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Organização, Recursos Humanos e Planejamento

VANTAGEM COMPETITIVA:
os modelos teóricos atuais e a
convergência entre estratégia e
teoria organizacional

Flávio C. Vasconcelos
DEA em Sociologia pelo Institut d’Etudes Politiques de Paris, Docteur ès Sciences de Gestion pela Ecole des Hautes Etudes
Commerciales (Paris) e Professor do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV.
E-mail: fvasconcelos@fgvsp.br

Álvaro B. Cyrino
DEA em Gestão da Tecnologia pela Université Tecnologique de Compiègne, Doutorando em Administração na Ecole des
Hautes Etudes Commerciales (Paris) e Gerente de Projetos da Fundação Dom Cabral.
E-mail: abcyrino@fdc.org.br

RESUMO ABSTRACT
Este artigo faz uma análise das quatro principais correntes teóricas que This article analyzes the convergence between business
tratam do fenômeno da vantagem competitiva, isto é, a ocorrência de strategy and organizational theory, by making a detailed
níveis de performance econômica acima da média de mercado em fun- comparative study of four theories focusing competitive
ção das estratégias adotadas pelas firmas. São examinadas, em ter- advantage phenomena. These theories include the strategic
mos de seus pressupostos e de suas conseqüências, as teorias de po- positioning school, the resource-based view, the market pro-
sicionamento estratégico, a teoria dos recursos, as teorias baseadas cesses and the dynamic competencies theory. We conclude
nos processos de mercado e as teorias de competências dinâmicas. the convergence between organizational theory and business
Finalmente, este artigo defende a tese de uma convergência entre es- strategy is a promising research opportunity for both disci-
tratégia empresarial e teoria organizacional como uma via de pesquisa plines.
fundamental para a evolução de ambas as disciplinas.

PALAVRAS-CHAVE
Estratégia empresarial, teoria organizacional, posicionamento estratégico, teoria dos recursos, competências.

KEY WORDS
Business policy, organizational theory, strategic positioning, resource-based view, competencies.

20 RAE - Revista de Administração de Empresas • Out./Dez. 2000 RAE


São• Paulo,
v. 40 •v.n.404 •• n.
Out./Dez.
4 • p. 20-37
2000
Vantagem competitiva: os modelos teóricos atuais e a convergência entre estratégia e teoria organizacional

