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André, jovem inteligente e bem parecido, nutria um profundo afeto por Bárbara.
Um afeto tão intenso levou André a esperá-la todos os dias à porta da universidade,
aparecendo várias vezes de surpresa em casa de Bárbara e de seus pais. Convencido de
que as incessantes rejeições constituíam apenas um teste ao seu amor, André não refreou
as investidas. Tudo isto apesar de ter sido acusado pela prática de um crime de
perseguição (artigo 154.º-A do CP), no contexto do inquérito com o NUIPC
0022345/2022.1LSB, que correra termos no Departamento de Investigação e Ação Penal
de Lisboa.
A 2 de janeiro de 2023, aproveitando-se da circunstância de Bárbara ter ido ao
cinema com um grupo de amigas e sabendo que nessas ocasiões costumava regressar a
casa de TVDE, André fez-se passar pelo condutor designado para aquele transporte.
Distraída com a conversa e despedidas, Bárbara não se apercebeu que o motorista era,
na verdade, André¸ entrando livre e espontaneamente no veículo. Catarina, amiga de
Bárbara, só reconheceu André quando o carro arrancou, não tendo conseguido avisá-la
a tempo.
Ao longo de mais de 5 horas, André percorreu os locais mais românticos da cidade
de Lisboa, ao som de “Perfect”, de Ed Sheeran, impedindo Bárbara de sair do automóvel,
apesar das reiteradas súplicas. Acabou, por fim, por deixá-la sair do carro, às 05h30, no
Terreiro do Paço.
Na sequência da denúncia de Bárbara, o MP abriu inquérito pela prática de um
crime de sequestro (artigo 158.º, n.º 1, do CP).
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3. O MP acusou André da prática de um crime de sequestro (artigo 158.º, n.º 1, do CP).
Suponha que, em julgamento, Bárbara declara que estava grávida de 3 meses à data
dos factos, circunstância que André conhecia por lhe ter sido comunicada pela própria.
Poderá André ser condenado pela prática de um crime de sequestro agravado (artigo
158.º, n.º 2, alínea e), do CP? (4,5 valores).
4. Imagine que, aquando da busca ao carro de André, os agentes da PSP, Diana e Elvira,
encontraram uma elevada quantidade de estupefacientes. André referiu que a droga
pertencia a Frederico. O MP ordenou a realização de uma busca à casa de Frederico
(considerando a indiciação de um crime previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1, do DL
n.º 15/93, de 22 de janeiro), iniciada às 03h00 do dia 11 de janeiro de 2023. Pronuncie-
se sobre a validade da segunda busca realizada. (4,5 valores).
5. Admita agora que Diana e Elvira intercetaram o carro conduzido por André às 05h30
da madrugada de 2 de janeiro de 2023. Sob que forma deveria tramitar o processo?
(3,5 valores).
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código
Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário
(LOSJ).
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DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – NOITE/2022-2023
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Mestre João Gouveia de Caires e Licenciada Joana Reis Barata
Exame de coincidências – 26 de janeiro de 2023
Duração: 90 minutos
TÓPICOS DE CORREÇÃO
Questão 1:
A resposta seria negativa, atendendo a que os processos não estariam na mesma fase
processual.
Com o intuito de verificar se poderia haver conexão entre os processos em causa,
importaria comprovar a observância dos requisitos deste mecanismo processual. Em primeiro
lugar, existia uma pluralidade de processos: o processo relativo ao crime de perseguição (artigo
154.º-A do CP) e o processo relativo ao crime de sequestro (artigo 158.º, n.º 1, do CP); em
segundo lugar, não é clara a pluralidade de tribunais competentes (ainda que a falta de tal requisito
não impeça, por si só, a conexão, apenas dispensando a verificação dos artigos 27.º e 28.º, do
CPP): o tribunal competente para os dois processos seria provavelmente o mesmo, visto que
ambos os crimes foram praticados em Lisboa, sendo da competência do tribunal singular para o
seu julgamento em função da medida da pena (não superior a 5 anos) dado não ser aplicável
qualquer critério qualitativo, (artigos 19.º, n.º 3, e 16.º, n.º 2, alínea b), do CPP). Ademais, mesmo
que se entendesse verificada uma situação típica de conexão (claramente seria a prevista no artigo
25.º do CPP, e discutivelmente a prevista no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do CPP – devendo
discutir-se, nesta alínea a amplitude do segmento normativo obrigatório), sempre haveria que
ponderar o limite negativo do artigo 24.º, n.º 2, do CPP.
