Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Marcelo Lopes de Sousa - ABC Do Desenvolvimento Urbano
Marcelo Lopes de Sousa - ABC Do Desenvolvimento Urbano
Oque faz, afinal, de uma cidade uma cidade? Oque tem sido
comum a todas as cidades através dos tempos? Será que a causa
básica dos graves problemas das maiores cidades brasileiras é o seu
tamanho, como teima o senso comum em insistir7 Como podem
esses problemas ser adequadamente enfrentados?
• • •
MUDAR A CIDADE
Uma Introdução Crítica ao Planejamento e ABCDO
à Gestão Urbanos
DESENVOLVIMENTO
URBANO
2ª edição
11
BERTRAND BRASIL
Copyright © 2003 Marcelo Lopes de Souza
SUMÁRIO
Capa: Leonardo Carvalho
Editoração: DFL
2005
Impresso no Brasil Por que livros de divulgação científica, nas ciências sociais, são tão
Printed in Brazil raros? (Uma conversa pn.:li minar com o leitor) 9
Souza, Marcelo Lopes de, 1963- 1. O que faz de uma cidade uma cidade'! 23
S716a ABC do desenvolvimento urbano I Marcelo Lopes de
2" ed. Souza- 2" ed.- Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
192p. 2. Quando e como surgiram as primeiras cidades? 41
ISBN 85-286-1013-6
3. Da cidade individual à rede urbana 49
1. Regiões metropolitanas. 2. Desenvolvimento urbano.
3. Crescimento urbano. 4. Reforma urbana. I. Título. 4. A cidade vista por dentro 63
CDD-307.76
03-0521 CDU- 316.334.56 5. Problemas urbanos e contlitos sociais 81
Todos os direitos reservados pela: 7. Das falsas explicações sobre us problemas urbanos às falsas
EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA. receitas para superá-los 103
Rua Argentina, 171 - 1o andar -São Cristóvão
20921-380- Rio de Janeiro - RJ
Te!.: (0xx21) 2585-2070- Fax: (Oxx21) 2585-2087 8. Reforma urba11a: conceito. protagonistas e história 111
Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por 9. Os instrumentos da reforma urbana 123
quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da Editora. 5
6 7
lii\.l.TI1 m
rnJ
l1tJ
Por que livros de divulgação científica,
nas ciências socia is, são tão raros?
(Uma conversa preliminar com o leitor)
lítica, assim como o meu hábito ainda de adolescente de ler algumas outro para estudantes avançados, um para profissionais e um livro
(ou, normalmente, artigo) que contenha resultados de pesquisa de
coisas de Filosofi a (mais julgando entendê-las que entendendo-as
ponta, lidando com a fronteira do conhecimento. A diferença entre o
propriamente), devem ter intluenciado a minha decisão. Com certe-
li vro para um público leigo e aquele para um público de especialistas
za, não foram os equivalentes sociológicos, geográficos, econômicos
é mais fácil ainda de reco nhecer: ela é imposta pela própria presença,
ou politológicos de Russell, Gamow, Asimov ou Mourão, pela sim-
no segundo caso, de termos técnicos em abundância, muitas vezes
ples razão de que eles quase não existiam. O "quase" vai aqui, na ver-
també m pelo elevado grau de conhecimento matemático que é exigi-
dade, na conta de um eufemismo ou de uma concessão à minha igno-
do do leitor para acompanhar a exposição. No caso das c iências da
rância, pois a tentação de ser mais duro é grande. No terreno das c iên-
sociedade, e m larguíssima medida em função de seu objeto (e não, ao
cias sociais, a única obra realmente de divulgação científica, prato
contrário do que a lguns poderiam imaginar, em função da menor
aliás mu ito saboroso, que c heguei a degustar durante os anos de inteligência dos cientistas sociais). as coisas não se dão dessa forma.
minha formação, veio tarde demais, quando eu já cursava o primeiro Os termos técnicos das ciências da sociedade são, em grande parte,
a no da universidade: A era da incerteza (livro e série de televisão, ou mesmo na sua maioria, palavras e expressões que também estão
ambos muito bons), do economista John K. Galbraith. Com os meus presentes no discurso do se nso comum: classe social, território,
o lhos de hoje, admito que certas obras das ciências da sociedade, democracia, sociedade, partido político, lugar, modernização, ordem,
mesmo tendo sido escritas por especialistas e para especialistas, são poder... Bem diferentes, por exemplo, de "coisas" como quasar, neu-
tão gostosas de ler (em grande parte devido ao próprio objeto), que eu trino, genoma, sinapse, metamorfismo,fractais e, obviamente, tripa-
poderia me ter com elas deleitado: por exemplo, certos clássicos da nossoma cruú ou oligoclásio (isto é, em bom "quimiquês", (Na,Ca)
10 11
~
r;illiT)
rn.J
(AI, Si)4 o ), que são inteiramente obscuras para a grande maioria sem base empírica e sem rigor reflexivo. (Em linguagem mais técni-
8
d os não-especialistas... Mais do que isso: nas ciências da natureza, ca e precisa, também explicada no glossário ao final do livro, pode-se
não são apenas os termos técnicos que criam barre iras impenetráveis dizer que tais constructos são refratários a mensurações nas escalas
para o leigo; o próprio objeto, normalmente, consiste em uma reali- de razüo e intervalo, embora sejam tratáveis em escala ordinal.) E
dade fora do alcance do indivíduo comum, ou porque pertence ao também não é pelo fato de lidar com fe nômenos que, de alguma
mundo do muito pequeno (só acessível com a ajuda de microscópios maneira, dizem respeito a todos, e a respeito dos quais todos se jul-
e ciclotrons), ou porque se situa no campo do muito distante e muito gam capazes de dizer algo, que o cientista social irá enxergá-los da
grande (acessível somente com o auxílio de telescópios e radioteles- mesma maneira; o microscópio e o telescópio devem ser substituídos,
cópios), ou, ainda, porque não faz parte da experiê ncia quotidiana pelos cientistas sociais, pela capacidade de perscrutar e examinar o
das pessoas, re metendo a investigações feitas em laboratórios . O que se passa em várias escalas simultaneamente (do local ao global,
objeto do cientista natural, ademais, além de prestar-se muito m ais passando pelo regional, pelo nacional...), integrando os conhecimen-
facilmente à quantificação, esse verdadeiro apanágio da ciência posi- tos e mobilizando grandes volumes de dados e informações de natu-
tivista, cS muito ma is passível de ser visto como "exterior" ao pesqui- rezas diversas, coisa que exige um tre inamento específico.
sador. A relação de um pesquisador com uma rocha, com uma galá- Tudo isso não sign ifica que, em um sentido político essencial, o
xia distante ou mesmo com um outro ser vivo é de ordem qualitativa- direito de os não-especialistas se pronunciarem- e mais, o direito de
mente diferente de sua relação com outros seres humanos, especial- eles decidirem - sobre coisas que afetam suas vidas e seus destinos,
mente se pertencerem à sua própria sociedade. nos terrenos da política, da economia, da cultura e da organização
Por tudo isso, parece que as ciências da sociedade lidam, de espacial , não seja verdade iro ou legítimo, ai nda que esse direito não
certo modo, com o "óbvio", enq ua nto que as ciências da natureza seja reconhecido pelos tecnocratas e pelas e lites dominantes. Apenas,
desvendariam os mistérios e segredos do universo. É claro, contudo, desejo lembrar que há, sim, uma dimensão técnica/científica cuja
que o "óbvio" é muito menos "óbvio" do que parece. O fato de utili- apreensão exige conhecimentos que não se confundem inteiramente
zar freqüenteme nte palavras que andam de boca em boca não s ignifi- com o senso comum. Esses conhecimentos são, potencialmente, de
ca que elas sej am empregadas da mesma maneira; ao menos teorica- grande relevância, por contextualizarem o saber prático e quotidiano
mente, trata-se, para o cientista social, de termos que têm por trás de dos não-especialistas e revelarem os limites do senso comum; mas,
si conceitos, e cuja exigência de rigor tem de ser grande. apesar di sso, não são sempre "superiores", e nem mesmo são capazes
Por falar em rigor: não é porque a matematização é muito mais de garantir, sempre, maior eficácia às intervenções sobre a realidade.
difícil o u mesmo, em grande parte, indesejável e ardilosa na esmaga- Por últi mo, não é por estar infinitame nte mais exposto às interfe-
dora maioria dos setores das c iê ncias sociais (uma exceção parc ial e rências de valores político-filosóficos- a própria expressão " interfe-
um pouco ilusória sendo a Economia), que o rigor e a precisão, e nten- rê ncia" , aliás, é um bocado inadeq uada aqui - , que o trabalho do
didos em um sentido mais amplo, vão, necessariamente, estar ausen- cientista social há de ser "pouco objetivo", como aind a se ouve,
tes. Dito de outra forma: não é porque idéias tão centrais (chamadas, depreciati vamente. Afinal, mesmo não desejando se esconde r por
tecnicamente, de constructos- vide a seção Termos técnicos expli- trás de um quimérico manto de " ne utralidade ax iológica" (isto é,
cados ao final do livro) como poder, carisma e autoridade e fe nôme- neutralidade com re lação a valores) e assumindo seus pressupostos
nos como identidade sócio-espacial ou influência cultural se mos- motivacionais e panos-de-fundo político-filosóficos, o cientista
tram refratários a mensurações que se pode falar o que be m quiser, social não se vê desobrigado de distinguir entre discursos panfletá-
12 13
iiiL[n]
WJ rru
rios e vulgarmente ideológicos, nítida e grosseiramente parciais, de Diferentemente das ciências naturais, não se tratará, aqui, de
um lado, e argumentações empiricamente bem fundamentadas e tão tomar um punhado de verdades estabelecidas (ainda que apenas pro-
honestas e livres de vieses quanto possível, de outro lado. visoriamente, é lógico), simplificá-las e colocá-las ao alcance dos
Seja como for, os cientistas sociais têm, sim, maiores dificulda- não-especialistas. A respeito de grande parte dos assuntos abordados
des para apresentar para os leigos os seus resultados. Na verdade, o nas ciências sociais, controvérsias deri vadas de visões de mundo
que se buscou foi, algumas vezes, de certa maneira, o inverso da divergentes são parte integrante e constante do espetáculo - o que
divulgação científica: revestir análises com uma capa de complica- não é, bem ao contrário do que comumente se pensa, necessariamen-
ção desnecessária, terminológica ou matemática, com o objetivo de te um problema, podendo ser, isso sim, algo altamente estimulante.
granjear maior "respeitabilidade científica". O resultado disso foi Assim como estimulante é, também, o desafio de dar conta de um
decepcionante, para não dizer ridículo: textos herméticos sobre objeto tão rapidamente mutável e sempre surpreendente (pense-se na
assuntos os mais variados, em que o formalismo matemático e/ou o velocidade de mudança e na capacidade de nos surpreender inteira-
linguajar pedante mais atrapalham do que ajudam a ganhar conheci- mente que são típicas de fenômenos sociais os mais variados, e
mento novo realmente relevante. Exemplos vão, aqui, dos antigos compare-se isso à dinâmica da crosta terrestre ou, mais ainda, às leis
"modelos gravitacionais" para explicar migrações até as recentes ten- da Física: é mais ou menos como a diferença entre pegar um trem
tativas de usar a Geometria dos fractais para explicar e planejar o parado ou quase parado e tentar pegar um trem a 100 km/h... ). Por
crescimento urbano (vide o significado de " modelos gravitacionais" isso, não se buscará passar para o leitor a impressão de que o autor é
e "Geometria dos fractais" no glossário ao final do livro). Talvez esse um adulto ensinando a uma criança coisas difíceis de modo simples,
complexo de inferioridade - felizmente não presente em todo mundo,
sobre as quais os especialistas já se puseram de acordo há muito
é claro- tenha contribuído um pouco para fazer com que aqueles que
tempo. O leitor será tratado como um cúmplice e como um compa-
abraçaram as ciências da sociedade não se interessassem por trazer
nheiro de jornada, convidado a tirar suas próprias concl usões e, ao
ao alcance do indivíduo le igo letrado seus muitas vezes importantís-
mesmo tempo, confrontado com os resultados de décadas de pesqui-
simos resultados, seus exercícios de desconstrução do senso comum
sa. Pesq uisas essas que, se por um lado merecem respeito (é uma
e de desconfiança em face do aparententemente óbvio. Que pena: não
eterna tentação, e não só por parte dos leigos, descartar ou afrontar os
há nada tão fascinante e complexo, e por isso mesmo demandante de
resultados de investigações criteriosas, às vezes árduas, com base
elucidação e divulgação adequadas, do que a aventura humana sobre
somente em intuições pretensamente geniais embaladas em atraente
a face da Terra.
O presente livro deseja ser uma contribuição para o preenchi- retórica), não devem ser objeto de adoração. O conhecimento cientí-
mento dessa lacuna. Sua meta, porém, é modesta, pois seu objeto é fico sobre a sociedade é, "tão-somente", por mais refinado e comple-
bem demarcado: o desenvolvimento urbano. Conhecimentos oriun- xo que seja - ao tentar integrar e dar conta das relações entre uma
dos das diversas disciplinas que colaboram com os estudos urbanos enorme quantidade de fatores e elementos atinentes a diferentes fenô-
(Geografia e Sociologia, principalmente, mas também Economia, menos operando em distintas escalas -, um conhecimento elaborado
Antropologia Social e outras mais), além de abordagens e técnicas de a partir de saberes, significados e práticas socialmente produzidos.
planejamento e de gestão urbanos: tudo isso será mobilizado dentro Saberes, significados e práticas esses que dizem respeito, o mais das
de uma tentativa de explicar o que faz das cidades locais bons ou vezes diretamente (diferentemente, digamos, de pesquisas em Astro-
ruins para se viver e como surgem e se agravam- e como podem ser física), aos problemas e dilemas com os quais a sociedade se vê con-
enfrentados -os problemas urbanos. frontada, incluindo mesmo, em grande parte, os problemas mais quo-
14 15
lill1m lill.l:m
rn.J IJtJ
tidianos. Falar sobre eles e ser informado sobre eles é direito de portuguesa, e sempre se trata de livros, nunca de artigos publicados
todos, porque direito de todos é participar das decisões que os envol- em algum periódico especializado e de difícil acesso. O motivo é
vam. No mínimo tanto qua11to o saber das ciências naturais, o saber simples: não se desejou, com a bibliografia, demonstrar erudição,
das ciências da sociedade precisa, regularmente, ser ressocializado mas, realmente, orientar e ajudar o leitor (presumivelmente, um leigo
de forma transparente e democrática. Para variar, essa não é uma ou, na melhor das hipóteses, um estudante de graduação dos primei-
questão científica: é ética e política. O que não a faz menos digna de ros períodos) interessado em aprofundar o seu conhecimento.
reflexão por parte de todos os cientistas .
.....
O presente livro deriva de uma significativa experiência de pes-
Agora, alguns esclarecimentos ao leitor sobre a estrutura e o esti- quisa do autor no campo dos estudos urbanos. E, no entanto, diferen-
lo deste li vro. temente dos meus livros anteriores, não foi algum projeto em particu-
É claro que, em um livro como este, q ue não foi escrito para lar, ou um conjunto de projetos, que forneceu a inspiração e o contex-
especialistas, deve-se evitar, ao máximo, o uso de termos técnicos. to mais imediato para a feitura do trabalho. Complementarmente
Entretanto, nem sempre isso é possível, e algumas vezes tampouco é àquilo que escrevi páginas atrás, posso dizer que a inspiração foram
aconselhável. Em vez de explicar o sentido de determinadas palavras as minhas muitas tentativas de explicar, para leigos e para estudantes
e apresentar certos conceitos em notas de rodapé, preferi fazê-lo ao de graduação (os quais, ao menos quando se encontram nos períodos
final do texto, sob a forma de um glossário onde os termos técnicos iniciais, muitas vezes não apresentam uma bagagem de conhecimen-
se acham todos reunidos. Sempre que uma palavra aparecer em itá- to específico significativamente superior à de muitos leigos), concei-
lico, precedida pelo símbolo ~, o leitor deve consultar a seção tos, teorias, processos empíricos e instrumentos de planejamento.
Termos técnicos explicados. O símbolo só foi utilizado, porém, Traduzir em linguagem clara todo um acervo acumulado de conheci-
quando da primeira aparição da mesma palavra no texto. mentos, sobre a base de minhas próprias pesquisas ou das de colegas
A bibliografia não foi citada, no corpo do texto, dentro dos próximos ou distantes, de modo a informar um grande público, foi o
padrões acadêmicos convencionais, para tornar a leitura mais escor- desafio que motivou a empreitada que se corporificou no livro que o
reita e menos pesada. Q uando algum nome de autor for mencionado, leitor tem diante si. Por isso, vou dispensar os agradecimentos de
praxe a agências de fomento, assistentes de pesquisa etc. O grande
porém, o leitor irá, normalmente, encontrá-lo também ao fi nal do
agradecimento vai, isso sim, para as involuntárias "cobaias" prefe-
li vro, na seção Bibliografia comentada. É evidente que um texto
renciais de sempre: meus alunos da Universidade Federal do Rio de
como o presente, que aborda assuntos bem diversificados a respeito
Janeiro, notadamente os de graduação. Uma "provadora" muito espe-
da dinâm ica urbana, dos problemas das cidades e das tentativas de
cial foi a economista-mais-que-economista (felizmente!) Claudia Bi-
enfrentamento desses problemas, toca em temas que vêm sendo estu-
saggio Soares, que, lendo a primeira versão do manuscrito, me aju-
dados há gerações. Por outro lado, este livro não é um tratado, mas
dou, com seus olhos de "semi leiga", a aperfeiçoar o estilo e, mais que
sim uma obra de divulgação. Por essa razão, a bibliografia foi restrin-
isso, a aprimorar certas argumentações; a ela o meu muito obrigado.
gida a alguns trabalhos fundamentais, de acesso relativamente fácil
Afora isso, a lembrança de algumas conversas que mantive com cole-
para o leitor interessado. As referências são quase todas em língua
16 17
lilllm rnnl
[llJ [llJ
gas estudiosos do urbano e da urbanização, ao longo dos últimos
anos. contribuiu para que eu ficasse particularmente atento com rela- INTRODUÇÃO
ção à necessidade de ser bastante claro no momento de expor certas
idéias e certos argumentos. Meu intercâmbio com o colega e amigo
Pedro de Almeida Vasconcelos, professor do Departamento de Refletindo sobre as cidades, seus problemas
Geografia da UFBA, a respeito da pertinência ou não de se aplicar o
e as maneiras de superá-los
termo "segregação (residencial)" ao caso brasileiro, é um exemplo
disso (embora eu persista em discordar de Pedro, que preferiria utili-
zar a palavra "exclusão", que me parece perigosa). A esses interlocu-
tores (e, certamente, também a outros) devo, sem dúvida, estímulos
importantes.
