então, Leão concordou que o jovem prelado dirigisse a distribuição das indul-
gências em Magdeburgo e Halbersradt, assim como em Mogúncia. Um agente dos
Fugger acompanhava cada um dos pregadores de Albrecht, verificava as despe-
sas, receitas e conservava uma das chaves do cofre forte que guardava as quantias.
Durant (1957) escreveu que o principal agente de Albrecht era Johann Tetzel,
frade dominicano que conseguira habilidade e fama como coletor de dinheiro. Desde
1500, sua ocupação principal tinha sido dispor das indulgências. Geralmente, nes-
sas missões, o agente recebia auxílio do clero local: quando entrava em uma cidade,
uma procissão de padres, magistrados e leigos piedosos recebia-o com bandeiras,
O Contexto do Tempo
18 UNIDADE I
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os teus pecados, transgressões e excessos,por mais enormes que sejam, e
até dos que são reservados ao julgamento da Santa Sé; e até onde se esten-
derem as chaves da Santa Igreja, redimo-te de todo o castigo que mereças
no purgatório em nome delas, e te reintegro nos santos sacramentos da
Igreja [...] e naquela inocência e pureza que possuías no batismo; de modo
que quando morreres os portões do castigo estarão fechados, e os portões
do paraíso de delícias estarão abertos; e se não morreres agora, esta graça
continuará em plena força quando estiveres a ponto de morrer. Em nome
do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo! (DURANT, 1957, p. 284).
Este negócio esplêndido estava em harmonia com a concepção oficial das indul-
gências para os vivos. Tetzel estava outra vez dentro da letra de suas instruções
arquiepiscopais quando dispensou a confissão preliminar se o contribuinte apli-
casse a indulgência a uma alma do purgatório.
Não há dúvida de que Tetzel, segundo o que considerava como suas ins-
truções autorizadas, declarou, como doutrina cristã, que não se exigisse nada
além de uma oferta em dinheiro para se obter a indulgência para os mortos, não
havendo qualquer necessidade de contrição ou confissão.
Também ensinava, de acordo com a opinião então vigente, que uma indul-
gência podia ser aplicada a qualquer alma com efeito infalível. Partindo deste
princípio, não há dúvida de que sua doutrina era virtualmente aquela do drás-
tico provérbio: “Logo que o dinheiro soa, a alma do fogo do purgatório voa”,
(DURANT, 1957, p. 285)
No entanto, é preciso ser justo quanto a isso, afirmando que a bula papal de
indulgência não dava qualquer sanção a este propósito. Era uma vaga opinião esco-
lástica, e não uma doutrina qualquer da Igreja. Myconius, frade franciscano, talvez
hostil aos dominicanos, ouviu Tetzel agir e contou, a respeito desse ano de 1517:
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
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É incrível o que esse monge ignorante disse e pregou. Deu cartas se-
ladas que declaravam que até os pecados que um homem tencionava
cometer seriam perdoados. O papa, dizia ele, tinha mais poder do que
todos os Apóstolos, todos os anjos e santos, mais até do que a própria
Virgem Maria; pois estes eram todos subordinados a Cristo, mas o papa
era igual a Cristo [...] (DURANT, 1957, p. 285 ).
Isto é provavelmente exagero, mas que tal descrição pudesse ser feita por uma
testemunha ocular, sugere a antipatia que Tetzel despertou.
Hostilidade semelhante aparece no comentário citado ceticamente por Lutero,
o qual contava que Tetzel dissera em Halle que mesmo uma pessoa que tivesse
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O Contexto do Tempo
20 UNIDADE I
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ponsabilidade pelos excessos dos pregadores, mas acrescentava perfidamente que
Esta pregação desenfreada de perdões transforma em problema nada
fácil, até para homens sábios, salvar a reverência devida ao papa das
[...] perguntas astutas da laicidade, a saber: Por que o papa não esvazia
o purgatório em nome do amor sagrado e da necessidade cruel das al-
mas que ali estão, se ele redime um [...] número de almas em nome do
dinheiro miserável com que construirá uma igreja?
Para certificar-se de que essas teses seriam amplamente entendidas, Lutero fez
circular uma tradução alemã entre o povo. Com um audácia que lhe era caracte-
rística, enviou um exemplar dessas teses ao arcebispo Albrecht. Delicada, piedosa
e involuntariamente - a Reforma tinha começado.
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
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as almas à condenação irremediável. A concepção de Deus que lhe tinha sido
incutida quase não continha qualquer elemento de ternura e a figura conso-
ladora de Maria tinha pouco lugar naquela teologia de medo. Jesus não era
o filho amante que não podia recusar coisa alguma a Sua mãe, era o Jesus do
Juízo final, tantas vezes representado nas igrejas, o Cristo que ameaçara os
pecadores com o fogo eterno.
O pensamento insistente do inferno obscurecia um espírito intensamente
religioso para esquecê-lo no sabor e na torrente da vida. Um dia, quando
regressava da casa do pai para Erfurt, em Julho de 1.505, foi surpreendido
por uma tempestade tremenda. O raio brilhou perto dele e bateu em uma
árvore próxima.
Pareceu a Lutero um aviso de Deus, de que a menos que dedicasse seus pen-
samentos à salvação, a morte haveria de surpreendê-lo sem confissão, e, assim,
estaria condenado. Onde poderia viver uma vida de devoção salvadora? Somente
onde quatro paredes excluíssem, ou a disciplina ascética sobrepujasse, o mundo,
a carne e o diabo: somente em um mosteiro. Fez um voto a Santa Ana de que se
sobrevivesse a essa tempestade, se tornaria monge.
Havia 20 claustros em Erfurt. Escolheu um que era conhecido pela fiel obser-
vância das regras monacais - o dos Eremitas de Santo Agostinho, ou Agostinianos.
Reuniu os amigos, bebeu e cantou com eles pelo que disse ser a última vez, e,
no dia seguinte, foi recebido como noviço em uma cela de mosteiro. Executava
as tarefas mais baixas com orgulho e humildade. Declamava as orações em uma
repetição auto-hipnotizadora, num cubículo frio, jejuava e flagelava-se, na espe-
rança de expulsar os demônios do corpo.
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
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Uma vez, tendo ficado sem aparecer durante vários dias, uns amigos forçaram a
cela e encontraram-no desmaiado no chão. Tinham levado um alaúde; um deles
tocou-o; Lutero despertou e agradeceu-lhes. Em setembro de 1506 fez os votos irre-
vogáveis de pobreza, castidade e obediência e, em maio de 1507, ordenou-se padre.
As leituras que Lutero fazia dos místicos alemães, principalmente de Tauler,
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sem mortos para que pudesse livrá-los do purgatório. Visitou o Fórum Romano,
mas parece que ficou insensível ante a arte da Renascença com que Rafael, Miguel
Ângelo e uma centena de outros principiavam a adornar a capital.
Entretanto, dez anos mais tarde, e ainda mais nas reminiscências às vezes
imaginosas de suas conversas íntimas da velhice, descreveu a Roma de 1510 como
“uma abominação”. Os papas, piores do que imperadores pagãos, e a corte papal
“servida à ceia por 12 moças nuas” (DURANT, p. 289).
É muito provável que não tivesse entrado nos altos círculos eclesiásticos, não
tendo conhecimento direto de sua moralidade indubitavelmente fácil.
Para compreendermos esse processo que iria atingir os reformadores,
depois do regresso a Wittenberg (fevereiro de 1511), Lutero avançou rapida-
mente na escala pedagógica e tornou-se vigário-geral provincial de sua ordem.
Dava cursos sobre a Bíblia, pregava regularmente na igreja paroquial e desem-
penhava as funções do cargo com habilidade e devoção. Disse um destacado
erudito católico:
Suas cartas oficiais respiravam profunda solicitude pelos hesitantes. Sim-
patia amável pelos caídos; revelavam toques profundos de sentimento
religioso e um raro senso prático, embora não despojadas de conselhos
que contêm tendências não ortodoxas [...] (DURANT, 1957, p. 289).
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
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pregar em Dresden, afirmou que a simples aceitação dos méritos de Cristo garantia
a salvação do crente. O duque lamentou que essa importância da fé de preferên-
cia à virtude “só serviria para tornar o povo presunçoso e rebelde” (DURANT,
1957, p. 289-290). Três meses depois desafiava o mundo a debater as 95 teses
que apregoara na igreja de Wittenberg.
É preciso voltar um pouco e olhar em 1500, quando a Europa estava em vias de
viver as incríveis mudanças. O sistema feudal, que era sinônimo da Idade Média,
estava quebrando. Um Novo Mundo acabava de ser descoberto nas Américas,
enquanto os europeus navegavam pelo resto do mundo.
A invenção recente de Guttenberg, a imprensa, e o crescimento rápido do
número de habitantes das cidades, foi uma revolução em si, que ajudou gran-
demente o protestantismo de Lutero. Não se pode pensar em Reforma sem o
advento da imprensa. Todos esses eventos colocam pressões, sobre a ordem esta-
belecida, em três contextos: cultural, político e religioso.
OS CONTEXTOS TEOLÓGICOS
Vários contextos poderiam ser colocados nesta conexão com o contexto teoló-
gico que gestou o pensamento da Reforma Protestante, vejamos:
O CONTEXTO CULTURAL
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Protestante foi o Renascimento. O “renascimento” da cultura, que havia come-
çado em torno de 1350 A.D. e que mudou a forma como as pessoas viram o
mundo, surgindo uma nova cosmovisão.
Os nomes Leonardo da Vinci e Michelangelo significavam grandeza na
arte, diferente de tudo que o mundo já havia conhecido antes. Surgem os avan-
ços dramáticos na arquitetura, escultura, literatura, músicas e em outros meios
artísticos e intelectuais.
De maneira coletiva, essas mudanças, eventualmente, produzem uma nova
consciência cultural, e constrói-se uma nova civilização em todo o continente,
sobretudo, por trás dessas revoluções artísticas, com substanciais mudanças na
forma como os seres humanos se veem e veem seu lugar no mundo.
Um fato registrado pelos historiadores vem compor o contexto geral. Os
muçulmanos apertaram o cerco em torno de Constantinopla, eventualmente,
capturando em 1453, milhares de clérigos cristãos, acadêmicos e artistas que por
essa razão fugiram em busca de segurança na Europa.
Eles trouxeram consigo os tesouros da Antiga Grécia, que havia sido preser-
vada na região bizantina do Império (o antigo Império Romano Oriental), mas
que tinha sido perdida pelo ocidente após a queda do Império Ocidental, cen-
trado em Roma.
Nesta riqueza cultural incluem os manuscritos das obras dos maiores pen-
sadores e duas idéias especialmente importantes: a da razão como um processo
para a compreensão do mundo; e do lugar do ser humano no mundo.
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
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A razão, é claro, tinha sido central para todo o empreendimento grego. Toda
a disciplina da filosofia dependia da certeza de que a realidade poderia ser conhe-
cida por meio de um processo sistemático de investigação.
Por sua vez, a ciência foi outra das grandes contribuições do mundo grego.
Via o valor da razão, pois entendia que diante do universo era lícito que suas leis
poderiam ser desvendadas pelo processo da razão.
Esse dom supremo da Grécia, de ter arrancado o ser humano das algemas
dos mythos, para o mundo, era visto como o universo governado por deuses
caprichosos; a filosofia, por sua vez, vai afirmar o universo do Logos, governado
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Os Contextos Teológicos
28 UNIDADE I
O CONTEXTO POLÍTICO
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a.D., o Império Ocidental desapareceu, mas a Igreja realizou, assumindo muitas
das responsabilidades seculares que tinham sido suportados pelo Império. Na
verdade, na “escuridão” de mil anos que se seguiu à queda de Roma, a Igreja foi
quase a única força civilizadora no mundo ocidental. Por volta de 1300, a Igreja
se tornou a instituição mais poderosa da Europa. Porém, enquanto os grupos de
Reforma Protestante deram à Igreja um enorme poder, esse mesmo poder tor-
nava inevitável que a igreja se enredasse em conflitos políticos.
Em segundo lugar, tem-se a questão do Santo Império Romano. Em cima
de um retalho de quase 400 feudal “principalidades” no que é a Alemanha
de hoje em dia o reino dinástico Sacro Império dos Habsburgos. O resultado
foi uma “nação” alemã (como mais tarde o chamaria) efetivamente subordi-
nada à Igreja Católica e ao Império. Isso deixou o povo alemão maduro para
qualquer tipo de alívio ou reforma, religiosa ou política. Portanto, quando
Martinho Lutero acusou a Igreja de corrupção e o Papa de ser o Anti-Cristo,
príncipes alemães abraçaram rapidamente sua história. Quando ele articu-
lou uma doutrina, fazendo a Igreja subordinada ao Estado, eles lutaram por
ela. A nova interpretação de Lutero proporcionou aos príncipes alemães uma
posição política e econômica para desafiar tanto a Igreja Católica como os
Habsburgo Imperiais.
Finalmente, o Império estava sendo desafiado por forças externas e teve de
aplacar príncipes Protestantes para manter uma fronteira unificada contra dois
poderosos inimigos. O primeiro desses inimigos foi a dinastia Valois, o poder
dominante da França. A guerra havia se espalhado entre os Habsburgo espa-
nhóis e os franceses Valois, na Itália em 1494.
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
29
O CONTEXTO RELIGIOSO
À medida que o poder secular da Igreja crescia, sua integridade espiritual diminuía.
Em muitos aspectos, ela se tornara pouco mais do que qualquer outro reino terrestre.
O poder e a riqueza com as outras monarquias. A Reforma Protestante da
Europa. Em três áreas em particular, a igreja tinha abandonado a disciplina espiri-
tual que tinha feito uma força organizadora tão poderosa após a queda de Roma.
Primeiro, a teologia da Igreja havia se tornado diluída à medida que estendia
seus ensinamentos para se manter atualizada com as tendências culturais de seu
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Os Contextos Teológicos
30 UNIDADE I
Por todas essas razões, então, culturais, políticas e religiosas, a estatura moral
das autoridades caíram grandemente aos olhos dos povos da Europa. Todos con-
cordaram que a reforma era desesperadamente necessária. Na verdade, algumas
das vozes mais insistentes e autoritárias para a reforma surgiram da própria
Igreja, por exemplo, do holandês Erasmo (1446-1536). Suas condenações das
práticas da Igreja eram tão mordazes e persistentes que foi dito dele: “Ele pôs o
ovo que Lutero chocou”. As únicas perguntas eram como a reforma começaria
e que forma tomaria. As respostas vieram na segunda década do século XVI.
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LUTERO E SEU PROTESTO
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
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A PROVOCAÇÃO IMEDIATA
Ao trazermos mais alguns pontos do que foi aquela provocação em 1517, quando
o Papa Leão X começou a angariar dinheiro para concluir a construção da Basílica
de São Pedro em Roma, percebemos o quanto as indulgências eram um dispo-
sitivo inventado por primitivos para conseguir contribuições de paroquianos.
Lutero os chamou de “os doutrinadores da graça barata”.
Eles trabalhavam do seguinte modo: os papas declaravam que os santos
anteriores possuíam mais “méritos” do que os necessários para efetuar a sua res-
surreição e declaravam que esse excesso coletivo de méritos era armazenado em
um “tesouro de méritos” no céu, de onde o Papa poderia extrair para remeter
os pecados, desde que as pessoas pagassem. Era uma paródia da união estreita
da Igreja com o dinheiro.
As indulgências podiam ser compradas para cobrir quase todas as aplicações
comuns, incluindo os pecados de luxúria, orgulho, infidelidade conjugal, deso-
nestidade, relacionados a transações comerciais, e assim por diante. Tratava-se de
um esquema fantástico, sem custos, que premeia a culpa dos membros da Igreja
e a pretensão do Papa de poder redimir os pecados. No entanto, para Lutero, teo-
logicamente, foi escandaloso demais e revoltante.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
66, zombou: “As Indulgências são as redes com as quais a Igreja pesca para os
homens” (Carlos Klein, 2014, p. 170).
Combatia categoricamente o que se chamava de Tesouro de Méritos. Pois a
Salvação era um presente de Deus, e somente Dele, e qualquer mérito associado
a Ele era um desrespeito descomunal a Deus.
Na Tese 33, Lutero declarou que “Os homens devem estar em guarda contra
aqueles que dizem que os perdões do Papa são este dom inestimável de Deus,
que o homem é reconciliado com Ele” (Carlos Klein, 2014, p. 167).
Na Tese 34, segue dizendo: “Porque estas graças de perdão se referem ape-
nas às penas designadas pelo homem” (Klein, 2014, p. 167).
Em seguida, Lutero zombou da pretensão do Papa de ter jurisdição sobre
o purgatório, afirmando na Tese 82: “Por que o Papa não esvaziou o purgató-
rio? Por causa do amor santo e da extrema necessidade das almas que estão lá”
(Klein, 2014, p. 171).
Mas o mais importante é que as indulgências induziram o estado de espírito
errado por parte do pecador, disse Lutero. Em vez de uma atitude de contrição,
elas promovem negociações e negociações - dificilmente os estados de ânimo
calculados para promover o arrependimento.
Na Tese 49, Lutero declarou: “Os cristãos devem acreditar que os perdões
do Papa são prejudiciais, pois perdem o Temor do Senhor” (Klein, 2014, p. 168).
Em outras palavras, se um pecador acreditava que poderia simplesmente
comprar a sua vida sem a compra de uma indulgência, havia pouca probabili-
dade de ele mudar radicalmente seu comportamento. As indulgências, portanto,
só serviam para seduzir os homens já fracos em um comportamento cada vez
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
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mais perigoso e destrutivo. Eles eram exatamente o oposto do que a Igreja deve-
ria fazer por seu rebanho.
Além de condenar as indulgências, Lutero também usou as Noventa e Cinco
Teses para reiterar os ensinamentos essenciais da Bíblia sobre a correta conduta
de cristã.
Na Tese 43, ele escreveu: “Os cristãos devem ser ensinados de que aquele
que dá aos pobres ou ajuda os necessitados faz um trabalho melhor do que com-
prar perdões” (Klein, 2014, p. 168). Complementa ainda com a Tese 45, quando
afirma que “os cristãos devem entender que aquele que vê um homem necessi-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tado e passa por ele, e dá o seu dinheiro para perdões, compra não as indulgências
do Papa, mas a indignação de Deus”.
Na Tese 94, Lutero diz: “os cristãos devem ser exortados a serem diligentes
em seguir a Cristo, sua Cabeça, através de penas, mortes e inferno”.
Lutero conclui na 95ª tese: “Podemos assim, estar confiantes de entrar no céu
através de muitas tribulações, e não através da garantia da paz, (op. cit. Klein,
2014, p.172).
Lutero tinha pretendido que suas teses fossem o sujeito do debate monás-
tico, e cravá-las na porta da catedral era simplesmente a maneira convencional
de convidar a debater essa dúvida.
Graças à imprensa emergente, a partir das proximidades de Nuremberg, as
teses foram distribuídas amplamente por toda a Saxônia, ou seja, foi o momento
em que uma questão acadêmica estreita e eficaz tornou-se a chave inicial de toda
controvérsia pública.
A ESCALADA DO PROTESTO
Outra consideração que precisamos fazer é sobre a escalada do protesto, que acon-
teceu de maneira imediata, pois o assunto explodiu, indo para além da questão
das indulgências e passando para a questão da autoridade da Igreja.
A questão, portanto, tornou-se: quem tem autoridade para falar pela Igreja e,
portanto, por Deus? A resposta para esta pergunta era simples se considerarmos
o contexto. O monge de Wittenberg tinha influência quase nula, era um monge de
nível bastante baixo, num lugar um tanto remoto da cristandade, longe do centro
teológico de alta mentes de Roma. Logo, se o Papa declarasse as indulgências como
espiritualmente sólidas, então, Wittenberg deveria submeter-se à autoridade papal.
Mas Lutero não reconsiderou e, em vez disso, intensificou seu ataque. As
noventa e Cinco Teses originais tinham se concentrado apenas nas indulgên-
cias. Lutero agora atacava a doutrina da autoridade papal - a idéia de que ao Papa
deve ser obediente, não importa o quê.
O Papa respondeu acusando Lutero de heresia, com oposição aberta à auto-
ridade da Igreja, e ordenando seu silêncio. Contudo, Lutero era protegido pelo
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reitor do mosteiro de Wittenberg e pelo príncipe local, Frederico, o Sábio.
As tensões políticas entre a Alemanha e Roma começaram a entrar em jogo.
Em 1520, Lutero foi chamado para ir a Roma para se explicar ao Conselho dos
Cardeais. Em vez disso, publicou dois dos mais incendiários documentos de todo
o caso. Em sua Carta Aberta à Nação Cristã, a Nação Alemã, ele exortou os prín-
cipes alemães a rejeitarem a autoridade da Igreja em Roma.
Para transmitir o quão inflamatório era o documento, é necessário citá-lo:
É uma coisa horrível e terrível que o governante da cristandade, que se assoma
como vigário de Cristo, vive em um esplendor tão grande que nenhum rei ou
imperador pode igualar e até mesmo aproximar-se.
Eles sustentam que o Papa está acima dos anjos no céu e tem autoridade
sobre eles. Estas são realmente as próprias palavras do Anticristo. A Itália e a
Alemanha tem muitos ricos testemunhos e beneficências.
Em vez de uma subordinação secular à Igreja, Lutero argumentou que deveria
haver o outro caminho: a Igreja deveria ser colocada sob a autoridade do prín-
cipe local, refletindo a admoestação de Jesus em dar a César o que é o de César,
e a Deus o que é de Deus.
Cada príncipe deve ser capaz de escolher qual religião seria praticada em
seus próprios domínios. A incompetência local, buscando uma justificativa para
uma maior independência, gostava dessa idéia e apoiava Lutero, não apenas con-
tra Roma, mas também contra o Império Católico.
Mais tarde, em 1520, Lutero publicou Cativeiro Babilônica, em que afirmava
que a Igreja Católica tinha sido roubada pelo anticristo, mas manteve o controle
dos sacramentos.
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
35
Essa posição de Lutero cunha não apenas a fidelidade dos protestantes à Palavra,
mas de todos os Reformadores.
Lutero foi excomungado, expulso da Igreja e condenado como um após-
tata, que renunciou aos ensinamentos da Igreja, mas continuou sua cruzada, o
“Protesto”, dando origem a uma nova forma de cristianismo, que acabaria por
ser benigna.
Em 1522, ele publicou a primeira versão do Novo Testamento em língua
alemã, o que por si só, foi um acontecimento explosivo, pois devido à invenção
da impressão, feita por Guttenberg, na Alemanha, há poucas décadas, o povo ale-
mão, que era o mais letrado do mundo, podia ler por si mesmo que muitas das
reivindicações para a autoridade espiritual feitas pela Igreja Católica, incluindo
cinco dos sete santos e a posição do próprio Papa, não foram mencionados em
nenhum lugar da Bíblia.
Em 1526, Lutero escreveu uma versão em língua alemã da missa onde os paro-
quianos atuavam. Em 1534, publicou uma tradução alemã do Antigo Testamento,
envolvendo as missas cristãs em hinos, ensinamentos bíblicos e práticas juvenis.
De fato, Lutero repudiou o papel do sacerdócio clerical - outro assalto à Igreja
- e declarou que o próprio povo constituía um “sacerdócio de todos os crentes”.
Em todas estas formas, Lutero “democratizou” o cristianismo, tornando-o aces-
sível a todas as pessoas. Lutero morreu em 1546.
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A AMPLITUDE DO PROTESTO
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
37
Deus, por meio dos exercícios de razão, era como um besouro tentando “saber”
ou “entender” o ser humano, apenas mexendo suas antenas.
Lutero criticava também conceitos de Agostinho, dizendo que ele tomou os
ensinamentos de Paulo e os misturou com a cosmologia de Platão. Entendia que
o cristianismo de Agostinho era indelevelmente platônico: um universo onde o
Deus ideal permeia toda a existência com sua natureza manifesta.
Na mente de Lutero, Deus era fundamentalmente diferente do homem, como
os homens são dos vermes. As tentativas de diminuir o abismo que os separava,
fazendo com que os homens se dirigissem para Deus com razão ou boas obras,
era uma afronta ao próprio Deus.
Se o homem só tivesse fé na graça infinita de Deus, poderia ter uma chance
de salvação, pois não estava nas mãos do homem a propiciação, a quantidade
de boas obras ou de apaziguamento, uma vez que nada tão grosseiro como uma
indulgência poderia mudar a decisão de Deus sobre a salvação do homem.
Aqui firmam-se as soteriologias Luterana e também Reformada. Na verdade
o que queria Lutero era voltar a um tempo mais simples, quando as pessoas pra-
ticavam um cristianismo mais “autêntico”. Ele queria voltar antes de Tomás ter
trazido Aristóteles, mesmo antes de Agostinho e seu abraço indireto a Platão.
Lutero queria que o cristianismo voltasse para o Deus de Paulo, um Deus que
era infinitamente poderoso, o Deus dos judeus de quem Paulo havia emergido.