Nesse sentido, impunha-se verificar se os processos se encontravam na mesma fase. Tanto
quanto resulta da hipótese, no processo relativo ao crime de perseguição o MP já teria proferido
acusação (artigo 283.º do CPP), o que significa que o inquérito se encontrava encerrado.
Diferentemente, no que concerne ao crime de sequestro, estaríamos, na melhor das hipóteses, na
fase de inquérito.
Em consequência, não poderia haver conexão entre estes dois processos por não se
encontrar cumprido o requisito do artigo 24.º, n.º 2, do CPP.
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Questão 2:
A resposta seria positiva, embora apenas se devesse exibir a parte do documento que
contivesse a informação que a testemunha afirma já não se recordar.
Desde logo, importa mencionar que a inquirição de Catarina em sede de inquérito
deveria obedecer ao regime do 138.º do CPP, aplicando-se o conjunto de direitos e deveres
consagrados no artigo 132.º do CPP. Para além disso, nos termos do disposto no artigo 275.º, n.º
1, do CPP, o MP deveria redigir o correspondente auto de inquirição.
Na situação descrita, cumpre analisar se as declarações prestadas por uma testemunha,
em fase anterior ao julgamento, poderão ser trazidas à audiência. A este respeito, cumpre aludir
ao artigo 355.º, n.º 1, do CPP, que determina, grosso modo, que as provas devem ser produzidas
em audiência (identificando-se o princípio da imediação). No entanto, o n.º 2 da mesma
disposição admite algumas exceções ao princípio da imediação, de entre as quais se contam as
previstas no artigo 356.º do CPP. Com efeito, o n.º 3, alínea a), do artigo 356.º do CPP admite a
reprodução ou leitura de declarações de testemunhas anteriormente prestadas perante autoridade
judiciária (artigo 1.º, alínea d), do CPP), na parte necessária ao avivamento da memória do
declarante.
Conforme indica a hipótese, Catarina invoca não se recordar da matrícula do veículo
usado para perpetrar o sequestro. Uma vez que essa informação consta do auto de inquirição,
diremos que o juiz do julgamento poderá reproduzir ou ler o auto de inquirição na parte que alude
à matrícula do carro de André, como forma de avivar a memória de Catarina.
Em suma, o juiz de julgamento poderá confrontar Catarina com o auto de inquirição na
estrita medida do necessário para avivar a sua memória, ao abrigo do disposto no artigo 356.º, n.º
3, alínea a), do CPP.
Seria valorizada a discussão sobre as exceções ao princípio da imediação, entre as quais
se insere a situação do presente caso, bem como a sua evolução histórica e ponderação do direito
ao confronto.
Questão 3
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(artigo 158.º, n.º 1, do CP), sendo valorizada a discussão sobre as diversas soluções perante uma
alteração substancial de factos, não autonomizável, na fase de julgamento.
Questão 4
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Haveria, por fim que, enquadrar o tipo de nulidade em causa: uma nulidade sui generis
decorrente de um método (relativamente) proibido por não haver nem consentimento do visado,
nem se tratar do cumprimento do caso expressamente previsto na lei, correspondendo assim a
uma abusiva intromissão no domicílio (nos termos da segunda parte do artigo 32.º, n.º 8, da CRP).
Não se trataria de uma nulidade dependente de arguição (artigo 120.º, n.º 1, do CPP), dado que a
ausência de mandado o juiz quando o mesmo é obrigatório não constitui uma mera violação de
uma regra sobre a produção de prova. Trata-se, pelo contrário, de norma que impõe um limite
material à descoberta da verdade que se traduz na utilização de um método relativamente proibido
nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP (constituindo, ademais, uma abusiva intromissão no
domicílio, nos termos referidos).
Por fim, dever-se-ia referenciar em que se traduz o regime da nulidade sui generis/prova
proibida: uma proibição de obtenção, de produção e de valoração da prova proibida (para a
incriminação do arguido), sendo apenas permitida a sua valoração para a responsabilização dos
agentes que realizaram tal método proibido (nos termos do artigo 126º, n.º 4, do CPP), devendo
em princípio ser desentranhada dos autos, sendo de conhecimento oficioso e insanável mesmo
para além do trânsito em julgado (constituindo fundamento de recurso extraordinário de revisão
de sentença, nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea e), do CPP). Tal nulidade da busca (prova
primária/principal) contaminaria as eventuais provas secundárias que com aquela estivessem
numa relação de causalidade ou, na terminologia da jurisprudência nacional, em que se estabeleça
um “nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa”, através do chamado efeito-à-distância
devido à teoria, originária na jurisprudência dos EUA, dos frutos da árvore envenenada ou da sua
congénere alemã teoria da nódoa ou da mancha (nos termos do artigo 32.º, n.º 8, da CRP e artigo
122.º, n.º 1, do CPP).