Definir é uma coisa que nada tem de muito simples, pois exige
um razoável, às vezes até mesmo um elevado (dependendo da com-
plexidade daquilo que se deve definir) poder de abstração. "Abstra-
\'uo" e "abstrato" não são termos pejorativos, ao contrário do que
muitos pensam. Raciocinar abstratamente significa buscar coisas em
m mum, ou regularidades, entre coisas diferentes. Essas "coisas"
podem ser objetos, podem ser comportamentos, podem ser processos
lus16ricos... Por exemplo: se eu falo "cão", estou lidando com um
nfvcl de abstração maior do que quando falo "pastor alemão", e
11111ito maior ainda do que quando falo do "meu cão Rex, que é um
22 23
rnm rnm
[JJJ
[JJJ
pastor alemão". O " meu cão Rex" situa-se em um nível emine nte- aumentaram exponencialmente no decorre r do século XX. O nível de
mente concreto, e expressa, inclusive, uma singularidade, ou sej a, controvérsia a respeito do conceito, poré m, não di minuiu- pe lo con-
uma coisa que é única (pois aque le cão c hamado Rex, que é o meu, é trário. Assim sendo, não seria uma temeridade pretender, em um
único, no sentido de que só existe um); j á "cão" situa-se e m um nível li vro de divul gação científica, en frentar tema tão delicado? Sem
m uito geral, pois existem muitos mil hões de cães no mundo, perten- dúvida, é uma temeridade. Mas, que fazer? É preciso que nos e nten-
centes a numerosíssimas raças. As definições c ientíficas, normal- damos, min imamente, sobre o conceito de uma realidade a respei to
mente, se referem a fenômenos bastante o u até mesmo extremamen- de cujos problemas e suas possíveis soluções pretende-se discorrer.
te gerais, ou mesmo universais, como se dá, e m especial, nas ciências O jeito, então, é advertir o le itor para o fato. inevitável, de que o que
naturais. Ninguém se interessaria em construir um conceito a propó- se pode fazer, aqui, é, meramente, uma aproximação, com uma forte
si to de algo que sej a único. Nas ciências, mesmo nas sociais, a pes- dose de generalização embutida.
q uisa de relações é parte essencial do trabalho, e as comparações, Para o sociólogo Max Web~. em um escrito seminal sobre a
menos ou mais explícitas, menos o u m ais intensas, di fic ilme nte natureza das cidades, publicado originalmente em 1921 (vide a cole-
podem estar completamente ausentes. O singular e o particular devem tâ nea organ izada por Otávio Velho, na Bibliografia comentada), a
ser e ntendidos à luz do que é geral (o que não signi fica, absolutame n- cidade é, primordial e essencialmente, um local de mercado. Apesar
te, que apenas o que é geral interessa: é necessário, sempre, analisar de nem todo " local de me rcado" ser uma cidade (basta pensar, como
as variações, as especificidades e as suas causas, e inclusive conside- ele sugere, em mercados periódicos tendo lugar e m aldeias, isto é,
rar os fenômenos singulares). assenta mentos não- urbanos), toda c idade é um local de m ercado,
A cidade é um objeto muito complexo e, por isso mesmo, muito onde se dá um intercâmbio regular de mercadorias.
difícil de se definir. Como não estou falando de um determinado tipo Pouco mais de uma década após a publicação daquele escrito de
de cidade, em um mome nto histórico partic ular, é preciso ter e m Weber, o j á citado Christaller deu uma co ntribuição importante,
mente aquilo que uma cidade da mais remota Antigüidade e cidades introduzindo o conceito de localidade central. Toda cidade é, do
contemporâneas como, digamos, Cairo, Nova Iorque e Tóquio, mas
tam bém uma pequena cidade do interior brasile iro ("uma dessas
__
ponto de vista geoeconômico, isto é, das atividades econômicas vis-
tas a partir de uma perspectiva espac ial, uma localidade central , de
cidades tão pacatas que nem têm lugares que não devam ser freqüe n- nfvel maior ou menor de acordo com a sua centralidade- o u seja, de
tados", para recordar uma frase do humorista Millôr Fernandes), têm ncordo com a quant idade de bens e serviços que ela oferta, e q ue
em comum, para encontrar uma defi nição que dê conta dessa ime nsa fa zem com que e la atraia compradores apenas das redo ndezas, de
variação de casos concretos. Conceituar o que seja um cão é, segura- urna região inteira ou, mesmo, de acordo com o nível de sofisticação
mente, uma tarefa me nos espinhosa... do bem ou serviço, do país inteiro e até de outros países. A aldeia
O economista e geógrafo alemão Walter Christaller, no seu livro (I lU, para adaptar à real idade brasileira, o povoado,já q ue aldeia é um
Lugares centrais na Alemanha Meridional, onde expôs a sua fa mosa l t'll110 que, entre nós, remete, em prime iro lugar, a assentamentos
"teoria das localidades centrais", já havia registrado (em 1933!), em 111dfgcnas), d iversamente, não é uma localidade central. A natureza
uma nota de rodapé, a existência de uma " numerosa literatura sobre dn uldeia, ou do povoado, é mais "centrífuga", para usar um termo de
o conceito de cidade". Numerosa e, como ele também mostrou, pre- c 'lu istaller, porque as atenções de seus moradores estão voltadas para
nhe de controvérsias. A literatura a respeito do assunto "cidades" e, 1" ~ uas bordas (onde começam os campos de cultivo), do que "centrí-
conseqüentemente, também as discussões sobre o conceito de cidade, JII'IU", como ocorre com a cidade, onde a área central de negócios (em
24 25
lffiliTl
00 l1lJ
inglês, central business district, ou CBD), ou o seu embrião, atrai os economicamente, o seu entorno imediato, ou seja, as cidades vizinhas,
consumidores de todo o tecido urbano, fazendo com que as atenções para que sua área de influência já possa ser considerada digna de nota.
dos citadinos se voltem para o centro do assentamento, e não para as ~idade....é,_sob o ângulo do uso do solo, ou das atividades econô:
suas franjas. (Uma observação: um autor norte-americano, C. C. micas que a caracterizam, um espaço de produção não-agrícola (ou
Colby, usou, também na década de 30, as mesmas expressões "cen- seja, manufatureira ou propriamente industrial) e de comércio e ofere-
trífugo" e "centrípeto", mas para referir-se a outra coisa: às forças cimento de serviços. Bem, até aí "morreu Neves", pode o leitor dizer;
que estimulam a descentralização das atividades econômicas na esca- afinal, nada mais óbvio que o fato de que a cidade, qualquer que seja
la da cidade, dando origem, por exemplo, ao aparecimento dos cha- ela, não é um espaço que se caracterize pelas -t atividades primárias.
mados subcentros de comércio e serviços.) Ocorre, porém, que a coisa não é tão simples assim. Não é tão simples,
Além do mais, as cidades são assentamentos humanos extrema- não tanto porque, às vezes, podem ser encontradas, como minúsculas
mente diversificados, no que se refere às atividades econômicas alL_ ilhotas em meio a um oceano de espaço construído, "extravagâncias
desenvolvidas, diferentemente dos assentamentos rurais que são as espaciais" como plantações de hortaliças, verduras e legumes (oleri-
aldeias e os povoados. A vida econômica da aldeia ou do povoado cultura), desenvolvidas debaixo de torres de altas tensão- ou seja, em
1crrenos que, dificilmente se prestariam para qualquer outro aprovei-
g ira em torno da agricultura e da pecuária, às vezes do extrativismo
lamento econô mico. Esse tipo de "extravagância espacial" se vê,
mineral, quer dizer, daquelas atividades econômicas que, por excelên-
uinda hoje, em alguns subúrbios do Rio de Janeiro, cidade onde moro
cia, definem uma identidade geoeconômica, ou seja, econômico-
r trabalho, e com a qual estou mais familiarizado. Não, decididamen-
espacial, própria do campo, em contraposição à cidade. Na aldeia ou
~~· a coisa não é tão s imples, principalmente, porque, nas bordas da
no povoado, produtos agropecuários são estocados provisoriamente e,
r 1dade, é comum existir uma "faixa de transição" entre o uso da terra
eventualmente, sofrem algum tipo de beneficiamento, o mais das
11picamente rural e o urbano. E~xa de transição~h amada, ent;-";
vezes preliminar. O comércio de aldeia ou povoado é rudimentar, e é
llN geógrafos anglo-saxões, de franja rural-urbana, e, entre os france-
voltado para o auto-abastecimento local. Os gêneros agropecuários
~\'S, comumente, de espaço periurbano. No Brasil ambas as expres-
produzidos pelos aldeões ou moradores do povoado são, eles sim, fre-
st1\!s são empregadas pelos estudiosos. Qua..!)19 maior a cidade, em
qüentemente destinados a um mercado maior, onde serão, muitas
1·~·ral, mais complexo tende a s~ço pe~. Nele se encon-
vezes, processados e industrializados, sendo, posteriormente, reenvia-
llum misturadas duas "lógicas", por assim dizer, de uso da terra: a
dos a muitos outros mercados. Por outro lado, os aldeões ou morado-
n ual e a urbana. A "lógica" rural é a da terra enquanto terra de traba-
res do povoado, enquanto consumidores, precisam, para adquirir qual-
lho para a agricultura e a pecuária; o solo, aqui, tem valor não apenas
quer coisa que não seja produzida por eles mesmos ou que ultrapasse
dt·vido à localização do terreno, mas, também, um valor illtrínseco,
aqui lo que constitui os gêneros de consumo mais rotineiro (certos ali-
dt•viuo às di~erenças de fertilidade natural. Já a "lógica" urbana éJ!. d.Q_
mentos, dentre o utras coisas), mas que não são produzidos pela pró- ttln enquanto um simples suporte para ati vidades que independem de
pria fam ília, dirigir-se à cidade mais próxima, às vezes a uma cidade ~~·11' ulributos de ferti lidade: produção industrial (indústria de trans-
maior e mais distante, dependendo do bem ou serviço que procuram. 1• IIIIIIIÇão e construção c i vil), -t atividades terciárias, habitação e cir-
Em contraste, as cidades possuem uma certa central idade econô- t lliat;rlo (ruas. avenidas etc.).R> que pode confundir é que, na franj; \
mica. Sua área de intluência pode, muitas vezes, não ir além dos limi- 1111111 urbana, muitas vezes a face visível do espaço (a paisagem) con-
tes territoriais da unidade político-administrativa local da qual ela é a 11111111 lendo um aspecto ''rural", às vezes até belamente bucólico-
sede (no caso brasileiro, o município). Todavia, basta ela polarizar, .il p11111as plantações, muito verde, grandes espaços servindo de pasta-
27
26
múm
rnj
I múm
I11J
- gem para algumas cabeças de gado - , quando, na verdade, por trás
--:-r
povoados. Isso faz muito sentido, quando se tem em mente que, em um
disso se verifica uma presença insidiosa e cada vez mais forte da
pafs onde predomina um quadro em que a população rural é rarefeita e
"lógica" urbana de uso do solo. Grandes áreas servindo de pastagem
vi vc dispersa, um aglomerado de umas tantas centenas de habitantes
para umas tantas cabeças de gado, por exemplo, nada mais são, fre-
pml~: já apresentar funções urbanas, enquanto que, em outro país, no
qüentemente, que uma "maquiagem" para glebas mantidas como
qual a densidade demográfica do campo é muito elevada e a população
reserva de valor por empreendedores urbanos; são, assim, terras de
especulação, "em pousio social", por assim dizer, e que serão conver- llll'al vive concentrada em aldeias, um núcleo de uns tantos milhares de
tidas, depois de muitos anos ou mesmo após algumas décadas, em lwbirantes bem pode ser, basicamente, rural. Fixar um limite mínimo,
loteamentos popu lares ou condom ínios fechados de alto status, l'lll matéria de número de habitantes, como forma de se estabelecer 0
dependendo de sua localização. Nem tudo aquilo que parece ser, por qu~: é cidade e o que não é, em um determinado país, é o jeito mais
conseguinte, de fato é, em matéria de espaço periurbano... (Ver, para d'l111odo de se enfrentar a tarefa prática de distinguir entre núcleos
uma contextualização mais apropriada do espaço periurbano na cida- 111 banas e rurais, e pode não dar em resultados ruins, desde que se pro-
de, o Cap. 4, A cidade vista por dentro.) \ II'Ua a isso tomando por fundamento um conhecimento sólido da rea-
Além de tudo isso, a cidade é, igualmente, um "centro de gestão lidade sócio-espacial do país em questão. No entanto, essa solução
do território", por sediar as empresas. Porém, nem tudo se resume à 111uda muito pouco na hora de se entender o que é uma cidade, proble-
economia! A cultura desempenha um papel crucial na produção do ''"' esse antes de ordem qualitativa que quantitativa.
espaço urbano e na projeção da importância de uma cidade para fora Além da estipulação de limites demográficos mínimos há, tam-
de seus limites físicos, assim como o poder. A cidade é um centro de lil1m, critérios "funcionais" muito vagos, que deixam tudo em aberto:
gestão do território não apenas enquanto sede de empresas (privadas 1 o caso do Brasil, onde núcleos urbanos são as cidades e as vilas,
e estatais), mas também enquanto sede do poder religioso e político. 't·ndo que as primeiras são sedes de municípios e as segundas são
Além do mais, uma cidade não é apenas um local em que se produ- M'dcs de distritos (subdivisões administrativas dos municípios). E, de
zem bens e onde esses bens são comercializados e consumidos, e 11110, nenh um outro conteúdo se associa a essa "definição" brasileira
onde pessoas trabalham; uma cidade é um local onde pessoas se olicial de cidade e de vila: é certo, sem dúvida, que uma vila, que
organizam e interagem com base em interesses e valores os mais ~l'd i a um simples distrito, é menor que uma cidade, que sedia todo
di versos, formando grupos de afinidade e de interesse, menos ou 11111 município; mas, a elevação de uma vila à categoria de cidade, na
mais bem definidos territorial mente com base na identificação entre r·~r ci ra da emancipação do distrito e criação de um novo município
certos recursos cobiçados e o espaço, ou na base de identidades terri- (pois, se um município pode comportar vários distritos e, portanto,
toriais que os indivíduos buscam manter e preservar. d1versas vilas, não pode haver um município com duas cidades), é
Uma questão interessante, a respeito do conceito de cidade, é a 11111 processo essencialmente político. Uma cidade pode ter, assim,
seguinte: existe um "tamanho mínimo" para se poder falar de cidade? 111ui1os mi lhões ou apenas uns poucos milhares de habitantes, e uma
E, se existe, qual é ele? A partir de mil, cinco mil, dez mil habitantes? h1111ples vila de um município populoso pode ser maior que a cidade
A resposta a isso é bem menos simples do que se poderia pensar. Cada iflll' scdia um outro município, em outra região...
país adota os seus próprios critérios oticiais para estabelecer o que é É de se esperar, evidentemente, como eu j á disse, que os critérios
uma cidade- ou, mais amplamente, um núcleo tido como propriamen- lllt,'um sentido e retlitam, ao menos substancialmente, a realidade do
te urbano-, distinguindo as cidades de núcleos rurais como aldeias e p.il~ em questão (no caso do Brasil, como se pode ver, o tipo de cri-
.
17 13
•
xuludc lá muito grande, apresentava grande centralidade, pois sua hin-
ll••lfl ndia (região de influê ncia) se espraiava pela imensa área da
Anuazônia. A razão desse reconhecimento formal da~ metrópoles era
diipla: explicitamente, tornar mais racional, sob o ângulo econômico,
O Megalópole 11 pt estação dos chamados serviços de interesse comum, isto é, servi-
• Metrópole nacional
• Metrópole regional ~~~~ que interessam a mais de um município e que podem ser mais
• Aglomeração li ll•·ligcntemente oferecidos por meio de uma gestão integrada, como
·••blinação do lixo, o abastecimento de água, a proteção ambiental e
1 Porto Alegre o 1.000km
ltiiii OS mais; para isso foi criada, em cada região metropolitana, um
2 Curitiba 111 p.lo de planejamento e gestão. Mas havia, também, um objetivo não
3 Santos
4 Campinas II' V\' IHdo por trás da criação das regiões metropolitanas: um objetivo
5 São Paulo d1 "'l'copolítica interna" , que dizia respeito ao interesse do regime ins-
6 Rio de Janeiro
7 Belo Horizonte 14 São José dos Campos 1ilmlo pelo golpe militar de 1964 em intervir mais facilmente nesses
8 Vitória 15 Taubaté ljllt' t'l'llm os espaços-ch11ve da vid11 econômica e político-social brasi-
9 Salvador 16 Volta Redonda
17 Cuiabá lt 1111, sem precisar e liminar mais ainda a já muito restrita margem de
10 Recife
11 Fortaleza 18 lpatinga 111111111lmt de estados e municípios. É e vidente, assim, que a criação e a
12 Belém 19 Petrolina
20 Juazeiro do Norte I' oiOo dessas primeiras regiões metropolitanas se deram sob a égide
13 Brasília
,1.,, 11111ralismo e do autoritarismo- o que, inclusive, engendrou can-
Il uiii,·Ocs que contribuiriam para a fraqueza e o pouco crédito desses
"'1111••~ gestores metropolitanos, os quais não dispunham de verdadei-
, 1 llllnnomia financeira o u política, te ndo servido, e m decorrência
.\1 11, pura muito pouco. Com a Constituição de 1988, a incumbência
34 35
mu:m rm.rm
[fiJ l1iJ
de criar regiões metropolitanas passou da União para os estados. Essa 1omas umas das outras e muito fortemente articuladas entre si. Mega-
mudança representou e representa uma oportunidade positiva, pela lnpoles mundialmente conhecidas são, para citar alguns exemplos, a
flexibilidade para a adoção de soluções mais adaptadas a cada realida- do Vale do Ruhr, na Alemanha; Tókio-Yokohama-Nagoya-Osaka-
de local e regional, e implementadas de modo mais democrático; por Kobe, no Japão; a "Boswash" (Boston-Washington), nos EUA; a
< 'liicago-Detroit-Cleveland-Pi ttsburgh, igualmente nos EUA; e a
outro lado, percebe-se que a falta de critérios técnicos compartilhados
e a idéia de que "ser metrópole" representa um grande status vêm "Sansan" (Santa Bárbara-San Diego), também nos EUA.
levando à criação de regiões metropolitanas onde, de fato, talvez só E quanto ao eixo São Paulo-Rio? Formaria ele uma megalópole?
h•un Gottmann já havia previsto, no começo dos anos 70, o desenvol-
exista, no fundo, uma aglomeração de porte não-metropolitano ... Seja
vuncnto de uma megalópole ao longo desse eixo, e vários autores
citado, a título de exemplo, o caso da Região Metropolitana de Blu-
• • •~tumam referir-se a ele como sendo uma megalópole. Eu não diria
menau (SC), nucleada por uma simples cidade média. Já outras
ll lll' isso está inteiramente errado, ou que é um completo absurdo;
"novas regiões metropolitanas", que eram reconhecidas como aglo-
11111~. deve-se admitir que é, no mínimo, um caso duvidoso. O que
merações até a década de 80, são, indiscutivelmente, entidades metro-
lt tdas as megalópoles anteriormente mencionadas têm em comum é,
politanas: é o caso da Região Metropolitana de Campinas, no estado
l'"'l'isamente, um "costuramento" ao longo de todo o eixo, por meio
de São Paulo, antiga aglomeração Campinas- Vinhedo-Paulínia~
dr l'Xcelentes rodovias e, também, por transporte de massa: especifi-
Sumaré-Indaiatuba-Nova Odessa-Valinhos. O mapa da figura I mos- ' nn1ente, por meio de trens, inclusive trens de alta velocidade, que
tra a localização tanto das "velhas regiões metropolitanas", herdadas pt· tulltcm que uma distância de duas ou três centenas de quilômetros
dos anos 70, quanto de algumas "novas regiões metropolitanas", cria- 1 111 vencida em relati vamente pouco tempo (duas horas, no máxi-
das posteriormente à Constituição de 1988 pelos respectivos estados. 11111) Nos casos europeu e japonês isso é particularmente verdadeiro.