Era o cristianismo do Deus da cristandade, antes de a conversão de Constantino
ter corrompido a Igreja com os laços seculares do Império. E, o mais importante,
era o Deus de Jesus antes de se tornar corrompido pelos ensinamentos pagãos da
Grécia. Lutero era um buscador dos fundamentos originais da fé cristã.
De acordo com Robert Freeman (2013), uma vez que a compreensão de Lutero
sobre a natureza de Deus foi aceita, muitos dos ensinamentos secundários da
doutrina cristã também entraram em questão.
Os três pontos mais importantes destas questões secundárias foram as idéias
de Justificação, Predestinação e Escritura como a fonte da autoridade da fé.
Primeiro, de acordo com Lutero, a justificação (salvação) foi realizada somente
pelo ato da fé por parte do crente, e mesmo então somente pela graça de Deus.
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Não estava no controle do ser humano.
A autoridade de Lutero para esta doutrina foi, entre outras, o texto do Novo
Testamento, Efésios 2. 8-9: “Pela Graça sois salvos, por meio da fé. E isto não
vem de vós, é dom de Deus; Para que ninguém se glorie”. Em outras palavras, a
salvação não poderia ser alcançada pela doação de dinheiro à igreja, pela com-
pra de indulgências ou por qualquer outra boa obra. Em vez disso, somente a fé
do crente em Jesus Cristo serviria para torná-lo digno do céu. E, mesmo assim,
dependia de Deus se uma pessoa pecadora seria ou não admitida.
Esta doutrina da Salvação pela fé, como veio a ser conhecida, levou a uma
segunda importante implicação: a Predestinação. De acordo com Lutero, uma vez
que a salvação era inteiramente uma questão da vontade de Deus, o ser humano
não poderia fazer nada para efetuar seu próprio destino final. Estava inteiramente
nas mãos de Deus. Nota-se que isso é diferente da idéia grega de destino, em que os
homens desempenham um papel em seu próprio destino, e da idéia da Igreja de “boas
obras”, onde as doações de uma pessoa podem assegurar suas chances de salvação.
Aqui tudo é graça. A própria fé não é a causa, mas a resposta, caso contrário,
indiretamente, a justificação se dá por meio de obras. Não temos fé na fé, mas fé
na graça. Salvos pela graça, mediante a fé. Esta proclamação tornou-se um dos
pilares da teologia, tanto Luterana, quanto Reformada.
Finalmente, Lutero acreditava que a única fonte de conhecimento em Deus
era a própria Escritura, não havendo lugar para interpretação por papas ou
sacerdotes. Essa doutrina ficou conhecida como “Sola Scriptura” (as Escrituras
somente). Produziria massas de cristãos que lêem a Bíblia, o sacerdócio de todos
os crentes, um dos revolucionários princípios de Lutero.
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
39
Nos chama atenção a forma que Robert Freeman (2013) aponta questões teoló-
gicas que produziram ataques diretos, correspondentes à Igreja.
Primeiro, a justificação pela Fé questionou a eficácia dos Sacramentos. Se a
salvação de uma pessoa era apenas uma questão de fé (e da vontade de Deus),
então muitos dos ritos sagrados da igreja papal eram inúteis, simplesmente dis-
positivos místicos feitos pela Igreja para manter os paroquianos no ritual escravo.
Lutero reduziu os sacramentos de sete para dois, conservando apenas os
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que, dentro da liberdade cristã imprimida pela Reforma, fez surgir várias
correntes de fé. Voltaremos a esta questão mais adiante, por enquanto uma
breve apresentação.
A primeira das alternativas à visão proposta por Lutero foi a visão do teó-
logo suíço, Ulrich Zwinglio, de Zurique. Embora treinado como um sacerdote
católico como Lutero, Zwinglio era mais humanista do que Lutero. Robert
Freeman diz que Zwinglio mantinha uma correspondência com Erasmo de
Roterdã antes que Lutero escrevesse as noventa e cinco teses. Zwinglio negava
a autoridade do Papa em questões de interpretação literária, confiando, como
Lutero, apenas na Escrituras.
Também como Lutero, ele estava contra o que ele chamou de elementos
supersticiosos da prática da Igreja, incluindo Indulgências. Mas Zwinglio dife-
ria de Lutero em vários assuntos importantes, e as diferenças significavam uma
ruptura do Protestantismo, que acabaria se tornando sua marca.
Zwinglio diferia com Lutero sobre a questão da Predestinação, acredi-
tando que os homens tinham livre arbítrio com os quais poderiam afetar suas
chances de salvação.
Argumentava Zwinglio, que sem o livre arbítrio não haveria nenhum incen-
tivo para os homens fazerem escolhas morais corretas. Este era um ponto de
discordância teológica dentro da própria Igreja. Fica claro que isso vinha do pas-
sado humanista de Zwinglio.
Podemos, desde já, adiantar que tanto o pelagianismo quanto o armenia-
nismo têm uma forte influência do humanismo. No caso do armenianismo do
humanismo renascentista – a história registra isso.
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
41
Estado, para evitar as tentações e cismas entre seus membros. Zwinglio acreditava
que a sociedade deveria ser uma teocracia, que a igreja e o Estado deveriam ser
indistinguíveis, ou seja, a mesma instituição. Zwinglio morreu em 1531 levando
Zurique a uma batalha com os católicos suíços.
Se Zwinglio foi considerado o primeiro inovador depois de Lutero, certa-
mente o mais consequente e assertivo reformador foi João Calvino. Calvino era
um advogado francês que vivia na Suíça. Ele usou seu conhecimento da lei para
construir um modelo de governo da igreja que, em última instância, teria tanta
influência sobre o protestantismo quanto os ensinamentos teológicos de Lutero.
Sua grande obra, conhecida como Institutas da Religião Cristã, publicada pela
primeira vez em 1536, tornou-se um tratado teológico da tradição reformada.
Segundo Freeman (2013, p. 33),
Calvino foi mais longe do que o trabalho de Aquino, pois acabou usan-
do a teoria política para fundir a organização da igreja com princípios
bíblicos. Ele prescreveu regras e procedimentos de como administrar
uma igreja protestante, como manter a pureza das práticas, e como trei-
nar o clero, educar os leigos e muito mais.
Sua obra tornou-se o “manual de operação” para a maioria das igrejas protestan-
tes fundadas ao longo do século seguinte. Desta forma, enquanto a contribuição
de Lutero foi o ímpeto que iniciou o protestantismo, foi João Calvino que tor-
nou possível a sua propagação de maneira ampla.
A teologia de Calvino diferiu das teologias de Lutero e a de Zwinglio. Ele
acreditava que a Igreja e o Estado deveriam ser separados, mas coiguais, uma
aproximação que facilitava a adaptação a novas políticas.
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O protestantismo se espalhou rapidamente e para longe, especialmente
pelos países do norte da Europa. Contudo, foi duramente resistida pela Igreja
Católica, cuja autoridade, riqueza e posição nos tribunais da Europa esta-
vam em risco. A Igreja montou uma defesa vigorosa, uma reforma parcial de
suas práticas e um ataque agressivo ao protestantismo. A defesa e a Reforma
passaram a ser conhecidas como Reforma Católica, enquanto o ataque foi
chamado de Contra-reforma.
A força mais importante na Reforma Católica foi a Concílio de Trento, con-
sagrado em 1545, na cidade italiana de Trento, para rever as doutrinas e práticas
da Igreja, a fim de torná-la mais resistente contra o apelo do protestantismo.
O Concílio era muito conservador, afirmando quase todas as práticas
católicas históricas, incluindo os sacramentos, indulgências, boas obras
e a veneração dos santos. Afirmou a teologia de Tomás de Aquino, com
sua visão otimista do homem, contra a de Agostinho e Lutero e sua visão
mais pessimista.
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
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OUTRAS REFORMAS
Em seu sentido mais amplo, o termo Reforma é usado para se referir aos qua-
tro movimentos. Também é usado num sentido mais restrito, para indicar a
“Reforma protestante”, excluindo a Reforma católica. Nesse caso, refere-se aos
três movimentos protestantes observados anteriormente.
Em várias obras acadêmicas, porém, o termo “Reforma” é usado para se
referir àquilo que, por vezes, é chamado de “Reforma magisterial” ou “Reforma
principal”, em outras palavras, a Reforma associada às igrejas luterana e refor-
mada (inclusive o anglicanismo), excluindo assim, os anabatistas.
Convém explicar a designação incomum “Reforma magisterial”. Essa
expressão chama atenção para a maneira como os principais reformadores se
relacionavam com as autoridades seculares como os príncipes, magistrados e
conselhos municipais.
Esses três sentidos da palavra “Reforma” serão encontrados no decorrer das
leituras de obras que tratam da teologia cristã. A designação “Reforma magiste-
rial” indica os dois primeiros sentidos do termo (que abrange o luteranismo e a
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
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A REFORMA LUTERANA
Outras Reformas
46 UNIDADE I
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soas acreditavam que as indulgências eram uma forma rápida e fácil de comprar
o perdão dos pecados.
Lutero protestou. O perdão era uma questão de mudança de relacionamento
entre o pecador e Deus, e não uma oportunidade de especulação financeira. A
idéia do perdão pela graça havia se corrompido na idéia de compra do favor de
Deus. Estritamente falando, a reforma luterana só teve início em 1522, quando
Lutero voltou para Wittenberg depois de seu isolamento forçado em Wartburg.
Lutero havia sido condenado por “falsidade doutrinária” pela Dieta de Worms
em 1521. Temendo que ele corresse perigo de morte, certos defensores influen-
tes do reformador transferiram-no, em segredo, para o castelo conhecido como
Wartburg até que a ameaça à sua segurança tivesse cessado. Durante essa ausên-
cia, Andréas Bodenstein von Karlstadt, um dos colegas acadêmicos de Lutero
em Wittenberg, começou um programa de reforma nessa instituição que pare-
cia ter se degenerado a um estado caótico.
Na verdade, o programa de reforma de Lutero foi muito mais conservador
do que aquele associado a seus colegas reformadores como Zwinglio. Ademais,
ficou muito aquém do sucesso esperado. O movimento permaneceu obstinada-
mente ligado aos territórios alemães - com exceção da Escandinávia - e nunca
chegou a conquistar os centros de poder estrangeiros que pareciam estar tão
prontos para aderir às suas idéias.
A Reforma calvinista, responsável pela constituição das igrejas reforma-
das (como a igreja presbiteriana), se encontrou em acontecimentos ocorridos
dentro da Confederação Suíça. Enquanto a Reforma luterana teve suas origens
num contexto acadêmico, a igreja reformada deve suas origens em uma série de
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
47
Outras Reformas
48 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Heidelberg) com base nessa obra.
Das três alas que constituíram a Reforma, protestante-luterana, reformada
ou calvinista e anabatista, a ala reformada se mostrou particularmente impor-
tante para os países de língua inglesa.
O puritanismo, que ocupa uma posição preeminente na história in-
glesa do século 17 e é fundamental para as idéias religiosas e políticas
da Nova Inglaterra no século 17 e depois, é uma forma específica de
Cristianismo reformado (MACGRATH, 2007, p. 181).
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
49
argumentavam que Zwinglio não estava sendo fiel aos seus próprios princípios
reformadores. Ele pregava uma coisa e praticava outra.
Apesar de Zwinglio professar fidelidade ao princípio de sola scriptura “somente
pelas Escrituras”, Grebel argumentava que ele mantinha várias práticas que não
eram sancionadas nem ordenadas pelas Escrituras - inclusive a do batismo de
crianças, o vínculo estreito entre a igreja e a magistratura e a participação dos
cristãos nas guerras.
O princípio de sola scriptura foi radicalizado por pensadores como Grebel
de modo a definir que os cristãos reformados só deviam crer e praticar aquilo
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que era ensinado explicitamente nas Escrituras. Assustado com essa reação,
Zwinglio a considerou um movimento de desestabilização que visava separar a
igreja reformada de Zurique de suas raízes históricas e romper sua ligação com
a tradição cristã do passado.
Vários elementos em comum podem ser observados dentro das diver-
sas linhas do movimento anabatista: uma desconfiança geral das autoridades
externas; a rejeição do batismo de crianças em favor do batismo de cristãos
adultos; a posse comum de propriedades; e uma ênfase sobre o pacifismo e
não-resistência.
Com relação a esse terceiro ponto: em 1527, os governos de Zurique, Berna
e Saint Gallen, acusaram os anabatistas de crer que “nenhum cristão pode pagar
ou cobrar juros ou honorários sobre uma soma de capital; que todos os bens tem-
porais são livres e comuns e que todos têm pleno direito de propriedade sobre
esses bens” (MCGRATH, 2014, p. 28). Por esse motivo, o anabatismo é cha-
mado Reforma radical.
Outras Reformas
50 UNIDADE I
A REFORMA CATÓLICA
Esse termo também foi usado para se referir ao reavivamento dentro do catoli-
cismo no período posterior ao início do Concílio de Trento (1545). Nas obras
acadêmicas mais antigas, o movimento é chamado com frequência de “Contra-
Reforma”. Como o termo sugere, a igreja católica romana desenvolveu meios de
combater a Reforma protestante visando limitar sua influência.
No entanto, está cada vez mais claro que, em parte, a igreja católica romana
se opôs à Reforma reformando-se também internamente a fim de remover aquilo
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que justificava as críticas protestantes.
Nesse sentido, o movimento foi uma reforma da igreja católica e, ao mesmo
tempo, uma reação à Reforma protestante. As mesmas preocupações por trás da
Reforma protestante no norte da Europa se manifestaram na renovação da igreja
católica, especialmente na Espanha e Itália.
O Concílio de Trento, o elemento principal da Reforma católica, esclare-
ceu os ensinamentos católicos acerca de várias questões confusas e introduziu
mudanças há muito necessárias na conduta do clero, disciplina eclesiástica, edu-
cação religiosa e atividade missionária.
Esse movimento dentro da igreja foi fortemente estimulado pela reforma
de várias das ordens religiosas mais antigas e pela fundação de outras ordens
(como a dos jesuítas).
A ecologia teológica desde a Reforma é digna de muito mais estudo. Aqui,
apenas pontuamos para que você veja a imensa riqueza de discussão teológica
que surge em um dos mais criativos e controversos períodos da história humana.
Para que você possa compreender de forma desafiadora que toda teologia
é interpretação, ou seja, uma tarefa hermenêutica, avancemos em nosso curso
certos de que o pensamento da reforma é para nós hoje um permanente desa-
fio de constante reforma.
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
51
Outras Reformas
52 UNIDADE I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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lado, no entanto, precisa ser teologia produtiva, interpretativa diante de novos
contextos, respondendo às questões de seu tempo.
Fica claro para nós que Lutero não procurou reduzir o papel da razão na
religião, substituindo-a pela fé, mas, em vez disso, acabou ajudando a levantar
a razão à posição mais elevada na ciência, de tal forma que causou uma verda-
deira revolução teológica, que começou pela Europa e atingiu o mundo inteiro,
e não obstante a isso, já tem atravessado cinco séculos.
Ele queria purificar o cristianismo do humanismo pagão do renascimento e,
por essa razão, fez do indivíduo o ator principal do mundo ocidental. Ele deto-
nou o materialismo grosseiro do Papa e, ainda que inadvertidamente, acelerou
a ascensão do progresso econômico do mundo – é o que em teoria complexa
chama-se ecologia da ação. Nunca se sabe como uma ação funciona em sua
recursividade. Faz-se uma coisa e o resultado é outro.
A influência dos reformadores sobre a fundação da América é particularmente
pungente não apenas do ponto de vista da religião, mas da própria formatação
cultural de uma civilização, inclusive o estrito individualismo competitivo visto.
Quando aquelas Noventa e Cinco Teses foram pregadas na porta da Catedral
de Wittenberg, uma nova prática foi afirmada - a liberdade de expressão. Com
a publicação da Bíblia em alemão foi promulgada para todos a liberdade cristã.
O mundo moderno nasceu.
Esses pressupostos colocados tornam-se fundamentais para vermos na pró-
xima unidade o Ethos (o jeito de ser) da teologia reformada.
GESTAÇÃO E HISTÓRIA
53
1. A reforma teve a ver com um homem que considerava suas instruções autori-
zadas. Ele declarou como doutrina cristã que não se exigia nada além de uma
oferta em dinheiro para se obter a indulgência para os mortos, sem que hou-
vesse qualquer necessidade de contrição ou confissão. Também ensinava, de
acordo com a opinião então vigente, que uma indulgência podia ser aplicada a
qualquer alma com efeito infalível. Partindo deste princípio, não há dúvida de
que sua doutrina era virtualmente aquela do drástico provérbio: “Logo que o
dinheiro soa, a alma do fogo do purgatório voa”. A partir da afirmação anterior,
é correto o que se afirma em:
a) O texto está a falar de Lutero.
b) O texto está a falar do Papa.
c) O texto está a falar de Tetzel.
d) O texto está a falar de Zwinglio.
e) O texto está a falar dos príncipes alemães.
2. Notadamente, talvez devido ao que se contava das hipérboles de tal vendedor,
foi proibido a pregação da indulgência em 1517 em território germânico. No
entanto, tal pregador aproximou-se tanto das fronteiras que o povo de Wit-
tenberg cruzava os limites para obter a indulgência. Vários compradores leva-
ram essas “cartas papais” a Martinho Lutero, professor de teologia na universi-
dade, e pediram-lhe para atestar sua eficácia. Ele recusou. A recusa chegou aos
ouvidos do enviado do papa, que denunciou Lutero. O grande erro deles foi ter
subestimado a combatividade do professor, pois Lutero reagiu. O que ele fez?
a) Lutero compôs rapidamente em grego as 105 teses, que intitulou Disputa
para o Esclarecimento da Virtude das Indulgências.
b) Lutero rasgou rapidamente em todas as 95 teses, que intitulava de Disputa
para o Esclarecimento da Virtude das Indulgências.
c) Lutero aceitou rapidamente todas as cartas papais sobre as Virtudes das In-
dulgências.
d) Lutero compôs vagarosamente em as teses, esperando no que ia dar esse
assunto.
e) Lutero compôs rapidamente em latim as 95 teses, que intitulou Disputa para
o Esclarecimento da Virtude das Indulgências.
54
Reforma Protestante
No início do século XVI, muito tempo depois que a Europa começara a ficar descontente
com a Igreja Católica, Martinho Lutero fomentou a Reforma Protestante. Professor e pre-
gador na Alemanha, Lutero estudou a fundo os textos religiosos. Sua primeira divergên-
cia com a Igreja Católica dizia respeito à prática da indulgência, que consistia na tradição
católica de perdoar os pecados. Nessa época, a absolvição estava à venda. Em troca de
dinheiro, a sentença do doador no purgatório era reduzida. Lutero contrapôs-se à noção
da compra da salvação, por considerá-Ia extremamente prejudicial à fé.
Em 1517, afixou suas 95 teses na porta da igreja do Castelo de Wittenberg, desafiando
a Igreja Católica e a legitimidade do papa, assim como a prática das indulgências. Para
Lutero, a Igreja perdera de vista suas doutrinas originais, aquelas que provinham direta-
mente do texto bíblico, e criara uma separação desnecessária entre clero e fiéis.
Ao afixar as 95 teses, desencadeou um grande debate, que logo alcançou o restante da
Alemanha, a Suíça, a Áustria, a Inglaterra e a Escócia. Enquanto a discussão se dissemina-
va, os escritos de João Calvino, entre outros, alimentavam ainda mais a dissensão entre
o populacho europeu.
Quando as várias crenças dos reformadores começaram a coincidir, com o passar do
tempo, a religião protestante tomou forma. No cerne dessa fé reformista estava a cren-
ça de que a única autoridade religiosa era a própria Bíblia, e não o papa. Essa crença
revolucionava a estrutura da Igreja e enfatizava que os indivíduos podiam se relacionar
diretamente com Deus sem a mediação dos padres.
Os protestantes acabaram por se dividir em várias ramificações, como os luteranos, os
calvinistas e os anabatistas, enquanto os católicos lançavam a Contra-Reforma, tornan-
do mais conservadores.
FATOS ADICIONAIS
1. Quando tinha 22 anos, Martinho Lutero estava voltando para a escola durante uma tempes-
tade. Tendo um raio caído perto dele, Lutero exclamou: “Socorro, santa Ana! Vou tornar-me um
monge”. Ele sobreviveu e cumpriu a promessa, trocando a escola de direito por um mosteiro.
2. A Reforma Protestante viu-se ainda mais fortalecida quando o rei da Inglaterra, Henrique
VIII, rompeu com a Igreja Católica, em 1529. O rei auto proclamou-se chefe da Igreja da
Inglaterra, o que lhe permitiu se divorciar de sua esposa, a rainha Catarina, algo que o papa
não autorizaria.
3. Apesar de não existirem evidências das 95 teses originais, muitos especialistas acreditam
que a lendária afixação na porta da igreja não é tão inverossímil. Naquela época, as portas
da igreja universidade eram utilizadas para a divulgação de notícias, como os quadros de
avisos de hoje.
Lutero
Ano: 2003
Sinopse: Lutero é um filme alemão, produzido em 2003, dirigido por Eric Till.
No papel principal, Joseph Fiennes. O filme cobre a vida do grande reformador
Martinho Lutero(1483–1546), desde que ele tornou-se um monge até a
Confissão de Augsburgo (1530).
Comentário: o filme é emocionante e dramático. Levará você a entender o
que Lutero fez pela igreja Cristã e quão libertador deve ter sido sair de debaixo
da tirania de um poder imperial religioso daquela época. Além disso, é muito
revigorante ver um filme em que a Bíblia e o amor por Cristo são mostrados sem ironia ou humor.
57
REFERÊNCIAS
1. C.
2. E.
3. B.
4. D.
5. Contexto econômico, político e religioso. O aluno deve desenvolver esses fatores
contexto que propiciaram e deram as formatações para a ação dos reformadores
- como um tempo certo, na hora e pessoas certas.
Professor PhD. Silas Barbosa Dias
HISTÓRIA E ETHOS
II
UNIDADE
REFORMADOS
Objetivos de Aprendizagem
■ Compreender a grandeza epistemológica da tradição reformada.
■ Resumir em vários tópicos as construções da teologia reformada.
■ Entender o propósito de Deus para o viver cristão desde a reforma.
■ Aplicar os vários temas à vida humana e à sociedade.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ A Majestade da Glória de Deus versus a idolatria
■ Propósitos Divinos na História e Ética de Santidade
■ Pregação e Pastoral
■ Do Conhecimento de Deus e da Valorização Humana
■ Da Realeza de Cristo e da Oração
61
INTRODUÇÃO
çando mão de nove princípios citados por John Leith, em sua obra Tradição
Reformada, a partir das quais dialogamos com outros autores.
Tenho convicção de que encontraremos diferenças e até contradições entre
autores, mas a tradição reformada é como uma casa com pessoas diferentes. Sendo
assim, podemos notar princípios fundamentais que perpassam todas as correntes
teológicas, e estas formam uma identidade mais confiável desta epistemologia.
Pelo menos nove ênfases têm dado forma de maneira significativa, ao que
conhecemos como o estilo reformado de ser cristão. A maioria dos livros sobre
a Reforma, até meados do Século XX, apresentam-se apologéticos, ora em rela-
ção ao catolicismo, ora em relação aos reformadores.
O que faremos nessa aula, é apontar princípios que foram construídos pela
tradição reformada e que, podem e devem ser utilizados por todo o cristianismo.
Entendemos que a Tradição Reformada tem uma inequívoca contribuição a dar
á humanidade. Redescobrir seus princípios superam apenas os aspectos religio-
sos, chegam à vida em todas as suas vertentes.
O que faremos nessa aula, é apontar pelo menos cinco tópicos para clarifi-
car as dimensões da visão reformada, em suas vertentes do que podemos chamar
de um “Ethos” reformado.
Falar sobre o jeito de ser da Teologia Reformada, é falar da majestade da
Glória de Deus contra toda e qualquer idolatria; consiste em enfatizar os pro-
pósitos Divinos na história; priorizar a pregação numa pastoral viva com um
púlpito fiel; e, finalmente com a maior de todas as verdades, a realeza de Jesus e
a vida de oração. É isto que estudaremos agora.
Introdução
62 UNIDADE II
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Soli Deo Gloria é o grande lema de
todos os teólogos reformados há quase
cinco séculos.
A tradição reformada tem sido
sempre identificada com a soberania
de Deus e a predestinação. Embora
tenham fracassado todos os esforços
para se definir, no calvinismo, uma
doutrina central da qual as outras
seriam deduzidas, pode-se levantar a
hipótese de que o tema fundamental da teologia calvinista, que serve como um elo
de ligação para todos os outros, é a convicção de que cada ser humano se defronta
a todo instante como o Deus vivo. O fim principal do ser humano é glorificá-lo.
