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Principais vertentes da Reforma

Protestante
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BBC Lê

Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.

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Fim do Podcast
No contexto da Reforma Protestante do século 16, o calvinismo
é uma das três principais vertentes, ao lado do luteranismo e da
criação da Igreja Anglicana. Desta forma, Calvino também foi
um dos responsáveis por quebrar a hegemonia ocidental da
Igreja Católica. "Foi o fim do monopólio católico na
administração dos bens de salvação, permitido novas formas de
cristianismo", pontua Moraes.
Em sua base, a teologia calvinista é fortemente apoiada nas
escrituras sagradas, ou seja, nos textos bíblicos. Neste aspecto
procurava se diferenciar da Igreja Católica de então, já
alicerçada pelas bases filosóficas da tradição escolástica. "O
protestantismo, em geral, é a volta à Bíblia como elemento
essencial", sintetiza o teólogo.
"Os calvinistas seguem os princípios gerais da Reforma
Protestante: justificação por graça mediante a fé, sacerdócio
geral dos crentes e a Bíblia como princípio de fé e prática",
acrescenta a teóloga. Sonia Mota, pastora da Igreja
Presbiteriana Unida do Brasil e diretora executiva da
Coordenadoria Ecumênica de Serviço. "Calvino enfatizou de
maneira especial: o princípio da soberania de Deus, ou seja,
tudo redunda para a glória de Deus; fidelidade aos preceitos da
Bíblia; valorização da ética e do trabalho social e a
predestinação."
Moraes destaca a chamada teologia da aliança como um
princípio do calvinismo. "Aliança porque entende-se que Deus
vai fazendo pactos ao longo da história, e renovando essas
alianças. Com a vinda do Messias [Jesus Cristo], todos aqueles
que aceitarem-no como senhor e salvador passam a fazer parte
do povo de Deus", diz Moraes.
Outro ponto que se destaca é a ideia da eleição, da
predestinação.
"A partir do século 17, o calvinismo passa a ser visto como uma
religiosidade que enaltece a predestinação: só os eleitos são
salvos. Mas essa é uma marca do calvinismo [ou seja, dos
seguidores] e não do próprio Calvino", explica o teólogo.