Tendo explicado o que são as metrópoles, é possível, agora, I htt fnlta ao eixo Rio-São Paulo, exatamente porque falta a facilita-
explicar o que são as megalópoles, termo popularizado pelo geógra- ~ Ih• dos fluxos de passageiros por intermédio de uma articulação fer-
fo francês-americano Jean Gottmann, a partir da década de 60. É loVtlll"itt com base em trens modernos e de grande velocidade. A
comum ouvir frases do tipo "a megalópole de São Paulo", como se l''"ilt' aérea é, pelo custo do transporte, muito seletiva, notadamente
uma megalópole fosse algo assim como uma "cidade monstruosa- 111111111país como o Brasil. Quanto ao transporte rodoviário (carros e
mente grande". Isso é, para dizer o mínimo, muito impreciso. Uma 1 tltthus), além de ele não garantir com a mesma facilidade um "costu-
megalópole é, também, uma espécie de "sistema urbano" fortemente ' luwnto" maciço entre espaços situados a grandes distâncias um do
integrado, inclusive por fluxos de deslocamento diário de passageiros 11111to, há que se levarem conta que a eficiência da ligação rodoviária
na base de transportes coletivos de massa. Só que, diferentemente das 1nllt R10 c São Paulo não é a mesma de uma grande via expressa
metrópoles, as megalópoles não são, do ponto de vista físico, entida- 111 1111 umcricana ou européia. Com efeito, a barreira para movimen-
des locais; elas se espraiam por áreas muito maiores, em escala regio- " 1 l"'"dulares para além de cada uma das metrópoles que polarizam
nal ou, pelo menos, sub-regional. De fato, megalópoles são formadas "• I o Rio-São Paulo é evidente. É bem verdade que há movimentos
por duas ou mais metrópoles, que se acham "costuradas" por fluxos I" lldll lur·cs que extravasam os limites formais das regiões metropoli-
de modo semelhante como cada metrópole individual se acha articu- 111 111~. l'Specialmente no âmbito das tendências recentes de "fuga da
111t 11opolc", em que pessoas buscam uma melhor qualidade de vida
lada internamente. Por isso é um etTO chamar São Paulo, por exem-
' ' 1 o~lw.tnrcm-se mais e mais do núcleo metropolitano e de sua perife-
plo, de megalópole: uma megalópole não se confunde com uma
metrópole; ela é um conjunto de duas ou mais metrópoles muito pró- d' l'"lln', embora mantendo a possibilidade de uma interação diária
36 37
00 00
com o núcleo: é o que ocorre com muitos cariocas que se mudam Figura 2
para Petrópolis (que fez parte, até 1987, da região metropolitana for-
mal, mas hoje não pertence mais a ela), ou com paulistanos que vão DO CENTRO ISOLADO A MEGALÓPOLE: MODELOS GRÁFICOS
residir, por exemplo, em Jundiaí. Só que, nesses casos, o que se tem
é, meramente, um ligeiro espraiamento da própria metrópole, e não
fluxos que extravasam muito os seus limites. Mais consistente, por
conseguinte, que o eixo Rio-São Paulo, em matéria de megalópole, ~ ~ ~:;:!:'§P
seria o eixo formado pelas metrópoles de Campinas, São Paulo e 1 2 3
Santos. Esse eixo, mais que o Rio-São Paulo, seria, mais apropriada-
mente, passível de ser chamado de a megalópole brasi leira, represen-
@~~
tada no mapa da figura I. Uma figura pode não valer sempre mais
que mil palavras, mas que ajuda, ah, isso ajuda; por isso, os modelos
gráficos da figura 2 tencionam complementar as definições apresen-
tadas verbalmente neste e nos parágrafos anteriores.
Por último, o termo "megacidades" fez sua aparição há alguns
.
e$
anos, popularizado a partir do ambiente anglo-saxão (megacities). Não 4
se trata, propriamente, de um conceito, mas apenas de uma palavra
sugestiva- ou, diriam os mais cáusticos e mordazes, garrafa nova para
vinho velho ... O fato é que aquilo que se chama de "megacidades" são,
no fundo, metrópoles. Talvez para chamar mais a atenção do grande
público, tomando um termo de uso tão comum (cidade) e acrescen-
tando-lhe um prefixo capaz de emprestar-lhe força dramática (mega).
passou-se a usar, com freqüência, essa expressão, sem que ela, via de
regra, seja explicada ou conceituada. A rigor, não passa de um termo 5
supért1uo, do qual bem se pode abrir mão. Entretanto, agências públi-
cas e privadas de financiamento de pesquisas e a imprensa apreciam 1 Centro isolado
muito mais quando as coisas vêm embaladas com um papel mais vis-
2 Aglomeração com conurbação
toso e atraente, não é verdade? ... Em uma era onde a comunicação é
(quase) tudo, e onde não se faz pesquisa de envergadura sem financia- 3 Aglomeração sem conurbação
mentos específicos (e, é claro, a divulgação na mídia sempre dá um 4 Metrópole
empurrãozinho), poucos são aqueles dispostos a tentar evitar que o 5 Megalópole
rigor seja, sem grandes cerimônias, sacrificado no altar da retórica.
(A~ seta~ indicam movimento pendular diário
E chega-se, assim, quase ao fim deste longo capítulo inic ial
resldêncla--.local de trabalho--.residência)
sobre o conceito de cidade. Mas ainda ficou faltando uma coisa, sem
a qual, mesmo sem querer complicar em demasia, algo importante
estaria sendo omitido. Sem prejuízo para o que foi dito anteriormen-
38
mLf.fil 39
l1lJ lii\.[:1]
l1lJ
te a respeito da natureza da cidade, o fato é que, sempre pensada em
contraposição ao "campo", essa natureza precisa ser considerada, 2. Quando e como surgiram
atualmente, à luz da enorme redefinição pela qual a oposição campo/
as primeiras cidades?
cidade passou nas últimas décadas.
A presença cultural da cidade nas áreas rurais é, também no
Brasil, muito grande, e cada vez maior, valores e modas, veiculados
pela televisão, "conquistam" o campo e vão influenciando hábitos e
subvertendo ou minando tradições, mesmo nas mais remotas regiões.
E, apesar disso, no Brasil ainda há muitíssimos povoados rurais bem
tradicionais e áreas pouco "urbanizadas" no sentido da penetração de
hábitos urbano-metropolitanos "modernos" difundidos pelos meios de
comunicação de massa e pela economia capitalista em geral. O quadro
é diferente, porém, quando se olha para um país como, por exemplo, a
Alemanha de hoje. A frase "a cidade está em todo canto; a cidade n~o
está em lugar algum", usada por um articulista escrevendo sobre pro-
blemas das grandes cidades no semanário alemão Die Zeit (Hanno
Rauterberg, "Leben im unheimlichen Heim; Die Zeit, 02/05/2 002),
está longe de ser um jogo de palavras vazio. Em um país comparativa-
mente pequeno e densamente povoado como a Alemanha, onde
aldeias e cidades se sucedem separadas por não grandes distâncias
entre umas e outras, e onde a vida nas aldeias se modernizou e " urba-
nizou" incrivelmente desde os anos 50 (infra-estr utura técnica e social
básica quase sempre toda ela presente e de ótima qual idade, afl uência
econômica, abundância de faci lidades da vida moderna etc.), a paisa-
gem apresenta, sim, contrastes "funcionais" (belos campos cultivados
e bosques intercalados com aldeias e espaços de maior adensamento,
que são as cidades de todos os tamanhos) e demográficos (maior uu Nas ciências sociais, muitas vezes fica mais fácil explicar um
menos densidade), mas não os crassos desníveis culturais e de modo e tt lltt"t' ilo apresentando a gênese daquilo que se deseja dar a conhecer.
padrão de vida que ai nda se podem observar em um país periférico ou I'11' l' 'su razão, o presente capítulo é, em parte, não apenas um pros-
11
semiperiférico. É claro que, mesmo em um país como a Alemanha, 1 1'' HH.:nto lógico, mas uma complementação do conteúdo do ante-
existem cidades em contraposição àquilo que não é cidade - sejam as ll tu Os fenômenos sociais são "densos de história" e só são com-
aldeias, sejam os campos de cultivo, as florestas etc., no contexto geral I"' 1 " ' rvcis à luz da histó ria; além disso, como se transformam, em
do que se poderia, ainda, chamar de "campo". Contudo, em uma situa- I ' ·111de parte, muito velozmente, a perspectiva histórica atenta é
1
ção assim, é como se a cidade, embora continuasse podendo ser deli- 111 1, tl para que se verifique se, ao falar de um determinado fenô-
1
mitada "geograficamente", tivesse sua presença cultural e econômica ll h 111 1 tk cadas ou séculos depois, está se falando, ainda, do mesmo
fortemente diluída por todo o espaço. J, " 1' 11H' IIO, ou, quem sabe, de duas coisas que, no fundo, são bem dis-
40 41
m1..[n]
uiJ 00
cada vez maiores, gerando-se, inclusive, um excedente alimentar. Se,
na base de uma simples economia de caça e coleta, todos os membros local. A Revolução Urbana foi situada por Childe no terceiro milênio
adul tos do grupo eram obrigados a participar da busca e obtenção de antes de Cristo- logo, alguns milhares de anos após o surgimento
alimento, sob pena de morrerem de fome se não o fizessem, a possi- dos mais antigos assentamentos com características urbanas, como
bilidade técnica da obtenção de excede ntes propiciava condições Jericó e Çatal Hüyük.
para que certos indivíduos se desvinculassem da produção, dedican- Cumpre sublinhar que o aparecimento e a proliferação de cida-
do-se a outras funções em caráter "especializado" : fazer a guerra, des pelo mundo antigo, na Mesopotâmia, no vale do Nilo e no vale
cuidar dos serviços rel igiosos etc. A cidade, e m contraposição ao cam- do rio Indo, e mais tarde na China, na bacia do Mediterrâneo e na
po, que é de o nde vinham os al imentos, foi se constituindo, paulati- América das civilizações pré-colombianas, teve relação não apenas
namente, como um local onde se concentravam os grupos e classes l'Om as inovações técnicas que permitiram a agricultura e a formação
cuja existência, enquanto pessoas não-diretamente vinculadas às ati- de excedentes alimentares capazes de alimentar uma ampla camada
vidades agropasto ris, era tornada possível graças à possibilidade de de não-produtores diretos- com destaque, aqui, para a irrigação em
se produzirem mais alimentos do que o que seria necessário para ali- larga escala -, mas com mudanças culturais e políticas profundas,
mentar os produto res d iretos. 111uclanças da ordem social em geral. A regra foi a de que o surgimen-
Para o arqueólogo australiano V. Gordon Childe, o período de lo das primeiras cidades se desse entrelaçado com o aparecimento de
proliferação das cidades subseqüe ntemente à Revolução Agrícola do lolmas çentrali·~adas e hierárquicas de exercício do poder; e, com
neolítico foi, em si, uma revolução: uma verdadeira "Revolução t•k ito , foi justamente a formação de sistemas de dominação, com
Urbana". Talvez essa expressão seja um pouco exagerada, principal- IIHlnarcas e seus exércitos, que permitiu, ao lado das inovações técni-
mente porq ue Childe deu a entender, em seus li vros A evolução cul- t'IIS, uma crescente extração de excedente alimentar, sobre o funda-
tural do homem e O que aconteceu na história (vide Bibliografia llll'lllO da opressão dos produtores diretos. Os impérios da Anti-
comentada), que a "Revolução Urbana" e a "Revolução Neolítica" pllidade foram, além disso, disseminadores de cidades, como obser-
que a precedeu teriam ocorrido de um ímpeto só, no Oriente Médio, Vtll l Gideon Sjoberg (ver a coletânea Cidades- a urbanização da
qua ndo hoje se sabe que a agricultura, assim como o fenômeno urba- 1111111rmidade, na Bibliografia comentada), pois elas eram pontos de
no, se desenvolveu em locais diferentes e em momentos diferentes 11poio para manter a supremac ia militar nas regiões conquistadas.
(houve, por assim dizer, então, várias "re voluções neolíticas" e várias I fá registro de umas poucas exceções a essa regra de tendência
"revol uções urbanas"). Se se quiser, porém, apenas c hamar a atenção d1• l'c ntralização de poder na esteira da gradual sedentarização e do
para um processo de passagem da produção de subsistênc ia para uma "'''''rnio da agricultura, como a antiga Islândia e a Cabila, no norte da
produção de alime ntos visando també m o comércio externo, assim ' ' l'l'lia e nas terras altas do Marrocos. Em geral, contudo, acabou se
como para o surgimento da manufatura especializada, tudo isso te ndo d1w nvolvendo, em muitos loca is simultaneamente, um aparelho de
um rebatimento demográfico sob a forma de uma ace ntuada expan- I 11r1do , vale dizer, uma estrutura de poder e de dominação formaliza-
são da população - fundamentos sobre os quais se darão a transfor- " ·'· dl·terminando, no seio da sociedade, uma separação rígida e auto-
mação de povoados de agricultores em cidades e a proliferação des- i" lj ll'luá vel entre dirigentes e dirigidos, entre "elite" e "povo". Ao
tas - , então não há problema em se falar em "revolução" urbana, para I "'' ~'" da história da humanidade, poucos foram os momentos e,
sublinhar a importância do fenômeno, desde que não se pense que ele ' •lut· lutlo, períodos mais ou menos duradouros, em que essa separa-
teve lugar de uma vez por todas, irradiando-se a partir do mesmo ' h'· tll lla vez instalada, foi desafiada e superada; merecem destaque
44 1 , td.tdcs gregas da Antigüidade onde vigorava a --7 democracia
00
' 45
lillJ.Til
UlJ
direta, em substituição à monarquia e à aristOCracia, especialmente diz, como se viu no capítulo anterior, que a cidade, de certa maneira,
Atenas. O fato de terem existido poucas exceçties a essa regra, evi- ''está em toda parte"; não só seus limites físicos se mostram cada vez
dentemente, não quer dizer que e la não possa ser desafiada e supera- mais complexos, com a conurbação e a integração de cidades for-
da novamente. mando aglomerações, metrópoles e megalópoles que se superpõem a
Recapitulando: as primeiras cidades surge% como resultado de uma malha territorial formada, às vezes, por muitas dezenas de muni-
transformações sociais gerais - econômicas, tec\lológicas, políticas e c ipalidades, mas, além disso, é a própria idé ia de um "campo" como
c ulturais-, quando, para além de povoados de agricultores (ou um meio muitíssimo diferente da cidade em matéria de relações de
aldeias), que eram pouco mais que acampameiJtos permanentes de. produção, alé m de c ulturalmente tradicional e retrógrado, que vai
produtores diretos que se tornaram sedentários, surgem assentamen- perdendo a sua validade. E stamos caminhando, em grande p arte,
tos permanentes maiores e muito mais complelws, que vão abrigar mais para diferenças de grau e intensidade, deixando para trás a opo-
uma ampla população de não-produto res: governantes (monarcas, s ição cidade/campo em sua versão mais rígida. Por outro lado, dentro
aristocratas), funcionários (como escribas), sacerdotes e guerreiros. de muitas grandes cidades, fenômenos de dissolução, ou de fragmen-
A cidade irá, também, abrigar artesãos especiallzados, como carpin- lução· sociopolítico-espacial, vêm tendo cada vez ma is lugar (ver,
teiros, ferreiros, ceramistas, joalheiros, tecelões~ construtores navais, ~obre isso, o C ap. 5). O futuro dirá que conseqüências tudo isso terá
os quais contribuirão, com suas manufaturas, pa~a 0 florescimento do pura a própria idéia de "cidade".
comércio entre os povos. Em vários sentidos1 por conseguinte, a
cidade difere do tipo de assentamento neolíttc 0 que a precedeu,
menos complexo.