Dizer que a visão de Deus é o bem maior do ser humano é fazer que a finali-
dade principal da vida seja a contemplação, ainda que preparada pela atividade e
acompanhada da ação. Afirmar que a soberania de Deus está em primeiro lugar
significa tornar a atividade obediente superior à contemplação, embora muita
teoria seja necessária à ação. A glória de Deus e seus propósitos no mundo são
mais importantes do que a salvação da alma de alguém. A salvação pessoal pode
se tornar um ato muito egoísta.
De acordo com o calvinismo, os seres humanos são religiosos não para a
satisfação de necessidades ou para obtenção de sentido na vida, mas porque
Deus criou e os chamou para servi-lo. Karl Barth (ANO apud LEITH, 1997, p.
112) assim se expressou:
Esta ênfase em Deus como criador e Senhor dá profundidade à vida. Ele pensa
cada ser humano antes de chamá-lo à existência e dar-lhe sua individualidade,
identidade e nome. Nossa existência está fundamentada na eternidade, e sua fina-
lidade é a glória de Deus. Por isso, o cristão vive na segura confiança de que Deus
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é maior do que todos os batalhões da terra e de que a vida está subordinada a ele.
Deus é o criador dos céus e da terra, o qual sustenta todas as coisas e as governa
segundo o seu querer. Deus é energia, força e vida. Ele é propósito, intenção e
vontade. É o Senhor Deus, que “vem cheio de força”, “que mediu a água do mar
com as conchas das mãos e o céu com os dedos,” e diante do qual “as nações do
mundo não são nada e não têm nenhum valor”, (Isaías 40.10,12,17). Deus atua
poderosamente na história para realizar seu desígnio. Para os reformados o fim
principal do ser humano é glorificar a Deus.
Um dos teólogos reformados, H. R. Niebuhr, apresenta as características
deste tema contrastando-o com outro que tem grande influência na comunidade
cristã, ou seja, a visão de Deus. Tomás de Aquino fez uma declaração clássica a
respeito dessa maneira de entender a vida cristã. Com quem concluímos que a
felicidade última do ser humano consiste somente na contemplação de Deus, ou
seja, em viver em Seu propósito.
Niebuhr observou que o atributo divino que impressionou Calvino não foi a
perfeição eterna da bondade, beleza e verdade, mas a vigorosa realidade e poder
de Deus. Dizer que a visão de Deus é o bem maior do ser humano é fazer com
que a finalidade principal da vida seja a contemplação, ainda que preparada pela
atividade e acompanhada da ação.
Afirmar que a soberania de Deus está em primeiro lugar significa tornar a
atividade obediente superior à contemplação. Embora muita teoria seja neces-
sária à ação. O princípio da visão sugere que a perfeição do objeto visto é amada
acima de tudo; o princípio da soberania indica que a realidade e poder do ser
que exige obediência são postos em primeiro lugar.
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dei”, “Deus em primeiro lugar”, na frase de Thomas More. Se o fim ou o começo
for destacado, Deus permanece tanto no fim como no começo.
A própria vida de Calvino ilustra este ponto. Ele achava que estava mais
preparado, pela sua natureza e inclinação, para ser um “scholar” (significa um
estudioso exemplar). Todavia, ele se dedicou totalmente à tarefa da organização
da igreja, aos desafios da política civil e eclesiástica e ao trabalho pastoral não
somente de Genebra, mas também de todo o protestantismo reformado.
Quando Farel invocou o julgamento de Deus e Bucer fez com que se lem-
brasse de Jonas, Calvino não hesitou em aceitar responsabilidades desagradáveis.
Sua carta a Farel, quando retomou a Genebra em 1.541, revela as dimensões pes-
soais de sua teologia:
No que se refere à minha pretendida maneira de proceder, sinto que, se
tivesse uma escolha à minha disposição, nada me seria menos agradável
do que seguir seu conselho. Mas quando me lembro que não pertenço
a mim mesmo, eu ofereço meu coração, apresentando-o como um sa-
crifício ao Senhor. Não existe, pois, motivo para sua apreensão de que
conseguirá somente ouvir palavras agradáveis. Nossos amigos estão de-
terminados e fazem promessas sinceras. De minha parte, afirmo que não
tenho outro desejo senão o de que, abandonando qualquer consideração
pessoal, eles possam buscar somente o que é mais importante para a gló-
ria de Deus e o progresso da Igreja. Embora não seja eu muito inventivo,
não procuro pretextos para fugir habilmente, de modo a me desculpar
frente às pessoas e mostrar que não tenho culpa. Estou bem consciente,
contudo, que tenho de me defrontar com Deus, diante do qual astuciosas
justificações não podem ser sustentadas. Por isso eu submeto minha von-
tade e meus sentimentos, vencido e subjugado, à obediência de Deus”,
(Op.cit. por John Leith, Tradição Reformada, p. 11-113)
CONTRA A IDOLATRIA
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A polêmica reformada foi sempre contra toda e qualquer idolatria. Sempre
a idolatria destrói a dignidade humana. Para os reformadores somente Deus é
suficientemente grande e digno de receber lealdade total do ser humano, sem
destruir sua verdadeira humanidade. Deus ou é nossa busca suprema, e nossa
preocupação última, ou viveremos numa religiosidade degenerativa.
PROPÓSITOS DIVINOS NA
HISTÓRIA E ÉTICA DA SANTIDADE
cando a liberdade para cultuar a Deus como desejavam. Eles estavam indo para o
deserto com a missão de estabelecer uma sociedade cristã e demonstrar à decadente
sociedade europeia as possibilidades de uma comunidade cristã altamente ética.
Richard Niebuhr argumentou, de forma convincente, que esta consciência
da poderosa atividade soberana de Deus pela implantação do reino de Cristo
e, finalmente, a vinda desse reino é o motivo mais característico do movimento
cristão na América.
Walzer sustenta que foram os calvinistas os primeiros que transferiram do
príncipe para o santo a ênfase do pensamento político, e, então elaboraram uma
justificação teórica para a ação política independente. O que Calvino disse a respeito
do santo, outros homens poderiam dizer, mais tarde, sobre o cidadão: o mesmo
senso de virtude cívica, de disciplina e de dever está por detrás dos dois termos.
Os santos se consideravam como instrumentos divinos. Eles tratavam cada
obstáculo como manifestação das muitas artimanhas do diabo e juntavam toda
sua energia, imaginação e arte para vencê-Ia.
Deve ficar bem claro que Calvino não se considera um “agente de mudanças”,
mas um servo de Deus. O reino de Deus, e não uma utopia humana; a glória de
Deus, e não o humanitarismo, eram seus objetivos, embora ele insistisse que o
amor ao próximo era o mais legítimo teste de ortodoxia e doutrina.
Estou de acordo com a ideia de que João Calvino criou uma civilização. Ele
provocou movimentos que mudaram a sociedade porque ele uniu sua própria
teologia e suas ênfases peculiares, com uma consciência do mundo moderno.
Fred Graham afirmou de forma muito apropriada:
“O que ele fez foi permanecer, mais firmemente do que qualquer ou-
tro pensador de seu tempo, dentro deste novo mundo ... Ele apoiou
a cidade e suas atividades. Ele não se desgostava com os negócios e o
comércio, como os religiosos medievais ... E ele tinha o instinto certo
para perceber o lugar da religião nessa nova época e para refrear os
piores impulsos do seu tempo utilizando a Palavra de Deus e a disci-
plina piedosa ... Nem Calvino, nem os huguenotes, nem os puritanos
da Velha e da Nova Inglaterra chegaram a pensar que as riquezas eram
boas ou que os negócios eram sagrados. Mas eles decidiram viver neste
mundo e fizeram o máximo para atrelá-lo à Palavra de Deus.” (Op. cit.
Leith, 1997, p. 119).
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Roland Bainton, um perspicaz historiador da igreja, sintetizou o modo de ser calvinista:
Os antigos calvinistas de maneira alguma se inquietaram demais ou con-
sumiam suas energias na preocupação com a salvação. Este ponto serve
para destacar o calvinismo do catolicismo e do luteranismo ... Sua mis-
são era estabelecer uma teocracia, no sentido de uma santa comunidade,
na qual cada membro deveria fazer com que a glória de Deus fosse sua
única preocupação. Não uma comunidade governada pela igreja ou pelo
clero. Nem mesmo de acordo com a Bíblia, interpretada num sentido
literal, porque Deus é maior do que um livro, ainda que este contenha a
sua Palavra. A santa comunidade deveria apresentar aquele paralelismo
entre igreja e estado, que tinha sido o ideal da Idade Média e de Lutero,
mas que nunca se concretizará e que só poderia se tomar uma realidade
numa comunidade muito seleta, na qual leigos e clérigos, governantes da
cidade e ministros, todos juntos, estivessem imbuídos mesmos propósi-
tos elevados. Calvino compreendeu isso melhor do que qualquer outra
pessoa no século XVI, (op. cit. Leith, p. 119).
Os cristãos reformados, segundo a tradição dos profetas, sempre crêem que Deus
usa os Ciros do mundo para realizar sua vontade. Não podemos falar dessa visão
reformada sobre a história sem se referir a Abraham Kuyper (1.837 - 1.920), um
calvinista holandês, formulou com clareza a visão da comunidade em termos
dos princípios reformados.
Kuyper acreditava intensamente que toda a existência é vivida sob a sobera-
nia de Deus, mas que diferentes áreas, tais como o Estado, a igreja, o casamento
e a educação, são independentes umas das outras. A grandeza de Kuyper na
Holanda é reconhecida a tal ponto, que se diz não poder mais ser contada sua
história sem ligar a este crente reformado.
ÉTICA
A teologia tem a ver com a vida. Sem vida a teologia é um trabalhar com palha.
Ninguém será salvo pelas boas obras, diria Calvino, mas também pode-se dizer
que ninguém será salva sem as boas obras, ou seja, não pelas, mas para as boas
obras. Vida cristã é engajamento ético. Essa ação ética, essa teologia e prática são
sempre na tradição reformada, dois lados da mesma moeda.
João Calvino insistia que os cristãos devem demonstrar seu cristianismo por
meio de uma vida de santidade. Enquanto que uma exposição dos dez manda-
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Vida cristã é assim um prática do viver uma nova vida, a qual consiste na trans-
formação em Jesus Cristo.
A tradição reformada insistia no fato de que o cristão deve demonstrar sua
fé através de uma vida de compromisso e santidade.
O objetivo da vida cristã, é a de obedecer à Palavra de Deus aliando-se com
sua vontade. A vida cristã é, por um lado, justificação pela graça através da fé e,
por outro, santificação. Em outras palavras, salvação é tanto perdão quanto reno-
vação, tanto graça de Deus que se manifesta como misericórdia quanto graça de
Deus que se mostra como poder.
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A perfeita unidade destes dois aspectos da experiência de salvação é a arte da
vida cristã, a qual nunca é facilmente conseguida. Embora a santificação esteja
inseparavelmente ligada à justificação, elas complementares. Na justificação,
Deus aplica a justiça de Jesus Cristo; na santificação, o Espírito Santo capacita a
viver uma nova vida.
O perigo neste assunto tem sido não manter a complexidade entre os dois
pontos, resultando no legalismo, no qual sempre acaba faltando a graça – é onde
a maioria tem caída.
Outro perigo é cair na autojustificação, especialmente quando o pecado é
reduzido à sensualidade, que é mais controlável do que o orgulho ou a apatia,
especialmente na velhice. Uma terceira conseqüência tem sido o obscurantismo,
quando a vontade de Deus é identificada prematuramente com algum padrão
humano de conduta.
Estejamos consciente de que o equilíbrio adequado entre perdão e santi-
dade não é algo simples na vida cristã. Os erros da comunidade reformada têm
se manifestado principalmente no lado da santificação.
Contudo, este fato não deve obscurecer o vigor da tradição que tem insis-
tido em afirmar que o cristão não é somente uma pessoa perdoada, mas também
uma pessoa ética. Esta ênfase tem reflexos na teologia, no culto e na organização
da igreja. Manifesta-se especialmente no “ethos” da vida da igreja.
A pessoa eleita é chamada a uma vida de serviço e de obediência. O indiví-
duo perdoado é convocado a viver segundo a lei de Deus, depois de ter ouvido
as palavras confortadoras da liturgia e a declaração de perdão.
Que nos fique bem claro de que acima de todas as coisas, os cristãos refor-
mados se preocupam com a ética, com a lei e com a moralidade da fé. Para a
tradição reformada, santificação é acima de tudo viver e participar na transfor-
mação de Jesus Cristo.
ERUDITIO ET PIETAS.
A tradição humanista do século XVI imprimiu uma marca indelével sobre todo
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Para João Calvino, a linguagem sem o devido uso da inteligência deve ser
muito desagradável a Deus. O que percebemos na teologia reformada, é que o
bom uso da inteligência, honra a Deus. E que a ciência venha de onde vier, se for
a verdade para o bem comum, é um produto que deve gerar um glorificar a Deus.
Ao encararmos esse assunto, descobrimos que Zuínglio recebeu uma edu-
cação humanista de primeira qualidade na preparação para o sacerdócio. João
Calvino também era um humanista e um “scholar’’ antes de se tornar um refor-
mador. A tradição humanista do século XVI, imprimiu uma marca indelével
sobre todo o futuro da tradição reformada.
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Em todos os lugares em que a comunidade reformada se estabeleceu, sur-
giram escolas ao lado dos templos não somente para o ensino da Bíblia ou para
ensinar a ler a Bíblia e outras habilidades relacionadas com o seu estudo, mas
também todo o elenco das artes liberais, para libertar o espírito humano – no
Brasil não foi diferente. Exemplo, Mackenzie. Dois nomes se destacaram na his-
tória da educação reformada no Brasil, Eduardo Carlos Pereira e Erasmo Braga.
A teologia reformada tem sido sempre cuidadosa no estudo histórico das
fontes da fé, especialmente da Bíblia e da intenção de Jesus Cristo para o cristão
e a igreja. A Academia de Genebra era, em muitos aspectos, a coroação do tra-
balho de Calvino na cidade.
Dizia que a função própria dos doutores é a instrução do fiel na verdadeira
doutrina, para que a pureza do evangelho não seja corrompida nem pela igno-
rância nem pelas más opiniões.
Acreditava que é necessário educar as próximas gerações, para que não se
deixe a igreja deserta para nossos filhos, um colégio deve ser instituído para ins-
truir as crianças, preparando-as para o ministério e para o governo civil.
O sermão era um exercício intelectual e uma disciplina mental que tinha um
significativo impacto cultural. Todavia os reformados não eram intelectualistas.
Calvino fazia advertências contra a curiosidade e a especulação. A aprendizagem
unida à piedade tinha grande qualidade pragmática e utilitária. Para ele dois
polos andavam juntas, eruditio et pietas – erudição e piedade.
Avida mental a serviço de Deus tinha um valor especial para a igreja. Calvino
fez com que o conhecimento, assim como o compromisso pessoal, se tomasse
uma condição para a admissão à comunhão da mesa.
Na sua carta a Somerset a respeito da reforma da igreja na Inglaterra, Calvino
não deixou dúvida alguma sobre a importância da instrução catequética:
Acredite-me, Monsenhor, a igreja de Deus não se preservará sem um
catecismo, que é como a semente que impede o bom grão de morrer e
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Deveras, eu diria que seria bom, e até mesmo necessário, fazer com
que os pastores e os curas ficassem presos a certas formas escritas, para
suplementar a ignorância e as deficiências de alguns, bem como para
melhor manifestar a conformidade e concordância entre todas as igre-
jas. E, em terceiro lugar, para eliminar toda pretensão de introdução de
alguma excentricidade ou nova doutrina por parte daqueles que procu-
ram somente entregar-se a tolas fantasias. (Leith, J., p. 125)
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PREGAÇÃO E PASTORAL
Pregação e Pastoral
76 UNIDADE II
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muito tempo na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, onde foi temperado pelo
reavivamento da fronteira.
A pregação era também o grande tema dos dois mais conhecidos teólogos
reformados do século XX, Emil Brunner e Karl Barth. Ambos se consideravam pre-
gadores e escreveram sua teologia para pregadores. Brunner pregava para grandes
congregações no Fraumünster, em Zurique, e Barth apreciava pregar nas cadeias.
John Leith afirma que Reinhold Niebuhr, um dos grandes pregadores do
século XX, diz, em seu diário, que teve de decidir muito cedo, em seu ministério,
se ele seria um “atraente” pregador. Resolveu contra tal idéia, preferindo pregar
sermões rústicos e simples que a tradição reformada tanto admira. A pregação
é para a tradição reformada a lógica em chamas.
A pregação é não apenas indispensável para o cristianismo, mas essencial.
O cristianismo é existencialmente uma religião da Palavra de Deus. Baseado na
pregação a Igreja se sustenta ou cai. O pregador é um cativo da Palavra de Deus.
Resgatar o verdadeiro lugar da pregação no mundo atual deve ser a maior
preocupação da Igreja – e é esta uma indescritível contribuição da tradição
reformada. O homem moderno está sem gravidade, tem dito os psicanalistas. A
humanidade tem adoecido coletivamente. Há um desassossego no ar.
Vivemos com uma sensação neste início de Século de que o futuro ainda não
nasceu e o presente está confuso. Vivemos num intervalo de tempo com uma
sociedade em transição de paradigmas. Há uma certeza desinstalada no mundo
atual, vivemos procurando uma ilha de certeza num oceano de incertezas.
Este é a meta da Teologia Reformada, colocar-se como teologia pública á
caminho em meio às incertezas da vida humana. Para nós da tradição reformada,
temos um pressuposto básico: o fato da teologia não pode prescindir nem de sua
fonte, nem do contexto cultural para o qual deve comunicar-se.
Atualmente, somos carentes de uma Teologia da pregação que trabalhe em prol
do Reino de Deus no mundo e em prol do mundo no Reino de Deus. Desafio nesta
parte da aula, que teólogos e ministros reformados redescubram seu destino em Deus.
PASTORAL
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Pregação e Pastoral
78 UNIDADE II
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pessoas a andarem em Deus, descobrindo seu propósito na vida de Deus.
Na sua volumosa correspondência, Calvino exercitou o cuidado pastoral
em toda a Europa, confortando e desafiando os cristãos ao serviço heróico, exi-
gente e perigoso do Deus Todo-poderoso.
Quem escreve sobre esse aspecto pastoral, sobretudo, em Calvino é Jean-
Daniel Benoit, no substancioso estudo Calvino - Pastor de Almas. Nesta obra
Benoit conclui que Calvino era primeiramente um pastor e, em segundo lugar,
um teólogo, ou melhor, que ele era teólogo para ser um pastor.
Também chegou à conclusão de que não foi como pastor, nem como teó-
logo, nem como organizador da igreja, nem ainda como personalidade poderosa
que Calvino teve influência significativa na história. Pois em seu cuidado com as
almas, Calvino não somente estava preocupado com a salvação dos indivíduos,
mas também com o avanço do reino de Jesus Cristo.
John Leith afirma que Calvino acreditava que a organização da comunidade
cristã tinha uma importância decisiva para alimentar a vida de fé e obediência.
Elementos humanos, como as estruturas da igreja e os procedimentos do culto,
são meios de graça e devem ser adequados para o trabalho espírito. Por isso, nem
Calvino nem seus sucessores foram indiferentes as estruturas.
Todavia, eles não as consideravam importantes por si mesmas, mas com
meio de graça. Para Calvino a igreja como organização tinha uma meta uní-
voca a cura de almas.
Calvino, por essa razão era um pastor com profunda visão pastoralo. Na
ordem oficial para a existência da igreja em Genebra, providenciou que os
pastores se responsabilizassem pela visitação aos prisioneiros e enfermos, e
Pregação e Pastoral
80 UNIDADE II
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The Other Reformer Tradition (Henrique Bullinguer e o Pacto: A Outra Tradição
Reformada, 1980), Bullinger desenvolveu uma forma alternativa para a comu-
nidade cristã com sua doutrina da soberania do magistério.
Interessante ao falarmos sobre disciplina é o conceito conectado com econo-
mia, ou o fator econômico. Foi John T. McNeill quem descobriu que economia
é uma palavra que descreve adequadamente o puritano.
Certamente ela designa bem a vida pessoal de Calvino e dos membros
da igreja. Mas nem Calvino nem os puritanos eram ascetas tentando fugir do
mundo mau. Eram ascetas ou disciplinados, naquilo que acreditavam ser o uso
econômico de um mundo bom. Eles exultavam na vitalidade da existência, mas
também criam que desejos momentâneos deviam deixar de ser atendidos, algu-
mas vezes, em favor de um bem posterior.
Numa vida disciplinada havia e há lugar para diversão e mesmo para a frivo-
lidade. Mas tal lugar se insere numa ordem mais ampla. Max Weber, o sociólogo
alemão, e Ernst Troeltsch, o historiador do ensino social das igrejas, ficaram
impressionados com a autodisciplina dos calvinistas aplicada ao trabalho.
Essa tem sido uma das influências da tradição reformada nas igrejas
Americanas e brasileiras, o trabalho é visto como uma celebração da glória de
Deus, um fator intrínseco à fé. Trabalho dignifica o ser humano.
Para as pessoas educadas segundo os princípios calvinistas, viver preguiço-
samente à custa de uma herança recebida consiste em um grande pecado; seguir
uma vocação sem um objetivo definido e que não rende lucro material parece
uma tola perda de tempo e energia; e o fracasso no aproveitamento de todas as
oportunidades de obtenção de lucro material indica indiferença para com Deus.
Eis um dos motivos de João Calvino ter rejeitado os mosteiros, e fazer do
mundo inteiro o lugar da vida disciplinada e da busca de objetivos que têm sua
finalidade em Deus e sua causa na terra. O que vemos é o trabalho visto como
vocação humana, como respeito à vida. Desperdício é pecado. Lutero uma vez
afirmou: Bens que não estão a serviço da vida, são bens roubados.
Desde a visão reformada, a disciplina aplicava-se não simplesmente à pro-
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Pregação e Pastoral
82 UNIDADE II
SIMPLICIDADE
A Cristologia afirma que a vida de Jesus sempre foi de maneira intensa marcada
pela simplicidade, desprovido de estabilidade financeira, (Mateus 8:18-20).
É na simplicidade que encontramos o caminho da excelência: em sua pro-
fissão, optou por dignidade e simplicidade, (Marcos 6:3). Simplicidade é um
tema que sempre aparece nos escritos de Calvino e foi uma característica de
sua prática.
Ele se opunha a toda redundância. Era um inimigo da ostentação, da pompa,
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da complicação desnecessária. Seu estilo era simples e direto. Combatia gastos e
consumos inúteis, sendo contra outras formas de desperdício. A simplicidade está
intimamente relacionada com a ênfase de Calvino na autenticidade e sinceridade.
Qualquer atividade ou expediente que esconde a realidade deve ser rejeitado.
Para John Leith, a simplicidade era um princípio geral de João Calvino. Ele
aplicava a simplicidade na liturgia, no governo e no estilo de vida. Ele utilizava
a simplicidade no estilo literário e esta aplicação serve bem para ilustrar como a
simplicidade moldava sua própria vida, e, até sua morte. Pediu aos seu compa-
nheiros que o sepultassem num túmulo anônimo – simplicidade.
No início de sua vida profissional, quando escreveu seu comentário aos
Romanos (1.539), delicadamente Calvino decidiu escrever seu comentário com
“brevidade lúcida”, e não hesitou em censurar o velho e distinto Bucer por sua
verborragia e falta de clareza.
Calvino aborda o problema do estilo com maior detalhe em seu comentá-
rio ao texto de 1 Coríntios 1.20 “Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde,
o inquiridor deste Século? Porventura, não tornou Deus louca a sabedoria do
mundo?”. Segundo sua compreensão, o método de Paulo pregar era simples e o
apóstolo era contra os “ministros maus e infiéis” de Corinto, que buscavam se
promover com a exibição de palavras e máscaras de sabedoria humana.
A simplicidade do Evangelho era desfigurada. Os próprios Coríntios esta-
vam sentindo cócegas com uma tola afeição por um estilo que parecia elevado.
Todavia, Calvino não rejeitava a eloqüência humana. Deus é seu autor. Todos
devem se regozijar nela, mas somente quando for utilizada para transmitir a
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Em primeiro lugar, nenhum ser humano pode olhar para si mesmo, mas
deve imediatamente voltar-se para a contemplação de Deus, em Quem ele vive e
se move. É claro que nenhum homem pode chegar ao verdadeiro conhecimento
de si mesmo sem ter primeiro contemplado a face de Deus e, então descido ao
exame de si mesmo.
Essa visão de Calvino, que caracteriza nesse assunto o pensamento reformado,
seria dizer que, ao encontrar Cristo encontrei comigo, ou melhor, dizendo, encon-
trei meu verdadeiro eu. Numa paráfrase de Agostinho, Deus é meu endereço.