UMA TENDÊNCIA DE CONVERGÊNCIA uma interface entre a estratégia como fenômeno in-
tencional e o comportamento organizacional como
Dois temas fundamentais estruturam a evolução re- fenômeno emergente. Essa aproximação implica, fi-
cente do pensamento sobre estratégia empresarial: a nalmente, dar um aspecto mais normativo aos estu-
vantagem competitiva e a mudança organizacional e dos sobre mudança organizacional.
estratégica. Embora distantes nas suas origens, tendo Em segundo lugar, a ausência de estabilidade e
seguido por vários anos trajetórias paralelas, esses previsibilidade coloca em evidência as fraquezas de
dois tópicos tendem a convergir progressivamente em uma grande parte dos modelos utilizados em Admi-
função das rápidas mudanças econômicas e sociais que nistração Estratégica, primeiramente, no plano práti-
caracterizam a economia mundial na virada do sécu- co e, em seguida, no plano teórico. A decadência do
lo XXI. planejamento estratégico, analisada por Mintzberg
Uma série de contribuições teóricas e conceituais, (1994), pode ser vista, nesse sentido, como um sinal
tanto no campo da Administração
Estratégica como no campo da Teo-
ria das Organizações, levou a essa A estrutura da indústria determina o
convergência: no campo da Estra-
tégia Empresarial, os trabalhos de comportamento dos agentes econômicos,
pesquisa costumam basear-se em
fundamentos econômicos, focali-
que determina a performance das firmas.
zando o “conteúdo” das estratégias.
Esses trabalhos normalmente utilizam abordagens da inadequação dos modelos de Estratégia Empresa-
metodológicas estruturadas dirigidas à verificação em- rial às características do mundo real. Para a discipli-
pírica de hipóteses generalizáveis. Também é comum na de Administração Estratégica, que, tradicionalmen-
que tais estudos concedam uma especial importância te, visa a informar e orientar a prática, a rejeição dos
às implicações normativas dos resultados. Seu obje- principais modelos de planejamento estratégico fez
tivo principal costuma ser identificar os fatores res- soar um alarme, apontando para a necessidade da
ponsáveis pelo sucesso ou fracasso das empresas em redefinição de seu escopo e de sua inter-relação com
diferentes contextos. outras disciplinas, levando, em última instância, a uma
Um segundo grupo de contribuições embasa-se nas aproximação entre a fundamentação econômica e a
Ciências Sociais em geral e na Sociologia em parti- descrição sociológica.
cular. Essas contribuições focalizam-se sobre a natu- As análises dos modelos teóricos e das contribui-
reza da mudança organizacional e os processos inter- ções empíricas feitas neste artigo visam a evidenciar
nos de adaptação, inovação e aprendizagem, utilizan- as duas dimensões responsáveis pela convergência aci-
do, preferencialmente, métodos qualitativos com o ma citada:
objetivo de entender e explicar, no seu contexto, a a) o reconhecimento do aumento da complexidade
natureza e a dinâmica dos processos de mudança or- ambiental e de seus impactos sobre o comporta-
ganizacional. mento das firmas;
No entanto, apesar das consideráveis diferenças b) o foco nos processos e recursos intra-organizacio-
teóricas e metodológicas, diversas razões justificam nais.
a convergência dessas duas correntes. Primeiramen-
te, a evolução dos ambientes organizacionais, cada A TEORIA ECONÔMICA
vez mais marcados pela evolução tecnológica, pela NEOCLÁSSICA E SEUS LIMITES
interconexão entre grandes redes de organizações e
pela integração dos mercados mundiais. Altos níveis Até os anos 70, a explicação ortodoxa sobre o
de incerteza e ambigüidade ambiental contribuem for- comportamento econômico das organizações en-
temente para que a mudança organizacional seja vis- contrava-se predominantemente na economia
ta não como um evento raro, mas como uma ocorrên- neoclássica de inspiração walrasiana. A firma
cia cada vez mais freqüente nas organizações. A im- neoclássica, no entanto, revelava-se uma simplifi-
portância da mudança organizacional é, assim, posta cação demasiadamente grosseira para definir o com-
em evidência pela percepção generalizada de que a portamento real das empresas, o que explica a au-
mudança é essencialmente inevitável. Daí surge uma sência de aplicações da análise econômica clássica
forte motivação para compreender e influenciar os nas empresas e o seu papel secundário nos trabalhos
processos de mudança organizacional, estabelecendo de estratégia empresarial.