Entretanto, as cidades continuaram a tranSformar-se durante os
milênios seguintes ao seu aparecimento, e continuam a transformar-
se sem cessar. A Revolução Industrial na Euro~a. a partir de fins do
séc ulo XVIII, e, mais amplamente, os processos de industrialização
pelo mundo afora, também ti veram um impa,cto e norme sobre o
tamanho e a complexidade das cidades. Muito embora haja razões
para se usar o mesmo termo para assentamento~ tão diversos quanto
a pequena Ur, no alvorecer do fenômeno. urban~. e uma grande cida-
de contemporânea, é de se perguntar: poderá 1\) conceito de c idade
passar incólume, inalterado, por milênios de tl'ansformações mate-
riais, políticas e culturais? Presumir que si m se''ia acreditar que nos-
sos conceitos não são históricos, mas sim eternl\)s e imutáveis, 0 que
seria um equívoco. Daí surgirem, em momentos diferentes, novos
termos e novos conceitos, como conurbação, m~trópole e megalópo-
le, que se acrescentam e enriquecem a nossa vi~ão do que seja ou do
que pode ser o fenômeno urbano. Presentement~. com a urbanização
acelerada do campo, e m sentido econômico, material e cultural, já se
46 47
lill.IJ!l
MJ Ui]
3. Da cidade individual à
rede urbana
'
11------'~--~--.r',,·--~
1\ exposição girou, até agora, em torno de cada cidade, indivi-
dillilmcnte considerada- sua economia, sua influência, a gênese das
p1111H:iras cidades ... No máximo, foram mencionadas essas artic ula-
t,lll'' mu ito densas de cidades (a ponto de, e m certo sentido, existirem
11'1 11w que como uma única cidade) que são as metrópoles e as mega-
llljlltlcs. que se estendem. respectivamente, e m escala local ("local
1111pliada", pode-se dizer) e sub-regional ou regional. Ocorre, porém,
ljlll ,•x istem, no mundo todo, muitas dezenas de milhares de cidades,
• ' 111 alguns países muito grandes, como o Brasil, milhares de cida-
"' , Mesmo no interior de um único país, é claro que nem todas elas
49
lill.[IT]
rnJ
se arti cul am diretamente entre si; algumas se articulam muito forte e De pequenos centros quase sem centralidade, que somente influ-
d iretamente entre si (mediante meios de comunicação e transporte. I lll'tam o território do município (ou seja lá o nome que, dependendo
permitindo fluxos de informação, bens e pessoas), mas outras se arti- d11 país, tiver a unidade político-administrativa local) onde se encon-
culam apenas indiretamente. por intermédio de o utras cidades. O que lt.t tll c para o qual servem de sede, até grandes metrópoles, ao longo
importa é que, seja no interior de um país, sej a em escala planetária , d 11 1cde urbana se distribuem núcleos urbanos com tamanhos e cen-
nenhuma cidade existe totalmente isolada, sem trocar informação e llitlttlades muito variadas. Dois papéis são desempenhados por esses
bens com o mundo exterior; caso contrário, não seria uma cidade. De 11111 lcos; para usar as felizes expressões de Armstrong e McGee (ver
maneira muitíssimo variável no q ue concerne ao tipo de fluxo e, lllhliografia comentada), os papéis de teatros de acumulação e de
sobretudo, à intensidade dos fl uxos, todas as cidades se acham liga- • ,·,tros de difusiio.
das entre si no interior de uma rede - no interior da rede urbana. Na qualidade de teatros de acumulação, as cidades exercem vá-
É costume falar da rede urbana como se ela fosse um fenômeno, ' ' ·' ~ !'unções eco nômicas. Para começar, a função de extração e cap-
por assim dizer, " nacional", pelo fato de que os estudos e classifica- '''1''1o do excedente alim entar. O excedente alimentar extraído do
ções das cidades ao lo ngo da rede urbana, usualmente, possuem uma 1 tll lpO (gêneros agropecuários e extrativistas) não é ne las somente
abrangência nacional: rede urbana brasileira, rede urbana alemã, rede 1 IIIINumido, mas também armazenado (às vezes em diversas cidades,
urbana argentina ... Todavia, todos sabemos que as cidades d e um 111 longo de uma cadeia de distribuição e comercialização) e, comu-
país estão, direta ou indi retamente, ligadas às cidades de outros paí- I III' III C, beneficiado (embalado e processado industrial mente) nos
ses. Os bens que são consumidos, ou as informações trocadas entre '' ur ros urbanos. T radic io nalmente, não os pró prios produtores
empresas, o dinheiro enviado por emi grantes e os lucros remetidos llll lltS, mas sim atacadistas baseados em pequenas cidades que reco-
por filiais de empresas multinacionais - tudo isso, e muito mais, mos- llit' lll os produtos do campo e os repassam para serem distribuídos
tra como, mesmo na escala internacional, as cidades estão articuladas 111 11 11m outro atacadista, baseado em um centro maior (o qual, por sua
entre si. econômica, cultural e até politicamente. Em última análise, ' ' 1. . l'cdistribuirá parte dos produtos para centros ainda maiores), ou
a rede urbana é um fenômeno que pode e deve ser examinado em " ' kvam para serem beneficiados e processados. Os atacadistas assu-
diferentes escalas: pode fazer mu itíssimo sentido em se falar de uma 1111'111, com isso, o papel de intermediários no processo de distribuição
rede urbana regional, especialmente em uma região com uma forte 1 t1111lercialização; sãq os popularme nte chamados "atravessadores".
coerência de identidade sócio-espacial e de fluxos internos; contudo, I 111r c o campo e a mesa do consumidor final, nas cidades pequenas,
e la será, ao me smo tempo. um subconjunto de uma rede urbana uut ltas e grandes da rede, se estabelece toda uma cadeia de distribui-
maior, nacio nal, a qual, por sua vez, estará menos ou mais fortemen- \ 111 1 (: comercialização em que os agentes, em número bem variável,
te articul ada no interior de uma rede urbana g lobal. 111 os comerciantes atacadistas, os transportadores (no caso de não
A rede urbana não é " inocente", no sentido de ser um "simples" 1 11' 111 os próprios atacadistas) e, por fim , os comerciantes varejistas.
conj unto de c idades ligadas entre s i por fl uxos de pessoas, bens e ' .ul.t um desses agentes econômicos exigirá, naturalme nte, a s ua
informações, como se isso fosse coisa de somenos importância ou II II II !V.lm de lucro. Quanto maiores as distâncias mas, também, quan-
nada tivesse a ver co m os mecanismos de explo ração eco nômica e ll t lltais complexa for essa cadeia, mais caro sairá o produto para o
exercício do poder existentes em nossas sociedades. Por intermédio ' ' "'Mun idor final, sem que o produtor primário esteja se beneficiao-
da rede urbana, tendo-a como suporte, a gestão do território se exer- "" l llln isso. Como bem lembra Roberto Lo bato Corrêa, em seu livro
ce. Vamos examinar isso co m calma, paulatinamente. I 1 ··rlc urbana (vide Bibliografia comentada), as grandes redes de
50 51
lillliTl lillliTl
rru rru
supermercados vieram introduzir um elemento diferente nesse qua- Na qualidade de centros de difusão, as cidades se apresentam, ao
dro. Possuindo esquemas próprios de distribuição e desincumbindo- lou1po da rede urbana, como suportes para a di sseminação de bens e
se tanto do atacado quanto do varejo, elas simplificam a cadeia e eli- ido llh , das cidades maio res para as cidades menores, até c hegar ao
minam os intermediários. Os produtores, contudo, como salie nta • 1111po. Os bens são os mais variados prod utos fabricados nascida-
Corrêa, não ganham com isso; de fato, o que ocorre é que essas redes olo , liinto bens de consumo (ou seja, bens q ue serão consumidos d ire-
de supermercados auferem margens de lucro excepcionais. E em f,I IIII\IIIC: roupas, alimentos, brinquedos, eletrodomésticos etc.) quan-
alguns casos, até parte da produção (fazendas p róprias) e do proces- '" lt,•ns de produção (que são aqueles bens que servem para produzir
samento e embalagem dos produtos se dá sob os seus auspícios. "l ll ltiS bens, como máquinas industriais). Já as idéias podem ser as
A drenagem da renda fundiária , ou renda da terra, é outra função 1 11 11 chamadas "inovações" tecnológicas (as quais, nos países do
das cidades associada ao papel de teatros de acumulação. A renda da l1 on ;iro Mundo" , freqüentemente não passam de pacotes de tecno-
terra é o tipo de remuneração obtido pelos proprietários rurais, via de '"''"' já ultrapassada, comprados dos países centrais) mas, também,
regra grandes proprietários, que arrendam suas terras a tercei ros. nuu l11s c d iretrizes e informações das sedes de grandes e mpresas para
Muitos proprietários, particularmente em países periféricos e semipe- 1 ~1 11 1s fi liais e plantas industriais, além de informações e dados refe-
riféricos, entregam suas propriedades nas mãos de capatazes e admi- '' " '''~ u lluxos financeiros, no interior da rede bancária.
nistradores ou as arrendam, total ou parcialmente, passando a residir, Por tudo isso e com tudo isso. nota-se. muito facil mente, que o
a maior parte do ano, ou mesmo em caráter definitivo, nas cidades. • 1111po se acha submetido à cidade, do ponto de vista econômico, e
São proprietários ausentes quase todo o tempo de suas terras, sendo "''" ~6 do ponto de vista econômico- muito embora, em um país
c hamados, por isso, de absenteístas. Seus rec ursos, que poderiam ser t 1 1111 )pcriférico como o Brasil, e principalmente em suas reg iões
reinvestidos no próprio campo (modernizando a lavoura e a criação, 11111IN pobres e tradicionais, a vida po lítica local e regional seja mu ito
melhorando as condiçõ-:s de vida e de trabalho dos empregados etc.), oluo t.uncnte influe nciada ou até determinada por proprietários fun-
são, na realidade, em grande parte gastos com o próprio consumo pes- dl illllS (geralmente absenteístas), chegando a sua influência até a
soal e familiar (compra de mansões e de bens de consumo di versos, • ., u l o~ nacional.
gastos co m viagens), e, em grande parte, empregados em investimen- Ntlo foi sempre que a cidade .exerceu esse papel tão e cada vez
tos na própria cidade (terras urbanas, para serem mantidas, especula- "'" " ~ dominante. Na Europa medieval, durante a vigência do --? li IOdo
tivamente, como reserva de valor; apartamentos e outros imóveis para ,/, I" odução feudal, o campo e ra larga me nte a uto-suficiente em
serem alugados; investimentos no mercado financeiro). llllh'lln de produção de be ns os mais diversos: de roupas simples a
Por último, mas não com menos importância, assoma a função 11 " '""'c ntos,
selas, fe rraduras e arados, grande parte dos be ns de con-
das cidades, ai nda enquanto teatros de acumulação, co mo locais onde 1111111 c produção era manufaturada nas dependências ou em anexos
se dá a acumulação propriamente de capital. Essa acumu lação de "" • •l~ lclo senhorial ou pe los próprios servos da g leba. Quanto a ali-
capital se fundamenta, em princípio, na indústria de transformação, e, "'' tolos, e ntão, obviame nte, nem se fala: prod utos que o mode rno
nesse âmbito, pode-se dizer, na exploração do trabalhador industrial. • llou lo no, especialme nte o morador de uma grande cidade, adquire,
Mais amplamente, ela remete, também, às atividades terciárias llllllll'l ramente, no comércio de bairro, eram, e ntão , produzidos e m
(comércio e prestação de serviços), sem contar que não se devem • 1 •I Não me refiro, aqui, ape nas a coisas como pão e compotas (q ue,
esquecer as relações de dependência entre o setor produtivo e o siste- llt•l I·C de passagem, ainda hoje são, e m grande parte, produzidos e m
ma bancário-financeiro. 1 11, nus áreas rurais), mas ao fato de que não havia uma "indústria
52 53
~ lill.[n]
rnj
de alimentos", como hoje e m dia, a receber matérias-primas do As cidades de uma red e urbana são agrupadas em categorias
campo, processá-las e reenviá-las às cidades e até de volta ao campo . • 111'dficas , confo rme a sua centralidade. No Brasil, o estudo Regiões
Havia, nos burgos e nas cidades, mercados, permanentes e te mporá- ,/, Influência das cidades, publicado em 1987 pelo IBGE (ver Biblio-
rios (as feiras), onde produtos fabricados por artesãos da própria 1'' ulla comentada), consagrou uma hierarquia q ue vai do centro de
c idade ou oriundos de outros centros, às vezes de países distantes e •'1111 (situado um nível acima do s imples centro local, quase sem cen-
longínquas terras, eram comercializados. Isso não era, porém, sufi- ll .dldade). passando pelo centro sub-regional, pela capital regional e
ciente para caracterizar uma clara dominância da c idade em relação I" l11 r·entro submetropolitano, até c hegar à metrópole regional e,
ao campo. Além disso, o campo era, também, fortemente autônomo lillllilllc nte, à metrópole nacional. É claro que essa hierarquia somen-
relativamente à cidade no que se refere à política e, até mesmo, à cul- 11 p 11111 na metrópole nacional por ser o estudo do IBGE uma radio-
tura. Os modernos Estados nacionais ainda não se haviam formado, e 1'1111111 da rede urbana nacional; no e ntanto, centros de níve l hierár-
os senhores feudais eram amplamente soberanos em suas possessões. 'lllll o ainda mais elevado, situados fo ra das fronteiras do país, dos
No Brasil, onde não existiu, propriamente, feudalismo, um certo ' '"'"' parte m fluxos (informações, ordens etc.) e os quais recebem
parale lo com essa situação pode ser enco ntrado nos grandes enge- 1111 u~ (mercadorias, lucros, informações etc.) que articulam as di ver-
nhos do período colonial, largamente auto-suficientes sob o ângulo i • •·nnomias nacionais, podem ser encontrados: é o caso, especial-
econômico. ll llllll', das chamadas -7 "cidades globais", com destaque para Nova
Karl Marx e seu colaborador, Friedrich Engels (ver Bibliografia '"''111''· Londres e Tóquio. Seja como for, trata-se de uma pesquisa
comentada), estiveram entre os prime iros a mostrarem, ainda em • 11lld111.ida criteriosamente, lastreada teoricamente na Teoria das
meados do século XIX, que o modo de produção capitalista irá trazer I •" 111idades Centrais de Walter Christaller (e em uma revisão crítica
uma inversão de papéis: a cidade, que durante o fe udalismo tinha oh"'· l'laborada por diversos autores no decorrer das décadas poste-
expressão econômica limitada e expressão política, em regra, limita- 111 11 1" , ~ Segunda G ue rra Mundia l), em que foram levantados, por
díssima, lutando para preservar a sua autonomia (enquanto " cidade 11 11 111 de amostras, os fluxos de des locame nto para a aquis ição de
livre" ou "burgo livre" ) perante os senhores feudais, passaria a ser, lu 11~ t ' serviços (quem adquire o quê e onde) que revelam as centrali-
gradualmente, "senhora" do campo, submetendo este. No decorrer l uh 1.: áreas de infl uência variáveis dos diversos centros urbanos.
dos séculos XIX e XX o campo mostrar-se-á cada vez mais depen- I> 1 cferido estudo de 1987, ele próprio um_a revisão de um estu-
dente das cidades, e em particular das grandes cidades: dependente J, • ·llll ~:rior do próprio IBGE (a Divisão do Brasil em regiões funcio-
das máquinas e ferramentas produzidas nos centros urbanos; depen- "n' utbrmas, do começo da década de 70), sofreu , na década de 90.
dente dos conhecimentos técnicos e tecnológicos gerados em univer- ••11 1 1 oilualização,
promovida pelo IPEA em parce ria com o IBGE e o
sidades, laboratórios e centros de pesquisa situados, via de regra, em ' " llllllll de Economia da UNICAMP (vide refe rênc ia na Bibliogra-
cidades; dependente dos fe rtilizantes químicos, dos agrotóxicos e das 11•• 1 umcntada [IPENIBGE/NESUR, 1999)), c uja qualidade, po-
seme ntes selecionadas produzidos nos núcleos urbanos; e, por últi- 1 111 pur~.:ce ser inferior à da versão dos anos 80. Apesar de possuir
mo, dependente do sistema bancário, por meio do crédito ao produtor •' • 11 111·1~ virtudes, como a tentati va de estar em sintonia com as mais
(sem o qual a moderna agric ultura de mercado não opera) e do crédi- • · • llll'~ abordagens teóricas sobre a urbanização e a d imensão espa-
to em geral, sistema esse ancorado ao lo ngo da rede urbana, onde as 1il •l11 ~·conomia, o trabalho apresenta algumas defic iências concei-
sedes dos grandes bancos nacionais (inclusive estatais) e estrangeiros IIJ •I 1 lllt.:todológicas. Em decorrência disso, o resultado dessa radio-
se articulam com as agências de peque nas cidades. ' 11111 du rede urbana brasileira foram, às vezes, posições bastante
54 55
&[] 00
questionáveis, co mo a elevação de antigas metrópoles regio nais sem parar as sedes das empresas (indústrias, empresas comerc iais,
(como Fortaleza, Recife, Salvador, Curitiba , Belo Horizonte e Porto grandes consul torias e bancos), o que significa uma centralização
Alegre) à categoria de metrópole nacional e a atribuição do título de constante em matéri a de capacidade de gestão d o território. São
" metrópoles globais" (às vezes chamadas, no própri o estudo , de Paul o, a rigor, vai além da condição de simples metrópole nacional:
"metrópoles mundiais") às duas metrópoles nacionais, São Paulo e embora subordinada, por se localizar em um país semi periférico, e la
R io de Janeiro. Que projeção econômica d e monta verdadeiramente poss ui uma importância econômica claramente internacional, inclu-
e m escala nacional possuem essas metrópo les regionais, especial- ~i ve sendo o centro de gestão territori al mais re levante da América do
mente Fortaleza, cuja área de influência imedi ata se restringe ao Sul , co m destaque para o seu papel no âmbito do MERCOSUL. São
Ceará e ao oeste do Rio Grande do Norte, que justifique a sua classi- l'aulo é, com efeito, uma "cidade global" dependente/semi periférica.
ficação como metrópoles nacionais? E como ignorar o fato de que a A centralidade de uma cidade, j á se viu, é função, acima de tudo,
pretendida "metrópole global" (ou " mundial") do R io de Janeiro vem til' sua capacidade de ofertar bens e serviços para o utros centros urba-
perdendo importância até mesmo como metrópole nacional, perante ttns, estabelecendo, desse modo, uma área de influência. Essa centra-
São Paulo? É fácil ver que um estudo que mereça tais ressalvas, mas lidatle, portanto, é de natureza, acima de tudo, econômica. Uma cida-
que acaba servindo de referência para vários tipos de usuários, con- dt• será tanto mais complexa e possuirá uma posição tanto mais ele-
tribui para gerar, ao lado do problema já mencio nado a propósito da vudu na hierarqui a da rede urbana, quanto mais ela possuir essa capa-
criação de novas regiões metropolitanas, um panorama classif icató- 1 1d11dc de ofertar bens e serviços e capturar uma área de influência
rio e terminológico contraditório. Como se já não bastasse a confusão 11111111r. No entanto, à primeira vista, dois tipos de situação parecem
crescente em torno do que seja uma metrópole, agora, a depender de I" tlttrbar essa presunção de correspondência e ntre complexidade do
11
estudos como esse, j á não se terá muita clareza, igualmente, sobre ll lt o urbano, centralidade e posição hierárquica na rede urbana.
quais são as reais condições para que algo possa ser chamado, sem A primeira situação refere-se àquelas cidades que, por serem
1
maiores dúvidas, de metrópo le nac ional o u "global". tpll lds nac ionais, possuem uma área de infl uência nacional, mesmo
Vou me permitir ser redundante, para reforçar: uma metrópole WICm metrópoles nacionais. É, justamente, o q ue ocorre com
• 111
nacional possui uma área de influência que abrange todo ou quase 1
11 1.tllit . Quando observamos o panorama internac ional, constatamos
todo o território nacio nal. Em outras palavras: os bens e serviços nela · ' 1111il1o comum a cidade-capital ser, ao mesmo tempo, a grande
1
produzidos e por ela ofe rtados são distribuídos nacionalmente e " ' l1 11polc nacional - Lo ndres, Paris, Tóquio ... - ou, até mesmo, uma
comercializados e vendidos em todas as regiões do país, de maneira · /, 1,/1 • fl rimaz, isto é, u ma cidade que concentra um percentua l
inequívoca e insofis mável. É esse, exatamente, o caso de São Paulo, 1
.lv.tmente grande da população e da economia do país, o que é
e, de maneira cada vez mais pálida à med ida em que se sucedem os I " lll'q!h.:nte no "Terceiro Mundo", sendo isso, via de regra, uma
anos e as décadas, também do Rio de Janeiro. São essas as duas úni- I 1 11 1111 colonial - Cidade do México (a metrópole concentra quase
cas metrópoles nacionais brasileiras, sendo que a d istância entre a I I " '' JHlpulação do país), Buenos Aires (a metrópo le de Buenos
pri meira e a segunda aumenta mais e mais; São Paulo é, crescente- h 1 1 111l'cnlra cerca de 113 da população argentina)... Contudo, em
mente, o grande centro de gestão do território no Brasil. Ao mesmo I "" l'''hcs do mundo, além do Brasi l, como os Estados Unidos,
tempo em que o estado de São Paulo (e, de forma menos intensa, o 111 '' ~~ld"glon (que foi uma cidade planejada, assim como Brasília
Centro-Sul do país) assiste, há três décadas, a uma significativa des- 1 I 111111 s(•culo e meio depois) e a Austrália, com Camberra, a cida-
concentração da produção industrial, a metrópole paulistana concentra 1" 1! 1111'11 u capital do país não é uma grande metrópole nacional.