O conhecimento de nós mesmos leva-nos a olhar para Deus e, este conhe-
cimento pressupõe que já O contemplamos. Nós nunca contemplamos a Deus
antes de nos vermos a nós mesmos, porque, como foi observado, não podemos
chegar a um conhecimento claro e sólido de Deus, sem uma apreensão mútua
de quem realmente somos.
Conforme Edward Dowey (FERREIRA, 2003, p. 182):
“na teologia de Calvino, Deus não é jamais uma abstração que se re-
laciona com uma humanidade em abstrato, mas Deus é o Deus do
homem, cuja face está voltada para nós e, cuja pessoa e vontade são
conhecidas. E, correspondentemente, o homem é sempre descrito em
termos de sua relação com este Deus conhecido: o ser humano criado
por Deus, revoltado contra Deus, ou, redimido por Deus. Assim, toda
asserção teológica tem uma correlata antropológica e, vice-versa”.
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diência ou desobediência.
É costume de muitos escritores chamar esta característica do conhecimento
de Deus na teologia de Calvino de “prática” querendo dizer da qualidade não
especulativa, e aspecto útil deste conhecimento para o crente.
Citado por E. Dowey, Lobstein faz particularmente, uma boa apresentação
do assunto, escrevendo: “O conhecimento de Deus é, não algo puramente teórico
mas, uma experiência prática, tendo a ver com toda a personalidade humana,
solicitando todas as energias da consciência e do coração, pondo em movimento
todas as faculdades espirituais”. ( Dowey, p. 184).
Um termo mais adequado parece-me que é corrente, tanto na filosofia como
na teologia sob influência de Kierkegaard, que é “existencial”. Por este termo que-
remos dizer que o conhecimento de Deus determina a existência do conhecedor.
Igualmente, Dowey cita H. R. Mackintosh, o qual descreve o pensamento
existencial como o modo de pensar que diz respeito, não somente ao inte-
lecto, mas à toda personalidade do homem que a percebe e a adota. Pensar
existencialmente portanto, é pensar não como um expectador das supremas
saídas da vida e da morte, mas como alguém que é obrigado a tomar decisão
quanto a estas saídas. “Isto me preocupa infinitamente, aqui e agora” é o seu
tom determinante, levando de roldão tudo que é puramente teórico ou acadê-
mico.(E. Dowey, p. 185).
Não é preciso muito para convencermo- nos de que o conceito reformado
calvinista de conhecimento religioso pertence àqueles que podem ser classifi-
cados como existenciais.
VALORIZAÇÃO HUMANA
Sou fruto de uma igreja reformada, minha memória está povoada de três máxi-
mas teológicas reformadas, proclamadas por um pastor nitidamente reformado,
Jonas Dias Martins – ainda ecoa em meus ouvidos ele declarando: Soberania de
Deus, Realeza de Cristo, Valorização da dignidade humana.
De todos os pontos esse terceiro é o que mais me intrigava, pois os demais
eram mais notórios em todos os pregadores, mas esse terceiro somente o Jonas
Martins falava.
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A primeira afirmação teológica sobre o ser humano é que Deus criou o ser
humano. O humano tão bem como a minhoca, a areia do mar, a lua e o sol, é
criatura de Deus. Isso significa: Ele é o que é porque Deus fê-lo assim. Tem a sua
vida, a sua existência e suas particularidades do Criador, assim como os milha-
res de animais receberam as suas características das mãos do Senhor.
Brunner afirma que se Deus, para criar o ser humano aproveitou ou não uma
evolução de milhões de anos, isso interessa ao cientista, não à fé.
Ao afirmarmos que “Deus criou o homem”, não estamos a negar, com isso,
que o ser humano descende de pais humanos. Deus usa pais humanos para criar
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o homem. Ele é, em primeiro lugar, um membro deste mundo terreno, que vem
e vai, que se forma e transforma.
O ser humano é pó do pó. Mas como pó, maravilhosamente criado por
Deus, de forma mais esplêndida do que as plantas e os animais. É um ser criado
para um propósito eterno. Deus colocou a eternidade no coração do homem –
diz as Escrituras.
Fazemos coro com o teólogo reformado quando afirma: A Bíblia diz que
Deus criou o homem à sua imagem. Afirma isso só do homem e de nenhuma
outra criatura. O fato de ser ele imagem de Deus distingue-o do restante de toda
criação, fazendo-o, de alguma forma, semelhante ao Criador. Pois o que expres-
saria essa palavra “imagem” senão qualquer semelhança? E a Bíblia menciona
ainda outra razão dessa semelhança, dizendo: Deus lhe soprou o seu fôlego de
vida nas narinas. Então passou a ser alma vivente (Gn 2,7). O que distingue o ser
humano de toda criatura é que ele tem parte nos pensamentos de Deus.
O ser humano precisa de ter esse juízo de sua existência. Aí está o juízo, ao
invés do simples entendimento, que o animal tem. O homem pode projetar os
seus pensamentos à eternidade e ao infinito – ele sabe que foi criado para algo
mais, há um sentido de propósito em sua existência.
Devido a tudo isto é preciso dizer uma terceira coisa: Deus criou toda cria-
tura pela sua palavra. Somente o homem ele não criou, apenas, pela sua palavra,
mas também, para e em sua palavra – afirma Brunner. Vale dizer: Deus criou
o homem assim que pode perceber a palavra divina. Este é o juízo propria-
mente dito. Somente ali, onde o homem nota algo da palavra de Deus, ele é
repete a ordem recebida. O homem deve dizer: Sim, tu és meu Deus. Deus lhe
diz: Tu és meu! Cabe ao homem dizer: Sim, eu sou teu. Só quando disser isto em
seu íntimo, tornar-se-á de fato plenamente humano. Antes disso é, de qualquer
maneira, algo, um it, um senti sentido, muitas veze apenas mais um monstro.
A psicanálise diz que somos espelhos. Teologicamente dizemos que Deus nos
criou à sua imagem, como espelhos que refletem a imagem dele. Isso significa que
temos nossa qualidade de ser humano por aquilo que nos deixamos dizer a Deus.
O ser humano, entretanto, foi criado na palavra, ou seja: ele pode dizer sim
ou não àquilo para que Deus o criou, àquilo que Deus lhe diz como finalidade
de sua criação. Torna-se homem ou monstro. O mistério do homem é, precisa-
mente, este: a liberdade de dizer sim ou não a Deus.
A imagem que o Senhor quer é a seguinte: seres humanos que o amam,
porque ele os amou primeiro; humanos que lhe respondem em fé, por reco-
nhecimento espontâneo, porque a primeira palavra foi sua. O mistério do ser
humano é o mistério da fé. Eis o grande lugar da dignidade humana na tradição
reformada. Atualmente a teoria complexa fala em reforma humana, que é pre-
ciso refazer a condição humana, descobrir uma sustentabilidade onde impere o
respeito e o cuidado.
A humanidade tem adoecido coletivamente. Psiquiatras fazem coro ao dizer
que a humanidade pegou o caminho errado. Psicanalistas falam do ser humano
atual como um ser em caos, um ser sem gravidade. Lugar privilegiado para a
teologia de tradição reformada expressar o seu ETHOS, da valorização da dig-
nidade humana.
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DA REALEZA DE CRISTO E DA ORAÇÃO
A realeza de sua vida, e na sua dedicação ao Pai e à sua missão para com a
humanidade é também de certo modo, exemplar para a estrutura de todos os
eventos individuais. Tudo o que existe só é uma transição para algo que ainda
não é; nada existe para si mesmo.
Na cristologia uma verdade precisa ser enfatizada, todas as declarações têm
um sentido inesgotável de mistério. A riqueza da glória de Jesus Cristo sobressai
a toda especulação feita ao longo dos séculos. A riqueza de imagens metafóricas
mostra a reserva de sentido conceitual em cada página das Escrituras. Cristo é
o momentum inesgotável da Revelação de Deus.
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Essa riqueza da Realeza de Jesus Cristo, o Rei do Reino, permanece em neces-
sidade de expansão e de compreensão crescente à luz do futuro escatológico.
Somente o eschaton mostrará em forma final o que aconteceu na ressurreição
de Jesus dentre os mortos.
DA ORAÇÃO
Orava e levava o povo a orar, para que não houvesse uma única casa em Genebra,
sem que ali tivesse alguma pessoa orando.
Quanto ao tema da oração, vamos usufruir da contribuição de Timothy
George (Teologia dos Reformadores, 1994. p. 227), afirma que “no princípio,
Calvino enfrentou uma questão levantada por suas próprias pressuposições teo-
lógicas: se a vida cristã inteira, desde o primeiro passo até a perseverança final,
é dom de Deus, por que orar então?”
Não podemos simplesmente continuar com nossas atividades no conheci-
mento seguro de que Deus tomará conta de tudo, independentemente de nossas
orações? Os que pensam dessa forma, Calvino dizia, não entendem o propósito
pelo qual Deus ordenou a oração - não é tanto por sua causa, quanto pela nossa.
Calvino condenava a hipocrisia daqueles que
“acreditam no rompimento dos tímpanos de Deus [...] para persuadi-lo
do que querem” .(Op.cit. Timothy George, p. 228). Para Calvino, os
fiéis não oram para contar a Deus o que ele não sabe, para pressioná-lo
em suas tarefas ou apressá-lo quando demora, mas sim a fim de aler-
tar a si mesmos para buscá-Io, para exercitar a fé meditando em suas
promessas, livrando-se de suas cargas ao se elevarem a seu íntimo.[...]
O que vemos nesse reformador é o seguinte: Mantenha esses dois pontos - nossas
orações são previstas por ele em sua liberdade; contudo, o que pedimos, conse-
guimos pela oração.
João Calvino apresentou quatro regras de oração para guiar o cristão em
suas “conversas com Deus”. Vejamos:
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que chegam aos céus.”, (Op. Cit. In Timothy George, 1993, p. 228).
Essa regra também significa que não exigiremos arrogantemente de Deus nada
mais do que ele permite, mas, como as Escrituras ensinam, pediremos tudo de
acordo com sua vontade.
A segunda regra de oração é que oremos com uma percepção sincera de
necessidade, e penitentemente. A oração é mais do que murmúrios piedosos.
Deve vir do coração, “das profundezas”, como disse o salmista.
Os verbos que Calvino empregou para descrever a oração verdadeira fri-
sam este princípio: na oração ansiamos, desejamos, temos fome, sentimos sede,
buscamos, pedimos, suplicamos, clamamos. E o elemento de arrependimento
também não deve estar ausente de nossas orações. Esse é um dos pontos que
precisamos urgentemente recobrar em nossos dias.
Deus não estabeleceu a oração para arrogantemente nos envaidecer perante
ele ou valorizar grandemente nossas próprias coisas. A oração serve para con-
fessarmos, lamentarmos nosso trágico estado; Como as crianças lançam seus
problemas sobre seus pais, assim é conosco diante de Deus.
Essa percepção do pecado estimula-nos, incita-nos, desperta-nos a orar. A
terceira regra da oração segue a segunda: devemos abandonar toda a confiança
em nós mesmos e humildemente suplicar perdão. Todo o propósito da oração,
e na verdade da vida cristã inteira, é a glória de Deus.
Isso significa que qualquer um que se põe diante de Deus para orar deve em
verdadeira humildade abdicar “de todo pensamento da própria glória, despir-
-se de toda noção de dignidade [própria], enfim, afastar-se de toda confiança de
si [mesmo]”, (Institutas, III, XX, 8). É apropriado, então, que comecemos nossa
oração confessando nossos pecados e reivindicando a promessa de perdão.
A quarta regra é que oremos com esperança confiante: “assim prostrados e
subjugados de verdadeira humildade, sejamos, não obstante, animados a orar, com
segura esperança de alcançar resposta”, (Institutas, III, XX, 11). Calvino chegou
a ponto de dizer que a única oração aceitável a Deus nasce da presunção da fé.
A base real de nossa esperança, obviamente, é o objeto para o qual nossas
orações se dirigem: oramos a nosso Pai celeste, o Pai de todas as misericórdias,
o Deus de todo o conforto; oramos por meio de Jesus Cristo, seu Filho e nosso
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Vemos assim que para a tradição reformada essa relação da vida e da teoria sem-
pre andavam juntas. A fé cresce sempre na comunhão dos redimidos.
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Assim findamos mais um de nossos tópicos, um tema que apaixona quem por
Deus tem sua paixão - quanto o nosso amor a Deus seduz a razão, nasce a teolo-
gia. Esse é o princípio que encontramos em todo itinerário da teologia reformada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
98
O Pensamento da Reforma
Alister E. MacGrath
Editora: Cultura Cristã
Sinopse: este livro pretende explicar as ideias da Reforma e como elas afetaram
sua época e a nossa.
Comentário: a Reforma é uma das áreas de estudo mais fascinantes disponíveis
ao historiador. Nesta obra McGrath surpreende a todos ao mostrar aspectos
contemporâneos do que foi a Reforma para a história e a cultura da humanidade.
De fato foi uma mudança de paradigma, a criação de uma nova cultura.
Material Complementar
REFERÊNCIAS
1. C.
2. B.
3. C.
4. D.
5. D.
Professor PhD. Silas Barbosa Dias
DOS TEÓLOGOS E DO
III
UNIDADE
PENSAMENTO REFORMADO
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar as rupturas que se deram no Século XVI e que
propiciaram o contexto para a Reforma.
■ Conhecer o desenvolvimento das rupturas doutrinárias em conexão
com personagens que criaram a história, Erasmo e Zwinglio.
■ Resumir de forma assertiva a teologia da majestade da glória de Deus
em João Calvino.
■ Conceituar aspectos cognitivos da teologia reformada.
■ Descrever o desenvolvimento do pensamento teológico reformado.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Rupturas por um Novo Paradigma
■ Lutero, os Radicais e Zwinglio
■ João Calvino – Teologia da Majestade de Deus
■ Aspectos do pensamento teológico reformado
■ Desenvolvimento teológico
107
INTRODUÇÃO
Esta é uma unidade muito importante por tratar de um tema da história do pen-
samento cristão. Uma fundamental questão, que precisamos enfrentar sempre,
é a de como o pensamento foi construído. Em nosso caso, a teologia reformada
tem pressupostos básicos que foram sendo construídos.
Como já dissemos anteriormente, não se pode começar com os teólogos
ditos reformados sem passarmos pela construção teológica feita por Martinho
Lutero e Melanchton.
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Introdução
108 UNIDADE III
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o homem e Deus - entre o homem e Deus e
entre Deus e o homem.
Por isso a reunião das igrejas não tem
sido possível apesar dos tremendos esforços,
desde o século dezesseis até hoje. Pode-se
fazer acordos a respeito de doutrinas, mas
diferentes religiões não entram em acordo!
Ou adotamos a relação protestante para com
Deus ou a católica. Não se pode ter as duas.
Não se pode entrar em acordo a esse respeito
– são dois paradigmas.
Examinemos, em primeiro lugar, o propósito. A doutrina protestante pre-
tende dar ao homem a bem aventurança eterna, salvando-o da punição eterna.
As alternativas são o eterno prazer no céu ou o eterno sofrimento no inferno.
Alcança-se tal propósito por meio dos sacramentos (objetivo), nos quais a
graça mágica e divina fica de um lado, e a liberdade moral produtora de méritos,
do outro. A graça mágica é completada pela lei ativa, e a lei ativa é completada
pela graça (subjetiva).
O caráter quantitativo transparece também em termos de mandamentos éti-
cos. São de dois tipos: mandamentos e conselhos – mandamentos para todos os
cristãos; e conselhos, com o pleno jugo de Cristo, apenas para os monges e, par-
cialmente, para os sacerdotes. Por exemplo, o amor aos inimigos é conselho de
perfeição, e não mandamento para todos.
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Não se chega mais perto de Deus trabalhando-se mais pela igreja ou mor-
tificando-se o próprio corpo, mas apenas e unicamente ao se unir com ele. Se
alguém não se une a Deus, permanece separado dele. Um dos casos é incondicio-
nalmente positivo; o outro, incondicionalmente negativo. A Reforma redescobriu
as categorias incondicionais da Bíblia.
O perdão dos pecados ou a aceitação não se restringem apenas ao batismo
realizado no passado, mas constantemente necessário. O arrependimento mani-
festa-se em todas as relações com Deus e em todos os momentos.
Os elementos mágicos e legalistas desaparecem porque graça é comunhão
pessoal de Deus com o pecador. Não há qualquer possibilidade de mérito, ape-
nas a necessidade de aceitação. Não há nenhum poder mágico oculto em nossas
almas capaz de nos tornar aceitáveis, mas somos aceitos apenas no momento
em que aceitamos a aceitação de Deus. Portanto, rejeitam-se as atividades sacra-
mentais como tais.
Fica claro que os sacramentos persistem, mas significando coisa completamente
diferente. E as práticas ascéticas são rejeitadas para sempre porque são incapa-
zes de nos dar qualquer certeza. Neste ponto permanece certo mal-entendido.
A certeza é esta: se temos Deus, nós o temos. Se nós observássemos a nós
mesmos, considerando nossas experiências, pesando nossos atos de ascese e
medindo nossa moral, só chegaríamos à certeza se fôssemos extremamente auto-
complacentes ou cegos.
Para os reformadores, a única e absoluta punição é o desespero da separa-
ção de Deus. Consequentemente, a única graça é a união com Deus. Só isso!
Lutero reduziu a religião cristã a essa extrema simplicidade. Adolph von Harnack
(1851-1930), grande historiador do dogma, chamou Lutero de gênio da redução.
Lutero acreditava que reproduzia o ensinamento do Novo Testamento, espe-
cialmente de Paulo. Embora sua mensagem contenha a verdade de Paulo, não
reproduz tudo o que Paulo ensinou. A situação enfrentada por Lutero determi-
nou o que utilizou de Paulo, isto é, a doutrina da justificação pela fé, que era a
defesa do apóstolo contra o legalismo. Contudo, Lutero não desenvolveu a dou-
trina paulina do Espírito. Naturalmente, não a negou; até mesmo a mencionou,
muito embora sem lhe dar a mesma ênfase.
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O que nos chama atenção é o caráter crítico de Tillich à Lutero, quanto a esta
questão do Espirito – diz: E por isso a doutrina do Espírito de “estar em Cristo”,
a doutrina do “novo ser”, veio a ser um dos pontos mais fracos da doutrina de
Lutero da justificação pela fé.
Em Paulo, a situação é diferente. Paulo estabelece três centros em seu pen-
samento, elaborando um triângulo e não um círculo. Em primeiro lugar, temos
sua consciência escatológica, com a certeza de que em Cristo a escatologia se
realiza e começa a nova realidade. Em segundo lugar, a doutrina do Espírito, sig-
nificando que o reino de Deus apareceu e que o novo ser de Cristo já nos é dado
aqui e agora. Em terceiro lugar, Paulo se defende criticamente do legalismo por
meio da justificação pela fé. Lutero aceitava essas três posições, naturalmente,
mas a doutrina escatológica nunca foi realmente entendida por ele.
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valor religioso.
A satisfação: era também perigosa, não só porque os pecados seriam per-
doados por merecimento, por meio de obras de satisfação, mas principalmente
porque os penitentes tinham que realizar tais obras porque o pecado ainda per-
manecia neles depois do perdão.
O fato decisivo era, então, a humilde submissão às satisfações exigidas pelo
sacerdote. O sacerdote impunha ao communicandus qualquer tipo de reparação,
às vezes tão difíceis que as pessoas tinham medo de ter de cumpri-Ias.
A igreja, por sua vez, cedia a esse temor em termos de indulgências, que
eram também sacrifício. Era preciso sacrificar certas parcelas de dinheiro para
a compra das indulgências. Adquirindo-as, os penitentes não mais precisavam
cumprir as penas determinadas pelo confessor.
Segundo o pensamento popular, essas satisfações apagavam a consciência
de culpa. Pode-se dizer que se procedia a certo tipo de comércio da vida eterna.
Qualquer um podia comprar indulgências e livrar-se dessa forma de todas as
penas, tanto aqui na terra como no purgatório. Tais abusos levaram Lutero a
repensar o sacramento da penitência.
E chegou a conclusões completamente contrárias às da Igreja Romana.
Suas críticas levaram-no não apenas aos abusos, mas à sua origem no âmbito
da doutrina. E, por isso, Lutero escreveu suas famosas Noventa e Cinco Teses
em Wittenberg.
A primeira delas tornou-se fórmula clássica do cristianismo reformado:
“Nosso Senhor e Mestre, Jesus Cristo, ao dizer “arrependei-vos”, desejou que a
vida inteira dos fiéis fosse penitência”. Queria dizer que o ato sacramental era
apenas a forma em que se expressava uma atitude muito mais universal. O impor-
tante era a relação com Deus.
O que os reformadores trouxeram não foi nova doutrina, mas nova forma de
relacionamento com Deus. Essa relação não se expressava num comércio entre
Deus e homem, mas era pessoal e penitente, em primeiro lugar. E, em seguida,
relação de fé. Para Martinho Lutero o arrependimento está sempre presente em
qualquer relacionamento humano com Deus.
Lutero não atacava, na ocasião, o sacramento da penitência em si. Até mesmo
acreditava que as indulgências poderiam ser toleradas. Entretanto, não se con-
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formava com o centro de onde vinham todos esses abusos. Essa era a questão
fundamental da Reforma.
Depois dos ataques de Lutero, as consequências seguiram-se naturalmente.
O dinheiro das indulgências só poderia ter valor em relação às obras impostas
pelo papa, isto é, às penas canônicas.
Os mortos no purgatório não poderiam ser libertados pelo papa, esse pode-
ria apenas orar por eles; não tinha poder sobre a morte. O perdão dos pecados
era ato divino e tanto o papa como qualquer outro sacerdote apenas podia decla-
rar o que Deus já fizera.
Não há nenhum outro tesouro além da obra de Cristo de onde as indulgên-
cias poderiam sair. Nenhum santo poderia realizar obras supérfluas, porque é
dever humano fazer tudo o que for possível.
O poder das chaves, que é o poder dos pecados, é concedido por Deus aos
discípulos que permanecem com ele. As únicas obras de satisfação são obras de
amor; todas as outras não passam de invenção arbitrária da igreja. Não há tempo
nem espaço para elas, porque na vida real precisamos ter consciência dessas obras
de amor que nos são exigidas a cada momento.
De acordo com a teologia da reforma, a única satisfação possível é a que fez
Cristo, não a nossa. O purgatório não passa de ficção da imaginação humana
sem qualquer fundamentação bíblica.
Fato é que o Papa não aceitou essas categorias absolutas de Lutero. E surgiu
o conflito de Lutero com a igreja. Mas deixemos claro que a cisão não começou
aí. Lutero esperava reformar a igreja, os papas e os sacerdotes. Mas o Papa e os
sacerdotes não queriam ser reformados.
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LUTERO, OS RADICAIS E ZWINGLIO
Vejamos o lugar da relação teológica entre o pensamento que surge desde a rea-
lidade reformada e os radicais daquela época. É nesse contexto de conflitos de
ideias que surgem pensadores em sua relevância.
THOMAS MÜNTZER
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No dizer de Tillich (2007), quase todas as ênfases de
Lutero foram bem recebidas pelos evangélicos radi-
cais. Contudo, eles foram além, pois sentiam que
Lutero ficara no meio do caminho.
Em primeiro lugar, atacaram a doutrina de
Lutero a respeito da Escritura. Deus não falará apenas
no passado, tornando-se mudo no presente. Sempre falou; fala nos corações ou nas
profundezas de qualquer ser humano preparado para ouvi-lo por meio de sua pró-
pria cruz. Um nome que surgiu nesse período foi Müntzer.
Thomas Müntzer, o mais criativo do evangélicos radicais, acreditava que o
Espírito podia sempre falar por meio de indivíduos. No entanto, para se receber
o Espírito, era preciso participação na cruz. Ele afirmava que Lutero pregava um
Cristo doce, e que devemos também pregar o Cristo amargo, o Cristo que nos
chama a carregar a sua cruz.
A cruz, podemos dizer, representava a situação limite. Era externa e interna.
Surpreendentemente, Müntzer expressa esta ideia em termos existencialistas
modernos. Quando percebemos a finidade humana, desgostamo-nos com a tota-
lidade do mundo e nos tornamos pobres de espírito. O homem é tomado pela
ansiedade de sua existência de criatura e descobre que a coragem é impossível.
Nesse momento Deus se manifesta e ele é transformado.
Quando isso acontece, o homem pode receber revelações especiais. Pode ter
visões pessoais não apenas a respeito de teologia como um todo, mas também
sobre assuntos de vida diária. Acreditavam que Lutero, continuava meio, cató-
lico romano. Sentiam-se os eleitos.
Você já deve ter feito as ligações dessa forma de pensar com muitos grupos
sectários atuais. A própria mensagem da cruz se parece muito com a de Müntzer.
Muitos chegam até a uma morte do eu, egocídio radical. Algo para refletirmos,
teologicamente, hoje.