Seria valorizada a discussão sobre se esta busca deveria ser comunicada, em ordem à
validação, ao juiz de instrução nos termos do artigo 174.º, n.º 6, ex vi artigo 177.º, n.º 4, todos do
CPP.
Questão 5
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permanente – aplicar-se-ia o n.º 3 do artigo 256.º do CPP. Efetivamente, quando os agentes
procederam à detenção, o crime estava ainda a ser cometido, isto é, Bárbara encontrava-se ainda
privada da sua liberdade no carro de André. Assim, estávamos perante um caso de flagrante delito
em sentido estrito.
Ao abrigo do disposto no artigo 255.º, n.º 1, alínea a), do CPP, observando-se uma
situação de flagrante delito por crime punível com pena de prisão, os OPC devem proceder à
detenção. Diremos, então, que a finalidade desta detenção será a prevista no artigo 254.º, n.º 1,
alínea a) do CPP.
Importa, por isso, indagar do cumprimento dos requisitos do processo sumário, tal como
consagrados nos artigos 381.º e 387.º do CPP. Em primeiro lugar, e como vimos, exige-se que
tenha havido detenção em flagrante delito. No caso, até por OPC (artigo 381.º, n.º 1, alínea a), do
CPP). Num segundo momento, releva aludir à moldura penal do crime em causa, já que o preceito
veda a tramitação sob a forma sumária a crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo
seja superior a cinco anos de prisão (salvo nas situações em que o MP lance mão da faculdade
prevista no artigo 381.º, n.º 2, do CPP). No nosso cenário, este requisito também está verificado,
uma vez que o sequestro é punido com uma pena até três anos de prisão (artigo 158.º, n.º 1, do
CP). Acresce que a audiência de julgamento poder-se-ia iniciar nos prazos previstos no artigo
387.º, n.º 1 ou 2, do CPP, não havendo motivos para duvidar do cumprimento deste requisito.
Finalmente, impera aludir ao requisito implícito negativo, respeitante à competência do
tribunal. Conforme se analisou supra, o tribunal competente para o julgamento de André seria o
tribunal singular, em consonância com o preceituado no artigo 16.º, n.º 2, alínea b), do CPP.
Tudo visto e considerado, deveria concluir-se que o presente processo tramitará sob a
forma sumária, no tribunal singular (artigos 381.º, n.º 1, alínea a) e 16.º, n.º 2, alínea b) do CPP).
O processo sumário, como forma de processo especial, é prioritário face ao processo comum o
que é comprovado pelo regime das nulidades. Estando preenchidos todos os requisitos legais,
caso o MP não tivesse promovido a forma sumária no caso em apreço, tal constituiria uma
nulidade dependente de arguição nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea a), do CPP. Uma
nulidade dependente de arguição, no prazo do n.º 3 do mesmo preceito, sob pena de sanação.
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DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – TURMA A/2019-2020
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Prof.ª Doutora Teresa Quintela de Brito, Mestres João Gouveia de Caires
e David Silva Ramalho e Licenciados Joana Reis Barata e Frederico Machado Simões
Exame escrito da época de recurso – 29 de julho de 2020
Duração: 90 minutos
Hipótese
Ana e Bernardete, colegas de casa, todas as semanas se dirigiam ao supermercado
para fazer compras para todos os vizinhos do prédio, durante o Estado de Emergência
decorrente da pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. Numa dessas idas ao
supermercado, Ana resolveu colocar dentro da sua mala um creme, no valor de € 45,00,
pensando que estava assegurada a fuga perfeita sem proceder ao pagamento do bem, até
porque teve manha suficiente para retirar o alarme da caixa. Contudo, à saída do
supermercado, Cláudio, segurança, interpelou Ana e pediu-lhe que mostrasse o que ela
tinha dentro da mala. Ana, muito aflita, abriu a mala e, enquanto devolvia o produto,
alegou que tinha ficado sem trabalho e que não tinha meios para comprar aquele creme
que tanto queria...