©
RAE
2000,
• v.RAE
40 -• Revista
n. 4 • de
Out./Dez.
Administração
2000 de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 21
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Na realidade, na concepção econômica neoclássica, res obstáculos à aplicabilidade estratégica dos modelos
a vantagem competitiva – resultados consistentemente de análise econômica: “(...) The notion that a firm can
superiores à média – é um epifenômeno: seja um aci- choose from a finite set of strategies (...) implies that a
dente excepcional, seja uma imperfeição temporária firm’s resources and capabilities are not completely
do funcionamento dos mercados. O poder das forças fungible and generalizable, certainly in the short run, if
de concorrência, dirigido pela mão invisível dos mer- not in the long run. Particular strategies imply particu-
cados, tende a corroer todo lucro acima da média por lar investment decisions, organizational structures, and
meio de mecanismos de fluxo livre de capitais à pro- possibly particular organizational cultures. Put it
cura da máxima lucratividade. differently, the concept implies that certain factors of
production are semi permanently tied
to the firm by recontracting costs and,
O processo competitivo é caracterizado por perhaps, market imperfections (...)”
(Teece, 1984, p. 88).
um processo interativo de descoberta, no Uma parte importante da estraté-
gia empresarial focaliza-se justamen-
qual novos conhecimentos são produzidos. te no longo prazo, em que as caracte-
rísticas dinâmicas, as inter-relações
Além disso, falta à microeconomia ortodoxa uma entre as decisões, a mudança e a incerteza devem ser
teoria da firma como fenômeno coletivo. A firma não tratadas como fenômenos essenciais, e não como im-
é tratada como uma instituição, mas como um ator perfeições capazes de ameaçar a elegância matemáti-
individual, sem nenhuma autonomia de decisão que ca dos modelos econométricos. Assim, a própria no-
responda racionalmente (e passivamente) às mudan- ção de estratégia é estranha aos preceitos da econo-
ças no ambiente (reduzido, na concepção clássica, aos mia neoclássica, em que as decisões das firmas se con-
mecanismos de preços e quantidades). centram na alocação de recursos fungíveis entre al-
Assim, a firma “(...) se présente comme un agent ternativas finitas e conhecidas. A tecnologia e o know-
sans épaisseur ni dimension, une ‘firme point’; et how são dados, e sua difusão faz-se de uma maneira
comme un agent passif, la ‘firme automate’ (...)” perfeitamente fluida. Nesse sentido, as idéias de es-
(Coriat e Weinstein, 1995, p. 14). tratégia, antecipação e planejamento são desnecessá-
A firma é, então, dotada do mesmo estatuto teóri- rias e, até mesmo, disfuncionais.
co do consumidor individual, que apenas aplica me-
canicamente as regras do cálculo econômico e é re- A QUESTÃO DA VANTAGEM COMPETITIVA
presentado em termos de uma função de transforma-
ção de insumos em produtos. Teece assim resumiu A partir dos anos 70, diversas correntes do pensa-
esses limites da firma: “(...) With little exaggeration, mento econômico abordaram a questão da vantagem
we can assert that, until very recently, economics competitiva utilizando abordagens conceituais dife-
lacked a theory of the firm. (...) one finds a theory of rentes. Algumas das correntes contemporâneas não co-
production masquerading as a theory of the firm. locam verdadeiramente a questão das estratégias em-
Firms are typically represented as production presariais no centro de suas preocupações. É o caso,
functions, or, in some formulations, production sets. como vimos anteriormente, da economia neoclássica,
The (neoclassic) firm is a ‘black box’ which das abordagens contratuais da firma (da economia de
transforms the factors of production into usually just custos de transação e da teoria da agência).
one output” (Teece, 1984, p. 90). As teorias de Estratégia Empresarial que tratam
A teoria econômica neoclássica é baseada em pre- da questão da vantagem competitiva podem ser divi-
missas de equilíbrio, certeza e racionalidade perfeita didas em dois eixos principais. O primeiro eixo clas-
que resultam em um tipo de análise estática do proces- sifica os estudos segundo sua concepção da origem
so de tomada de decisão, focalizando a maximização da vantagem competitiva. Dois casos são, assim, iden-
da função objetivo (utilidade) em um momento espe- tificados: a) as teorias que consideram a vantagem
cífico, dados os processos tecnológicos e o preço dos competitiva como um atributo de posicionamento, ex-
fatores e dos produtos. Os limites práticos à conversão terior à organização, derivado da estrutura da indús-
de recursos, a especificidade de ativos, as particulari- tria, da dinâmica da concorrência e do mercado e b)
dades tecnológicas e o conceito de interação organiza- as que consideram a performance superior como um
cional não têm nenhum espaço nesse modelo. Esses fenômeno decorrente primariamente de característi-
problemas representam, segundo Teece, um dos maio- cas internas da organização.