O que se observa nos movimentos evangélicos radicais é a ênfase na pre-
sença do Espírito divino e não nos escritos bíblicos como tais. O Espírito pode
se presentificar em qualquer pessoa a qualquer momento e lhe aconselhar sobre
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que pode muito bem acontecer antes de qualquer responso humano. O tempo
que vai do evento do batismo até o momento indefinido da maturidade não tem
a menor importância diante de Deus.
O batismo é a oferta divina do perdão, a que a pessoa sempre deve retomar.
O batismo de adultos, por outro lado, acentua a participação subjetiva com a
capacidade do homem maduro para a decisão. Lutero e os outros reformadores
preocupavam-se com a maneira como as seitas se isolavam reivindicando ser a
verdadeira igreja e serem seus membros os eleitos.
Finalmente, a última diferença refere-se à escatologia. A escatologia da
Reforma levava os reformadores a negar a crítica revolucionária dirigida ao
estado que encontramos nos movimentos sectários. A escatologia da Reforma,
a respeito do iminente reino de Deus, era verticalista sem qualquer interesse na
linha horizontal que, por assim dizer, era deixada ao diabo.
HULDREICH ZWINGLIO.
pelos humanistas, mantendo-se amigo de Erasmo até o fim de sua vida. Nem ele
nem Melanchthon se separaram de Erasmo, como Lutero fez.
De fato, eram ao mesmo tempo humanistas e cristãos. Eram cristãos huma-
nistas. Especialmente Zwinglio. A autoridade das Escrituras em Zwinglio se
baseava no apelo da Renascença: volta às fontes! A Bíblia é a revelação de Deus.
“Deus quer ser ele mesmo o mestre” (TILLICH, 2007, p. 254). Lutero jamais
teria dito uma coisa dessas. Para Lutero Deus era muito mais poderoso do que
mestre. A diferença fundamental é que Zwinglio tinha uma doutrina do Espírito
bastante desenvolvida em contraste com Lutero e os outros reformadores. “Deus
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pode conceder a verdade, por meio do Espírito, também aos que não são cris-
tãos” (TILLICH, 2007, p. 254).
A verdade sempre é dada pelo Espírito a quem quer que seja, e o Espírito
se faz presente mesmo sem a palavra da Bíblia. Essa doutrina representava, de
certa forma, a libertação do fardo bíblico com que Lutero sobrecarregava o povo.
Interessante e intrigante é essa assertiva de Tillich: Lutero ensinava uma
forma dinâmica de vida cristã. Zwinglio e também Calvino ensinavam, ao con-
trário, uma forma estática. Fé era saúde psicológica. As pessoas psicologicamente
equilibradas podem ter fé e vice-versa.
Para Lutero, a fé era dinâmica, com altos e baixos. Para Zwinglio, era muito mais
humanisticamente equilibrada. Assemelhava-se à ideia burguesa de saúde. ‘’A fé
cristã é sentida na alma do crente, como a saúde no corpo” (TILLICH, 2007, p. 256).
Conforme Tillich, a reforma suíça sintetiza a Reforma e o humanismo.
Calvino, que estudaremos mais adiante, dependia tanto de Lutero como de
Zwinglio, mas, apesar de ter preferido Lutero, até certo ponto, nunca deixou de
demonstrar em seus escritos a erudição clássica, no estilo e no conteúdo, oriunda
de sua educação humanista.
Entretanto, onde quer que a teologia liberal tenha aparecido, desde o século
dezessete até o dezenove, esteve sempre mais na linha de Zwinglio do que de
Calvino. Conforme já mencionado, Zwinglio acreditava na ação direta do Espírito
na alma humana, normalmente por meio da Palavra da Bíblia e que, não obstante,
Deus podia agir extraordinariamente por meio de pessoas que nunca tiveram
qualquer contato com a mensagem cristã, por meio de adeptos de outras religi-
ões e por meio de humanistas.
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ponto em questão parecia, na superfície, não passar de mera questão de tradução,
mas na verdade o que estava em jogo era um espírito diferente. A discussão girava
em torno da palavra “é”, na frase: “Este é meu corpo” (TILLICH, 2007, p. 257).
Os humanistas costumavam interpretar esse “é” como “significa” ou “quer
dizer”. Lutero entendia que tinha que ser interpretado literalmente: o corpo de
Cristo estava literalmente presente. Segundo Zwinglio o corpo de Cristo se fazia
presente à contemplação da fé, mas não per essentiam et realiter (por essência e
em verdade). “O corpo de Cristo é comido quando cremos que foi morto por
nós”. Tudo passa para o lado objetivo. Representa um evento do passado. Não
é um evento presente. O evento presente é meramente subjetivo, na mente do
fiel. Cristo se faz, certamente, presente na mente, com seu Espírito, mas não na
natureza (TILLICH, 2007, p. 257).
A mente só pode ser alimentada pela mente, ou o espírito pelo espírito, mas não
pela natureza física. Zwinglio mantinha contra Lutero que o corpo de Cristo estava
no céu circunscrito, isto é, num lugar definido. Dessa forma, o corpo de Cristo era
uma coisa individual; não participava na infinidade divina. Assim como qualquer
homem com seu corpo, Cristo era finito, mantendo-se separadas as duas naturezas.
A Ceia do Senhor era memória e confissão, mas não comunhão pessoal com
alguém realmente presente. Lutero dava ênfase na realidade da presença, e, para
ressaltar essa ideia, inventou a doutrina da onipresença do corpo elevado de Cristo.
A presença de Cristo se repetia, pois, em todas as celebrações da Ceia do Senhor.
Identificavam-se a pessoa histórica e a pessoa sacramental. Para explicar,
Lutero dizia: “Onde se põe Deus, aí também se põe a humanidade; não se pode
separar um sem cortar do outro; Deus e homem são uma só pessoa”. É do demônio
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JOÃO CALVINO – TEOLOGIA DA MAJESTADE DE DEUS.
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que fez” (TILLICH, 2007, p. 263).
Na verdade, tudo isso pressupõe um processo divino dinâmico dentro das
próprias leis dadas por Deus. Sabia que a doutrina da lei natural corria o perigo
de alijar Deus do centro da realidade. Calvino afirmava então que todas as coi-
sas possuíam caráter instrumental: são instrumentos que Deus sempre utiliza.
Quem chama essa doutrina de panteísmo não sabe o que o termo significa.
Contudo, se a chamarmos de pan-en-teísmo estaremos certos, pois significa que
todas as coisas estão em Deus. Atualmente essa visão é bem nítida na teologia
de Moltmann, teólogo reformado.
Relacionada com essa doutrina da providência, vinha a da predestinação.
Predestinação é providência relacionada com o fim último do ser humano. É a
providência que conduz o ser humano pelos caminhos da vida até seu destino
final. Assim, a predestinação nada mais é do que a implicação lógica da realiza-
ção última da providência.
Minhas leituras em Calvino ao longo dos anos, tem me feito ver Calvino com
outros olhos. Tive aulas em Amsterdam com Willem Balke, um dos maiores
especialistas em João Calvino de todos os tempos. Ele me disse que a ênfase de
Calvino nunca foi a predestinação, mas o Espírito Santo e a Palavra.
O que quer dizer essa doutrina da predestinação? A questão por trás desta
doutrina é: por que nem todas as pessoas recebem a mesma possibilidade de
Para Lutero, a vida nova é a alegre reunião com Deus; para Calvino, o cumpri-
mento da lei de Deus. Assim, o sumário da vida cristã é auto-negação, ou seja,
que, ao aprender que não se pertence a si mesmo, submete-se, em seguida, à
soberania e ao governo da razão, para, por fim, submetê-Ia a Deus.
O que descreve a vida cristã para Calvino não são os altos e baixos de Lutero,
o êxtase e o desespero. Para Calvino, a vida cristã é uma linha ascendente, que
sobe mediante estágios metódicos.
A INFLUÊNCIA DE PLATÃO
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qualquer valor. São palavras bem mais na tradição de Platão do que do Antigo
ou do Novo Testamento. Contudo, Calvino negava que tivesse qualquer ódio à
vida. Sua ascese não era do tipo romano, que tendia a vida ou o corpo por meio
de exercícios físicos; era o que Max Weber e Ernst Troeltsch chamavam de asce-
tismo intramundano. Essa ascese possuía duas características: limpeza e lucro
por meio do trabalho.
A limpeza era entendida como sobriedade, castidade e temperança e teve tre-
mendas consequências na vida das pessoas nos países calvinistas. Expressava-se
em extrema limpeza externa e identificava o elemento erótico com a sujeira. Essa
deturpação do erótico contrariava os princípios da Reforma, mas era consequ-
ência natural da ética de Calvino.
A segunda característica desse ascetismo intramundano era a atividade no
mundo para produzir instrumentos e ferramentas, com os quais se alcançava
lucro. É o que Max Weber chamou de “o espírito do capitalismo”, em sua obra A
ética protestante e o espírito do capitalismo.
Tillich (2007) assim coloca esse assunto: essa doutrina tem sido tão mal
entendida que preciso fazer algumas considerações a respeito. Para muita gente,
grandes pensadores como Max Weber e Ernst Troeltsch teriam afirmado que o
calvinismo produziu o capitalismo.
Então, essas pessoas querem ensinar a Weber, que foi, provavelmente, o maior
pensador do século XIX nos campos da sociologia e dos estudos humanísticos, o
que ele certamente já sabia. Pensam que lhe ensinam novidades afirmando que o
capitalismo já existia antes de Calvino, especialmente na planície da Lombardia,
A ECLESIOLOGIA
OS SACRAMENTOS E A DISCIPLINA
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A diferença entre a doutrina de Calvino e a de Lutero é que em vez de duas mar-
cas, doutrina e sacramentos, como ensina Lutero, a igreja, para Calvino, tinha
três: doutrina, sacramentos e disciplina.
Para Calvino, o elemento mais importante era a disciplina. Para ele, a dou-
trina salvadora de Cristo é a alma da igreja, desta forma a disciplina tece os
segmentos que reúnem os membros da igreja, ao mesmo tempo em que os con-
serva cada qual em seu lugar.
OS OFÍCIOS DA IGREJA
Eis uma das mais contundentes afirmações de Paul Tillich (2007): Calvino
salvou o protestantismo de ser devastado pela Contra-Reforma. O calvinismo
transformou-se, logo, num tremendo poder internacional fortalecido por alian-
ças entre os protestantes do mundo todo.
Outro elemento importante no calvinismo é a possibilidade da revolução.
Calvino, assim como Lutero, também achava que as revoluções contrariavam a
lei de Deus, mas admitiu uma exceção que veio a ser decisiva para a história da
Europa Ocidental. Entendia que, embora os cidadãos individuais não devessem
ter permissão para iniciar a revolução, os magistrados menos graduados poderiam
fazê-lo sempre que a lei natural, a que todos se submetem, começasse a ser violada.
Desde muito sabemos que as Escrituras ocupam lugar central nos cultos refor-
mados. Todos os crentes da tradição reformada gozam de alta reputação quanto
à seriedade dos estudos das Escrituras.
A doutrina da autoridade das Escrituras, em Calvino, é importante porque
incentivou o surgimento do amor pela Bíblia, presente em todos os grupos pro-
testantes. A Bíblia, para Calvino, era a lei da verdade. A Bíblia deve, pois, ser
obedecida acima de qualquer outra coisa.
A Bíblia inteira teria sido escrita “a partir da boca de Deus”, desaparecendo
qualquer distinção entre o Antigo e o Novo Testamento. Essas ideias ainda per-
sistem em todos os países calvinistas.
DESENVOLVIMENTO TEOLÓGICO
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O culto reformado tem algumas características:
Integridade: uma volta às origens bíblicas. Calvino afirmava: “Não somos
livres para escolher à vontade tudo o que não está ordenado nas Escrituras.
Inteligibilidade: a Reforma promoveu a tradução da Bíblia e sua utilização
na pregação no idioma do povo.
Simplicidade: as cerimônias religiosas da época eram pomposas, com um
ritual complicado. A Reforma promoveu a simplicidade, para que todos pu-
dessem entender (inteligibilidade).
Sacerdócio universal: a celebração litúrgica, antes da Reforma, era feita
pelo sacerdote; o povo assistia o que era realizado por ele. A Reforma pro-
moveu a participação do povo no culto, valorizando, especialmente, o cân-
tico congregacional.
Edificação: a celebração litúrgica da época anterior à Reforma era um fim
em si mesmo. A Reforma estabeleceu que o culto tem de estar vinculado à
vida em sociedade, promovendo transformações éticas e morais, estando
ligado à prática da justiça.
Fonte: Lacerda (2017, p. ).
ORTODOXIA
Desenvolvimento Teológico
132 UNIDADE III
Tillich (2007, p. 273) diz que “não se pode entender pensadores como
Schleiermacher ou Ritschl, o liberalismo americano ou a teologia do evangelho
social, sem se conhecer a ortodoxia”. Sem essa base, não saberemos contra o que
essas teologias se dirigem ou de que dependem.
RAZÃO E REVELAÇÃO
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Lutero não estava muito inclinado a aceitar qualquer coisa que viesse da
razão. Na realidade, não era assim. É verdade que se referiu, muitas vezes, contra
os filósofos, até mesmo com desprezo e fúria, mas tinha em mente os escolás-
ticos e seu mestre, Aristóteles. Contudo, nas famosas palavras pronunciadas na
Dieta de Worms, afirmou que não voltaria atrás a não ser que fosse refutado
pelas Santas Escrituras ou pela razão.
Lutero não era irracionalista. Rebelava-se contra quaisquer tentativas de
transformação da substância da fé pelas categorias da razão. A razão não pode-
ria salvar ninguém; ela precisava ser salva. Tornou-se imediatamente claro que
a teologia não poderia ser ensinada sem o auxílio da filosofia e que as categorias
filosóficas devem ser utilizadas, conscientemente ou não, no ensino do que quer
que seja. Por essa razão, Lutero não impediu Melanchton de se relacionar com
Aristóteles e de utilizar diversos elementos da filosofia dos pais gregos.
Assim, que sejamos fiéis a estes grandes desafios postos pela tradição reformada,
que só será possível se tivermos claro nosso chamado, cultivar um caráter cris-
tão e conectar com sabedoria nossa cultura.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Afinal o que realmente veio a acontecer com os teólogos dos séculos seguintes,
em especial aqueles do século XX. Quais são as grandes vertentes atuais, que aca-
bam de alguma forma influenciando os púlpitos evangélicos contemporâneos.
Vemos, principalmente em nossa pátria, a perda de uma identidade refor-
mada. Cresce tanto um superficialismo quanto uma ausência cristológica nas
pregações e articulações teológicas. Por exemplo, as composições musicais
são mais intimistas do que transformadoras. Mais um lugar de ausência dos
grandes princípios da reforma. Há um humanismo exacerbado, um cristia-
nismo sem Cristo.
Um ponto que precisamos enfatizar na teologia reformada, com muita clareza
e determinação, é que necessitamos de uma profunda teologia pneumatológica
e bíblica. A reforma tem dado uma prioridade na pregação da Palavra.
Devemos proporcionar para as futuras gerações essa perspectiva – somos a
religião da Palavra, da supremacia da Palavra de Deus, sobre toda razão, sobre
toda tradição e sobre toda experiência.
Tanto Emil Brunner quanto Karl Barth, pontuaram a necessidade da teolo-
gia enfatizar a realidade do Espírito Santo. Estamos nesse século convencidos
que este será o grande tema da teologia. Como igreja, filhos da reforma, deve-
mos enfatizar tanto a realidade da Palavra quanto a realidade do Espírito Santo.
Somente assim cumpriremos com clareza a força de nosso chamado.
Considerações Finais
134
Princípio bíblico
Os monumentos a Lutero mostram-no sempre com a Bíblia na mão. A imagem não é
muito boa porque a Igreja Católica está certa ao afirmar que já havia biblicismo na Idade
Média. Já afirmamos também a existência desse biblicismo no final dessa época. Vimos
que a crítica radical de Ockham, o nominalista, à igreja, baseava-se na Bíblia. Entretanto,
o princípio bíblico significava outra coisa para Lutero. Na teologia nominalista, a Bíblia
era a lei da igreja que podia ser utilizada contra a própria igreja, mas não deixava de
ser lei. Na Renascença, a Bíblia é a fonte da religião verdadeira, editada pelos melhores
filósofos, como Erasmo. Essas eram as duas atitudes dominantes: a legalista, do nomina-
lismo, e a doutrinária, do humanismo. Nenhuma delas conseguiu arrasar com os funda-
mentos do sistema católico. Para isso era necessário um novo princípio.
Lutero conservava certos elementos nominalistas e humanistas em seu ensino.
Valorizava altamente a edição do Novo Testamento feita por Erasmo e muitas vezes caiu
no legalismo nominalista em sua doutrina da inspiração, ao afirmar que cada palavra
da Bíblia havia sido inspirada pelo ditado de Deus. É o que se vê na sua doutrina da
Ceia do Senhor, apoiada numa interpretação literalista de certa passagem bíblica. Mas,
além disso, Lutero interpretava as Escrituras em harmonia com a sua nova compreensão
da relação do homem com Deus. Essa posição aparece em seu conceito da “Palavra de
Deus”. Esse é o termo mais empregado na tradição luterana e na teologia neo-reforma-
da de Barth e outros. Mas não nos ajuda muito. O próprio Lutero dava a esse termo seis
sentidos diferentes.
Lutero afirmava que a Bíblia era a palavra de Deus - mas sabia muito bem o que dizia.
Mas quando queria realmente expressar o que pensava, dizia que na Bíblia se encontra-
va a palavra de Deus, a mensagem de Cristo, a expiação, o perdão dos pecados e a dá-
diva da salvação.Deixava bem claro que a Bíblia continha a palavra de Deus no sentido
em que transmitia a mensagem do Evangelho. Mas entendia que essa mensagem existia
antes da Bíblia, na pregação dos apóstolos. Como Calvino diria mais tarde, Lutero enten-
dia que os livros da Bíblia eram uma situação de emergência, posto que necessários. Por
isso, o que importava era o conteúdo religioso; a mensagem era objeto de experiência.
“Se eu sei o que creio, conheço o conteúdo das Escrituras, pois
elas não contêm outra coisa a não ser o Cristo”. As Escrituras são o critério da verdade
apostólica.
As Institutas
João Calvino
Editora: Cultura Cristã
Sinopse: obra clássica da Reforma Protestante do Século XVI. O impacto do
pensamento teológico da Reforma não seria o mesmo sem esta obra de João
Calvino. Todo estudioso sério necessita de uma leitura acurada das Institutas.
Material Complementar
REFERÊNCIAS
LACERDA, G. Estandarte. Revista Teologia e sociedade, n. 11, ano 125, nov., 2017.
1. D.
2. B.
3. D.
4. E.
5. E.
Professor PhD. Silas Barbosa Dias
A TEOLOGIA REFORMADA
IV
UNIDADE
APÓS CALVINO
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar as dimensões ocorridas após o século XVI que atingiram a
Europa e a América.
■ Conhecer os inícios do desenvolvimento reformado nos países
baixos.
■ Entender o desenvolvimento de algumas das controvérsias vividas
pela tradição reformada.
■ Desenvolver a inserção da tradição reformada em solo brasileiro.
■ Surpreender-se com a primeira confissão de fé feita no Brasil.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Calvino e o calvinismo
■ Controvérsias pós Calvino
■ Calvinismo na Holanda e o Sínodo de Dort
■ O movimento puritano e a Confissão de Westminster
■ A teologia reformada no Brasil
143
INTRODUÇÃO
lasticismo protestante.
No século XIX e XX, vimos o ressurgimento de um tempo altamente cria-
tivo, mas também carregado de doutrinas que muito provocaram negativamente
a tradição reformada. Fato é que o caminho ainda está em aberto, assim, há um
maravilhoso mundo pela frente, e a teologia reformada é de novo desafiada a pre-
parar um povo para uma teologia séria e comprometida com o Reino de Deus,
sob a realeza de Cristo, a soberania de Deus e a valorização do ser humano.
Nesta unidade intentamos apresentar o desenvolvimento da teologia refor-
mada, pós-Calvino, analisando o que foi construído teologicamente nos países
com forte influência reformada, em especial a Suíça e a Holanda. Ainda temos
que ver o chegar dessa tradição na América e em nossa pátria.
Todos temos ao longo dos tempos falado sobre igualdade e liberdade. O que
precisamos saber é que as idéias modernas de igualdade e liberdade de escolha
foram grandemente avançadas pela Reforma Protestante.Podemos dizer que
isto provém da forte insistência de Lutero de que não existe distinção espiritual
diante de Deus entre o clero e o leigo. A doutrina do sacerdócio universal de
todos os santos afirmava que todos os crentes são iguais, todos são igualmente
cristãos e todos são sacerdotes.
Introdução
144 UNIDADE IV
CALVINO E O CALVINISMO
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Veremos então como a teologia reformada,
a qual o nome “Calvinismo” foi aplicado com
crescente frequência, se desenvolveu em várias
partes da Europa - Suíça, Alemanha, Holanda,
França, Escócia e Inglaterra, nessa ordem.
É inegável para todos a grandeza de Calvino como um teólogo, organizador
e líder eclesiástico, no entanto, é necessário também enfatizar a contribuições
de outros reformadores.
Este é claramente o caso de Zwinglio, que foi, sem dúvida alguma, o pri-
meiro grande teólogo reformado e é geralmente obscurecido por Calvino. Após
o Consenso de Zurique, em 1549, como os pontos de vista de Calvino sobre a
eucaristia foram crescentemente aceitos pelo Protestantismo Suíço, a teologia
de Zwinglio recuou para os bastidores.
Há ainda um ponto crucial, muito do “Calvinismo” posterior estava mais
perto de Zwinglio do que de Calvino. Um exemplo é a questão dos sacramentos.
Em sua tese de doutorado sobre os sacramentos, Jeremias Klein afirma que na
Ceia do Senhor, as igrejas de tradição reformada seguem o conceito de Zwinglio
e não o de Calvino.
Outro ponto, foi a doutrina da predestinação, que Zwinglio discutirá em
conexão com a providência e a criação, enquanto Calvino a colocará dentro da
estrutura da Soteriologia. Como veremos, isto resultou no desenvolvimento de
uma doutrina “calvinista” da predestinação que foi muito além da própria dou-
trina de Calvino. Já tivemos oportunidade de mostrar a influência de Bucer sobre
Calvino, especialmente na eucaristia e eclesiologia.
Foi o reformador de Basiléia, que apoiou Zwinglio tanto em sua teologia quanto
na política externa. Seus estudos patrísticos e bíblicos foram uma contribuição
importante tanto para Calvino quanto para outros teólogos reformados.
Calvino e o Calvinismo
146 UNIDADE IV
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Aristóteles eram estudados, num esforço para produzir a reforma da igreja.
Foi nessa escola que Zanchi recebeu grande parte de sua formação teológica.
Posteriormente, quando Pedro Martire foi professor em Estrasburgo, ele incluiu
entre os assuntos que ele explicava a obra Ethics (Ética) de Aristóteles.
Assim, Pedro Martire Vermigli introduziu na teologia reformada uma abor-
dagem metodológica que teria profunda influência no desenvolvimento posterior
dessa teologia.
Enquanto Calvino começou a partir da revelação concreta de Deus e sempre
reteve um tremendo senso do mistério da vontade de Deus, a teologia reformada
posterior tendeu mais e mais a caminhar dos decretos divinos para os decretos
particulares de um modo dedutivo.
Assim, embora o próprio Pedro Martire não entrasse em tal debate, a con-
trovérsia posterior entre infralapsarianos e supralapsarianos foi o resultado do
método que ele introduziu na teologia reformada.
A mesma abordagem metodológica é a razão pela qual os teólogos reformados
posteriores colocaram a doutrina da predestinação sob a seção da doutrina de Deus,
abandonando assim a prática de Calvino de colocá-Ia sob o título da Soteriologia.
permaneceu quase onze anos. Durante a maior parte desse tempo, ele foi visto
com desconfiança pelos líderes religiosos luteranos mais rigorosos da cidade.
A pressão foi tal que ele finalmente subscreveu a Confissão de Augsburgo,
embora declarando que ele a estava interpretando “de forma ortodoxa”.
Foi lá que ele escreveu a maioria dos seus trabalhos teológicos, relacionados
com questões tais como predestinação e a doutrina da Trindade. Pelo exposto,
deveria ser claro que Zanchi não era uma pessoa excessivamente dada a orto-
doxias rígidas ou um caçador de hereges. Ele também era por demais amante da
paz para isso. E ainda, quando se trata dos seus pontos de vista sobre predesti-
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Calvino e o Calvinismo
148 UNIDADE IV
De modo importante, após ter estabelecido com uma lógica fria e inexorá-
vel as doutrinas da dupla predestinação e da expiação limitada, Zanchi se volta
para a tarefa de tentar mostrar o valor pastoral e devocional destas doutrinas. O
que temos aqui não é, portanto, um racionalismo frio e desumano. No entanto,
ainda permanece o fato que Zanchi mudou a doutrina de Calvino da predesti-
nação, não tanto em seu conteúdo, mas no seu tom, tornando-a uma doutrina
que pode ser inferida da natureza de Deus, ao invés de uma pela qual o teólogo
tenta expressar a experiência da graça.