Diana, que estava nesse momento a entrar no supermercado e viu toda a ocorrência,
não se coibiu de comentar: “Que vergonha... se ainda roubasse comida... agora um
creme!” Bernardete, que tinha um ódio de estimação por Diana, não se ficou e retribuiu:
“Não falas assim da minha amiga! Atiras-te aos maridos das outras, mas estás aqui com
finezas! Sua desavergonhada!” Diana não respondeu, mas jurou vingança. Com efeito,
contactou Edgar, o seu eterno admirador, e pediu-lhe que desse “uns bons tabefes” a
Bernardete. Informou-o, pois, de que Bernardete levava diariamente a passear o seu
pequeno salsicha ao Jardim das Flores, pelas 17h00. Nesse dia, à hora marcada, Edgar
dirigiu-se encapuzado ao jardim e esbofeteou e pontapeou Bernardete, com recurso a
uma soqueira, deixando-a inconsciente. Bernardete, por sua vez, assim que teve alta do
hospital para onde foi levada de urgência, apressou-se a apresentar queixa contra
desconhecidos junto da PSP.
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tal RAI deverá ser rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos
do 287.º, n.º 3, in fine, do CPP.
• Em primeiro lugar, deveria mencionar-se os requisitos do RAI: i) legitimidade
(que assistiria ao arguido nos termos do artigo 287.º, n.º 1, alínea a), do CPP, a
desenvolver infra); ii) prazo (20 dias a contar da notificação da acusação); iii)
representação judiciária; e iv) conteúdo (ainda que por súmula, e sem
formalidades especiais, deveria mencionar-se as razões de discordância de facto
e de direito face à decisão final de inquérito, nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do
CPP).
• Ainda que estivessem assegurados os demais requisitos, deveria desenvolver-se o
requisito relativo à legitimidade do arguido. Tendo este sido acusado, a sua
legitimidade para deduzir RAI estaria dependente de se admitir que o mesmo
poderia deduzir tal requerimento apenas para discutir questões jurídicas ou para
invocar invalidades processuais. Na verdade, no caso concreto não haveria
qualquer questão de facto controvertida. Apenas uma mera qualificação jurídica.
• Assim, a possibilidade de reagir contra o referido despacho de acusação tem sido
objeto de controvérsia na doutrina. Estando em causa uma mera questão de direito,
é questionável se poderá o arguido apresentar RAI nos termos do artigo 287.º, n.º
1, alínea a), do CPP. Neste âmbito deveriam ser discutidas as teses a favor e contra
e respetivos argumentos.
• Note-se que mesmo para quem sustentar que o arguido apenas pode deduzir RAI
por questões de direito que possam ser úteis (i.e., que conduzam a um despacho
de não pronúncia), também neste caso haveria legitimidade dado que seria
alcançado um despacho idêntico (i.e., um despacho que ponha fim ao processo,
evitando-se assim o julgamento), pelo que a contestação não seria o momento
adequado para levantar a questão.
• Caso se pugnasse pela possibilidade de apresentação de RAI, deveria ser discutida
a eventual inadmissibilidade legal do procedimento, nomeadamente a
circunstância de, em virtude da AQJ, o MP deixar de ter poderes para, inexistindo
constituição como assistente, proceder à investigação do referido crime, nos
termos do artigo 50.º do CPP, mais se salientando que deveria ter sido o assistente,
e não o MP, a apresentar acusação particular, nos termos do artigo 285.º do CPP,
e que aquele apenas poderia ter acompanhado a acusação, segundo o artigo 285.º,
n.º 4, do CPP. Importa nomeadamente discutir se a AQJ, de crime semipúblico
para particular, afeta a validade do inquérito e da acusação pública, ou se apenas
produz efeitos para o futuro, questionando se faz sentido uma regressão do
processo à fase anterior ao inquérito e à acusação pública; ou se deve antes o
ofendido ser notificado para, desejando, pôr termo ao processo, através da
desistência da queixa – não da acusação particular, pois esta não foi apresentada
(art. 51.º do CPP).
• Dever-se-ia ainda questionar a possibilidade de a arguida requerer a abertura da
instrução para invocar a invalidade decorrente da ilegitimidade do MP num
processo por crime particular sem que tenha havido a constituição como assistente
e a dedução de acusação particular por este. Seria de discutir se tal ilegitimidade,
que constitui um pressuposto processual, gera até uma nulidade insanável nos
termos do artigo 119.º, alínea b), do CPP. Uma invalidade que não depende de
arguição, mas que pode ser invocada a todo o tempo e constituindo o RAI um
desses momentos adequados.