56 57
l!i\.[!l] runl
rnJ lJlJ
Deveria a cidade-capital ser sempre considerada como uma metrópo- "centralidade", por assim dizer, é efêmera e a ltamente seletiva e es-
le nacional. devido ao fato de que a sua abrangência é nacional? Não. pecífica. Findo o evento, ela volta a ser o que normalmente é: uma
Em primeiro lugar, porque, do ponto de vista geográfico, ela nem cidade pequena, ocupando uma posição modesta na hierarquia da
sequer precisa corresponder, propriamente, a uma metrópole. Em rede urbana.
segundo lugar, porque a sua influência é muitíssimo específica: é Quanto ao exemplo de uma cidade média ou pequena abrigando
política. É freqüente, por conseguinte, que, e mbora lá sejam tomadas, uma ou mais plantas industriais onde se dá o fabrico de bens sofistica-
formalmente, as grandes decisões legislativas, executivas e judiciá- dos, o raciocínio que aí se deve aplicar não é muito distinto. Trata-se
rias, os principais grupos de interesse, que pressionam, influenciam de atividades produtivas específicas, comandadas a partir de centros
ou mesmo determinam o curso dos processos decisórios (as classes maiores, dentro ou até mesmo, no caso de empresas transnacionais,
dominantes e grupos de elite específicos), estejam baseados em outro om última análise fora do país. Fenômenos de desconcentração indus-
local, notadamente nos grandes centros econômicos e demográficos. trial vêm ocorrendo no Brasil (no estado de São Paulo já desde a déca-
A cidade-capital é, sempre, sob o ângulo estritamente político-formal, da de 70, e de modo mais abrangente, no Centro-Sul do país, mas sem-
um centro de gestão do território importantíssimo (formalmente, o pre a partir de São Paulo, desde os anos 80), promovendo uma descon-
mais importante de um país), mas não é por isso que sua posição na c.:cntração física de atividades; isso se dá porque, se a localização da
hierarquia da rede deveria ser, automaticamente, equivalente à de unidade produtiva em um grande centro se beneficiou, inicialmente e
uma verdadeira metrópole nacional. durante muito tempo, de vantagens locacionais (desfrutando das cha-
A segunda situação concerne a centros urbanos, não necessaria- madas~ economias de aglomeração), ligadas à proximidade do mer-
mente grandes, que abrigam atividades muito especializadas, alcan- cado consumidor e de outras empresas e devido à infra-estrutura de
çando, com isso, uma considerável área de influência. Pense-se, por hna qualidade e à abundância de mão-de-obra qualificada, a partir de
exemplo, em uma cidade pequena como Cannes, na França, a qual, rcrto momento certos transtornos associados, cada vez mai s, ao
por conta do festival anual de cinema, é conhecida internacionalmen- umbiente físico, econômico e social das grandes metrópoles - escas-
te e torna-se, durante alguns dias por ano, referência para os cinéfilos ~cz de terra para expansão industrial e conseqüente elevação do preço
do mundo inteiro. Outro caso é o de cidades médias ou até pequenas do solo, congestionamentos, poluição, criminalidade violenta ... - ,
que abrigam plantas industriais onde se dá a produção de bens sofis- mmeçam a desestimular a localização em um grande centro que já
ticados. distribuídos nacionalmente ou até exportados para outros romeça a apresentar sinais de saturação e a estimular a localização em
países e continentes. Nenhum desses dois exemplos, porém, fere, a <'Idades menos problemáticas, mas que apresentam boa infra-estrutura
rigor, a presunção de correspondência entre complexidade do centro <'outros requisitos. Muitas vezes, essas médias (e pequenas) cidades
urbano, central idade e posição hierárquica na rede urbana. 11 .lo crescer rapidamente, tornando-se grandes e tendendo, elas -pró-
Uma cidade que sedia um evento de duração limitada, mas de JIIIaS, a apresentar certos problemas, como se percebe no Brasil (o
alcance nacional ou internacional, precisará, é certo, possuir uma 1 uso de Campinas, hoje em dia abrigando o núcleo de uma metrópole,
infra-estrutura adequada, sobretudo uma infra-estrutura de hotéis e 1 llflstante ilustrativo). O que importa ressaltar, de toda maneira, é que
restaurantes, capaz de comportar uma enxurrada anual de visitantes. ·'l'l'Stão tende a continuar centralizada nos centros principais; ou seja:
Não é à toa que tais cidades, como Cannes (ou, no Brasil, Gramado, ·' jHOdução, fisicamente, se desconcentra, mas não necessariamente o
no Rio Grande do Sul), costumam ser, quando não são grandes cen- p11dcr (não raro, a centralização do poder de gestão territoria l até sofre
tros, pelo menos centros turísticos importantes. Não obstante, sua 11111 111cremento), o que está associado à permanência, nos centros mais
58 59
~ lilll.m
llli
importantes, de atividades econômicas de ponta, ligadas ao setor 11tli iS importante, queimando etapas. Isso se dá principalmente em
financeiro e a serviços sofisticados. I H t~M>S dias, devido às facilidades de transporte. Dependendo do
Outra consideração a ser feita, no que diz respeito às relações l'1ula aquisitivo, há aqueles que, mesmo residindo longe de um cen-
hierárquicas no interior da rede urbana, tem a ver com o progresso 1111 dl; alta posição na hierarquia da rede urbana, poderão se dar ao
tecnológico e os fatores institucionais que facilitam, cada vez mais, o li tx11uc, pegando um avião, ir direto para um centro maior (por exem-
transporte de bens e pessoas, as comunicações e a mobilidade espa- 1'111, para tratamento médico), às vezes situado até mesmo no exte-
cial do capital em geral, redundando em aumento das inter-relações e 11111, queimando muitas etapas. Em contraste com isso, há aqueles
interdependências econômicas entre firmas, cidades e países. A rede tlilltOS, tão numerosos, que, devido à sua pobreza, ao não encontra-
urbana sofre transformações sob o efeito da globalização econômico- '' 111 l'm sua cidade o bem ou o serviço de que necessitam, simples-
financeira. Pode-se dar destaque, quanto a isso, ao fato de que a com- '''' 111c terão de abrir mão dele, por não terem condições de buscá-lo
plementariedade entre centros urbanos de mesmo nível hierárquico t llt um centro maior. A mobilidade espacial é função da renda, e isso
conhece um aumento, sobretudo no interior do conjunto espacial for- lullt wncia decisivamente a maneira como a rede urbana é vivenciada
mado pelos países e regiões que compõem o "Primeiro M undo". • t pt c'l pria estrutura da rede. Por isso fica fácil entender a razão pela
Mas, note-se: esse incremento da complementariedade entre centros qtllll. nos países subdesenvolvidos, e especialmente em suas regiões
de mesmo nível, alimentada pela maior mobilidade espacial do capi- " '"''• pobres e de renda mais concentrada, a rede de localidades cen-
tal, não nos autoriza a dizer que as relações hierárquicas e as dispari- 11 ti· \ C mostra "achatada", com uma baixa presença de centros de
dades, genericamente, se enfraqueçam. Analisando em escala mun- 111 ' t I tnlcrmediário em comparação com um grande número de cen-
dial, assim como na escala dos países e regiões do "Terceiro Mun- 11 •'. tlll'I10res, como fez notar Roberto Lobato Corrêa em seu livro A
do", notaremos que, em parte, hierarquias e disparidades até se forta- , . , /, 111 bana (ver Bibliografia comentada): uma vez que esses cen-
lecem, se considerarmos o efeito que é o de "cidades globais" de paí- ''' ' litlt.:rmediários oferecem bens e serviços consumidos com menor
ses semiperiféricos, conectadas de modo particularmente intenso e " ' qlh'ncia e, muitas vezes, apenas pelos segmentos de poder aquisi-
sofisticado aos principais centros da economia internacional, apre- tt " utl'uio ou elevado, a possibilidade de multiplicação de cidades
sentarem, em matéria de dinamismo econômico e padrões de consu- I 1 porte esbarra no fato de a renda se achar muito concentrada.
mo mais semelhança e mais conexão com "cidades globais" de paí- I •1111 t ~>hO, o perfil da rede urbana se mostra uma boa expressão do
ses 'centrais do que com muitos centros urbanos situados em seus pró- 1 111 d1· desenvolvimento do país ou da região.
prios países.
Por fim, registre-se que a situação e m que uma pessoa, para
adquirir bens e serviços não encontrados em sua cidade, d_irige~s~,
primeiramente, para o centro de hierarquia mais elevada ma1s proxi-
mo dela, e apenas não existindo aí o que procura dirige-se a um cen-
tro ainda maior, é largamente teórica. Dificilmente pessoas que
morem em cidades de baixa posição na hierarquia da rede e que este-
jam situadas no entorno de um centro importante ou mesmo de_um
núcleo metropolitano pensarão em "galgar os degraus" paulatma-
mente, preferindo, como é de se esperar, ir diretamente ao centro
60 61
00 rm.r.m
rn.J
4. A cidade vista por dentro
LU!
condições de vida. Nem mesmo traficantes de drogas de varejo ba- são, no Brasil, os condomínios exclusivos da Barra da Tijuca, no mu-
seados em favelas deixam, em última instância, de estar vinculados a nicípio do Rio de Janeiro, e o chamado "Complexo de Alphaville",
um sistema que os arma e financia. na Região Metropolitana de São Paulo.
É evidente que, no caso da segregação induzida, as pessoas não Alguém poderia alegar que, também no caso da auto-segre-
"escolhem" viver aqui e não ali, sendo forçadas a isso. Mesmo quan- gação, tampouco se trata de uma "escolha", pois as pessoas tentam
do, no decorrer de gerações, se percebe que os membros de determi- escapar de problemas. Essa seria, porém, uma interpretação forçada,
nados grupos (especialmente no caso de minorias étnicas) como que por duas razões: primeiramente, porque os que se auto-segregam não
relutam, muitas vezes, em abandonar o gueto ou equivalente, se costumam ver seus antigos espaços com olhos nostálgicos, ou seus
aventurando a morar em outras partes da cidade, mesmo tendo con- novos espaços como representando uma perda; em segundo lugar,
dições econômicas para isso, tal fato não deve ser confundido com porque os que se auto-segregam, na condição de moradores, são, em
uma "escolha" : afinal, é o medo de ser hostilizado ou de se se smtir grande parte, os mesmos que, na condição de elite dirigente, são, ao
só (e, se é difícil ser minoria em grupo, o é muito mais quando se está menos, co-responsáveis pela deterioração das condições de vida na
sozinho) que influencia a decisão. Isso poderia, à primeira vista, ser cidade, inclusive no que se refere à segurança pública, seja por suas
interpretado como uma espécie de auto-reprodução da segregação, ações, seja por sua omissão. Em suma: há de se manter uma distinção
mas 0 fato é que é a persistência de certos preconceitos ou ódios, dis- muito forte entre a segregação induzida e a auto-segregação.
seminados no interior da sociedade, que dificulta a mobilidade espa- Levando-se e m conta essa diferenciação das áreas intra-urbanas
cial dos membros de grupos minoritários, mesmo quando alguns segundo a renda e o status dos grupos sociais, e considerando ainda a
deles alcançam um poder aquisitivo suficie nte para residir em áreas localização das atividades industrial e comercial, foram, ao longo do
de mais alto status. Esse é um problema ainda muito forte nos EUA, século XX, propostos diversos modelos da organização inte rna da
apesar do notável progresso da população negra norte-americana nas cidade. Um modelo tem por finalidade apresentar a lguns traços
últimas décadas. No Brasil, por outro lado, é comum, e m meio a um essenciais de uma realidade; no caso de um modelo g ráfico para o
universo cultural um tanto hipócrita, "esquecer" ou "relevar" a cor da qual se pretenda um alcance menos ou mais geral (as cidades de um
pele de um negro ou mulato economicamente bem-sucedido; é o cha- país ou continente, ou de um determinado "modelo social"), as for-
mado "branqueamento cultural", o qual, erroneamente, induz muitos mas e estruturas espaciais terão de ser representadas de modo estili-
a acreditarem que no nosso país não há racismo, e que a única ques- zado. Um modelo implica, sempre, uma simplificação, e as razões
tão relevante a ser enfrentada, em matéria de (in)justiça social, é a da pelas quais se constrói um modelo podem ser, pelo menos, duas: uma
pobreza. razão didática, facilitando a comunicação de aspectos fundamentais
Diferentemente, no caso da auto-segregação são as pessoas que e deixando de lado, ao menos e m um primeiro momento, traços
fazem a opção de se afastar ou apartar o mais possível da cidade. Esta menos essenciais; e uma razão prática para o próprio pesquisador, ou
é vista como barulhenta, congestionada e, por isso desagradável. E, ~ "heurística", como se diz tecnicamente, a qual, ao longo do pro-
como também é sinônimo de pobreza pelas ruas, de asssaltos etc., é cesso de elaboração do modelo, estrutura e disciplina melhor o pró-
vista como mais do que desagradável: é vista como ameaçadora. A prio raciocínio espacial do estudioso e a própria análise. Um modelo
auto-segregação, nas grandes cidades da atualidade, está fortemente bem construído, porém, é aquele que não sonega coisas essenciais e
vinculada à busca por segurança por parte das elites, embora esse não muito menos distorce a realidade, caricaturando-a; a lém disso, quem
seja 0 único fator. Exemplos de espaços residenciais auto-segregados 11presenta o modelo deve deixar claro que es tá be m consciente do
70 71
liillm /illLIT1
rnJ rnJ
nível de simplificação implicado. O que é impossível é um modelo áreas res idenciais, aos suburbs (os quais, diferentemente dos "subúr-
retratar "tudo": caso contrário, não seria um modelo. Encontrar o bios" de certas grandes cidades brasileiras, são, normalmente, áreas
equilíbrio entre "elementos demais" e "elementos de menos" em um residenciais de status méd io ou mesmo alto).
modelo gráfico é quase uma " arte"; assim como o excesso de simpli- Inspirados na realidade a mericana, esses modelos, independen-
ficação induz a equívocos, é contraproducente um modelo ser sobre- teme nte de seus vieses ideológicos explicativos, não davam conta,
carregado com detalhes, o que o tom a pesado e antididático até para adequadamente, ne m sequer e m termos descritivos, da realidade
profissionais da área. espacial de outras realidades que não a norte-a mericana. C om o
O primeiro e, até hoje, mais famoso modelo de organização
interna da cidade, é o de E. Burguess, sociólogo pertencente à céle-
bre Escola de Chicago, o qual, nos anos 20, propôs um modelo em Figura 4
que a cidade aparecia como um conjunto de círculos concêntricos
MODELO DE ORGANIZAÇÃO INTERNA
(v ide figura 4), tendo no centro o CBD, em seguida o anel das áreas DA CIDADE DE E. BURGESS
de obsolescência (com seus guetos, sua boemia etc.), depois de le o da
classe trabalhadora mais bem integrada e, por fim, o ane l das cama-
das pri vilegiadas. Para Burguess, representante do que ficou conhe-
c ido como abordagem de "Ecologia Humana", uma certa analogia
com as leis da natureza, especialmente com a teoria de Darwin sobre
a seleção natural, seria cabível para se explicar a dinâmica urbana: a
sociedade urbana testemunharia a "sobrevivência do mais forte" em
meio à "luta pela vida", com aqueles indivíduos mais aptos e talento-
sos conseguindo escapar do gueto . O que B urguess e a Escola de
C hicago, assi m, punham em primeiro plano, não era uma estrutura
social menos ou mais justa, mas os indivíduos, competindo entre si.
Expressão mais clara do individualismo norte-americano, impossí-
vel. Outros modelos muito conhecidos são o de H. Hoyt e o de C.
Harris e V. Ulmann (vide figura 5). O modelo de Hoyt toma o de
Burgess como base, mas o torna mais complexo ao combinar círcu-
Distrito Central de Negócios (CBD)
los com setores (refinamento introduzido ao levar-se em conta a
infl uência da malha viária e dos transportes). Q uanto ao de Harris e "Área de transição"
Ulmann, também conhecido como " modelo de múltiplos núcleos",
e le procura fazer justiça à desce ntralização do setor terciário no inte- Á rea residencial da classe trabalhadora
que a cidade aparecia como um conjunto de círculos concêntricos MODELO DE ORGANIZAÇÃO INTERNA
(vide figura 4), tendo no centro o CBD, em seguida o anel das áreas DA CIDADE DE E. BURGESS
de obsolescência (com seus guetos, sua boemia etc.), depois dele o da
classe trabalhadora mais bem integrada e, por fim, o anel das cama-
das privilegiadas. Para Burguess, representante do que ficou conhe-
c ido como abordagem de "Ecologia Humana", uma certa analogia
com as leis da natureza, especialmente com a teoria de Darwin sobre
a seleção natural, seria cabível para se explicar a dinâmica urbana: a
sociedade urbana testemunharia a "sobrevivência do mais forte" em
meio à "luta pela vida", com aqueles indivíduos mais aptos e talento-
sos conseguindo escapar do gueto. O que Burguess e a Escola de
Chicago, assim, punham em primeiro plano, não era uma estrutura
social menos ou mais justa, mas os indivíduos, competindo entre si.
Expressão mais clara do individualismo norte-americano, impossí-
vel. Outros modelos muito conhecidos são o de H. Hoyt e o de C.