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Teodoro Beza (1519 - 1605)
Gonzalez escreve que Beza foi chamado por Calvino para ensinar na Academia
de Genebra e, após a morte de Calvino, se tomou um líder do movimento refor-
mado, tanto em Genebra quanto em toda a Suíça. Embora fosse um capaz erudito
no Novo Testamento (sua edição do Novo Testamento em Grego que estabeleceu
novos padrões para o estudo e a crítica textual), ele nos interessa aqui principal-
mente como um teólogo. Como tal, seus principais trabalhos foram Confissão
da Fé Cristã (1560) e Tratados Teológicos (1570-1582).
A teologia de Beza é muito similar à de Zanchi. Embora alegando não ser
mais do que um intérprete e continuador dos pontos de vista de Calvino, ele os
distorce de forma sutil e decisiva. Por exemplo, ele também colocou a doutrina
da predestinação sob a seção do conhecimento, vontade e poder divinos e assim,
tende a confundi-Ia com pré-determinismo.
Como Zanchi, ele insistiu na teoria da expiação limitada novamente, uma
conclusão que podia ser inferida de algumas premissas de Calvino, mas que o
próprio Calvino recusou fazer.
A ordem da Igreja Presbiteriana, que Calvino e outros haviam desenvolvido
em Genebra, mas que nunca alegaram ser essencial, Beza afirmou ser requerida
pelo ensino claro da Escritura.
Calvino, além de Lutero, ao declarar o direito de resistir a governadores tira-
nos, insistia na doutrina tradicional de que tal resistência é uma prerrogativa
Outro nome pouco conhecido por todos foi Zacarias Ursinus, que passou a
maior parte de sua juventude em Wittenberg, onde foi um discípulo e amigo
de Melanchthon. Ele também mostra que, mesmo com referência à doutrina da
eucaristia, Beza se posiciona entre Calvino e os Calvinistas posteriores.
Ele viajou extensivamente, e suas visitas à Suíça podem ter fortalecido suas
inclinações para o ponto de vista “calvinista” sobre a Ceia do Senhor. De qual-
quer modo, quando as controvérsias que estudamos anteriormente irromperam
no meio luterano, ele foi acusado de ser um calvinista disfarçado e, finalmente,
foi forçado a buscar refúgio no Palatinado, para onde foi chamado pela inter-
venção de Pedro Martire Vermigli.
Calvino e o Calvinismo
150 UNIDADE IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
neos calvinistas, mas ele parece mesmo ter entendido Calvino pelo menos em
alguns pontos - melhor do que eles o fizeram.
Assim, por exemplo, o Catecismo de Heidelberg - que os estudiosos concor-
dam ser na maioria seu trabalho - não tenta provar a predestinação como uma
consequência da natureza de Deus, mas, ao contrário, colocam-na após a dou-
trina da igreja, como uma expressão da experiência da salvação.
Comentando o Catecismo, Ursinus novamente não tenta provar o que essa con-
fissão diz, relacionando a predestinação aos atributos divinos - como Zanchi o faz
claramente -, pelo contrário, tenta mostrar a importância pastoral da predestinação.
Em relação à reprovação, ninguém deve determinar nada com certeza, nem
a respeito de si mesmo ou de outrem antes do fim da vida, pois as razões pelas
quais ele ainda não é convertido podem mudar antes que ele morra. Por isso, nin-
guém pode decidir acerca de outros, que eles sejam réprobos, mas deve esperar
pelo melhor. A respeito de si mesmo, entretanto, cada um deve crer com cer-
teza que é um dos eleitos; pois nós temos um mandamento universal para que
todos se arrependam e creiam no evangelho?
Assim, pouco após a morte de Calvino - e mesmo antes - sua teologia estava
sendo esquematizada por teólogos tais como Vermigli, Zanchi e Beza, apesar do
fato de haver também um Ursinus que parece ter entendido algo do dinamismo
e novidade do sistema de Calvino. Este processo de enrijecimento, que se esta-
beleceu tão cedo, foi ajudado posteriormente durante o século 17 por várias
controvérsias em que o Calvinismo se encontrou envolvido.
CONTROVÉRSIAS PÓS-CALVINO
Controvérsias Pós-Calvino
152 UNIDADE IV
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francesa não a aceitou como sua confissão de fé, e a razão para isso foi simples-
mente que eles já tinham sua própria confissão. Portanto, em 1571, no sínodo
de La Rochelle, eles declararam a Segunda Confissão Helvética como uma ver-
dadeira confissão da correta doutrina cristã.
A Segunda Confissão Helvética, escrita por Bullinger - que, estritamente
falando, não era um calvinista -, com o propósito de conciliação, foi em mui-
tos aspectos uma influência do movimento na direção da ortodoxia calvinista
rígida. De fato, a maioria das áreas onde esta confissão foi promulgada evitou
as consequências mais extremas daquela ortodoxia. Não há dúvida de que este
é um documento reformado, com forte influência calvinista.
A Ceia do Senhor é entendida, de acordo com o Consenso de Zurique, em
termos tipicamente calvinistas. Sobre a predestinação, esta confissão está posi-
cionada entre o próprio Calvino e os expoentes dentre os calvinistas posteriores,
pois ela coloca esta doutrina, como eles o fazem, no final da doutrina de Deus,
de forma que ela se parece quase como um prefácio à doutrina da salvação.
Portanto, a doutrina da predestinação da Segunda Confissão Helvética pode
ser considerada como um elo entre o próprio Calvino e os calvinistas posterio-
res. Outro ponto em que a Segunda Confissão Helvética aparece como uma ponte
entre Calvino e a ortodoxia calvinista é a doutrina da inspiração da Escritura.
Ele não começou sua teologia com uma discussão dessa inspiração. De fato, ele
nunca discutiu a inspiração bíblica plenamente e ele nem parece ter estado cons-
ciente dos perigos do extremo literalismo bíblico
A Segunda Confissão Helvética, por outro lado, começa seu primeiro capítulo
proclamando que a Santa Escritura é a Palavra de Deus, totalmente inspirada
por Ele. Esta mudança na estrutura da teologia, novamente, não parece afetar
grandemente o conteúdo desta Confissão, mas é o começo de uma tendência de
apresentar a Bíblia como o livro dos decretos divinos de onde a teologia é extra-
ída de seu texto como uma série de proposições.
Como veremos posteriormente, neste aspecto, a Segunda Confissão Helvética
é precursora da Confissão de Westminster. Na própria Genebra, entretanto, a
influência de Beza foi grande, e, por meio dele, sua própria forma de Calvinismo
ganhou terreno em outras partes da Suíça.
Isso pode ser visto nos casos de Samuel Huber e Claude Aubery. Samuel
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Controvérsias Pós-Calvino
154 UNIDADE IV
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Após uma série de prolegomena, que são muito similares ao que seria encon-
trado em qualquer outra teologia escolástica, Turretin se volta para a questão
da autoridade da Escritura. Sua preocupação aqui é mostrar que a Escritura é a
única autoridade da teologia cristã e que a tradição não deve ser colocada lado
a lado com ela.
Esta é a teologia protestante tradicional, que Turretin deriva dos reforma-
dores do século XVI. Ele, então, prossegue discutindo detalhes tais como se a
Septuaginta é inspirada ou não e se o texto da Escritura, de alguma forma, foi cor-
rompido pela tradição manuscrita. Em ambos os casos sua resposta é negativa.
Entretanto, é importante destacar que seu argumento com referência à possível
corrupção do texto está baseado na autoridade do próprio texto: deve-se afirmar
que o texto da Escritura foi preservado em sua pureza primitiva, porque negá-
-Ia seria uma negação da providência divina.
De fato, Deus desejou revelar-nos na Escritura todas as coisas que são neces-
sárias para nossa salvação e também que não houvesse outra revelação além
daquela. Se Deus, então, permitisse que o texto da Palavra revelada fosse cor-
rompido pelos copistas, esta seria uma falha da providência.
Esta maneira de colocar a doutrina da Escritura no começo da teologia sis-
temática e então prosseguir para definir e esclarecer a absoluta inerrância da
Escritura é típica do Calvinismo posterior, e não encontrada no próprio Calvino.
Esta tendência alcançou seu ápice no Consenso Helvético de 1675, composto por
Turretin e dois outros teólogos, que alegavam que as vogais e pontos do texto
hebraico eram divinamente inspirados e, portanto, inerrantes.
Controvérsias Pós-Calvino
156 UNIDADE IV
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tante, em seu estilo escolástico e metodologia. Aqui, novamente, encontramos as
infindáveis e sutis distinções, esboços rígidos, sistematização rigorosa e a aborda-
gem proposicional que haviam sido características do Escolasticismo Medieval
posterior. Portanto, há ampla razão para chamar Turretin e seus contemporâ-
neos de “protestantes escolásticos”.
Este tipo de Calvinismo rígido não continuaria inalterado, mesmo em
Genebra, tal fato pôde ser visto quando Jean-Alphonse Turretin, o filho de
Francisco, liderou uma reação liberal que, em 1725, seria bem-sucedida em
ver os decretos de Dort, bem como os da Segunda Confissão Helvética, aboli-
dos em Genebra.
A história do Calvinismo na Alemanha durante os séculos XVI e XVII é pra-
ticamente coexistente devido à complicada história política daquela nação. Não
podemos contar essa história aqui. Contudo, é suficiente dizer que o Calvinismo
esteve constantemente sobre pressão na Alemanha, pois a medida de tolerância
que fora concedida ao Luteranismo não se aplicou a ele.
Gonzales (2004, p. 282) diz que as regiões cuja a influência de Calvino fora
forte – especialmente Estrasburgo - finalmente se uniram às fileiras da confissão
luterana. À luz destas circunstâncias, o centro mais importante do Calvinismo
durante o século XVI foi o Palatinado e sua capital Heidelberg, onde, devido a
condições políticas particulares, a fé reformada foi favorecida pelo Eleitor.
A obra Catecismo de Heidelberg logo se tomou o documento mais carac-
terístico do Calvinismo Alemão. Os teólogos de Heidelberg, entretanto, foram
frequentemente acusados por outros calvinistas de terem introduzido inovações
em sua teologia. Neste aspecto, Tomas Erastus é importante.
sustentou que era a tarefa das autoridades civis punir os cristãos que pecavam e
que a própria igreja não tinha autoridade para excomungar.
Finalmente, seu nome se associou com o ponto de vista de que o Estado deve
ser soberano sobre a igreja, mesmo em questões de disciplina eclesiástica - uma
opinião que recebeu o nome de “Erastianismo”.
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nada pelos calvinistas rigorosos era inaceitável e uma negação da justiça de Deus.
Estudando as objeções de Koornhert, Armínio convenceu-se de que ele
estava correto em muitos pontos. Isso, entretanto, não teria causado nenhuma
grande controvérsia se Armínio, quatro anos mais tarde (1603), não tivesse sido
apontado como professor de Teologia em Leyden, onde seus pontos de vista logo
colidiram com os do seu colega Francisco Gomarus (1563-1641).
Tudo, portanto, começa em Leyden, lugar em que atualmente é um centro
cultural dos mais nobres na Holanda. Gomarus não foi apenas um calvinista
rigoroso, mas também um supralapasariano.
De acordo com ele, Deus decretou a eleição de alguns e a reprovação de
outros, e então decretou permitir a queda como a maneira pela qual essa eleição
e reprovação aconteceriam. Além disso, após a queda, toda a natureza humana
está totalmente depravada; e Cristo morreu apenas pelos eleitos.
Sua reação aos ensinos de Armínio não demorou a chegar, e sua ira foi exa-
cerbada quando, após a morte de Armínio (1609), a cadeira vaga foi preenchida
por Simon Bisschop (1583-1643), cujas convicções seguiram as mesmas linhas
gerais daquelas de Armínio.
Quando Gomarus - que não estava mais em Leyden - e seus seguidores ten-
taram fazer pressão para promover a remoção de todos os arminianos de suas
posições como professores, quarenta e seis pastores assinaram o Remonstrance
(1610). Este foi um documento, provavelmente composto por João Uyttenbogaert
- embora por vezes atribuído a Bisschop - que rejeitou tanto o supra quanto o
infralapsarianismo, a doutrina que o eleito não poderia cair da graça e a teoria
da expiação limitada, isto é, que Cristo não morreu por todos.
Destes, segue o quarto decreto, por meio do qual Deus determinou salvar e
condenar certas pessoas em particular. Este decreto tem seu fundamento no pré-
-conhecimento de Deus, pelo qual ele conheceu desde toda a eternidade aqueles
indivíduos que, por meio da sua graça preventiva, creram e perseveraram por
meio de sua graça subsequente, de acordo com a administração anteriormente
descrita daqueles meios que são adequados e próprios para a conversão e a fé;
e, por esse mesmo pré-conhecimento, ele semelhantemente conheceu aqueles
que não creram e perseveravam.
Os calvinistas rígidos estavam certos quando eles reivindicaram que o enten-
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dimento de Armínio da predestinação destruiu o próprio objetivo daquela
doutrina, a saber, que ninguém possa ser capaz de se orgulhar de sua própria
salvação. De fato, se a causa da nossa eleição é o pré-conhecimento de Deus do
nosso arrependimento e fé, segue-se que o fator determinante em nossa salva-
ção é a nossa própria resposta ao chamado do evangelho, isto é, nossa própria
fé, e não a graça de Deus.
Para evitar estas consequências, Armínio recorreu ao que ele chamou “graça
preventiva”. De acordo com ele, esta graça preventiva (ou precedente) foi conferida
a todos por Deus, e essa graça é suficiente para crer, apesar de nossa corrupção
pecadora, e, consequentemente, para nos salvar.
A diferença entre o eleito e o réprobo repousa, então, em que alguns crêem
e outros não, e também que Deus sempre antevê qual será a decisão de cada um.
Portanto, a graça suficiente para salvação é conferida ao Eleito e ao não-Eleito;
de forma que, se desejarem, eles podem crer ou não, e podem ser salvos ou não.
A graça, então, não é irresistível, como os Gomaristas insistiam. Isso, em con-
trapartida, implica no fato de que Cristo morreu por toda a raça humana e que
a doutrina da expiação limitada deve ser rejeitada.
O ponto em disputa é: se é possível dizer verdadeiramente que, quando Deus
desejou que seu próprio Filho se tornasse um homem e morresse pelos pecados,
ele o desejou com esta distinção, que ele deveria assumir, apenas por alguns, a
natureza humana que ele teve em comum com todos os homens; que ele deve-
ria sofrer somente por uns poucos a morte, que poderia ser o preço para todos
os pecados de todos os homens, e pelo mesmo primeiro pecado que todos igual-
mente cometeram em Adão.
Finalmente, Armínio argumentou que, precisamente porque a graça não é
irresistível, é possível perder a salvação. Esta opinião pareceu especialmente inju-
riosa para aqueles calvinistas que sentiam que o grande benefício da doutrina da
predestinação era a segurança da salvação que decorria dela.
Quando o Remonstrance foi publicado, toda a controvérsia ficou envolvida
num conjunto de questões políticas e sociais. A maioria das províncias marítimas,
especialmente a burguesia, que era numerosa e poderosa naquelas províncias,
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A TULIP
T – total depravação.
U – eleição incondicional (Unconditional election).
L – expiação limitada (limited atonement).
I – irresistível graça.
P – perseverança dos santos.
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do pré-conhecimento divino a respeito daqueles que creriam e dos que não creriam.
A resposta de Dort para este entendimento da predestinação não deixa
margem para dúvida. A eleição é totalmente incondicional e, portanto, não está
baseada em pré-conhecimento, mas apenas na decisão soberana de Deus.
A boa vontade de Deus é a única causa desta eleição graciosa. Isto não con-
siste que Deus, ao antever todas as qualidades possíveis das ações humanas,
tenha escolhido algumas destas como uma condição da salvação, mas que Lhe
agrada adotar para Si mesmo algumas pessoas da massa comum de pecadores
como um povo peculiar, de acordo com o que está escrito.
O segundo ponto do Remonstrance, seguindo novamente os ensinos de
Armínio, afirmou que Jesus morreu por todos os homens e por cada um deles de
tal forma que Ele obteve tudo para eles, por meio de sua morte na cruz, redenção
e perdão de pecados. O que foi discutido não foi a quantidade dos que seriam
salvos, mas se a morte de Cristo fora ou não por toda a humanidade.
Contra este ponto de vista, o Sínodo de Dort afirmou a distinção feita ante-
riormente por Gomarus e outros calvinistas, entre a suficiência dos méritos de
Cristo em si mesmos e sua eficácia segundo a vontade divina. Assim, a morte de
Cristo “é de excelência e valor infinitos, abundantemente suficiente para expiar os
pecados de todo o mundo”. Mas ainda, “foi da vontade de Deus, que Cristo pelo
sangue da cruz [...] redimisse efetivamente [...] todos aqueles, e apenas aqueles,
que foram escolhidos desde a eternidade” (GONZALES, 2004, p. 288).
Esta é a doutrina da expiação limitada, que se tornaria uma das marcas
distintivas do Calvinismo ortodoxo posterior. Sobre a questão da depravação
sua divergência foi muito mais sutil do que a mera questão se os seres humanos
são ou não totalmente depravados. A diferença foi que, enquanto o Remonstrance
recusara a conectar tal depravação humana com a graça irresistível, Dort esta-
beleceu tal conexão, pois somente uma graça que é irresistível pode mudar o
coração de um pecador totalmente depravado.
Acerca da questão da graça irresistível, entretanto, os dois grupos discor-
daram totalmente. O Remonstrance disse que no que diz respeito ao modo de
operação desta graça, ela não é irresistível. Contra tal alegação, o Sínodo de Dort
afirmou que a depravação da humanidade é tal que Deus precisa mudar a von-
tade para levar qualquer um para a fé.
A fé, portanto, deve ser considerada como um dom de Deus, não por conta
do que está sendo oferecido por Deus ao homem, para ser aceita ou rejeitada
ao seu prazer, mas porque é, na realidade, conferida, exalada e infusa nele; nem
mesmo porque Deus confere o poder ou habilidade para crer, e então espera
que o homem possa, pelo exercício de seu próprio livre arbítrio, consentir com
os termos da salvação e efetivamente crer em Cristo, mas porque ele que traba-
lha no homem tanto o querer quanto o realizar, e, de fato, tudo em todos produz
tanto a vontade para crer quanto também o ato de crer.
Finalmente, quanto à questão da perseverança dos santos, os remonstraten-
ses foram novamente mal interpretados. Eles não alegaram que tal doutrina fosse
incorreta. Eles nem mesmo a atacaram. O que eles de fato fizeram foi recusar-
-se a ensinar a doutrina oposta - a possibilidade de cair da graça ou “apostatar”
-, sem uma prova escriturística mais profunda.
Obviamente, tal declaração implica que eles não estavam totalmente con-
vencidos sobre a teoria da perseverança dos santos. No entanto, claramente, eles
não fizeram da teoria oposta um dos pilares de sua teologia. Foi o Sínodo de
Dort que tornou a doutrina da perseverança dos santos uma marca necessária
da verdadeira fé cristã, e assim levou, posteriormente, os arminianos a defender
a possibilidade de cair da graça. As palavras de Dort não deixam dúvida quanto
à importância da doutrina da perseverança:
A mente carnal é incapaz de compreender esta doutrina da perseve-
rança dos santos,e a certeza por conseguinte, que Deus revelou abun-
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dantemente em sua Palavra, para a glória do seu nome e a consolação
das almas piedosas, e que ele imprime sobre os corações dos fiéis.
Satanás a abomina; o mundo a ridiculariza; os ignorantes e hipócritas
abusam e os hereges se opõem a ela. Mas a esposa de Cristo sempre
a tem amado ternamente e constantemente defendido-a como um
tesouro inestimável; e Deus, contra quem nem conselho nem força
podem prevalecer, a disporá para continuar nesta conduta até o fim
(GONZALEZ, 2004, p. 289).
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O MOVIMENTO PURITANO E A CONFISSÃO
DE WESTMINSTER
Falar na construção teológica dos chamados teólogos reformados coloca como essen-
cial um acurado estudo do movimento puritano. Esse ponto é fundamental para ser
estudado, pois de novo há muitos procurando se pautar pela cosmovisão puritana.
Fato é que o acordo de Elizabete não satisfez um vasto número de pessoas pie-
dosas e zelosas na Inglaterra que sentiram que a tarefa da Reforma não fora levada
adiante tanto quanto deveria ter sido. Aquelas pessoas queriam purificar a igreja
de todas as crenças e práticas não bíblicas, eles foram chamados de “Puritanos”.
A essência do desacordo entre os primeiros puritanos e os anglicanos pode
ser vista em uma carta que o bispo Grindal escreveu a Bullinger, em 1566, em que
ele diz que é inacreditável quanto esta controvérsia sobre coisas sem importância
tem perturbado nossas igrejas, e ainda, em grande medida, continua a fazê-lo.
O que não era importante para o bispo era a verdadeira essência do Evangelho
para aqueles que insistiam em uma reforma total e criam que ela requeria ade-
são rigorosa às práticas do Novo Testamento em todo aspecto.
Os puritanos não planejaram destruir a igreja anglicana. Pelo contrário, eles
concordaram com o Anglicanismo que deveria haver uma igreja estatal. Seu alvo
original não era abolir a união anglicana entre igreja e Estado, nem mesmo criar
outra igreja ao seu lado. O que eles tentaram fazer, a princípio, foi promover uma
mudança radical na igreja estabelecida da Inglaterra. Apesar disto, estes advoga-
dos de reformas mais profundas eram subversivos aos interesses do acordo de
Elizabete em mais de uma maneira.
Muitos deles aderiram a uma teologia da aliança que sustentava que, de
acordo com a Escritura, Deus entra em um pacto com um povo, que deve
obedecer tais pactos para que o acordo seja mantido. Esta teologia do pacto
também teve seus advogados continentais em Ursinus, no século XVII, e em
João Cocceius.
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Mas o que a fez particularmente subversiva na Inglaterra foi que muitos puri-
tanos chegaram à conclusão que o próprio Estado existe em uma forma de um
pacto. Isto, em contrapartida, poderia servir como uma base para tentar modi-
ficar, ou mesmo, mudar radicalmente a estrutura do governo. Embora este traço
revolucionário fosse quase irreconhecível - se é que estava presente para os pri-
meiros puritanos, ele finalmente custaria a cabeça de Carlos I.
Outros, dentre os primeiros puritanos, sustentaram que o verdadeiro governo
da igreja deveria ser presbiteriano, e que o episcopado deveria ser abolido. Alguns
tomaram uma posição intermediária e aceitaram ordenação pelo episcopado,
mas não teriam o controle da congregação a menos que fossem chamados para
isso. Outros, ainda, foram mais longe, e havendo se tornado convencidos de
que a igreja estabelecida nunca seria reformada da forma que a Palavra de Deus
requeria, formaram suas próprias igrejas separadas.
Uma dessas pessoas foi Robert Browne (1550 - 1633), anteriormente um
membro puritano do clero, que perdera seus privilégios junto à igreja anglicana
por causa de suas idéias puritanas. Em 1581, Browne fundou a primeira igreja
congregacional em Norwich, na Inglaterra, e se tornou seu pastor.
Este e diversos casos similares foram o começo do movimento separatista
que, no século seguinte, se tornaria uma das forças religiosas mais significativas
na Inglaterra. No entanto, já no século XVI, estas várias tentativas de mudar a
política da igreja não foram vistas com simpatia pelas autoridades Elisabetanas,
pois elas alienariamos mais conservadores e também destruiriam a íntima cola-
boração entre igreja e Estado que era um dos alvos da política de Elizabete.
Embora o movimento Puritano tenha tido profundas raízes nas várias correntes
reformadoras do princípio do século XVI, muito breve ele se tornou intima-
mente associado ao Calvinismo. Isto se deu parcialmente devido à morte de Maria
Tudor, que ocasionou o retorno do exílio de muitos que haviam buscado refúgio
em Genebra, Frankfurt e outras cidades onde a influência de Calvino era grande.
Ele foi mais fortalecido por muitos discípulos que Martin Bucer adquirira
em Cambridge, onde ensinara durante o reinado de Eduardo VI.
Os puritanos procuravam interpretar o acordo de Elizabeth como uma medida
intermediária entre Roma e Genebra ou - o que pareceu ser o mesmo - entre
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Roma e o Cristianismo escriturístico. Então, parcialmente, devido ao sucesso
da Reforma na Escócia, e à forma que a igreja protestante tomou naquele país
vizinho, os puritanos se tornaram crescentemente convencidos de que a forma
presbiteriana de governo era parte do Cristianismo escriturístico.