• Caso se pugnasse pela impossibilidade de apresentação de RAI, deveria o JI
rejeitar o requerimento por inadmissibilidade legal da instrução, devendo o
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processo prosseguir para julgamento. Neste âmbito deverá ser valorizada a
resposta que referir que, avançando para julgamento, é questionável que o juiz
possa logo em sede de saneamento (artigo 311.º do CPP) alterar a qualificação
jurídica, nomeadamente tomando em consideração o Acórdão de fixação de
jurisprudência do STJ n.º 11/2013, sendo de referir o voto de vencido do
conselheiro Manuel Joaquim Braz. Porém, é de notar que a falta de legitimidade
do MP corresponde à falta de um pressuposto processual que é de conhecimento
oficioso e que no saneamento o juiz deverá apreciar. Deste modo, e
independentemente da AQJ quanto à natureza do crime, poderia conhecer da
referida questão, bem como da eventual invalidade processual mencionada supra.
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• A exigência de consentimento do visado, nos termos do artigo 174.º, n.º 5,
alínea b), do CPP, nada tem a ver com a tutela da propriedade, do domínio
ou da titularidade do domicílio, mas sim com a privacidade, a intimidade
e a vida familiar, direitos de personalidade que apenas cabe ao próprio
exercer.
• Por outro lado, o consentimento é necessariamente prévio à realização do
ato, não se confundindo com a mera ratificação de uma atuação já
encetada, razão pela qual o consentimento a posteriori não pode sanar o
vício em causa.
• Deveria identificar-se a nulidade da prova recolhida, nos termos dos
artigos 178.º, n.os 3 e 4. Mas neste caso prevalece a aplicação do regime
mais severo das proibições de prova, nos termos dos artigos 118.º, n.º 3, e
126.º, n.º 3, do CPP, com as respetivas consequências. Um regime que
comporta a proibição de produção e de valoração da prova proibida, sendo
apenas permitida a sua valoração para a responsabilização dos agentes que
utilizaram tal método proibido, nos termos do artigo 126.º, n.º 4, do CPP,
devendo em princípio ser desentranhada dos autos, não podendo ser
repetida, sendo de conhecimento oficioso e insanável mesmo para além do
trânsito em julgado e constituindo ademais fundamento de recurso
extraordinário de revisão de sentença, nos termos do artigo 449.º, n.º 1,
alínea e), do CPP. Tal nulidade sui generis decorrente de prova proibida
comporta ainda o efeito à distância, i.e., a invalidade da prova principal
contaminaria (salvo alguma exceção) as eventuais provas secundárias que
com aquela estivessem numa relação de causalidade ou, na terminologia
da jurisprudência nacional, em que se estabeleça um “nexo de dependência
cronológica, lógica e valorativa”, através do chamado efeito à distância,
devido à teoria, originária na jurisprudência dos EUA, dos frutos da árvore
envenenada ou da sua congénere alemã teoria da nódoa ou da mancha, nos
termos do art. 32.º, n.º 8, da CRP e art. 122.º, n.º 1, do CPP, este último
aplicável às proibições de prova por raciocínio a fortiori.
• Referência à jurisprudência a respeito do tema, nomeadamente ao Ac. do
TC n.º 507/94.
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• O Tribunal decidiu alterar a qualificação jurídica do crime de ofensa à
integridade física simples para ofensa à integridade física grave, não
havendo ASF, uma vez que estes permaneceram imutáveis;
• Assim, o regime da AQJ segue o regime da ANSJ previsto no artigo 358.º,
n.º 3, do CPP. Seria valorizada a discussão acerca do regime da AQJ,
nomeadamente as críticas que são aduzidas à solução consagrada na lei
pelo legislador;
• Deste modo, estava o Tribunal obrigado a comunicar ao arguido a
alteração, dando-lhe prazo, se este o requerer, para preparar a sua defesa
(artigo 358.º, n.os 1 e 3, do CPP). Seria valorizada a discussão quanto à
desnecessidade de comunicação ao arguido da AQJ em certos casos,
nomeadamente quando não se verifica um agravamento da sua situação
processual, o que, de todo o modo, não se verificava no presente caso.
• Quanto à competência, estando em causa um crime de ofensa à integridade
física simples, seria competente o Tribunal Singular (artigo 16.º, n.º 2,
alínea b), do CPP).