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A segunda dimensão discrimina as abordagens se- zada pelo número e pelo tamanho relativo de concor-
gundo suas premissas sobre a concorrência. Uma di- rentes, compradores e vendedores, pelo grau de dife-
visão se faz entre os pesquisadores que possuem uma renciação dos produtos, pela existência de barreiras de
visão estrutural, essencialmente estática, da concor- entrada de novas firmas, pelo grau de integração verti-
rência, fundada na noção de equilíbrio econômico, e cal existente, etc. Em resumo, o modelo SCP supõe que
os que enfocam os aspectos dinâmicos e mutáveis da a performance econômica das firmas é o resultado dire-
concorrência, acentuando fenômenos como inovação, to de seu comportamento concorrencial em termos de
descontinuidade e desequilíbrio. fixação de preços e custos e que esse comportamento
As teorias de Estratégia Empresarial podem ser re- depende da estrutura da indústria na qual as firmas es-
presentadas seguindo essas duas dimensões, como tão inseridas.
mostra a Figura 1. Devemos notar que os trabalhos de Mason e Bain
visavam a explicar e analisar a lucratividade dos oli-
A ESTRUTURA DA INDÚSTRIA: DEFININDO gopólios com o objetivo de implantar políticas de pro-
O CENÁRIO DA CONCORRÊNCIA moção da concorrência (anti-trust). Para esses dois
pesquisadores, o poder dos monopólios e dos oligo-
Um dos modelos conceituais mais difundidos para a pólios representavam uma ameaça à sociedade e ao
análise da vantagem competitiva é o modelo da nova seu equilíbrio econômico. Trabalhos neo-estruturalis-
organização industrial (new industrial organization). tas, como os desenvolvidos por Michael Porter, utili-
Esse conjunto de idéias apóia-se nos trabalhos pionei- zaram o modelo básico de Mason e Bain para a for-
ros de Edward Mason e Joe Bain sobre a estrutura da mulação de estratégias de empresas utilizando o po-
indústria, um modelo que ficou conhecido como análise der dos monopólios em favor das empresas, e não
SCP (Structure–Conduct–Performance) ou Estrutura– numa perspectiva de regulamentação governamental,
Comportamento–Performance. De acordo com essa ten- como fizeram anteriormente Mason e Bain. O papel
dência, a performance das firmas em uma indústria par- determinante da estrutura industrial é um tema recor-
ticular depende do comportamento (estratégia) de com- rente entre os pesquisadores dessa corrente. Influen-
pradores e vendedores no tocante a fixação de preços, ciados pela noção simplificada de firma “pontual”
níveis de cooperação tácita e competição, políticas de inspirada nos modelos neoclássicos, os pesquisado-
pesquisa e desenvolvimento, publicidade, investimen- res da economia industrial tendem a ignorar os as-
to, etc. O comportamento das firmas é, por sua vez, de- pectos organizacionais da estratégia empresarial. Se-
finido pela estrutura da indústria em questão, caracteri- gundo Bain: “(...) I am concerned with the

Figura 1 – As correntes explicativas da vantagem competitiva

1 – Análise estrutural da indústria 3 – Processos de mercado


A vantagem competitiva explica-se
por fatores externos (mercados, Organização industrial: Modelo SCP Escola Austríaca
estrutura das indústrias). Análise de Posicionamento (Hayek, Schumpeter)
(Porter)

2 – Recursos e competências 4 – Capacidades dinâmicas


A vantagem competitiva explica-se
por fatores internos específicos à
Teoria dos Recursos Teoria das Capacidades Dinâmicas
firma.