Como verdadeiros calvinistas, os puritanos defendiam a doutrina da predes-
tinação. Para eles, entretanto, pelo menos nos estágios iniciais do movimento, a
doutrina da predestinação não era algo a ser extraído ou concluído a partir da
natureza de Deus, mas uma expressão da experiência da graça. Predestinação
não era algo que poderia ser entendido por todos crentes e incrédulos, ao con-
trário, era uma doutrina mencionada dentro do contexto da fé.
Esta doutrina da eleição de forma alguma produziu a quietude ou a compla-
cência que muitos detratores da predestinação alegaram ser sua consequência
necessária. Pelo contrário, os puritanos estavam convencidos de que Deus os
elegeu, não somente para a salvação eterna, mas também para colaborar com o
plano divino para a humanidade.
Portanto, o ativismo - algumas vezes o sucesso nessa atividade - se tornou
um sinal de eleição. Nenhum tempo, dinheiro ou energia devia ser desperdi-
çado em questões frívolas que pareciam ter pouco a ver com a seriedade do
propósito divino. Como muitos desses puritanos eram membros da classe
média emergente, estes pontos de vista logo se tornaram conectados com as
economias capitalistas emergentes da Inglaterra e suas colônias americanas e
contribuíram para elas.
Embora todos os puritanos concordassem quanto à necessidade de
conformar a ordem da igreja com o Cristianismo escriturístico, logo se
as ligações com o Estado, que não era uma comunidade voluntária. Seus mem-
bros tinham que fazer uma escolha pessoal para pertencer a ela e, portanto, só
poderiam se juntar a ela quando adultos.
Consequentemente, o batismo infantil foi rejeitado. Dada a necessidade de
se conformar com a prática escriturística em cada detalhe, finalmente, apenas
o batismo por imersão foi aceito por estes grupos, que receberam o nome de
“Batistas”. Enquanto os assim chamados batistas gerais rejeitaram a compreensão
calvinista rigorosa da predestinação, outros - os batistas particulares - permane-
ceram calvinistas nesse aspecto.
As esperanças puritanas aumentaram quando se tornou crescentemente evi-
dente que Elizabete seria sucedida por James VI da Escócia. Estas esperanças,
entretanto, foram abaladas quando James recusou-se a conceder os pedidos de
uma petição moderada tipicamente puritana - ele concordou somente em auto-
rizar uma nova versão da Bíblia, e o resultado foi a versão King James de 1611.
Logo se tomou claro que James não encorajaria nenhum movimento que
moldasse a igreja mais maleável da Inglaterra à semelhança da quase intratável
igreja da Escócia. Na época em que James foi sucedido por seu filho, Carlos I, o
descontentamento entre os puritanos estava prestes a alcançar seu ponto de ebu-
lição. As políticas religiosas de Carlos foram sem sabedoria.
Na Escócia, seu pai conseguira sobrepujar o Presbiterianismo patrocinando
a nobreza. Carlos agora inverteu a política de James e o Presbiterianismo mais
uma vez ganhou o apoio da aristocracia. Na Inglaterra, ele colocou Guilherme
Laud como seu principal conselheiro em assuntos religiosos e, finalmente, o tor-
nou arcebispo de Canterbury.
Laud foi um homem honesto e piedoso que estava convencido que a nova
onda puritana devia ser interrompida e que a igreja da Inglaterra devia, de
alguma maneira, fazer as pazes com Roma. Ele próprio não era um católico-ro-
mano, mas suas aberturas em relação à Igreja Católica Romana foram tais que
lhe foi oferecido o chapéu de cardeal. Ele também foi firmemente anticalvinista
e, consistentemente, favoreceu aqueles que haviam sido acusados de inclina-
ções arminianas.
Por todas estas razões ele foi muito antipatizado pelo partido Puritano. Como
o Parlamento era, em certa medida, forma favorável à posição puritana, Carlos
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o pôs de lado em 1629. Entretanto, em 1638, a Escócia se revoltou em resposta
à sua tentativa de forçá-Ia a adotar uma uniformidade na adoração.
Em 1640, o rei foi forçado a convocar o Parlamento com o objetivo de requerer
seu apoio para a guerra com a Escócia. O Parlamento então aproveitou a opor-
tunidade de promover a posição puritana. Dentre os muitos atos deste “Longo
Parlamento”, o mais importante para a história da doutrina cristã foi sua con-
vocação da Assembleia de Westminster, um grupo de cento e cinquenta e uma
pessoas cuja tarefa era aconselhar o Parlamento em questões religiosas.
Esta assembleia que aconteceu em 1647 produziu, entre outros documentos,
a famosa Confissão de Westminster e os Catecismos Menor e Maior. O Catecismo
menor contém 107 perguntas, com respostas bem objetivas e simples, algumas
com apenas uma frase. A meta desse modelo é ser objetivo e conciso. Estes docu-
mentos - especialmente a Confissão - se tornaram uma das marcas oficiais do
Calvinismo presbiteriano.
Considero, então, esta a mais importante e genial de todas as perguntas: qual
o fim principal do homem? Ela tem como resposta o seguinte: o fim principal
do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre.
O que é fundamental nesta confissão é a ênfase permanente de que deve-
mos ter uma vida em conformidade com a vontade de Deus em todas as áreas
da vida. Por isso, há uma parte determinante, na qual, é explanada a realidade
objetiva e prática dos dez mandamentos.
No entanto, não se trata de um legalismo, mas de uma aplicação de princí-
pios para a vida humana. Para os teólogos reformados, desde Westminster, viver
a vida cristã somente é possível no viver para Cristo, o viver em Jesus Cristo e
isso na força e graça do Espírito Santo. Somente nessa força da graça é possível
realizar a vontade do Pai de acordo com as Escrituras.
Na mesma linha está o catecismo maior da Confissão de Fé, de Westminster,
que tem um cunho mais abrangente e com detalhes teológicos. Contém 197
perguntas e respostas, com frases elaboradas e muitas até bem complexas. Essa
confissão tem sido base para pregações e ensino catequético da Igreja Reformada,
pois aborda os conteúdos a serem ensinados ao povo de Deus.
O que é fundamental no catecismo maior, é o fato de que a vida cristã é fruto
incontestável da graça de Deus no poder do Espírito Santo, somente em Jesus
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A TEOLOGIA REFORMADA
NO BRASIL
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Villegagnon conseguiu de algumas pessoas influentes, huguenotes (calvinistas),
entre eles Gaspard de Coligny, apoio para seu empreendimento. O rei Henrique
II, esperando obter vantagens nessa expedição, ordenou que fossem dados a
Villegagnon dois navios bem aparelhados e dez mil francos para as despesas.
Atraindo marinheiros e artesãos, Villegagnon partiu da França, em maio de
1555, e chegou ao Brasil em novembro. Os navios acabaram aportando em uma
ilha, para desembarque de pessoas, bagagens e artilharia. Nessa ilha, Seregipe, foi
construído o Forte Coligny. Villegagnon, ao enviar de volta os navios com cargas,
mandou cartas ao Almirante Gaspard de Coligny, na França, e a Calvino, para
Igreja de Genebra, solicitando ministros da fé reformada para a “França Antártica”.
Ao receber as suas cartas e ouvir as notícias trazidas, a Igreja de Genebra
rendeu, antes de mais nada, graças ao Eterno pela dilatação do reino de Jesus
Cristo em país tão longínquo, em terra estranha e entre um povo que ignorava
inteiramente o verdadeiro Deus.
O Almirante Coligny escreveu a Felipe de Corguilheray, senhor Du Pont, ora
residindo perto de Genebra, que empreendeu a viagem ao Brasil, com os pasto-
res, artesãos e operários solicitados.
A Igreja de Genebra decidiu enviar os pastores Pierre Richier e Guilherme
Chartier, de 50 e 30 anos, respectivamente. Jean Léry escreveu que após convites,
algumas pessoas apresentaram-se para acompanhar Du Pont e os dois ministros:
Pierre Bourdon, Mattieu Verneuil, Jean du Bourdel, André Ia Fon, Nicolas Denis,
Jean Gardien, Martin David, Nicolas Raviquet, Nicolas, Jacques Rousseau e Jean
de Léry, que afirmou: “[...]que tanto pela vontade de Deus como por curiosidade
de ver o mundo fiz parte da comitiva” (LERY, 1972, p. 24).
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mados de heresia, condenando-os à morte. André Ia Fon, instado a se retratar
perante Villegagnon, “condescendeu em declarar que não desejava ser perti-
naz e obstinado em suas idéias calvinistas e, enfaticamente, se comprometia a
retratar, quando lhe provassem os seus erros pela Palavra de Deus” (CRESPIN,
1917, p. 80-81). Villegagnon considerou aceitável a palavra de Ia Fon e ordenou
ao carrasco que o deixasse ir em paz. Todavia, Ia Fon ficou cativo, como alfaiate
do almirante e da colônia.
No dia 9 de fevereiro de 1558, Jean de Bourdel, Matthieu Verneuil e Pierre
Bourdon foram atirados, amarrados, às águas da baía de Guanabara. Foram os
primeiros mártires da fé reformada no Novo Mundo.
Quanto a Jacques le BaIleur, que fugiu para Capitania de São Vicente, reco-
nhecido pelos jesuítas, foi encaminhado a Salvador, na Bahia, sede do governo
de Mem de Sá. Uma versão consta que ficou preso durante oito anos, depois
enviado ao Rio de Janeiro, onde foi enforcado como herege, estando presente,
na execução, o Pe. José de Anchieta. Outra versão, que consta nas Cartas jesuí-
ticas III (obras digitalizadas da Biblioteca Nacional de Lisboa), afirma que, em
meados de 1563, avocada a causa pelo cardeal D. Henrique, Balleur (Bolés) foi
remetido ao Reino, na nau Barrileira. Entregue às autoridades da Inquisição em
Lisboa, teria se retratado e aderido à Igreja Católica, em 1564.
O que nos fica muito claro nestes relatos, é que a inserção do protestantismo
no Brasil se deu de maneira muito controvérsia e difícil, quando as doutrinas,
ainda em formação, causaram profundas divisões. O livre pensamento adotado
pela tradição reformada foi criativo de uma lado, mas também carregado de pos-
sibilidades beligerantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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mais adotadas pelas várias denominações, ao longo do tempo, são três as que mais
se destacam e operam de maneira mais unida. São conhecidas e longamente estu-
dadas por aqueles que buscam aprofundar a teologia e suas vertentes – a Segunda
Confissão Helvética, a Confissão Heidelberg e a Confissão de Westminster. No
Brasil, esta última tem ganhado por séculos um lugar privilegiado.
A reforma foi a volta aos princípios de fé da Igreja primitiva e dos pais apos-
tólicos. A teologia da reforma foi essencialmente um movimento visando a
atualização das grandes verdades da fé, mas foi também uma teologia da visão do
glorioso futuro escatológico em Jesus Cristo. Ao afirmar a verdade do tudo para
a Glória de Deus, privilegiou-se a realidade de Jesus Cristo como Rei e Senhor.
Com certeza, ao olharmos teologicamente para a tradição reformada e sua
construção teológica ao longo dos tempos, não hesitamos em afirmar que o
Reino de Deus está chegando, que o Rei está diante de nós e que o juiz que virá
é nosso Salvador, aquele que deu sua vida por nós.
Ao descrevermos a histórica da teologia reformada, não estamos diante de
um deserto, mas sim diante de um oceano inesgotável de possibilidades – nosso
Senhor está vivo, ele é aquele que veio em glória e virá para reinar eternamente.
Não nos esqueçamos da herança litúrgica da Reforma, que sempre nos faz
recordar com convicção de que somos criados e chamados para o louvor do Deus
vivo que espera por nós. Somente a Ele a glória.
A Bíblia e os hinos de Lutero tornaram-se importantes na Reforma. Ele acreditava que to-
dos deveriam poder ler a Bíblia, dos mais elevados aos mais humildes. Antes, a Bíblia era
em latim e destinada apenas a clérigos e estudiosos. Com sua tradução para o alemão e
sua publicação por meio da imprensa, agora todo cristão poderia lê-Ia.
Além de reformar determinadas práticas centrais, Lutero pretendia reformar a prática da
Igreja. Ele não aprovava a existência de monges e freiras, nem do celibato que impedia
os padres de se casar. O próprio Lutero desposou uma ex-freira chamada Katharina, com
quem teve vários filhos.
A vigorosa posição tomada por Lutero nos levantes camponeses de 1524-1525 fortale-
ceu o poder dos príncipes alemães. A Alemanha dividiu-se. Depois de 1524, teria havido
uma guerra civil se Roma tivesse tomado mais medidas para silenciar Lutero.
Na Dieta de Speyer, de 1529, os príncipes que concordavam com a Reforma de Lutero
divulgaram um “protesto” contra o imperador e os príncipes católicos. Desse “protesto”
vem a palavra “protestante”.
Fonte: Raeper e Smith (2007, p. 150-152).
MATERIAL COMPLEMENTAR
Material Complementar
REFERÊNCIAS
1. D.
2. B.
3. D.
4. E.
5. E.
Professor PhD. Silas Barbosa Dias
O IMPACTO E A NATUREZA
V
UNIDADE
DA TRADIÇÃO REFORMADA
Objetivos de Aprendizagem
■ Entender o lugar do pensamento reformado no mundo novo e
moderno que surgiu.
■ Compreender os apontamentos feitos por Max Weber sobre o
pensamento da reforma e o espírito do capitalismo.
■ Inserir na discussão do tema um exemplo teológico, a Igreja.
■ Concluir o assunto desde uma visão escatológico.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Uma atitude nova diante do mundo
■ Max weber
■ A Reforma, a política e as ciências sociais
■ Exemplo prático de conteúdo teológico
■ O caráter escatológico da igreja e suas marcas
187
INTRODUÇÃO
Introdução
188 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
UMA ATITUDE NOVA DIANTE DO MUNDO
Olá, caro(a) aluno(a), estamos findando nosso curso, e nesta unidade iremos abordar
temas relevantes quanto à reforma, na busca de uma resposta sobre o impacto que
a história da tradição reformada teve sobre o mundo em várias de suas vertentes.
Que impactos poderiam ser vistos no mundo moderno? Já observamos
como os reformadores, tais como Lutero e Calvino, estabeleceram uma nova
visão acerca do que significa ser uma igreja cristã, eliminando qualquer neces-
sidade de continuidade institucional com a igreja medieval. Há dois - e apenas
dois - elementos essenciais numa igreja cristã: a pregação da Palavra de Deus e
a administração apropriada dos sacramentos.
Embora sinais de continuidade histórica com a igreja apostólica fossem bem-
-vindos, o mais importante era a continuidade com o ensino apostólico. Isso
abriu o caminho para uma das características mais marcantes do protestantismo
atual nos Estados Unidos e em todo lugar - a proliferação radical de “igrejas”.
Os críticos católicos do protestantismo em geral indicam suas tendências
e as consideram como falta de cuidado com a unidade fundamental da igreja.
Essa “característica de família” do protestantismo atual pode ser remontada às
eclesiologias de Lutero e Calvino.
Com o auxílio da visão retrospectiva, pode-se perceber agora que elas esta-
beleceram as bases conceituais que incentivaram pessoas empreendedoras a
organizarem suas próprias congregações, e até denominações, quando se fazia
necessário se separar das antigas comunidades.
Embora essa doutrina distintiva e característica da Reforma quanto à igreja
date dos anos de 1520 e 1530, sua total importância só se tornou clara nos sécu-
los XIX e XX. Essa eclesiologia capacita indivíduos empreendedores, em geral,
motivados pela visão de uma forma específica de ministério, a iniciar suas pró-
prias congregações, ou até mesmo suas próprias denominações.
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Pode bem haver uma única igreja universal, à qual pertencem todos os cris-
tãos; porém, há inúmeras igrejas locais. Cada uma delas incorpora uma ideia
distinta do que significa ser cristão, frequentemente adaptando-se às especificida-
des de uma situação cultural local ou tendo sido modelada por uma controvérsia
cuja relevância teológica e poder emocional definham a cada ano que passa.
Não é injusto sugerir que a visão protestante da igreja desencadeou um
processo darwinista de competição e sobrevivência, gradualmente eliminando
igrejas mal adaptadas e assegurando que as sobreviventes sejam bem apropria-
das para as necessidades e oportunidades do momento.
Esse modo de perceber as coisas permite ao protestantismo atual lidar com
rápidas mudanças culturais e sociais, o que, frequentemente, faz com que as igre-
jas fiquem presas às realidades de uma era passada.
Pastores e pregadores empreendedores podem facilmente reformular a visão
do evangelho, adaptando-a às novas situações - de modo bem semelhante à
maneira como as visões mais antigas foram adaptadas às suas situações. Desse
modo, poderão evitar que o protestantismo fique preso numa “bolha temporal”.
Recentemente, muitos estudos observaram como a maioria dos líderes inte-
lectuais e espirituais do cristianismo medieval era composta por homens que
levavam uma vida monástica, isolada de muitas das duras realidades do coti-
diano pelos muros de seus monastérios e conventos.
O protestantismo escolheu habitar o mundo mais perigoso da cidade e do
mercado, expondo seus pensadores a pressões e problemas que seus ancestrais
católicos não tiveram que considerar.
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então estava imerso nos desafios do mundo, sendo confrontado por eles?
suas várias formas. Considerava-se o viver no mundo cotidiano como uma opção
de segunda categoria. Além disso, essa opção era vista como um absurdo espi-
ritual que poderia levar a todo tipo de degeneração espiritual. Uma ilustração
tornará esse ponto mais claro. O escrito mais famoso do movimento geralmente
conhecido como Devotio.
Imitatione Christi, de Thomas à Kempís, foi escrita por volta de 1425. O
título completo desta obra, em nossa língua, é “A Imitação de Cristo” e ao des-
prezo pelo mundo. Uma resposta positiva a Jesus Cristo é vista como vinculada
a uma resposta negativa ao mundo (McGRATH, 2014, p. 288).
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Para Kempis, cultivar uma atitude desapegada ou negativa para com o mundo
é um sinal de maturidade espiritual. Durante a Idade Média, os monastérios se
tornaram cada vez mais isolados das pessoas comuns.
Apegados de maneira cada vez mais firme ao moribundo mundo medie-
val, os monastérios pareciam incapazes de se relacionar com o novo interesse
dos leigos pela religião e com o avanço tecnológico da imprensa. As abordagens
monásticas à vida cristã passaram a ter um impacto cada vez menor fora dos
monastérios, até mesmo no clero. A vida cotidiana dos leigos era, em geral, pra-
ticamente intocada pelo que acontecia dentro dos muros monásticos. As atitudes
monásticas acerca da vida cristã objetivavam um estilo de vida e cosmovisão
completamente estranhos aos leigos.
McGrath aponta que,
[...] com a Reforma, os centros formadores da vida e pensamento cris-
tão gradualmente se transferiram dos monastérios para os mercados,
na medida em que as grandes cidades da Europa se tornavam o berço
e o cadinho de novas maneiras do pensar e agir cristãos. Espelhadas
nesse movimento estão as mudanças políticas, sociais, econômicas e
eclesiásticas que estão no centro da formação da cultura ocidental mo-
derna (McGRATH, 2014, p. 288).
Pode-se dizer que a teologia de Calvino, que afirma o mundo de modo impres-
sionante, se baseia na declaração da total distinção ontológica entre Deus e
o mundo, embora negue a possibilidade de separar os dois. O tema distinto,
mas não separado, que sustenta tantos aspectos da teologia de Calvino, rea-
parece na sua compreensão do relacionamento do cristão com a sociedade.
O conhecimento do Deus Criador não pode ser isolado do conhecimento
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de sua criação.
Espera-se que os cristãos demonstrem respeito pelo mundo, interesse por
ele e que se comprometam com ele devido à sua lealdade, obediência e amor
por Deus, que os criou. O mundo não tem uma reivindicação direta à lealdade
cristã; é uma reivindicação indireta, baseada no reconhecimento da relação sin-
gular de origem que existe entre Deus e sua criação. Ao se respeitar a natureza
como criação divina, está se adorando a Deus, não a natureza.
Assim, ser um cristão não significa, e, de fato, não pode significar, renunciar
ao mundo; pois renunciar ao mundo é renunciar ao Deus que o criou de forma
tão maravilhosa. Embora caído, o mundo não é mau. O cristão é chamado a tra-
balhar no mundo de modo a redimir o mundo. O compromisso com o mundo é
um aspecto vital da concretização da doutrina cristã da redenção. Deixar de se
comprometer com o mundo e de trabalhar nele equivale a declarar que ele não
pode e não deve ser redimido.
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Para McGrath (2014, p. 290),
[...] a postura medieval mais difundida era aquela encontrada no ven-
dedor de indulgências de Geoffrey Chaucer, nos Contos da Cantuária,
o qual se gabava de que nunca se rebaixaria tanto a ponto de tecer ces-
tos com suas próprias mãos.
mas a expressar essa fé nas áreas bem definidas da real vida. Essa ideia de uma
“dupla vocação” expressa a visão de que se é chamado, em primeiro lugar, a ser
um cristão e, em segundo lugar, a viver essa fé em uma esfera bem definida de
atividade no mundo.
Lutero afirma esse ponto sucintamente, ao comentar sobre Gênesis 13.13:
“O que parecem ser obras seculares na verdade são louvores a Deus e represen-
tam uma obediência que muito o agrada”, (McGRATH, 2014, p. 291).
Não há limites para essa noção de chamado. Lutero exalta até mesmo o valor
religioso do trabalho doméstico, declarando que, embora “não haja aparência
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óbvia de santidade, essas mesmas tarefas domésticas devem ser mais valorizadas
que todas as obras de monges e freiras” (MacGRATH, 2014, p. 290).
William Tyndale (ANO apud McGRATH, 2014, p. 291), seguidor inglês de
Lutero, comenta que, embora “lavar pratos e pregar a palavra de Deus” represen-
tem claramente diferentes atividades humanas, não há diferença essencial entre
elas “quanto a agradar a Deus”. É totalmente notável a transformação histórica
da posição do trabalho por meio dessa ética.
No seu estudo magistral sobre a posição do trabalho de Aristóteles a Calvino,
Vittorio Tranquilli demonstra como a teologia de Calvino a transformou dire-
tamente: de uma noção de trabalho como atividade degradante socialmente
- embora necessária pragmaticamente, que era melhor que fosse relegada aos
inferiores na escala social - para um meio dignificado e glorioso de louvar a Deus
e afirmá-lo em sua criação e por meio dela, enquanto ao mesmo tempo contri-
bui para a felicidade dela.
Não foi por acaso que as regiões da Europa que adotaram o protestantismo
logo passaram a prosperar economicamente. Não era uma consequência inten-
cional e premeditada, mas sim um subproduto da nova importância religiosa
dada ao trabalho. Isso nos leva a considerar o impacto econômico do pensa-
mento da Reforma, incluindo sua postura quanto ao trabalho.
Nesse sentido, um tema de importância especial é a celebrada “tese de
Weber” sobre a relação entre o protestantismo e o capitalismo. Por isso, temos
já afirmado, neste estudo, que a reforma na verdade foi bem além, pois criou
não somente uma confissão religiosa mas também uma cultura que impactou
a história humana.
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MAX WEBER
Max Weber
198 UNIDADE V
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opinião sobre a usura. Quanto a isso, Calvino reafirma a idéia geral protestante
de que nem todas as regras estabelecidas para os judeus no Antigo Testamento
são obrigatórias agora para os cristãos. Nesses casos, o Antigo Testamento for-
nece apenas orientação moral, não prescrições positivas para conduta.
Esse modo de interpretar o Antigo Testamento já havia sido aplicado a
questões culturais - tais como a exigência do Antigo Testamento de sacrifícios
de animais. A extensão desse princípio à usura por Calvino abriu novas possi-
bilidades. “Um tema fundamental que recorre por toda a carta é que as coisas
haviam mudado. A situação na Europa do Século XVI não era a mesma que no
antigo Israel” (McGRATH, 2014, p. 293).
As novas realidades da vida financeira no início do período moderno fizeram
com que a aplicação não crítica desse tipo de passagens do Antigo Testamento
se tornasse altamente problemática. As novas realidades econômicas do século
XVI indicavam que os juros devem simplesmente ser vistos como um aluguel
pago pelo capital. Assim, Calvino argumenta que há necessidade de investigar
isso mais profundamente e determinar os princípios gerais que parecem estar
por trás da interdição do Antigo Testamento à usura.
É o propósito da proibição, e não a proibição em si, que deve governar o
pensamento protestante quanto a essa questão. “Não devemos julgar a usura
segundo umas poucas passagens da Escritura, mas de acordo com o princípio
de equidade” (McGRATH, 2014. p. 294).
O que vemos na realidade é um compromisso de João Calvino com a
realidade da opressão social, por isso, para ele, a preocupação real é com a
exploração dos pobres por meio de altas taxas de juros. Pode-se lidar com isso,
ele afirmou, de outras maneiras - tais como tabelar as taxas de juros a níveis
aceitáveis comunitariamente e defensíveis moralmente. A opinião de Calvino
levou algum tempo para se tornar aceita, sendo vista por muitos como con-
trária ao claro sentido da Bíblia.