Harris e U. Ulmann (vide figura 5). O modelo de Hoyt toma o de
Burgess como base, mas o torna mais complexo ao combinar círcu-
Distrito Central de Negócios (CBD)
los com setores (refinamento introduzido ao levar-se em conta a
influência da malha viária e dos transportes). Quanto ao de Harris e "Área de transição"
Ulmann, também conhecido como "modelo de múltiplos núcleos",
Área residencial da classe trabalhadora
ele procura fazer justiça à descentralização do setor terciário no inte-
rior da grande cidade, destacando a existência de subcentros de Área residencial dos estratos de renda
comércio e serviços, e à presença de áreas industriais e residenciais médio e alto
localizadas no entorno da cidade, as quais correspondem, no caso das
72 73
rnm
[[LJ
rnm
[[LJ
Figura 5 tempo, assim, foram sendo criticados menos ou mais profundamente,
e às vezes substituídos por outros ou até adaptados para as cidades de
MODELOS DE ORGAN IZAÇÃO INTERNA DA C IDADE DE
H. HOYT (1) E C. HARRIS E E. ULLMAN (2) o utros países e continentes: surgiram, assim, modelos espaciais da
"cidade européia ocidental", da "cidade is lâmica", da "cidade latino-
americana"... O nível de concretude, quer dizer, de proximidade com
a realidade, tendeu a aumentar, mas permaneceu, mesmo assim, insu-
ficiente - até porque, nem sempre os autores tinham perfeita cons-
ciência de que as realidades cujas cidades eles pretendiam dissecar
1 por meio de seus modelos eram, na verdade, mais heterogêneas do
que eles induziam o leitor a pensar. Por exemplo, por mais úti l que
seja, o modelo dos geógrafos alemães Bâltr e Mertins para a "cidade
latino-americana", do começo dos anos 80, foi, a rigor, inspirado
pelo contato empírico intenso dos autores com alguns poucos países
da América hispânica (e, do ponto de vista de sua construção gráfica,
visivelmente se inspirou no modelo "dos setores" de Hoyt), tendo
sido a realidade urbana brasileira, diferente em alguns aspectos da de
outros países latino-americanos, essencialmente deixada de lado.
No começo da década de 90, tive a oportun idade de modelar a
2 organização interna do Rio de Janeiro. O que daí resultou foi, primei-
ramente, um mapa, com um forte grau de simplificação e generaliza-
ção, que apresenta uma classificação dos espaços da cidade. O mapa
da figura 6 é uma versão atualizada e um pouco modificada daquela
outra, do começo dos anos 90. O seu nível de abstração é muitíssimo
menor que o de um modelo gráfico que tenha a pretensão de dar
[ } ] Distrito Central de Negócios (CBD) conta de aspectos das c idades de todo um país ou continente, ou
~
comércio e serviços vantagem, nem uma desvantagem, pois tanto esquemas muito parti-
Comércio atacadista e indústrias leves
culares, como esse do Rio de Janei ro, quanto modelos mais gerais e
00 Indústria pesada abstratos podem ser úteis, desde que sejam elaborados criteriosamen-
te. De qualquer maneira, a referida " radiografia" da organização
interna da metrópole carioca, na sua maior parte, não deixa de ser útil
para a compreensão da estrutura espacial das grandes cidades brasi-
74 75
IITl.Im IITl.Im
rnj ll1J
Ieiras em geral, mesmo não tendo existido essa intencional idade. Vale
a pena, por isso, reproduzi- lo. Ele traz a Região Metropolitana do Rio Figura 6
de Janeiro classificada em quatro grandes tipos de espaços sociais: o REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO:
CLASSIFICAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL EM GRANDES
núcleo, que corresponde àquela parte do município do R io de Janeiro TIPOS SEGUNDO A DINÂMICA ECON0MIC0-50CIAL
(abrangendo, também, parte de Niterói) que apresenta uma ocupação (SITUAÇÃO NO FINAL DOS ANOS 90)
mais densa, sem muita margem de manobra para especulação imobi-
liária horizontal em larga escala, e onde não há grande carência de
infra-estrutura técnica, ainda que a sua qualidade varie conforme o lllllll Áreas canurbadas e centros isolados
status do bairro (as exceções são, sem dúvida, as favelas, que, no 1 Núcleo metropolitano
núcleo); a periferia, que é aquele espaço dominado, tipicamente (mas 3 Espaço de atraçao da auto-segregaçao
não exclusivamente!) por~ loteamentos irregulares e grandes gle- 4 Franja rural-urbana (espaços periurbanos)
--- Limite da região metropolitana
bas mantidas ociosas ou subutilizadas, refletindo uma espec ulação _ Limite municipal N
fundiária em grande escala; o espaço de atração da auto-segregação,
a "Nova Zona Sul", basicamente correspondendo à Barra da Tij uca,
t
que encerra a maior parte dos condomínios exclusivos que são o sím-
bolo do processo de auto-segregação; e, finalmente, a franja rural-
urballa (tipo de espaço conhecido, também, como espaços periurba-
nos) já conceituada no Cap. 1, e que são, recapitulando, aqueles espa-
ços preteritamente rurais, mas que, mais e mais, são tomados por uma
lógica urbana de uso da terra (especul ação fundiária, residências de
f im-de-semana o u mes mo princ ipais de famílias de classe média,
algumas favelas, atividades de lazer, restaurantes etc.), sendo a agri-
cultura algo puramente residual, ou um verniz, uma aparência que
esconde a essência mais profunda.
o
~
4 12km
Também na mesma época, no começo da década de 90, elaborei
o outro modelo gráfico, mais abstrato, que representa um século e
meio da evolução urbana do Rio de Janeiro, e que as figuras 7 e 8 ti vo à segunda metade do século XIX correspo nde a um Rio de
reproduzem em uma versão ligeiramente modificada e parcialmente Janeiro com um CBD ainda em formação, e em cujo entorno existiam
atuali zada. A conveniência de apresentá-lo aqui, creio, reside no fato numerosos cortiços e casas-de-cômodos; a segregação residencial
de que ele não é de difíci l visualização nem sequer para leigos, e os era, também, relativamente pouco complexa, em termos comparati-
comentários a cada fase da evolução urbana retratada permitem, mui- vos. A situação em meados dos anos 20 do século passado já era dis-
tas vezes (mas nem sempre, pois cada situação concreta possui suas tinta: já tendo passado pela Reforma Pereira Passos e pelo desmonte
peculiaridades!), vis lumbrar analogias com processos semelhantes do Morro do Castelo, a maior parte dos cortiços e casas-de-cômodos
desenrolados em outras grandes cidades brasileiras. O esquema rela- havia sido erradicada da área central, e as favelas se multiplicavam
76 77
00.
rwliTl
I11J .
pelo tecido urbano. Mais um salto e, em meados dos anos 40, est&-se Figura 7
diante de um quadro mais complexo no que se refere à segregação
MODELO DA EVOLUÇÃO DA SEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL
residencial: já se distingue com muita clareza uma periferia, onde NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: DA SEGUNDA METADE DO
proliferam os loteamentos irregulares, em contraposição ao núcleo, SÉCULO XIX AO COMEÇO DOS ANOS 70
Estratos de renda:
Alto+ médio-alto O CBD em formaçao
Predominantemente médio 0 CBD
Baixo o Subcentro
• Conjunto habitacional
- Transferência forçada
de populaç4o
78 79
fiil.[n]
IJtJ 00
Figura 8
o·
Estratos de r&nda:
D Alto+ médio-alto O CBD
[I] Predominantemente médio o Subcentro
8 Baixo Favela
1m Baixo+ médio • Conjunto habitacional
• Cortiço, casa-de-cOmodos
~
r~~~ 1#~~1 'i'
Devido a essa importância da dimensão espacial é que eu acredi- desenvolvimento sócio-espacial? Não se incomode o leitor, porém,
~em necessidade: que se veja o sentido que estou atribuindo ao subs-
to ser legítimo falar de desenvolvimento sócio-espacial, em vez de,
somente, desenvolvimento social. A referência, aqui, não é apenas ao tantivo desenvolvimento, com a ajuda dessa adj etivação. E que se
"desenvolvimento do espaço social", como se se tratasse de transfor- atente para a crítica da tradição ("desenvolvimento econômico" etc.)
mar apenas o próprio espaço (situação e m que a grafia deveria ser que o novo sentido carrega. Mas, não vamos brigar por ou em torno
socioespacial), mas à transformação das relações sociais e do espa- de palavras, desde que haj a comunhão de idéias. Se o leitor concor-
dar comigo, no essencial, mas preferir referir-se a uma "mudança
ço social, simultaneamente. Na minha convicção, o desenvolvimen-
social positiva que é, simultaneamente, uma transformação das rela-
to é, nos seus termos mais simples, um processo de mudança para
ções sociais e do espaço", em vez de desenvolvimento sócio -
melhor, um processo incessante de busca de mais justiça social e
espacial, que assim seja.
melhor qualidade de vida para o maior número possível de pessoas -
Voltemos, agora, para arrematar o capítulo, ao tema mais espe-
e isso exige, tanto em matéria de análise de problemas quanto de for-
cífico do "desenvolvimento urbano". D iante do que se argumentou
mulação de estratégias para a superação dos problemas, não somente
até agora neste capítu lo, fica evidente ser necessário modificar e de-
a consideração das várias dimensões que compõem as relações
purar a visão que se tem sobre o que sej a o tal "desenvolvimento
sociais, mas também uma visão de como essas relações se concreti-
urbano". Um desenvolvimento urbano autêntico, sem aspas, não se
zam no espaço.
confunde com uma simples expansão do tecido urbano e a crescente
Não estou ignorando que, nas últimas três décadas, avolumaram-
complexidade deste, na esteira do crescimento econômico e da
se e radicali zaram-se as críticas ao c hamado "mito do desenvolvi-
modernização tecnológica. E le não é, meramente, um aumento da
mento", a ponto de alguns críticos não se restringirem a uma crítica
área urbanizada, e nem mesmo, simplesmente, uma sofisticação ou
da ideologia capitalista do desenvolvimento (econômico), passando,
modern ização do espaço urbano, mas, a ntes e acima de tudo, um
implícita ou explicitamente, a rejeitar a própria "idéia" de desenvol-
desenvolvimento sócio-espacial na e da cidade: vale dizer, a con-
vimento em si (e, por tabela, até a palavra). Para esses analistas, é
quista de melhor qualidade de vida para um número crescente de pes-
como se falar em desenvolvimento, sempre e necessariamente, signi-
soas e de cada vez mais justiça social. Se uma cidade produz mais e
ficasse endossar a ideologia capitalista do desenvolvimento econô-
mais riqueza, mas as disparidades econômicas no seio de sua popula-
mico, ou, pelo menos, uma visão da história como se todas associe-
ção aumentam; se a riqueza assim produzida e o crescimento da cida-
dades tivessem de percorrer os mesmos "estágios" ao longo de um
de se fazem às custas da destruição de ecossistemas inte iros e do
processo de "desenvolvimento" predeterminado, visão essa, ainda
patrimônio histórico-arquitetônico; se a conta da modernização vem
por cima, eurocêntrica (ou seja, que assume ser o mundo ocidental
sob a forma de níve is cada vez menos toleráveis de poluição, de
um modelo a ser imitado por todas as culturas e todas as sociedades).
estresse, de congestionamentos; se um número crescente de pessoas
Só que, insisto eu, não precisa ser assim. A palavra desenvolvimento
possui televisão em casa, para assistir a programas e filmes de quali-
é suficientemente plástica, sendo capaz de ser moldada, conceitual-
dade duvidosa e que, muitas vezes, servem de inspiração para atos de
mente, de forma alternativa à sua captura pela ideologia capitalista.
violência urbana, violência urbana essa que prospera de modo a lar-
E, se é assim, por que falar de "mudança social positiva", o u, mais
mante; se é assim, falar de "desenvolvimento" é ferir o bom senso.
precisamente, de "mudança social positiva que é, simultaneamente, 10 1
100
mtJTil
mtJTil IJ1J
IJ1J
Pode-se, em um tal caso, falar de crescimento urbano, complexifica-
ção da cidade e até mesmo modernização do espaço urbano e dos
7. Das falsas explicações sobre
padrões de consumo; mas seria um equívoco tomar isso por um pro-
cesso de desenvolvimento urbano autêntico, vale dizer, por um pro-
os problemas urbanos às fa lsas
cesso de desenvol vimento sócio-espacial na e da cidade coerente e receitas para superá-los
ise nto de grandes contradições.
Visto isso, estamos preparados para enfrentarmos juntos o desa-
fio de ret1etir sobre as maneiras de se pôr em marcha rumo a um
desenvolvimento urbano autêntico. Ou, parafraseando o ex-jogador
de futebol Dario, o "Dadá Maravilha", integrante da seleção tricam-
peã em 1970: depois de anal isar a problemática, é preciso passar à
"solucionática" ... Isso vai ficar, entretanto, para a partir do Cap. 8.
Antes disso vou me deter, no próximo capítulo, em algumas falsas
explicações sobre os problemas urbanos e em algumas falsas receitas
de superação desses problemas, dignas de figurar em uma das memo-
ráveis antologias humorísti cas da série "FEBEAPÁ", quer dizer,
"Festival de Besteira que Assola o País", de autoria do saudoso jor-
nal ista e escritor Sérgio Porto, mais conhecido como "Stanis law
Ponte Preta". ?
?
00 00
coibir a especulação imobiliária e, assim, reduzindo problemas COIHn 11Instância de participação tenha vida efetiva e não se desvirtue, ou
os "vazios urbanos" e a " urbanização e m saltos"), ajudam a gc1:11 ~trva apenas de fachada ou artifício de legitimação nas mãos dos
recursos adicionais para o Poder Público; esses e outros recursos silo 1overnantes.
destinados a um fundo específico, o qual servirá para financiar invc~ O leitor talvez esteja se perguntando: mas, de que valem tantos
timentos em áreas definidas por um zoneamento, nas quais, confo1 Instrumentos e mecanismos, mesmo que amparados em lei, se esta-
IIIOS em um país onde, como se diz, há algumas leis que "pegam" e
me o tipo de problema, serão identificadas zonas de in vestimento~
públicos priori tários, como favelas, loteamentos irregulares e áreas outras que "não pegam"? De que valem leis se as leis não são respei-
de proteção ambiental. lndas? Essa é uma questão muito importante. Antes de mais nada, é
preciso deixar claro que, independentemente de q ualquer coisa, é
A democratização do planejamento e da gestão é, mais que um
111uito melhor existir uma lei, e uma boa lei, que lei alguma. Se a lei
obj eti vo, um princípio fundamental. Mesmo no in terior de uma
~;x iste, ela pode ser até desrespeitada, mas ela está lá, pelo menos
sociedade caracterizada por uma separação estrutural entre dirigentes
~:orno uma arma em potencial, para ser usada pela população para
e dirigidos é possível avançar bastante nessa direção. O fu ndo de
defender seus direitos. Entretanto, é claro que isso não basta. E para
desenvolvimento deve ser gerido por um conselho com participação
que leis "peguem" e instrumentos sejam implementados, é muito
popular. O problema é que há formas e formas de participação, algu-
importante que a sociedade civil esteja informada e se mobilize para
mas sem aspas e muitas com aspas, de modo que dizer, apenas, que
exigir e fiscalizar o cumprimento da lei. Vou retornar a esse assunto
existe um conselho "participativo" não basta. Será que se a socieda- dos obstáculos para a implementação da reforma urbana no próximo
de civil presente no conselho for chamada apenas a opinar sobre ~:apítulo, mas é fundamental ressaltar, já aqui, que a participação
determinadas matérias, sem poder, efetivamente, tomar decisões, popular no planejamento, que é, como se viu, um dos três pilares
essa será uma participação com ou sem aspas? E se, no conselho, a constitutivos da reforma urbana, pode contribuir decisivamente para
metade dos assentos for ocupada por representantes do próprio apa- a efetiva implementação das leis, já que, estando direta e fortemente
relho de Estado, com direito a voz e voto: será esse um conselho ver- envolvida no processo, a sociedade civil irá colaborar muito mais efi-
dadeirame nte part icipativo? Além do mais é preciso saber também cazmente na fiscalização do cumprimento das leis.
outras coisas: como são escolhidos os conselheiros? Como e com que Por fim , mas não com menor ênfase: antes de se partir para a
freqüência eles prestam contas às suas respectivas bases sociais? E les reforma urbana o u paralelamente a ela, é preciso fazer a "lição de
têm acesso a informação sutlciente e correta, para poderem decidir casa" básica! Cadastros imobiliários e técnicos, plantas de valores
com conhecimento de causa (ou seja, para não serem, simplesmente, (que é a base para o lançamento do IPTU), reforma administrativa...
induzidos a aprovar coisas de interesse da Prefeitura)? O E stado se Tudo isso são coisas que não podem, em hipótese alguma, ser negli-
preocupa em capacitar tecnicamente os conselheiros, para que genciadas. Cadastros e plantas de valores precisam ser atualizados
melhor possam discutir certos assuntos? Que mecanismos garantem com freqüência. E uma reforma administrativa, muitas vezes, é impe-
que, mesmo em um conselho deliberativo, as decisões tomadas ou rativa para se poder tornar a máquina estatal menos burocrática, mais
mo nitoradas pe los conselheiros serão executadas exatamente da eficiente e, também para fac ilitar a cooperação entre secretarias e
forma como foram aprovadas? Essas e outras perguntas evidenciam órgãos e a própria abertura à participação popular.
que uma partic ipação popul ar q ue não seja mero engodo, o u mera Antes de concluir este capítulo, vale a pena, por desencargo de
cooptação, não é coisa tão si mples de se conseguir quanto se poderia consciência, repisar um ponto fundamental. Eu disse, bem no come-
imaginar. É preciso criar uma série de condições favoráveis para que ço do capítulo, que " não basta, para contribuir para o desenvolvimen-
131
130
lill.[fll
Ui.J
00
to urbano, ter princípios, objetivos e uma estratégia; é preciso munir-
se de instrumentos adequados para implementar as propostas". Por 1O. Os obstáculos e o alcance
outro lado, não se pode, em absoluto, pensar que basta pôr em um da reforma urbana
plano diretor uma boa quantidade de instrumentos "progressistas"
para que se logre avançar muito. Os instrumentos, mesmo aqueles
menos ambíguos ou ambivalentes, de pouco ou nada adiantam se não
existirem as condições políticas, sociopolíticas e político-culturais
para que eles sejam aplicados, e bem aplicados. Com isso se refor- IPTU
çam duas coisas: para o analista, a exigência de nunca descurar a aná- PROGRESSIVO
lise da sociedade em favor de uma superênfase sobre os instrumentos
e os marcos legais; e, para todos, o lembrete de que a democratização
do planejamento e da gestão, longe de ser apenas um detalhe , o u um
simples ingrediente a mais, é o que dá sentido e vida a todo o resto.
varejo, particularmente a formação de enclaves territoriais controla 1111portantes nos remetem à escala nacional: são aqueles que, às vezes
dos por grupos de criminosos. De certo modo, é a própria gestão d11 ll·mlo raízes multisseculares, e remetendo vez por outra ao próprio
cidade, em sentido bastante geral, que tem de se adequar a uma situu pu~.sado colonial, se referem às particularidades e à margem de ma-
ção em que, como no Rio de Janeiro, nenhuma intervenção do Podl'l IIIIIHa econôm ica e político-institucional do país, além de terem a ver,
Público tem lugar em uma favela controlada pelo tráfico sem queM' t11uhém, com especificidades de ordem cultural. A cada escala se
136 137
IWll1l
ITIJ 00
associa uma certa margem de manobra para o Estado ou a própria so-
ciedade civil (movimentos sociais, organizações diversas etc.) tentat l l. "Irmãos" e "primas" da reforma urbana:
superar problemas; e cada escala "filtra', por assim dizer, as influên- orçamentos participativos e
cias que emanam de outras escalas: por exemplo, circunstâncias orga nizações de economia popu lar
muito favoráveis em nível local, estadual ou regional (administrações
eficientes e comprometidas com uma agenda que priorize a justiça
social, pujança econômica, sociedade civil bem organizada etc.)
podem contribuir, e muito, para mitigar problemas nacionais. No
entanto, há fatores que estão além da esfera de influência e compe-
tência de qualquer prefeito, governador o u mesmo presidente da
república, assim como de qualquer movimento social: os fatores deri-
vados da própria dinâmica geoeconômica (dinâm ica do capitalismo,
globalização) e geopolítica em escala mundial. E, em última análise,
e em grande parte, o que se passa nas cidades brasileiras e no próprio
Brasil é resultado de fatores econômicos e políticos que escapam ao
controle de agentes operando apenas dentro do território nacional.