Estrutura da indústria Processos de mercado


(market process)
Estática: equilíbrio e estrutura Dinâmica: mudança e incerteza

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environmental setting within enterprises operate and representam os ativos acumulados pela empresa no
in how they behave in these settings as producers, decorrer do tempo, geralmente derivados de sua re-
sellers and buyers. By contrast, I do not take an lação com o ambiente externo imediato (ambiente
internal approach, more appropriate to the field of transacional). A estratégia, nesse modelo, consiste
management science, such as could inquire how em posicionar a empresa dentro do seu ambiente e,
enterprises do and should behave in ordering their especialmente, da sua indústria. O papel reservado
internal operations and would attempt to instruct them à estratégia, nesse sentido, é proteger a firma da ação
accordingly (...) my primary unit of analysis is the das forças competitivas. Segundo Porter: “(...) The
industry of competing group of firms, rather than the goal of competitive strategy for a business unit in
individual firm or the economy wide aggregate of an industry is to find a position in the industry where
enterprises (...)” (Bain, 1959, p. VII-VIII, citado por the company can best defend itself against these
Foss, 1996). competitive forces or can influence them in its fa-
A análise inicial de Porter sobre a vantagem com- vor (...)” (Porter, 1980, p. 4).
petitiva acentua alguns elementos característicos da A principal maneira de chegar a essa posição pro-
nova organização industrial. Em primeiro lugar, Porter tegida é construir barreiras à entrada de outras firmas
compartilha com o modelo de Mason e Bain a mesma na indústria em questão para impedir a erosão das mar-
unidade de análise, a indústria, e não a firma indivi- gens de lucratividade, o que implica, em geral, esta-
dual: “The basic unit of analysis in a theory of strategy belecer mecanismos de acordo tácito entre os atores
must ultimately be a strategically distinct business or econômicos na indústria. Dessa maneira, as indústri-
industry” (Porter, 1991, p. 99). as consideradas mais atraentes pelos pesquisadores
Em segundo lugar, a lógica dos modelos de orga- da economia industrial são as situações que se apro-
nização industrial é muito clara sobre as origens e o ximam dos monopólios e oligopólios.
sentido de causalidade do modelo, começando pela A noção de estratégia é, assim, fortemente orien-
estrutura da indústria que determina o comporta- tada em direção à noção de adaptação (fit). Em pri-
mento dos agentes econômicos, que determina a meiro lugar, há a noção de adaptação externa implíci-
performance das firmas. Ainda que outros elementos ta na lógica do posicionamento da firma na indústria.
sejam ocasionalmente considerados, o posicionamento É a partir da análise objetiva de seu ambiente que a
da firma dentro da estrutura industrial é, segundo firma será capaz de identificar a posição mais favorá-
Porter, o principal determinante de seu sucesso ou fra- vel. A escolha da estratégia correta permitirá à firma
casso no cenário competitivo. adaptar-se à estrutura da indústria. Em segundo lu-
“(...) At the broadest level, firm success is a gar, a estratégia deve ser internamente coerente, adap-
function of two areas: the attractiveness of the industry tando os elementos internos da firma à sua posição
in which the firm competes and its relative position na indústria. As atividades da firma devem, dessa
in that industry. Firm profitability can be decomposed maneira, ser configuradas de maneira coerente, cada
into an industry effect and a positioning effect. Some uma dando suporte e complementando a outra. É essa
firm successes come almost wholly from the industry sinergia e coerência interna que tornam possível a
in which they compete; most of their rivals are execução de uma estratégia bem-sucedida (Porter,
successful too! (...)” (Porter, 1991, p. 100). 1991, 1996).
No seu segundo livro, Porter inclui um elo adici- Outras abordagens derivadas das idéias da orga-
onal na explicação do sucesso competitivo, explo- nização industrial surgiram recentemente na litera-
rando os conceitos de atividades e fatores determi- tura sobre estratégia. A primeira dessas abordagens
nantes. As atividades ali analisadas constituem as estrutura-se em torno da idéia de concorrência
“unidades básicas de análise de uma firma”, e sua engajada (commited competition), identificando a
configuração particular determina a estratégia da vantagem competitiva sustentável em função de de-
empresa. A vantagem competitiva é, assim, o resul- cisões de investimento irreversíveis que sinalizam
tado da capacidade da firma de realizar eficiente- o fechamento de oportunidades de mercado ou de
mente o conjunto de atividades necessárias para ob- acesso a recursos, condicionando a tomada de ou-
ter um custo mais baixo que o dos concorrentes ou tras decisões. Os engajamentos estratégicos sinali-
de organizar essas atividades de uma forma única, zam aos concorrentes a disposição da firma em lu-
capaz de gerar um valor diferenciado para os com- tar por um certo mercado, ainda que baixando radi-
pradores. Segundo Porter, apenas dois fatores deter- calmente sua rentabilidade, funcionando como fa-
minam a vantagem competitiva: as condições inici- tores dissuasivos de novos entrantes potenciais
ais e a escolha dos dirigentes. As condições iniciais (Ghemawat, 1986, 1991).

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Uma segunda contribuição deriva da teoria dos jo- RECURSOS E COMPETÊNCIAS:


gos aplicada à modelização do comportamento das fir- DESCOBRINDO AS ESPECIFICIDADES
mas a partir das variáveis estruturais da indústria, ten- DAS ORGANIZAÇÕES
tando dar uma dimensão mais dinâmica à estratégia
(Shapiro, 1989). A correspondência dos modelos ao O conjunto de idéias que se convencionou chamar
comportamento real das empresas depende, no entan- de teoria dos recursos aparece durante os anos 80
to, das premissas utilizadas para a construção da es- como uma alternativa à posição dominante da organi-
trutura do jogo. As idéias da organização industrial zação industrial.
têm uma influência decisiva nesse sentido. As estru- A proposição central dessa corrente é que a fon-
turas do modelo devem traduzir um conjunto de pre- te da vantagem competitiva se encontra primaria-
missas compartilhadas pelos atores, de forma que se mente nos recursos e nas competências desenvol-
possa estruturar um “jogo” entre eles. Por essa razão, vidos e controlados pelas empresas e apenas se-
a teoria dos jogos foi mais bem-sucedida em explicar cundariamente na estrutura das indústrias nas quais
o comportamento de indústrias maduras e estáveis, elas se posicionam.
nas quais as estratégias dos
atores são simétricas e não
existem descontinuidades fre- O enfoque privilegiado nos processos organizacionais
qüentes na relação de forças
entre os competidores. permite a criação de uma teoria estratégica mais
Porter articulou o primeiro
e provavelmente o mais influ- flexível do que as visões economicistas.
ente “paradigma” no campo da
Estratégia Empresarial, o que
explica a importante difusão de suas idéias nos últi- As firmas são, assim, consideradas como “feixes
mos 25 anos. Porter oferece a promessa de uma ex- de recursos” (Wernerfelt, 1984) ou como conjuntos
plicação fundada sobre uma estrutura teórica consis- de competências e capacidades (Prahalad e Hamel,
tente e empiricamente verificável, capaz de prever o 1990). Esses recursos e capacidades são vistos como
comportamento das empresas em muitos casos reais. elementos raros, de imitação e substituição difícil e
Alguns aspectos críticos, no entanto, fazem-se notar. custosa no quadro de uma organização particular
Em primeiro lugar, os processos intra-organizacionais (Barney, 1991, 1997). A idéia de recursos inclui não
têm um papel secundário nos trabalhos da escola de apenas recursos físicos e financeiros mas também re-
organização industrial. Sendo a indústria a unidade cursos intangíveis (Hall, 1992) ou invisíveis (Itami
de análise, a firma é vista apenas como um conjunto e Roehl, 1987).
de atividades organizadas. As diferenças entre as fir- A origem recente da teoria dos recursos é nor-
mas são reduzidas a diferenças de tamanho e posicio- malmente associada ao trabalho de Wernerfelt
namento, sem maiores considerações sobre o que (1984). No entanto, diversas contribuições teóricas
acontece no interior das fronteiras organizacionais. mais antigas abriram caminho para a constituição
Fortes premissas de racionalidade econômica também da teoria dos recursos. Entre essas contribuições,
estão embutidas nessa corrente de comportamento das encontramos a obra de Philip Selznick, que, a par-
firmas. As teorias da economia industrial adotam um tir dos seus estudos sobre a TVA e os partidos
modelo de racionalidade próximo ao da economia bolchevistas, foi um dos primeiros a caracterizar
neoclássica. Os dirigentes são capazes de analisar as organizações como entidades que constroem
completa e objetivamente todos os aspectos relevan- recursos específicos por meio do processo de insti-
tes da indústria e formular estratégias otimizadas para tucionalização, um processo no qual a organização
eles. A estratégia é, nessa perspectiva, uma escolha passa de um instrumento à materialização de um
de otimização entre tipos gerais de combinações en- conjunto específico de valores. Selznick mostra que
tre produtos e mercados (liderança de custos, dife- as organizações, por meio das escolhas estratégi-
renciação e focalização). cas que fazem, adquirem um caráter individual:
O caráter exógeno e determinante das forças ex- “(...) The formation of an institution is marked by
ternas em relação à dinâmica interna da firma trans- the making of value commitments, that is, choices
forma a estratégia em um esforço contínuo de adap- which fix the assumptions of policymakers as to the
tação ex post, uma série de conformações sucessivas nature of the enterprise – its distinctive aims,
a forças externas incontroláveis. m e t h o d s , a n d r o l e i n t h e c o m m u n i t y. T h e s e