De maneira assertiva, McGrath (2014, p. 294) afirma que “na metade do
Século XVII, ou seja, mais de cem anos depois da inovadora análise de Calvino
- a usura finalmente passou a ser considerada aceitável”.
Ela permanece um aspecto integral da cultura ocidental moderna, e é neces-
sário reconhecer o papel de Calvino em gerar essa mudança de opinião - quer seja
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Estas duas palavras vão dar o tom do pensamento reformado, somos chama-
dos responsavelmente a tomar decisão, que sempre produzirá um destino. Não é
difícil perceber o quanto essa sugestão seria atraente para os camponeses fran-
ceses - de fato, para toda a burguesia européia. Para uma classe social frustrada
pela sua incapacidade de progredir significativamente numa sociedade domi-
nada pela tradição e laços familiares, a doutrina da mutabilidade fundamental
das ordens sociais existentes exerceu considerável atração.
Essa nova maneira de pensar, essa cosmovisão reformada, foi fortalecida na
França depois do impacto causado pelo massacre do Dia de São Bartolomeu em
1572, quando um significativo número de protestantes franceses foi assassinado
durante as planejadas demonstrações públicas de sentimento antiprotestante.
Inicialmente, o calvinismo francês tinha limitado suas reflexões políticas à
área geral da liberdade de consciência. Ao longo do ano de 1550, na medida
em que a influência calvinista na França se tornava cada vez mais importante,
a agitação política do calvinismo francês passou a se concentrar cada vez mais
na tolerância religiosa.
Na leitura de organização humana, dentro da sociedade francesa, poderia
ser dito que não havia contradição fundamental entre ser um calvinista e ser um
francês; ou ainda, ser um francês e ser um calvinista (ou dito em outros termos,
um huguenote, pois os termos são praticamente sinônimos). Afirmava-se que
não implicava em deslealdade à coroa francesa.
A lógica e a persuasão dessa posição, que fizeram com que ela fosse elogiada
pelo próprio Calvino, entre outros, foram despedaçadas em maio de 1560 pela
Conspiração de Amboise. “Essa conspiração foi uma tentativa de raptar Francisco
Historiadores têm dito que, embora a maioria dos calvinistas franceses tenha
abandonado a oposição direta à monarquia durante o reinado de Henrique IV,
particularmente depois da promulgação do Edito de Nantes, teorias políticas
novas e importantes foram desencadeadas na arena política francesa.
Argumenta-se que foram essas ideias, num formato puramente secular, que
ressurgiram no Iluminismo francês. Ali, a noção de direitos humanos naturais,
tosada de seus acompanhamentos teológicos, foi combinada com o republica-
nismo da Genebra de Calvino. A Genebra do século XVI era uma república ideal
que poderia servir de modelo para a França do Século XVIII.
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Vemos que os Reformadores tangeram, de forma pontual, o sistema polí-
tico e social de uma civilização, e mesmo que essa revolução política não deva
sua inspiração a Calvino, podemos afirmar que revolução científica do final do
Século XVI, e igualmente a do início do Século XVII, se baseiam firmemente
em algumas das ideias religiosas e métodos de interpretação bíblica que surgi-
ram na época da Reforma – isso é que veremos a seguir.
Para algumas pessoas, a noção de qualquer conexão positiva entre religião e ciên-
cia parece altamente improvável já desde o início. Certamente, ciência e religião
sempre estiveram em combate mortal, muitos pensam. Contudo, o estereótipo
da “guerra entre ciência e religião” é um produto das condições sociais do final
do Século XIX, e agora considerado como inaceitável historicamente.
A interação entre ciência e religião é complexa e interessante demais para
ser representada de um modo tão simplista e inexato. Os avanços massivos fei-
tos na história da ciência agora permitem perceber o relacionamento inicial
entre ciência e protestantismo sob uma luz muito mais convincente. É com fre-
quência observado que o surgimento das ciências naturais está especificamente
ligado ao ambiente intelectual cristão da Europa ocidental.
Entretanto, não é exatamente óbvia a explicação teórica que se deve dar
para isso, já que ela deve estar firmemente ancorada em evidências históricas.
Há bons argumentos para afirmar que a doutrina cristã da criação postula que
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Essa tendência emergente de perceber a natureza como “natural” está ligada
à hostilidade protestante contra as imagens, a qual reforçou adicionalmente o
fim das concepções simbólicas da ordem natural. O iconoclasmo protestante
demonstra uma desconfiança profunda de objetos que foram declarados signi-
ficativos como símbolos religiosos.
A mesma linha de pensamento, que defende que artefatos humanos não
podem mediar ou simbolizar o divino, fez com que os objetos e fenômenos natu-
rais fossem despidos de suas associações simbólicas e, por conseguinte, pudessem
se tornar o objeto da investigação científica. Esse tema da “dessacralização” ou
“desencantamento” da natureza foi estudado em profundidade por eruditos do
início do período moderno.
Eles observaram suas implicações para o surgimento das ciências naturais,
mas também para o secularismo e o ateísmo. Merece menção, a esta altura, a
análise de Peter Berger (1967) a respeito do papel do protestantismo em gerar
secularização. Para Berger, pode-se considerar que o protestantismo, causou
“uma imensa redução no escopo do sagrado na realidade”. Os protestantes não
se viam vivendo em um mundo que era constantemente penetrado por forças e
seres sagrados. Em vez disso, compreendiam o mundo como sendo polarizado
entre uma divindade radicalmente transcendente e uma humanidade radical-
mente caída, desprovida de quaisquer qualidades ou conexões sagradas.
O catolicismo freava as forças secularizantes por meio de sua compreensão
profundamente simbólica do mundo natural e do lugar da humanidade dentro
dele. Sem perceber o que estava fazendo, o protestantismo, para Berger (1967),
abriu as comportas das forças que modelariam a modernidade mas que, no final
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significativo ao desenvolvimento das ciências naturais: o literalismo bíblico. Essa
emancipação da observação e da teoria científica das interpretações grosseira-
mente literalistas da Escritura ocorreu em dois níveis.
■ Primeiro, ele declarou que a Escritura não está interessada em detalhar a
estrutura do mundo, mas sim em proclamar o Evangelho de Jesus Cristo.
■ Segundo, ele insistiu que nem todas as declarações bíblicas acerca de Deus
ou do mundo devem ser interpretadas literalmente. Algumas declarações
são “acomodadas’: no sentido de que são adaptadas à capacidade e habi-
lidades do seu público.
A Igreja, através dos séculos, tem sido vítima de programas políticos que afas-
taram-na da fidelidade evangélica. A redescoberta da Igreja primitiva pelo
Renascimento Europeu influenciou os reformadores no século XVI e buscaram
encontrar um modelo comum que poderia revalorizar sua fé e prática cristã, por
isso voltaram aos textos bíblicos e patrísticos, muitos dos quais foram avaliados
de forma nova, desde o original grego. No entanto, a espiritualidade da Bíblia e
dos primeiros pais, por mais de mil anos, havia sido afastada da história do oci-
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dente, mudando assim o paradigma da visão do mundo.
No Século XVIII, conhecido como o século do iluminismo, vimos a redesco-
berta de um profundo sentido histórico no mundo ocidental. A partir disso, foi
necessário reconstruir a prática da fé desde os primeiros pais cristãos. Contudo,
nossa conexão com a igreja primitiva é feita primeiramente por meio de textos
e sua interpretação, antes do que um forte senso de continuidade, como acon-
tece com as Igrejas Orientais Ortodoxas.
Certamente, as Igrejas Reformadas também têm suas tradições, mas não
estão imersas e presas nelas, havendo de fato uma perspectiva crítica em rela-
ção a elas, possuindo portanto capacidade de mudar. Então para nós, a Igreja
não é uma realidade inquestionável, cuja natureza teria a categoria de perene.
Devemos, com humildade, compreender nossa dificuldade em reconhecer
a distância cultural que possuímos tanto do Século XVI quanto da Igreja primi-
tiva. Muitos de nós, na Igreja Reformada, temos diferentes pontos de vista, alguns
valorizam a ciência moderna e o criticismo histórico. Reconhecemos nossas dife-
renças culturais em relação às primeiras Igrejas, mas, mesmo assim, olhamos para
os Pais da Igreja acreditando que eles entenderam melhor do que nós muitas coisas.
Diante do mundo moderno e pós-moderno, reconhecemos que temos tanto
perdido quanto ganhado com o avanço da ciência e com o desenvolvimento da
consciência histórica. Portanto, nós nos esforçamos para encontrar um equilíbrio
entre a igreja como uma instituição social e a igreja como procedente do propósito
sobrenatural de Deus. Esta foi certamente a atitude dos Reformadores do Século
XVI, os quais procuraram redescobrir a sabedoria e a prática da Igreja primi-
tiva. Essa atitude deve acompanhar a Igrejas Reformadas e os nossos seminários.
empírica e terrena. Não estamos afirmando que ela tem duas naturezas, como
Cristo. Afirmamos que a Igreja é estritamente humana, mas, como tal, tem
duas dimensões.
A Igreja é celestial e sobrenatural, porque tem uma origem divina e está unida
a Jesus Cristo, à sua cabeça. Ela participa da santidade de Cristo e está destinada
a reunir-se com Ele e seus anjos na cidade de Deus. No entanto, a Igreja é tam-
bém terrena e histórica; uma instituição sob administração humana, dentro de
formas condicionadas social e historicamente.
Por isso, (A Igreja) tem Cristo como a única cabeça. Calvino viu com injú-
ria a idéia de ter qualquer outro homem sobre a Igreja Universal. Cristo é o
cabeça, em que todo corpo está ligado e ajustado (cada membro tem sua fun-
ção). A declaração de Calvino é claramente dirigida contra a reivindicação da
primazia do Pontífice de Roma.
Significativo neste ponto foi a Declaração de Barmen (1934), que é uma ten-
tativa de distanciar a Igreja Evangélica da Alemanha (Luteranos, Reformados) dos
‘Cristãos Germânicos’ e sua aliança com Adolf Hitler (KAISER, 1998, PÁGINA).
Citamos aqui os parágrafos 3 e 4.
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Parágrafo 3. (Efésios 4.15-16). A Igreja cristã é a congregação de crentes na
qual Jesus Cristo age presentemente como o Senhor na Palavra e nos sacramen-
tos por meio do Espírito Santo. Como a Igreja de pecadores perdoados, ela tem
que testificar no meio de um mundo pecador, com sua fé e obediência, com sua
mensagem e sua ordem. Nós rejeitamos a falsa doutrina, que permita a igreja
abandonar sua mensagem em troca de seu próprio prazer submetendo-se a con-
vicções ideológicas e políticos.
Parágrafo 4. (Mt 20.25-6). Os vários gerenciamentos na Igreja não esta-
belecem a dominação de alguns sobre os outros; pelo contrário, eles exercem
seus ministério relacionados lealmente com toda congregação. Nós rejeitamos
a falsa doutrina que deve a igreja, fora de seu ministério, submeter-se a líde-
res especiais (Fuhrer vestido como poder de governo. Recentemente tivemos
a ênfase no senhorio de Jesus na Confissão Belfhar da Missão Reformada da
Alemanha, a qual condenou o apartheid no Sul da África em 1982, afirmando
a fé de que a Igreja é uma possessão de Deus, a qual deve se firmar contra a
injustiça e o erro.
Igualmente afirmaram obediência a Jesus Cristo, como cabeça da igreja, a
quem é chamada a confessar e a fazer todas aquelas coisas ainda que as leis e a
autoridades humanas punam com sofrimento. Jesus é Senhor: Então a origem
divina e o controle celestial da Igreja têm sido um dos mais importantes aspec-
tos da eclesiologia através dos séculos.
A SANTIDADE DA IGREJA
A Igreja é celestial também pelo fato de que testemunha e participa dos benefí-
cios de seu Senhor ressurreto e glorificado. Assim no presente, a Igreja precisa
participar da santidade de Jesus Cristo, que é, acima de tudo, uma posição
em Cristo. Concordando com Heinrich Bullinger (o sucessor de Zwinglio em
Zurich), podemos afirmar, de novo, que quando Paulo fala de Igreja ‘pura, sem
ruga e nem mácula’ (Efésios 5.27), tendo em conta os benefícios e a santifica-
ção de Cristo, não significa que ficaremos sem mancha na carne, mas que essas
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manchas, por causa da inocência de Cristo não são imputadas sobre aqueles que
abraçam a Ele pela fé, e finalmente, no mundo vindouro, esta mesma igreja será
sem manchas ou ruga.
Na teologia Reformada, a santidade da Igreja não está fundamentada em sua
própria natureza, mas na natureza de Jesus Cristo. Os teólogos Reformados con-
fessam a Igreja na terra como sendo ‘santa’, mas a santidade da igreja é baseada
em sua participação na ressurreição de Cristo, o único Santo de Deus.
A IGREJA TRIUNFANTE
Podemos afirmar que a Igreja tem um caráter celestial pelo fato de ter ela uma
destino espiritual e eterno. Este aspecto da Igreja, desde a visão reformada, é cha-
mada de ‘Igreja triunfante’. Por Igreja triunfante entende-se todos aqueles que,
pela Graça de Deus, têm sido fiéis em suas vidas e que têm sido recebidos para
a companhia de Jesus Cristo, dos santos e dos anjos após a morte.
Os crentes têm um lugar de herança na Igreja triunfante, a que agora está com
Cristo nos céus. Sua luta tem terminado, seu descanso é vitorioso. Nossa adoração,
muitas vezes, tão ocasional e falha, tem se tornado plena de entusiasmo eterno.
Os crentes que encontraram descanso na Igreja triunfante vêm de diver-
sas gerações e culturas, mas estão todos unidos na cidade celestial. Na piedade
reformada, este aspecto celestial da Igreja não tem sido tão enfatizado, mas é um
artigo de fé e torna-se alvo de atenção de quem se aproxima da morte.
A IGREJA MILITANTE
Para a Reforma, o lado terreno da igreja existe num processo de formação histó-
rica, reforma e santificação. Esta é a igreja que conhecemos nas lutas diárias da
vida, a ‘igreja militante’, a igreja que vive em uma cultura específica e particular,
esforçando-se para viver o Evangelho Eterno em cada contexto específico. Aqui
surgem duas realidades: de um lado é a matriz histórica da formação cristã, e de
outro é uma instituição confiada em mãos humanas.
A Igreja é a matriz onde os cristãos são formados. Ela é a fonte batismal onde
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somos selados em nome de Cristo, o púlpito de onde ouvimos as boas novas
sobre Cristo, a escola da fé onde estudamos as escrituras e os credos, a mesa da
qual recebemos os elementos da Ceia, e a mãe onde fomos gerados, a qual nos
cuida até nosso celestial descanso. Sendo assim, somos filhos da Igreja. Como
antes tinha feito Agostinho, Calvino, citando Cipriano, adotou esta imagem da
Igreja como mãe:
Eu começarei, então, com a Igreja, em cujo peito Deus tem o prazer de
unir seus filhos e filhas, não somente para que possam ser alimenta-
dos pela sua ajuda e ministério tanto enquanto crianças, como também
podem ser guiados por seu cuidado maternal, até a maturidade da fé...
Para isto não há outro caminho de entrada sem sua mãe, concebidos
em seu útero, deu-nos a luz, alimenta nos em seu seio, e por último,
toma-nos em seu cuidado e direção, até que nossa carne mortal descan-
sa e tornemo-nos como os anjos. [Mt 22.30].’ Por mais que cresçamos
na fé, nunca ficaremos fora da estatura de crescimento como filhos da
Igreja. Sem a Igreja, nem as escrituras, nem os credos, nem os sacra-
mentos poderá ter validade. Essas práticas não podem ser comparti-
lhadas de forma significativa isoladas da vida da Igreja. Para ele a falta
de compromisso com a Igreja faz de uma pessoa apenas parte de uma
audiência, não uma congregação cristã (CALVINO, 2006, p. ).
A CATOLICIDADE DA IGREJA
Como nossa mãe, a igreja é ao mesmo tempo antiga e futura, está atrás de nós
e diante de nós, é católica e é escatológica, é visível e invisível. Na fé reformada,
a igreja é de longe mais antiga do que qualquer comunidade cristã particular.
Não começou há dois mil anos com o ministério de Jesus ou com a ressur-
reição, ou com o derramar do Espírito no Pentecostes. A Igreja já estava lá,
como um corpo de crentes, quando Jesus veio para os redimir e o Espírito
veio para enchê-los.
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tauração da fé, conforme o cristianismo primitivo. Consequentemente, muitos
dos Reformadores, no Século XVI, editaram e publicaram escritos dos primei-
ros Pais, desde o original, em latim e grego, embora fossem críticos em alguns
pontos onde achavam não serem bíblicos.
Os Reformadores tentaram redescobrir formas litúrgicas daquele período,
como por exemplo, a sursum corda (liberte seus corações), na liturgia da ceia.
Por isso, eles adotaram, e com frequência citavam, os três credos ecumênicos:
o apostólico; o Niceno; e o Atanasiano (datado do V Século). Hoje, compreen-
demos que apenas o credo Niceno foi verdadeiramente universal, mas o que os
Reformadores intentaram foi clarificar e afirmar o que a Igreja tinha crido desde
o tempo de Cristo.
Por essa causa, em concordância com essa ênfase na catolicidade, os prin-
cípios básicos da eclesiologia Reformada, não permite o uso do chamado ‘santo
proselitismo’ às expensas de outros ramos da Igreja cristã. Assim como reforma-
dos, devemos rejeitar todas as perturbações que grupos cismáticos e seitas têm
feito nas comunidades, em especial aqui na América Latina, de forma vergonhosa.
Infelizmente esta prática tem sido comum, cristãos mudando com frequ-
ência de uma denominação para outra, e aliada a um elemento de competição,
que tem infectado como veneno muitas igrejas. Essas competições, infelizmente,
também têm sido comum nos empreendimentos missionários.
No ensino de Calvino e de outros Reformadores assim foi colocado esse
assunto: “Reconhecemos como membros da igreja aqueles que, pela confissão
de fé, pelo exemplo de vida, e pela participação dos sacramentos, professam o
mesmo Deus e Cristo conosco” (CALVINO, 2006, Institutes IV. 1.9)
A Igreja, que é nossa mãe, está orientada até o futuro, tanto quanto o passado.
Portanto, a caminhada da Igreja rumo ao futuro busca um processo de perma-
nente santificação e disciplina. João Calvino (2006) assim afirmou:
A santidade da igreja não está ainda completa. A Igreja é santa, en-
tão, no sentido de que diariamente ela avança, embora ainda não tenha
atingido a perfeição, ela faz progresso dia a dia, mas sem ter alcançado
o alvo da santidade (Institutes IV. 1. 17).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Igreja, como existe no presente, usando a frase de Karl Barth (1961), é uma
provisória representação da nova humanidade. O que a Igreja verdadeiramente
é não tem ainda aparecido na terra. O que a Igreja verdadeiramente é pode ser
visto somente desde o ponto futuro de seu destino dado por Deus.
Seguindo Santo Agostinho, muitos Reformadores falaram de uma Igreja
Invisível, o que tem produzido maus entendidos e críticas. Devemos recordar
que, para os Reformadores (seguindo Agostinho), a Igreja invisível era não uma
essência oculta de uma parte celestial (Igreja triunfante). A Igreja invisível era
simplesmente a totalidade daqueles que Deus tinha elegido para a salvação.
É a Igreja que irá emergir futuramente no fim da história como o povo de
Deus purificado através de provas e reformas ainda por vir. É a Igreja em uma
forma que não podemos ainda ver, mas que é conhecida por Deus e será reve-
lada para todos, nos fins dos tempos. A Igreja, que é nossa mãe, espera-nos no
fim de nossa jornada, tão certa quanto quando fomos gerados e quanto aben-
çoou-nos em nossa caminhada.
A Igreja Reformada vê crentes potenciais em cada pessoa, mesmo naqueles
que têm diferente fé ou que não têm nenhuma. Muitas destas pessoas responderão
à proclamação do Evangelho. Outros podem rejeitar as boas novas. Ainda outros
podem nunca ouvir sua proclamação, de forma que possam entender, ou podem
ter estado demasiadamente desesperados por comida e abrigo. Mas, somente Deus
pode conhecer quem pode ou poderá ter fé e quem não tem e não poderá tê-la.
O Espírito de Deus sopra onde ele escolhe, e nós não podemos vê-lo. A
eterna Palavra de Deus não está confinada pelos limites da carne e do sangue.
Embora o modo normal de salvação é alguém entrar na igreja por meio do arre-
pendimento e do batismo, a graça de Deus pode levar uma pessoa à salvação
sem nossos modelos estabelecidos, Deus é livre.
Em outras palavras, na Confissão de Westminster (1647), a igreja invisível
inclui crianças eleitas que morreram na infância e outras pessoas eleitas, que foram
salvas, embora fossem ‘incapazes de serem chamadas pelo ministério da palavra
ou como colocou Barth:
Nós temos que levar em conta os caminhos ocultos de Deus, nos quais
Ele pode pelo efeito do poder da expiação de Cristo (John 10: 16), ope-
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rar até extra eclesiam [fora da Igreja], isto é, de qualquer outra maneira
no mundo (BARTH, 1961, p. 688).
Jurgen Moltmann (1977, p. 128) fala da “Igreja tendo dois grupos: um de uma
fé comum e outro de pobreza comum. Será possível para estas duas linhas para-
lelas se encontrarem em algum ponto?”
Quando todos nós alcançarmos o fim de nossa jornada e formos reunidos
com a Igreja, que é nossa mãe, cremos que vamos encontrar irmãos e irmãs que
nunca havíamos antes reconhecidos como cristãos nesta vida.
AS MARCAS DA IGREJA
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dado suas relevâncias para nossas igrejas no Brasil.
A ideia de ‘proclamação’ (kerygma) é mais do que a simples ideia de pre-
gar o evangelho, tem a ver com um radical compromisso de vida no contexto
de secularismo do mundo moderno. A característica de comunhão (koinonia)
desenvolve uma ideia de participação e não apenas uma tradicional ideia de sim-
ples participação nos sacramentos.
Nos sacramentos e no culto como um todo, qualquer congregação tem
comunhão com Deus e com o Cristo ressuscitado no Espírito Santo. Os mem-
bros da congregação desenvolvem uma profunda comunhão uns com os outros
e também com outros ramos da Igreja, crescendo juntos para dentro da imagem
perichoretica da triunidade Divina.
A ideia de ‘serviço’ (diakonia) é também mais extensa do que a tradicional
noção de disciplina dentro dos cultos na Igreja. Serviço cristão envolve discipu-
lado e um estilo de vida que fomenta justiça e paz no mundo. Este ponto tem
sido muito enfatizado atualmente em muitas novas confissões.
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partilhar com Jesus Cristo, Seu cuidado a cada pessoa.
Ele criou Sua comunidade para ser um lugar de oração para prover descanso
ao cansado, levando pessoas a servir melhor. De forma ainda mais específica nos
fica claro que, na América Latina, temos que assumir esta posição de sermos uma
igreja para o mundo, numa ação diaconal a serviço do próximo.
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pois tudo o que não regenera, degenera.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Que o Senhor, cabeça da Igreja, nos ajude nesta caminhada. Que novos para-
digmas sejam redescobertos, para Reformar Sempre, superando as sabotagens
que prendem e obstruem a vida. Soli Deo Gloria.
Considerações Finais
224
a) V;F;V.
b) F;F;F.
c) F;V;F.
d) V;V;V.
e) F;F;V.
4. Marque (V) para Verdadeiro e (F) para Falso
( ) Sem dúvida, podemos afirmar que a Reforma não mudou a face política da
Europa.
( ) Pensar em termos de cosmovisão desde a reforma implica em dizer que o
calvinismo forneceu uma ideologia de transição e mudança.
( ) Dentro da leitura de organização humana dentro da sociedade francesa,
poderia ser dito que há contradição entre ser um calvinista e um francês.
A partir das afirmativas apresentadas anteriormente, assinale a alternativa que
apresenta, respectivamente, a sequência correta:
a) V;F;V.
b) F;F;F.
c) F;V;F.
d) V;V;V.
e) F;F;V.
5. Assinale a alternativa correta.
a) No século XVI, vimos a redescoberta de um profundo sentido histórico no
mundo ocidental - o século do Iluminismo.
b) A visão Reformada sobre a igreja pode ser: a Igreja é a nova humanidade em
forma contínua.
c) A Igreja é celestial pelo fato de testemunhar e participar do corpo vivo de
Cristo presente no Sacramento.
d) Para a Reforma, o lado terreno da igreja existe em um processo de formação
histórica, reforma e santificação.
e) A Igreja pode ter uma única e normativa linguagem, como o Hebraico e o Grego.
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Material Complementar
REFERÊNCIAS
1. C.
2. D.
3. D.
4. C.
5. D.
CONCLUSÃO