Uma reforma urbana, se for bem conduzida, pode ser uma contri-
buição decisiva na direção da superação de diversas dificuldades; e, se
a margem de manobra econômica e política nacional for bem explora-
da, não há por que duvidar de que uma reforma urbana possa vir a ser
bem conduzida. Ela não seria capaz, contudo, de eliminar inteiramen-
te a segregação e erradicar completamente a pobreza urbana. A explo-
ração de classe não desaparecerá sem que se supere o próprio modelo
social capitalista, e isto é tarefa que ultrapassa as possibilidades de um Há, além da reforma urbana, outras iniciativas e mecanismos
único país. Da mesma forma, a democratização do planejamento e da bora também sofrendo as restrições tmpostas pelos marcos
que, em . I"
gestão das cidades exigem, no limite, muito mais do que uma simples ntados pela conjugação do modo de produção captta tsta com
represe I" . - d
"participação popular" ou uma "co-gestão" Estado/sociedade civil, a -7 democracia representativa - a isso se aliando as tmttaçoes a
por mais que isso possa, se for bem feito, representar um avanço real: manobra econômica e política vinculada à escala local -
margem de _ .
demandam uma eliminação da separação estrutural entre dirigentes e à semelhança daquela, prestar uma colaboraçao tmportante
podem, J"d d
diri gidos, demandam uma verdadeira autogestão, o que depreende na tarefa de fazer das nossas cidades lugares com melhor qua t a e
uma ruptura radical com o modelo político existente. Em circunstân- "d e socialmente mais justos. Por partilharem a mesma vocação
de vt a . -
cias excepcionais, um país pode, talvez sozinho, dar largos passos na da reforma urbana, os orçamentos participativos e as _orgamzaçoes
direção de metas bem mais ambiciosas, a despeito das formidáveis de economia popular serão chamados de, respecttvamente, os
pressões contrárias que, certamente, hão de vir do exterior. Isso, toda- "irmã.os" e as "primas" da reforma urbana.
via, é, pelo momento, apenas um exercício especulativo... 139
138
liil.[l1]
rnJ
rnJ
Complementando o assunto da redução do nível de disparidmh dos chamados, normalmente, de "conselheiros", que vão ser os porta-
socioeconômico-espacial intra-urbana focalizado no Cap. 9, e adcu vozes da base social junt o à administração, cuidando para que aquilo
trando novame nte o tema da participação popular no planejament o,. q uc foi decidido pe la base seja, de fato, previsto e implementado);
na gestão, de ve-se mencionar um mecanismo de gestão urbana (ou, depois, a sociedade civil se orga niza (reuniões e assembléias em bair-
mais precisamente, municipal) que vem ganhando crescente e rápida ' os comuns e favelas, ou e m agregados de bairros e favelas, por setor
popularidade: o orçamento participativo. Trata-se, como nome sugc pcográfico, mas também , e ventualmente, re uniões "setoriais", por
re- pelo menos em uma situação ideal...-, de delegar poder aos pró te ma, como tem ocorrido) para discutir suas necessidades e estabele-
prios cidadãos para, direta me nte, decidirem sobre o d estino a sl.lr ce r prioridades; por fi m, instala-se um conselho, onde, de pre ferê n-
dado aos investimentos públicos. cia, o Estado não tenha representantes com direito a voto (mas, si m,
As primeiras experiências brasileiras de participação popular nu npenas técnicos, para ori e ntar os delegados da sociedade c ivil)- e é
e laboração do orçamento público municipa l re montam ao final da ~.:sse conselho que irá con solidar, para todo o município, as demandas
década de 70 e ao início da década seguinte: em Lages (estado de das bases sociais, verifica ndo possíveis proble mas (como demandas
Santa Catarina), ainda nos anos 70, e em Pelotas (Rio Grande do Sul) não conformes à legislação) e monito rando a elaboração d a peça
e Vila Velha (Espírito Santo), nos anos 80, esquemas de envolvimen- orçamentária que será, ao final , enviada à Câmara Municipal para
to direto da população nas decisões sobre o orçamento municipal apreciação e votação pel os vereadores.
foram adotados. No entanto, tais e xperiê ncias, até pela co njuntura Porto Alegre não fo i apenas relativa mente pioneiro, por inaugu-
política nacio na l em que tivera m lugar (ainda durante o Regime rar toda uma nova fase, na qual os orçamentos participativos vêm se
Militar, embora e m sua fase final), não chegaram a ter grande alcan- difund indo rapidamente. O orçamento parti cipativo da capital gaú-
ce, nem gerar um efeito multiplicador significativo. Elas pertencem, cha foi e continua sendo, tanto quanto seja do meu conhecimento, o
como eu te nho chamado, a uma espécie de " pré-história" do orça- ma is ousado e avançado e squema partic ipativo em curso no país. Isso
me nto participativo. A fase atual de difusão desse tipo de experiência não quer dizer que não h aja, lá, problemas, ou gargalos que precisam
no Brasil começa com Porto Alegre, em 1989. Desde então, dúzias e ser superados; não obsta nte, a fa ma, nacional e até internacional q ue
mais dúzias de outros municípios vêm adotando esquemas ditos de o orçamento partic ipativo porto-alegrense vem obtendo (admi nistra-
orça mento participativo, na grande maioria dos casos sob inspiração dores públ icos de cidades do Terceiro e mesmo do Pri meiro Mundo,
direta ou indireta da experiência de Porto Alegre. assim como boa parte d a esquerda internacional, vêm observando
U m o rçame nto participati vo cons iste, tipicame nte, e m uma com respeito e crescente interesse o que se passa e m Porto Alegre,
sucessão de etapas ao longo do ano, durante as quais ocorre, aproxi- inclusive com o objetivo de extrair e nsinamentos para seus próprios
madamente, o seguinte: primeirame nte, a Prefeitura informa a popu- países e cidades) é bastante justificada.
lação sobre a realidade orçamentária prevista para o próximo ano, Atualmente, mo nta a cerca de uma centena e meia o número de
presta contas sobre as despesas do ano anterior e busca (de preferên- ad min istrações mun icipais que, alegadame nte, adota m u m " orça-
cia em parceria com organizações e grupos da socie dade civil) atrair mento participativo"(ou, em a lgu ns casos, o equi valente disso sob
novos participantes; em seguida, são escolhidos delegados dentre os outro rótulo). Contudo, a de Porto Alegre é, dentre as experiências de
grupos da sociedade civil presentes às primeiras assembléias anuais, orçamento participativo q ue in vestigue i ou sobre as quais dispo nho
com o objetivo de ajudar a organizar e monitorar o processo (podem de infor mações, a única d a qual se pode dizer, sem restrições funda-
j á ser escolhidos, nessa etapa, ou em uma etapa poste rior, os de lega- mentais, que, de fato, parece corresponder a uma genuína delegação
140 14 1
IWlJll IWlJll
IJ1J IJ1J
de poder do Estado para a sociedade civil. Lá, critérios básicos como mobi lização da sociedade c ivil, as condições econômicas de base
transparência do processo, caráter verdadeiramente deliberativo, (disponibilidade de recursos para investimentos, para começo de
envolvimento da população na definição de todas as " regras do jogo" conversa) e por aí vai.
(da malha territorial que serve de referência para a organização do Os orçamentos participativos têm tido uma história própria em
processo à "metodologia" e ao calendário) e decisão sobre um per- relação às tentativas de concretizar a reforma urbana com a ajuda de
centual expressivo do orçamento (em Porto Alegre, a totalidade dos planos diretores e dos instrumentos vistos no Cap. 9. Quase nunca os
in vestimentos, mais a apreciação em torno do restante das despesas, estudiosos que dedicaram atenção à reforma urbana e se ocuparam do
mais rígido) são, ainda que, em alguns casos imperfeitamente, aten- uso progressista que se pode fazer de instrumentos de planejamento
didos de modo satisfatório. Em outras situações, problemas diversos urbano foram os mesmos que, desde o começo dos anos 90, pensa-
costumam comparecer- às vezes um e outro, não raro vários deles de ram e pe nsam os orçamentos participativos. Apenas recentemente se
uma só vez: a informação circula muito mal, o que faz com que os vem notando uma pequena melhoria desse quadro. E mais: a própria
delegados e conselheiros opinem (e, eventualmente, deliberem) sem integração prática entre orçamento participativo e planejamento
muito conhecimento de causa, podendo ser muito facilmente mani- urbano progressista ainda é algo largamente a ser conquistado.
pulados; muitos critérios, às vezes todos, são definidos previamente T alvez uma parte da e xplicação para esse desencontro resida no fato
pelos técnicos e administradores, em gabi nete; o percentual das des- de que reforma urbana e orçame nto participativo vêm sendo pesqui-
pesas disponibilizado para a esfera da participação popular é peque- sauos po r grupos profissionais diferentes: no primeiro caso,
no (apenas uma parte dos investimentos, em a lguns casos até uma destacam-se aqueles profissionais mais tradicionalmente ligados ao
parte pequena); o aparelho de Estado se faz presente, com direito de planejamento urbano, a despeito da forte interdisciplinaridade (~m
voz e voto, nas instâncias de liberativas, dessa forma restring indo primeiro plano aparecem os arquitetos, e em segundo plano profis-
consideravelmente qualquer autonomia de decisão dos delegados e sionais como geógrafos e sociólogos, sendo que, nos últimos anos, os
conselheiros da sociedade civil. A "consistência participativa" da juristas vêm co mparecendo com mais e mais força); no segundo
maior parte das experiências não parece ser, pelo que mostra a minha caso, 0 dos orçamentos participativos, a maioria dos trabalhos tem
experiência de pesquisa com o assunto, muito entusiasmante. Isso sido realizada por sociólogos e cientistas políticos, com alguma par-
não prova, certamente, que os céticos de plantão estão cobertos de ticipação dos eco nomistas interessados em Economia do Setor
razão ao duvidarem de que avanços importantes são possíveis em Público. Uma outra parte da explicação, provavelmente, tem a ver
nível local e nas condições concretas do Brasil atual; afinal, também com 0 fato de que a partir do começo ou meados da década de 90,
há casos bastante positivos, ainda que, aparentemente, minoritários. quando se dá a multiplicação acelerada das experiências de orçamen-
Isso prova, poré m, que não se devem subestimar as dificuldades, e to participativo pelo Brasil afora, as discussões em torno da reforma
que não basta importar e adaptar (por exemplo, de Porto Alegre) uma urbana perdem fô lego. Seja lá como for, duas coisas são certas: 1)
boa "metodologia" (critérios, balizamentos técnicos, regras) para que reforma urbana e orçamentos participativos são igualmente re levan-
se obtenha um bom resultado. O êxito de uma experiência de orça- tes; 2) 0 orçamento participativo complementa os instrumentos de
mento participativo, assim como de qualquer experiência de partici- planejamento apresentados no Cap. 9 Os orçamentos participativos
pação popular no planejamento e na gestão urbanos, irá depender, são tão compatíveis com o espírito de uma reforma urbana que se
sempre, de um conjunto variado e complexo de fatores: a coerência poderia, até, perguntar se não faria sentido considerá-los no interior
político-ideológica da administração, o nível de conscientização e de um concei to a mpliado de reforma urbana, ou seja, como parte
142 143
lill.lJ!] m
lliJ
Ui'
integrante desta. Na minha opinião, isso faz sentido, sim. Entretanto. Seja o leitor apresentado, agora, às "primas" da reforma urbana,
· · g nta· o que vem
não é possível ignorar, de uma ho ra para o utra, o fato de serc111 as organizações de economia popular. P nmelfa per u .
ambientes de discussão d ifere ntes e de terem tido histórias bastantt a ser economia popular?
próprias. Fica, assim, provisoriamente, g uardada a distinção concei Expressões como economia informal (ou setor informal~ e ~er-
. - fi . has fa'ceis na mídia e não só nos textos tecmco-
tual entre reforma urbana e orçamento participativo. cetro setor sao tgunn • , . _
Abordarei, para finalizar este tratamento dos orçamentos partici- científicos de especialistas para especialistas. E fácil, por tsso, se nao
pativos, uma questão que a muitos tem preocupado: a da legalidade se explicar direitinho, tomar a economia popular por alguma out~a
dessa forma de política pública. Conquanto seja muitíssimo discutí- coisa, da qual ela pode estar até próxima, mas com a qua~ ela nao
vel a conve niência de se criarem leis muni cipais para "regulamenta- . d·d· como a economia informal ou o tercetro setor.
deve ser cont un 1 a- .
rem" esse tipo de mecanismo de gestão, isso está longe de significar, A economia informal compreende os indivíduos, firmas~ orgamz~-
como já alegaram al guns desavisados (ou mal-intencio nados), que o ões dedicados à produção ou à venda de mercadorias ou a prestaçao
orçamento participativo é " ilegal". Na verdade, a participação popu- ~e serviços sem que as atividades estejam constituídas de acordo com
lar na elaboração do orçamento acha-se, atualmente, prevista, ainda as leis em vigor no país: na economia informal não se recol~em
que de modo muito vago, em duas leis federais importantes: na Lei impostos, os trabalhadores não são registrados (e, p~rt~nto, su_a stt.ua-
de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n? 101 , de 4/5/2000), ção trabalhista e previdenciária é precária ou precar~Sstma) e mextste
em seu Art. 48, e no Estatuto da Cidade (Lei n? 10.257 , de uma contabilidade formal das atividades. O setor mforma~ a~range
1017/2001 ), em seus artigos 4 (alínea f do inciso III) e 44. Vivemos desde o comércio ambulante até atividades forteme nte cnmmosas,
em um país onde, ao mesmo te mpo e m que freqüentemente as leis como o tráfico de drogas e armas e o contrabando. Embora o setor
são descumpridas (como diz a turma do Casseta & Planeta: "no informal seja, em grande parte, uma válvula de escape para a ~eman
Brasil, a le i existe para ser comprida"), muitos acham que a sol ução da dos pobres urba nos por postos de trabalho, demanda essa tmpo~
estaria em aumentar mais e mais o número de leis, produzindo-se leis sível de ser completamente satisfeita pelo setor formal em um pats
para tudo. Em matéria de orçamentos participativos isso não é só um p eriférico ou semiperiférico, ele abarca, também, atividades que pos-
contra-senso; é uma imprudência e uma violência. Imprudência por-
suem um impacto ambíguo sobre a vida dos pobres urba_n~~· morado-
que se esquece que o interesse de vários em regulamentarem os orça- como o comércio de drogas tltcttas), além
me ntos participativos por meio de leis tem a ver com um desejo de res d e espaços segregados ( .
de se fazerem em associação espúria com parcelas da econom~a for-
enfraquecer, e não de fortalecer esse tipo de experiência (por exem-
mal e mesmo do aparelho de Estado (financiamento do trá:tco de
plo, no caso de vereadores in teressados e m preservar, como uma
drooas de fora para dentro das favelas, lavagem de dinheiro SUJO, cor_-
espécie de " reserva de mercado", um percentual dos investime ntos
e- .. t ) Quanto ao chamado "terceiro setor" , trata-se, at,
para ser loteado da ma neira tradicional, na base d e acertos entre eles rupçao po 1tcta1e c ..
de uma expressão de inspiração norte-americana, que recobre u~
e entre eles e o prefeito, mediante emendas à proposta orçamentária
enviada à Câmara). E violência porque uma das características essen- conjunto de atividades teoricamente sem fins lucrativ?s, mas de ut~
lidade pública, desenvolvidas por entidades filantróptcas ou organi-
ciais de um esquema autêntico de participação popular dessa nature-
za consiste, j ustame nte, na possibilidade de a sociedade civil insti- zações não-governamentais (ONGs).