CRÉDITO,DOMÍNIO PÚBLICO
Legenda da foto,
A Igreja Presbiteriana do Brasil é hoje a maior igreja no país que segue os princípios
calvinistas
"Em Calvino, a teologia da predestinacão não ocupa um espaço
de primazia, um espaço central."
"A centralidade da teologia de Calvino é a encarnação de Cristo,
e assim esse pacto, essa aliança. O encontro do humano com o
divino e a possibilidade de tudo o mais. Sem Jesus Cristo, não
haveria Reino de Deus, portanto sua vinda foi a inclusão de
todos em uma nova aliança", explica ele.
Predestinação divina
Foi a prática, portanto, que acabou valorizando a ideia da
eleição, da predestinação. E isso acabou se tornando muito
forte em países como a Inglaterra — os chamados puritanos —
e, em seguida, com os colonos que chegaram aos Estados
Unidos imbuídos da ideia de que eram os predestinados ao Novo
Mundo.
"A questão dos eleitos é uma releitura de uma teologia paulina
e agostiniana", esclarece Moraes. "Por esta perspectiva, os
homens, graças ao pecado de Adão, estão mortos
espiritualmente. Então, neste sentido, só Deus pode dar o
primeiro passo para salvar quem está morto, e ele o faz,
enviando Jesus para morrer e satisfazer a ira deste Deus
ofendido, reconciliando este e suas criaturas."
"Para ter acesso a Deus novamente, basta aceitar Jesus como
Senhor e Salvador, mas como Deus é onisciente, ele já sabe,
porque já escolheu de antemão os que serão salvos, os eleitos",
prossegue. "Os não eleitos estão condenados. Por que Ele
escolheu uns e rejeitou outros? Calvino disse: 'Por que Ele quis'.
Como ser livre e com autoridade plena, ele pode salvar uns e
deixar outros perecerem."
"Eu sei que isso pode parecer cruel, mas para aquele que que se
vê contado entre os eleitos, isto tem um efeito social pleno de
potencialidades", explica Moraes.
Em um mundo de reinvenção do capitalismo, com incipiente
industrialização, era inevitável que essa ideia religiosa servisse
muito bem aos que se viam como bem-sucedidos.
"Calvino não entra no aspecto profundo do que produz riqueza
ou pobreza. Ele diria que tudo isso é fruto do pecado do homem
em Adão. A queda do homem gera as injustiças sociais. Para
Calvino, a riqueza tem a finalidade de socorrer os pobres", diz o
teólogo.
"A miséria para Calvino é uma consequência do pecado original,
mas Deus em sua infinita graça, abençoa os homens como suas
criaturas através da sua graça comum", explica Moraes. "Todos
os homens são criaturas, alguns são filhos, os eleitos, e como
ambos ocupam o mesmo espaço e tempo, Ele cria as condições
para a existência de todos."
Neste sentido, entende-se que Deus "cria condições de vida
para superar a miserabilidade".
"Não se trata de dizer que os ricos são eleitos, e a riqueza é
evidência da eleição, ou que os pobres vão para o inferno, como
seres amaldiçoados", ressalta.
"Essa é uma visão simplista e desabonadora da teologia de
Calvino. Ela está mais para teologia da prosperidade do que
para uma teologia calvinista. Mas um marxista diria que Calvino
justifica a divisão social entre oprimidos e opressores."
Diferenças
Frente aos católicos, os cristãos calvinistas diferem-se porque
simplificaram os sacramentos — enquanto os primeiros têm
sete, os calvinistas reconhecem a necessidade apenas do
batismo e da eucaristia — e não veneram santos nem Maria, a
mãe de Cristo, tampouco têm imagens sacras em seus altares.
Sonia Mota também ressalta a questão da hierarquia eclesial.
"As igrejas calvinistas não são episcopais, onde os bispos são a
autoridade", explica.
"Elas adotam o sistema representativo, o que significa que
todos os membros participam de forma indireta do governo da
igreja através de representantes eleitos por seus membros para
mandatos com prazo determinado."
Quando olhamos para o contexto histórico da Reforma
Protestante, em que o poder teocrático absolutista da Igreja
Católica era fortemente questionado, esse sistema de
participação popular faz todo o sentido.
O teólogo Gerson Leite de Moraes atenta para a doutrina da
salvação, onde residem divergências com o catolicismo.
"Para os católicos, além das práticas religiosas, há um
elemento importante: as obras. A salvação, para eles, vem
através de Jesus mas as obras contribuem. Na tradição
calvinista, não: somente a graça divina resgata o homem, o
homem é visto como um ser morto em seus delitos e pecados e
precisa da ação benevolente e misteriosa de Deus a seu favor",
contextualiza.
No calvinismo, portanto, "não há a possibilidade de cooperação
entre homem e Deus" para esse processo de salvação,
conforme explica Moraes.
Comparados com os luteranos, os calvinistas também guardam
diferenças.
"A maior é no que diz respeito à compreensão da presença de
Cristo na eucaristia", pontua a pastora Mota. "Para os
calvinistas, a presença de Cristo não é substancial nem
particularmente ligada aos elementos, ou seja, uma presença
espiritual verdadeira. Os luteranos acreditam que Cristo está
verdadeiramente presente em, com e sob as formas do pão e do
vinho."
Entre os próprios calvinistas, Mota lembra que também há
diferenças.
"E a distância que separa os calvinistas liberais,
fundamentalistas e carismáticos é maior do que a distância
entre os tradicionais princípios teológicos calvinistas e os de
outras denominações protestantes históricas", frisa ela.
"Liberais presbiterianos se entendem melhor com liberais
anglicanos ou luteranos do que com fundamentalistas ou
carismáticos presbiterianos."
Moraes ressalta que "no meio protestante", os calvinistas são
reconhecidos como "um grupo religioso muito apegado à Bíblia,
à tentativa de fidelidade, ao viver segundo a tradição".
"O lado negativo é que isso pode desembocar numa prática
fundamentalista e bastante sectária se não for bem cuidado, se
não houver um equilíbrio", avalia o teólogo.
Denominações e vertentes
Conforme as ideias calvinistas foram se espalhando, elas foram
ganhando denominações e, claro, vertentes também foram
surgindo. Logo nos primórdios da religião, os calvinistas
franceses foram chamados de huguenotes, na Inglaterra, de
puritanos, na Holanda, de reformados, na Escócia, de
presbiterianos.
"No Brasil, houve várias tentativas de inserção do calvinismo",
conta Moraes.
"No Rio, com a França Antártida, depois no nordeste, com os
holandeses. No século 19, com a abertura dos portos, para
manter boas relações com a Inglaterra, os tratados comerciais
e de navegação permitiam a prática de outras religiões para
esses grupos."
Foi quando, oficialmente, diversas religiões protestantes
chegaram ao Brasil. Gradualmente, vão ganhando mais
liberdades.
"Durante o reinado de Dom Pedro. II, já havia grupos
protestantes em diversas regiões", relata Moraes.
"Mas ainda com limitações: não podiam ter igreja com torre,
não podiam várias coisas. Mas podiam praticar os cultos sem
serem perseguidos."
A pastora Mota explica que essa chegada dos calvinistas pode
ser dividida em três fases.
A invasão era quando vinha junto com os ataques sofridos pela
colônia, como no caso dos franceses no Rio e dos holandeses
no Nordeste. Ela também comum que eles buscassem
catequizar indígenas.
Mais tarde, a partir do século 19, há a chegada de imigrantes
que já praticavam religiões protestantes — e seguem fazendo
em território brasileiro.
Por fim, os missionários são os que chegam com o papel de
realmente criar igrejas no Brasil.
De acordo com Moraes, o marco fundador do calvinismo no
Brasil é considerado a vinda do pastor norte-americano Asgbel
Green Simonton ao país, em 12 de agosto de 1859. Em 1862 ele
fundou a Igreja Presbiteriana do Brasil.
Estima-se que, no total, sejam 1,2 milhão os praticantes do
calvinismo no Brasil.
"É a terceira maior vertente, considerando as igrejas
protestantes históricas, depois de batistas e luteranos", diz
Mota.
A Igreja Presbiteriana do Brasil é ainda há maior do segmento
no país, com 650 mil adeptos. Há dissidências, como a Igreja
Presbiteriana Independente do Brasil, de 1903, e a Igreja
Presbiteriana Unida e a Igreja Presbiteriana Renovada.
"A Unida é um pouco mais aberta, progressista. A Renovada,
quase pentecostal", explica Moraes.
"Existe ainda a Igreja Presbiteriana Conservadora, que é
declaradamente fundamentalista. E outros segmentos vão
aparecendo como ramificações dessas igrejas. Ultimamente,
têm aparecido algumas que são dissidências e não assumem o
nome presbiteriana."

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