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character defining choices are not made verbally; descoberta de muitos temas centrais da teoria dos
they may not even be made consciously. When such r e cursos, como a especificidade das firmas, a
commitments are made, the values in question are heterogeneidade dos recursos, a importância do co-
actually built into the social structure (...)” nhecimento sobre eles e seus possíveis usos.
(Selznick, 1957, p. 55-56). Um outro grupo de precursores da teoria dos re-
Os trabalhos da economista Edith Penrose tam- cursos é composto pelos proponentes da escola de
bém exerceram uma influência decisiva na forma- design estratégico (Andrews, 1980). O modelo de aná-
ção da teoria dos recursos. Essa pesquisadora foi uma lise SWOT (forças e fraquezas, oportunidades e ame-
das primeiras a conceber a firma como um “feixe de aças) supõe alguns dos conceitos básicos da teoria dos
recursos”, antecipando, dessa forma, um dos concei- recursos na medida em que a análise de forças e fra-
tos básicos da teoria dos recursos. Penrose concen- quezas se baseia em uma análise interna (focada em
trou-se sobre a questão do crescimento das empre- recursos e competências distintivas) e a análise de
sas, adotando uma perspectiva que se diferenciava oportunidades e ameaças se baseia em uma análise
daquela defendida pelos economistas neoclássicos. externa (focada nas condições de concorrência e de-
Para ela, a firma se definia como uma entidade ad- manda). Em geral, as forças e fraquezas de uma orga-
ministrativa e um conjunto de recursos, e não como nização são resultado: a) das forças e fraquezas dos
uma função abstrata de transformação de insumos indivíduos que compõem a organização; b) da forma
em produtos. como essas capacidades individuais são integradas no
A idéia de recursos no lugar do conceito clássico trabalho coletivo e c) da qualidade da coordenação
de fatores de produção representa uma significativa dos esforços de equipe (Andrews, 1980). Essa análi-
mudança: “(...) Une entreprise est donc quelque chose se aproxima-se bastante da visão proposta pela teoria
de plus qu’une unité administrative; elle est également dos recursos, isto é, que a competitividade de uma
un ensemble de facteurs de production, dont organização se fundamenta essencialmente em sua
l’utilisation pour différents usages et dans le cours capacidade de selecionar e combinar recursos adequa-
du temps est déterminée par une décision dos e mutuamente complementares.
administrative. Si nous considérons la fonction de A teoria dos recursos, em sua forma atual, funda-
l’entreprise privée sous cet angle, le meilleur moyen menta-se em duas generalizações empíricas e dois pos-
d’évaluer les dimensions d’une entreprise est de tulados (Foss, 1997).
trouver une mesure des facteurs de production qu’elle As generalizações empíricas são:
utilize (...)” (Penrose, 1959/1963, p. 31). a) Há diferenças sistemáticas entre as firmas no to-
Os processos de expansão das firmas são, dessa cante à forma com que elas controlam os recursos
maneira, caracterizados tanto pelas oportunidades ex- necessários à implementação de suas estratégias.
ternas como pelas internas derivadas do conjunto de b) Essas diferenças são relativamente estáveis.
recursos da firma. A ênfase de Penrose recai sobre os Os postulados são:
limites e as possibilidades que os recursos internos a) As diferenças nas dotações de recursos causam di-
colocam à expansão das firmas. ferenças de performance.
Esse reconhecimento da heterogeneidade impli- b) As firmas procuram constantemente melhorar sua
ca a valorização do processo de aprendizagem inter- performance econômica.
na da organização: “(...) d’apprendre à mieux A primeira constatação empírica, sobre as dife-
connaître les facteurs de production avec lesquels renças sistemáticas das dotações de recursos, entra
ils travaillent, et qu’une meilleure connaissance a em conflito com a teoria econômica tradicional, que
des chances d’augmenter la rentabilité et la vê as diferenças entre firmas como, na melhor das
productivité de leur entreprises (...) (en orientant) la hipóteses, o resultado de diferenças particulares de-
recherche soit sur les caractéristiques propres de ce vidas ao acaso (Nelson, 1991). Além do mais, na
f a c t e u r, s o i t s u r l e s f a ç o n s d e c o m b i n e r s e s maior parte das visões ortodoxas da firma, as dife-
caractéristiques avec celles d’autres facteurs de renças são apenas diferenças de escala, sem a consi-
production (...)” (Penrose, 1959/1963, p. 75). deração efetiva das diferenças qualitativas. A esta-
Dessa forma, é a procura constante da utilização bilidade das diferenças contradiz também o postula-
plena dos recursos que impede o equilíbrio das fir- do do equilíbrio geral do sistema econômico, que
mas e dos mercados. Mesmo se as condições da in- pressupõe que os mecanismos de mercado e da con-
dústria e da concorrência forem estáveis, cada firma, corrência tendem a anular todas as diferenças no
tentando otimizar o uso do seu “feixe de recursos”, decorrer do tempo. A idéia de que as diferenças qua-
se afastaria do equilíbrio. Penrose, assim, antecipa a litativas das firmas possam ser atribuídas a recursos