tuir, e la própria. as regras (ou seja, a " lei" em um sentido amplo), A economia popular, ou economia popular urbana, ~orrespo~d.e
modificando -as anualmente, se necessário, para aprimorá-las; uma a um recorte conceitual diferente. Ela d iz respeito ao conJunto de ~tl
lei formal, nesse caso, c riaria uma camisa-de-força para o processo. vidades levadas a cabo pelos pobres urbanos, com ou sem algum ttpo 145
144 múll1
!ii1Ji11 IJ1J
[J1J
de apoio estatal, no contexto de algum tipo de organização estimula- elas não explodem, propriamente, embora se deteriorem física e
dora de solidariedade e, quem sabe, de novas formas de sociabilida- socialmente), sendo, dessa forma, "funcional" ao sistema capitalista,
de (cooperativas e outras modalidades de associação de trabalhado- nos marcos de uma aparente contradição: o "circuito inferior" atrita
res). Há, portanto, um ingrediente de juízo de valor, além de algumas com 0 "superior" em grande parte, mas, em última análise, serve à
diferenças factuais, que distinguem a economia popular da economia reprodução do s istema. O "circuito inferior" não era visto como por-
informal: a economia popular é gerida pelos próprios pobres, embo- tador de valores ou criador em potencial de novas formas de sociabi-
ra estes possam (e, em algumas circunstâncias ou em alguns casos, lidade; ele seria algo puramente reativo. Sua conceituação se dava,
devam) contar com o apoio do Estado e de organizações da socieda- basicamente, em função do que lhe falta (acesso a crédito formal,
de civil para a consecução de seus objetivos (ou seja, não são o u não montante significativo de capital de giro, organização burocrática,
devem ser apenas a ·'ponta de varejo" de uma cadeia que, na outra preços fixos, relações impessoais com a clientela, ajuda governamen-
po nta, a do atacado, a da ·Importação e a da exportação, é controlada tal importante etc.), e não por conta do que ele poderia trazer de
por "peixes graúdos", como ocorre no tráfico de drogas ·e em outras intrinsecamente positivo: um circuito alternativo capaz não apenas
fatias da economia informal); além disso, as organizações de econo- de evitar o agravamento do aumento da pobreza absoluta, mas, tam-
mia popular envolvem, ou deveriam envolver, uma certa preocupa- bém, de gestar formas de solidariedade e cooperação entre os explo-
ção explícita com a co nstrução de novas formas de relacionamernto rados e oprimidos. Se se considerar, em acréscimo a isso, que, nos
e ntre as pessoas, para além da questão estrita da sobrevivência. Há, trabalhos de Milton Santos, os "circuitos" inferior e superior da eco-
inclusive, por esta última razão, quem prefira a expressão economia nomia urbana aparec iam como muito bem demarcados (o que torna
solidária (a qual tem se tornado comum no Bras il), em veZ de, sim- difícil a compreensão de algo como o tráfico de drogas dos anos 80
plesmente, economia popular. Uma vez que esta última expressão em diante com a ajuda desse aparato conceitual), pode-se admitir que
possui mais tradição no ambiente intelectual latino-americano como a importância da teoria dos "dois circuitos da economia urbana dos
um todo, e levando em conta, também, o desgaste a que o adjetivo países subdesenvolvidos" é, para os propósitos de entendiment~ da
"solidário" vem sendo submetido no Brasil (pense-se no malfadado economia popular, ou mesmo da economia informal hoje, de utthda-
programa governamental "Comunidade Solidária" ... ), p refiro a de um pouco limitada.
expressão "economia popular". Já se vi u, no Cap. 8, que o fato de a reforma urbana diferir dare-
A economia popular seria, aparentemente, algo muito próximo forma aorária no que se refere à sua capacidade de gerar renda para
e ,
daquilo que Milton Santos, nos anos 70, denominava de "cit:cuito os seus benefic iários não quer dizer que nada pode ser feito em mate-
inferior da econo mia urbana dos países subdesenvo lvid os"; há, ria de geração de emprego e renda no contexto de uma reforma urba-
porém, que se fazer uma ou outra ressalva. O "circuito inferior" des- na. Essa artic ulação pode se dar de uma maneira mais simples e
crito por Milton Santos só aparece despido de menções às atividades emergencial, logo muito limitada, sob a forma de "frentes de traba-
fortemente criminosas porque, por um lado, isso fo i um certo descui- lho" e de recrutamento organizado de pessoas desempregadas e
d o, e, por outro, porque, de fato, elas não tinham, há trinta ou vinte e subempregadas para serem ocupadas, justamente, com coisas como
cinco anos, a importância q ue têm hoje nas grandes cidades de um um esforço de urbanização de favelas e de construção de moradias
país como o Brasil. Além do mais, Milton Santos via o "circuito infe- populares em larga escala; o u, de maneira mais duradoura e con.sis-
rior" como uma válvu la de escape (a grande questão, para ele, não é tente, sob a forma do estímulo e do apoio do Estado e de orgamza-
por que as nossas cidades explodem, mas sim, justamente, por que ções da sociedade civil à formação de cooperativas e ao desenvolvi-
146 147
lill1ITl li!ll.l1l
rnJ UiJ
mento de atividades de economia popular, a começar pelos espaços um distanciamento crítico e lutando para preservar um mínimo de
segregados onde mora a maior parte da população pobre, nas favelas autonomia de organização e de idéias, para planejar uma cidade mais
e nos loteamentos irregulares. É neste segundo caso que a integração justa. (É certo que a distinção entre Estado e sociedade civil é mais
entre reforma urbana e economia popular fica mais evidente. complicada do que pode parecer, pois os atores sociais, e precisa-
As organizações de economia popular podem e devem, muitas mente os mais ativos e dinâmicos, costumam circular entre partidos,
vezes, receber incenti vo governamental. Esse incentivo pode vir de cargos em adm inistrações e posições de liderança na sociedade civil.
várias formas: microcréditos (ou seja, crédito para a compra de Seja como for, Estado e sociedade civil não se confundem, sendo ins-
pequenos estoques de mercadoria ou matéria-prima, para rearranjo tâncias diferentes da sociedade. Essa distinção só desaparecerá em
de espaços etc.), cursos de capacitação e treinamento, apoio a "incu- um a sociedade autogerida, em que não haja mais uma separação
badoras de cooperativas", e por aí vai. No entanto, o Estado deve estrutural entre dirigentes e dirigidos.) Os orçamentos participativos,
ceder à tentação (algumas vezes bem-intencionada) de se imiscuir na prática, têm sido uma iniciativa do Estado ou, pe lo menos, como
demais. Alguns tipos de apoio não deveriam faltar, especialmente em Porto Alegre, uma iniciativa dividida (e uma paternidade um
quando solicitados, sob a forma de políticas e programas específicos. pouco disputada) entre Estado e sociedade civil. Quanto mais auten-
Entretanto, é a própria sociedade civil que deve lutar para se organi- ticamente participativa for a experiência de orçamento participativo
zar mais e mais, buscando soluções. O Estado pode, aqui e ali, apoiar, em questão, maior tenderá a ser ou deverá ser o peso da sociedade
pois ele possui recursos indispensáveis; deve-se, porém, evitar a todo civil no processo. Quanto à economia popular, o papel do Estado pode
custo uma tutela, a qual mata a criatividade e a esperança: o Estado ser, nesse caso, em princípio, ape nas o de um apoiador financeiro e
deve evitar paternalizar, e os grupos da sociedade civil devem recu- técnico-gerencial (cursos de capacitação, esquemas de tre inamento),
sar qualquer tutela e lutar para manter o controle sobre suas ativida- se bem que a expansão consistente e em larga escala da economia
des e seus destinos. popular precisará de planos de médio e longo prazo, a serem e labora-
No fundo, portanto, os protagonistas da reforma u rbana, dos dos como inic iativa e responsab ilidade conjuntas da sociedade civil e
orçamentos participativos e da economia popular deveriam ser, na do Estado, pragmaticamente.
maior parte das vezes e basicamente, os mesmos. Há, certamente, Ainda em matéria de diferenças, acrescente-se que a economia
algumas diferenças, talvez mais aparentes que reais. O Estado preci- popular interessa, basicamente, aos pobres, pelo menos em termos
sará ter um papel mais ativo na reforma urbana em sentido estrito, imediatos. De sua parte, os orçamentos participativos, tendo um cará-
uma vez que medidas institucionais e judiciais se fazem necessárias ter mais geral -a democratização das decisões em torno do orçamen-
em grande escala, sem esquecer da constante necessidade de altera- to municipal -, deveriam interessar, um pouco mais diretamente, à
ção e adaptação de legis lação e do aporte de recursos em volume própria classe média. Qua nto à reforma urbana, em certo sentido ela
muito significati vo. (Basta pe nsar nas necessidades em matéria de possui um alcance geral imed iato, ao lidar com o planejamento alter-
moradia popular, diante do gigantesco --} déficit habitacional atual- nati vo da c idade como um todo, embora suas prioridades estejam
mente constatad o no Brasil; caso contrário, a "habitação popular" só voltadas, acima de tudo. para a melhoria da qualidade de vida dos
poderia ser aquela da brincadeira de Millôr Fernandes: " uma casa pobres urbanos. Na prática, contudo, o quadro é um pouco mais com-
sem portas e em que não se podem colocar janelas por não haver plicado. A classe média, freqüentemente, enxerga os orçamentos par-
paredes".) Isso não exime a sociedade civil de ter um papel muito ticipativos. por exemplo, como "coisa de pobre", em parte por já ter
ativo, em parceria com o Estado muitas vezes, mas sempre mantendo as suas necessidades materiais básicas satisfeitas, e em parte, talvez,
148 149
mL[fl] lffillll
rnJ IJ.tJ
por depositar excessiva confiança na capacidade de os seus "repre- cipativo, espaços autô nomos para a sociedade c ivil precisam ser
sentantes" usuais no Executivo e no Legislativo municipais (prefeito garantidos; o importante é que se admita que, em todos os três casos,
e vereadores) cuidarem adequadamente dos seus interesses. Por seu o Estado não deve, em última análise, ser o centro das atenções: o
turno, ao poder contribuir, graças à geração de renda, para reduzir os centro das atenções é o que se passa na sociedade e o que ela pode
níveis de tensão e violência urbana, a economia popular é algo cujo fazer para se tornar (se fazer) mais li vre, mais autônoma. Ainda que
florescimento, em termos mediatos, interessa, e muito, também aos a participação do Estado (com suas le is, seus recursos e tc.) não deva
segmentos médios. É necessário, portanto, encontrar formas eficien- ser descartada a priori como desnecessária ou sempre nociva, o apa-
tes de se envolver também as camadas médias no esforço de se fazer relho de Estado, em si, no geral e em última instância, é o símbolo e
das nossas cidades locais mais agradáveis e socialmente mais justos. a ossatura instituciona l de uma separação entre dirigentes e dirigidos.
Moral da história: os protagonistas da reforma urbana, dos orçamen- A democracia representativa oferece uma certa margem de manobra
tos participativos e da econo mia popular, mesmo te ndo pesos um no que se refere ao esforço da maioria da população em se reapro-
pouco diferentes confo rme o caso, são, ou devem ser, essencialmen- priar dos recursos arrecadados pelo Estado e dos canais e instâncias
te os mesmos. de poder estatais, mas também carrega seus limites, incluindo o limi-
Pergunte-se, agora, para concluir este capítulo: o que pode a eco- te essencial de, com base nela, não se poder ultrapassar os fundamen-
nomia popular? E la não "resolve tudo", mas é ou deve ser encarada tos econômicos e políticos últimos do modelo socia l capitalista. É
como sendo, potencialmente, bem mais do que um simples paliativo, possíve l e necessário, contudo, saber explorar, a cada momento, a
um simples remendo. A meta não é reme ndar o sistema, contribuin- real margem de manobra associada à ação do Estado, em cada escala
do para a sua sobrevivência; a meta é, ou deveria ser (de fato, a inter- (local, estadual, nacional), seja diretame nte (parcerias, "co-gestão"
pretação do alcance dos orçamentos participativos e da economia Estado/sociedade civil), seja indire tame nte (marcos legais e suportes
popular carrega suas controvérsias, a esse respeito), construir alterna- instituci onais), para se conquistarem certos avanços. Que isso não
tivas ao próprio s istema, ainda que se comece limitadamente e a par- leve j amais a esquecer ou subestimar, porém, os riscos e as limita-
tir do seu interior, sem desprezar a margem de manobra legal e insti- ções inerentes a essa jornada, tão cheia de obstáculos e imprevistos.
tucio nal existente para certos avanços. Assim como a reforma urba-
na e o orçamento participativo, a economia popular opera dentro dos
marcos da sociedade existente: portanto, e la não e limina o capitalis-
mo, nem o põe fora de combate. Contudo, ela tampouco o confirma
ou legitima. Ela prospera nas margens, lá, onde o sistema revela mais
agudamente o seu fracasso -ou, em última análise, o preço do seu
"sucesso", que é sempre o sucesso de uma minoria. Mas, assim como
a reforma urbana e o o rçamento participativo, a economia popular
pode contribui r, hoje, um pouco modestamente, para construir um
amanhã mais ambicioso; é a sua dimensão político-pedagógica. Foi
a isso que eu desejei fazer referência ao enfatizar o desenvolvimento
de teias de solidariedade e de novas formas de cooperação e sociabi-
lidade. Assim como no caso da reforma urbana e do orçamento parti-
150 151
mill11 /ill.[i1]
rn.J rn.J
Conclusão: das t ri bos à
"globalização" -a aventura humana
e o papel das cidades
• ?• ?• ?•
? ?
•
• Como combinar o conhecimento técnico, ou técnico-científico, • "Mais Estado" ou "menos Estado"? E qual o conteúdo dese-
com o "saber local"? E m uma de suas deliciosas tiradas, Millôr jável das intervenções e da regulação estatais? Divergências a esse
Fernandes observou, certa vez, que "ainda está para nascer o erudito respeito estão por trás das diferenças entre vertentes de planejamen-
que se contenha em saber só o que sabe". O conhecimento técnico, o u tO e gestão urbanos que, atualmente, disputam a preferência dos estu-
técnico-cie ntífico, é, sem dúvida, relevante, não raro muitíssimo diosos e da sociedade em geral: planejamento e gestão liberalizantes
importante; o problema começa q uando o "especialista" se mete a (também chamados, segundo os seus críticos, de empresarialistas,
querer desejar pelos outros, semir pelos outros ... e a imaginar que que preconizam que o Estado facilite ao máximo a atuação do capital
162 163
~
WJ
ffij
no Longo prazo, em termos econômicos (e ecológicos) assim como
privado, dessa forma servindo ao bem comum); desenvolvimenlti
políticos? Em caso negativo: quais seriam as alternativas, e qual a
urbano sustentável, que entende que um mínimo de regulação estul11l
sua viabilidade? É comum a retórica em torno das "cidades sustentá-
é imprescindível à tarefa de preservação ambiental; estilos de pla111·
veis" e da "sustentabilidade urbana" colocar no centro das atenções
jamemo urbano críticos (no Brasil, vinculados ao ideário da rejorm11
os vínculos entre sociedade e natureza, secundarizando ou banal izan-
urbana), que defendem a regulação e as intervenções estatais noN
do a análise das relações sociais e, com isso, subestimando o fato de
marcos de uma preocupação com a contenção da especulação imobi
que, para além de questões como a crescente poluição ambiental nas
liária e com a redução das injustiças sociais, ao mesmo tempo em qul·
cidades, a formação de ilhas de calor e os problemas quanto ao desti-
enfatizam, menos ou mais radicalmente, a importância da participa
no do lixo urbano, ou como a contribuição das cidades para o aqueci-
ção popular no planejamento e na gestão das cidades. O desdobra-
mento global, as cidades se tornam, também ou, acima de tudo, em
mento dessas divergências são controvérsias mais específicas, tanto
um sentido estritamente social, cada vez mais insustentáveis (cres-
técnicas quanto (embora nem sempre isso fique explicitado) políti-
centes disparidades socioeconômicas no espaço, violência urbana
cas, a propósito de determinados instrumentos de planejamento e
etc.) ...
mecanismos de gestão.
Países periféricos, semiperiféricos e centrais: a terminologia Pobreza absoluta e pobreza relativa: pobre, em sentido abso-
"países centrais"/"países periféricos" deve muito às diversas corren- luto, é aquele indivíduo cujos rendimentos não são suficientes para
tes da chamada "Teoria da Dependência". Immanuel Wallerstein assegurar-lhe nem sequer a satisfação mínima de todas as suas neces-
popularizou, mais tarde, o conceito de "país semiperiférico", no sidades básicas. Já o indivíduo que é apenas relativamente pobre
âmbito de sua teoria sobre a formação e a dinâmica do "sistema mun- pode ter, pelo menos, as necessidades básicas minimamente satisfei-
dial capitalista" . Independentemente de se concordar inteiramente tas, mas ele é considerado pobre em comparação com outros segmen-
com as análises de Wallerstein (eu, particularmente, não concordo tos sociai s, normalme nte sendo visto como tal pela sociedade e,
com diversas coisas, cuja explicitação não cabe aqui), o tripé concei- inclusive, vendo-se a si próprio nessa condição, em função de seu
tual países periféricos, semiperiféricos e centrais parece-me, há mui- local de moradia, de sua di ficuldade de acesso a certos bens de con-
tos anos, útil, pois substitui ou complementa, com vantagem, referen- sumo (especialmente de consumo durável) e tc.
178 179
rwffi1 rmim
01J [llJ
Retroalimentação positiva: na linguagem da Teoria Geral dos Bibliografia comentada
Sistemas, uma retroalimentação positiva se dá quando o fenômeno
"B", que é gerado pelo fenômeno "A", reincide sobre "A", reforçan-
do-o. Corresponde àqui lo que, em linguagem comum , quotidiana,
muitas vezes se chama de "círculo vicioso". Nesses casos, o efeito
atua sobre a causa, reforçando-a e gerando um efei to ainda mais
forte, e assim prosseguindo, indefin idamente, até que se consiga de
Vários dos livros arrolados e comentados a seguir foram citados no
algum modo, quebrar ou interromper a cadei? corpo do texto, mas nem todos. Mesmo assim, esta Bibliografia comentada
é bastante sucinta, e objetiva ser nada mais que um guia inicial para o leitor
interessado em aprofundar seus conhecimentos a propósito dos temas abor-
dados no livro.
VENTURA, Zuenir ( 1994): Cidade partida. São PauiQ: Companhia das 1997, 2~ ed.).Também na História da cidade, de Leonardo Benévolo
Letras. (vide Bibliografia comentada), pode ser vista uma planta da cidade
Obra de um jornalista e escritor, Cidade partida é uma crônica do pade- (p. 28).
cimento do Rio de Janeiro com o tráfico de drogas e a violência que a
ele foi, mais e mais, se associando. O livro virou, com justa razão, um O A ilustração que abre o Capítulo 3 (Da cidade individual à
best-seller, e merece ser lido não somente por aqueles interessados no rede urbana) é uma versão, ligeiramente modificada e simplificada,
Rio de Janeiro.
para servir a fins meramente "decorativos", de uma das principais
figuras constantes da obra-prima de Walter Christaller sobre as
ZALUAR, Alba (1994): Condomínio do diabo. Rio de Janeiro: Revan e
Editora da UFRJ. localidades centrais (ver Bibliografia comentada).
Condomínio do diabo é uma coletânea de ensaios da antropóloga Alba
Zaluar, a qual se destacou, ao longo dos anos 80 e 90, como uma impor- o Afigura 4 e afigura 5 trazem, ligeiramente simplificados, os
tante pesquisadora da violência urbana (especialmente em sua conexão modelos de Burgess, Hoyt e H arris e U lmann. As versões o riginais
com o tráfico de drogas) no Brasil. Esse e outros livros seus (como A desses modelos gráficos podem ser encontradas em vários manuais
máquina e a revolta, publicado em São Paulo em 1985, pela de Geografia Urbana, cujo acesso, e mbora ne m sempre fác il para o
Brasiliense) devem ser lidos por todos aqueles que desejem se aprofun-
leitor leigo , pelo menos é mais fácil que o acesso aos trabalhos origi-
dar nesse assunto.
nais e m que os modelos apareceram pela primeira vez. Um desses
188 manuais, bastante popular nos países de língua inglesa, é Tlze Study
189
lm.[IT] [ij]_lJll
IJ1J illJ
of Urban Geography, de Harold Carter (Londres, Edward Arnold,
198 1. 3~ ed.).
190
liillffi
ll iJ