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específicos representa também uma ruptura com as Para que as rendas ricardianas não sejam erodidas,
teorias focalizadas na estrutura da indústria (Mason, é necessário que elas sejam protegidas da ação dos
Bain, Porter), que atribuem a diferença entre as fir- concorrentes, evitando que estes tenham acesso aos
mas a fatores externos, como seu posicionamento mesmos recursos ou a recursos que produzam um re-
dentro da indústria. Duas conseqüências importan- sultado equivalente. Em resumo, é necessário que as
tes derivam desse postulado: primeiramente, para condições de heterogeneidade sejam preservadas. Dois
justificar as diferenças de performance, os recursos mecanismos que previnem a erosão das rendas são ana-
devem ser capazes de gerar produtos ou serviços co- lisados: a imitabilidade imperfeita e a substituibilidade
mercializáveis (Collis, 1996). Não é o bastante que imperfeita (Peteraf, 1993). A imitabilidade imperfeita
as firmas tenham recursos distintos. O que diferen- (imperfect imitability) dos recursos explica a dificul-
cia os recursos, na realidade, é sua capacidade de dade das firmas em identificar e reproduzir os recur-
gerar valor para os clientes
(Hamel, 1995) ou a sua ca-
pacidade de permitir a im-
plantação de estratégias di-
A convergência entre estratégia e teoria abre
ferenciadas (Barney, 1997). espaços para que as disciplinas possam se
Esse raciocínio leva a
uma mudança fundamental enriquecer mutuamente, mas, por outro lado,
da visão sobre a natureza da
concorrência, que, em lugar torna o trabalho de pesquisa mais e mais
de ser uma concorrência en-
tre produtos, passa a ser uma complexo, dado o aumento das variáveis
concorrência entre recursos
e competências (Sanchez e que devem ser levadas em consideração.
Heene, 1996; Hamel, 1994).
Partindo desses postula-
dos de base, os trabalhos da teoria dos recursos ex- sos mais importantes dos seus concorrentes. A
ploram alguns temas comuns. substituibilidade imperfeita diz respeito à dificuldade
A vantagem competitiva pressupõe que as dota- de substituir os recursos utilizados pelos concorrentes
ções de recursos das firmas sejam heterogêneas. Por por outros que poderiam ter os mesmos resultados com
causa dessa heterogeneidade de recursos, as firmas um rendimento econômico igual ou superior. Esses dois
apresentam diferenças de performance econômica, mecanismos juntos funcionam como um sistema de iso-
algumas apresentando baixa lucratividade e outras lamento das forças da concorrência e garantem a
apresentando lucratividade excepcionalmente alta em heterogeneidade dos recursos e das rendas a eles asso-
relação à média do mercado. ciados (Rumelt, 1984).
O controle por algumas firmas de recursos capa- Entre os fatores que tornam difícil a imitação dos
zes de gerar uma performance superior pressupõe que concorrentes, encontram-se os fatores naturais (geo-
a oferta desses recursos seja limitada. A raridade des- grafia, raridade de materiais), os mecanismos legais
ses recursos provém seja de razões estruturais (limi- e institucionais (marcas, patentes, reservas de merca-
tes físicos, naturais, legais ou temporais), seja de ra- do, direitos de propriedade), além de fatores econô-
zões ligadas ao comportamento das firmas (a sua ca- micos e organizacionais. Esses fatores contemplam a
pacidade de desenvolver recursos únicos, de difícil natureza tácita dos recursos (Reed e Defillippi, 1990),
imitação, a partir de insumos indiferenciados dispo- as condições históricas únicas do desenvolvimento dos
níveis no mercado). A restrição à oferta pode ser per- recursos e das competências (Barney, 1997; Arthur,
manente ou temporária. O que atrai a atenção dos 1989), a ambigüidade causal e a complexidade dos
pesquisadores da teoria dos recursos são os recursos recursos (Reed e Defillippi, 1990; Barney, 1997), as
cuja oferta não pode ser aumentada a curto prazo. A “deseconomias de tempo” (time compression
inelasticidade da oferta desses recursos permite a ob- diseconomies), as vantagens das massas de ativos e
tenção de lucros acima da média do mercado (ren- seu grau de erosão (Dierickx e Cool, 1989) e a dispo-
das ricardianas) enquanto durar a relativa raridade nibilidade de substitutos para esses recursos.
dos recursos e não existirem outras combinações de O Quadro 1 apresenta algumas referências aos me-
recursos capazes de produzir os mesmos bens ou bens canismos de isolamento de recursos encontradas na
substitutos. literatura.

RAE • v. 40 • n. 4 • Out./Dez. 2000 27

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