• Todavia, com a AQJ efetuada pelo Tribunal, passava a ser competente o
Tribunal Coletivo, nos termos do artigo 14.º, n.º 2, alínea b), do CPP, uma
vez que este crime é punível com pena de prisão até 10 anos.
• Discussão das teses aplicáveis a este caso quanto à competência:
nomeadamente se o Tribunal Singular se deverá declarar incompetente e
remeter o processo para Tribunal Coletivo; ou se será antes competente,
mas não poderá aplicar pena superior àquela que estava prevista para a
qualificação jurídica inicial.
• De todo o modo, conclui-se que o Tribunal Singular estava obrigado a
comunicar a alteração ao arguido (não decorre do enunciado que o tenha
feito), e que não o poderia condenar numa pena de prisão de 6 anos e 6
meses, ao abrigo da segunda tese referida, uma vez que não teria
competência para o efeito, sendo a sentença nula nos termos do artigo
379.º, n.º 1, alínea b), do CPP), podendo o arguido invocar a nulidade em
sede de recurso ordinário e no prazo do mesmo, a saber: 30 dias (379.º, n.º
2, 410.º, n.º 3, e 411.º, n.º 1, do CPP).
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código
Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário
(LOSJ).
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DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – TURMA A (DIA) 2020-2021
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Mestres João Gouveia de Caires e David Silva Ramalho, Licenciados Joana
Reis Barata e Nuno Igreja Matos
22 de julho de 2021 | Duração: 90 minutos
Luiz, célebre poeta surrealista da cidade de Lisboa, encontrava-se, como era seu hábito,
junto ao Café Gelo, na Praça da Figueira, quando viu aproximar-se Mário, um não menos
afamado poeta, ainda que pertencente à escola infrarrealista. Consequência do desprezo que
nutriam pela corrente artística do outro, começaram imediatamente a trocar provocações por
via da declamação recíproca de versos de escárnio. Sentindo-se especialmente visado na sua
honra por uma metáfora onírica de Luiz, Mário desferiu um murro violento na direção de Luiz,
atingindo-o em cheio na têmpora. Numa reação instintiva, Luiz ainda conseguiu pontapear
Mário na barriga antes de começar a sentir os efeitos desorientadores do murro que o havia
atingido e cair no chão.
No dia seguinte, quando Mário se encontrava já na sua casa na cidade de Évora,
começou a sentir uma dor aguda no estômago e a cuspir sangue, tendo imediatamente percebido
que eram ainda sequelas do pontapé de Luiz. Nesse mesmo dia, dirigiu-se à Esquadra de
Investigação Criminal da Polícia de Segurança Pública de Évora e apresentou queixa contra
Luiz.
Duas semanas depois, tendo descoberto, por via de um amigo comum, que Mário
apresentara queixa contra si, Luiz contactou um advogado, a quem deu instruções para dar
entrada no Ministério Público de uma queixa contra Mário.
Na sequência das ocorrências, o Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa
abriu dois processos. Num desses processos (processo n.º 1/T9LX), Mário foi acusado pela
prática de um crime de ofensa à integridade física simples privilegiada (p. e p. pelo artigo 146.º,
alínea a), em conjugação com o disposto no artigo 143.º, ambos do Código Penal), por ter sido
considerado que agira dominado por uma vontade de defesa da honra, que constitui “um
relevante valor social”, de acordo com a acusação. No outro processo (processo n.º 2/T9LX),
Luiz foi acusado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (p. e p. pelo
artigo 143.º do Código Penal).
1. Luiz considera que Mário agiu motivado por um ódio pessoal à sua pessoa e que deveria
ter sido acusado pela prática do mesmo crime imputado no seu processo (isto é, o crime
de ofensa à integridade física simples) — razões pelas quais discorda do teor da acusação
deduzida no processo n.º 1/T9LX.
2. Durante o julgamento do arguido Mário, Luiz afirmou que desde a agressão nunca mais
se sentira a mesma pessoa, descrevendo-se até como um “realista convicto”. O Tribunal
veio a apurar que Luiz sofrera danos cerebrais permanentes. Em face deste quadro,
poderia o Tribunal condenar Mário pela prática de um crime de ofensa à integridade
física grave (p. e p. pelo artigo 144.º, alínea b), do Código de Processo Penal)? E pela
prática de um crime de ofensa à integridade física grave privilegiada (p. e p. pelo artigo
146.º, alínea b), em articulação com o disposto no artigo 144.º, alínea b), ambos do
Código Penal)? (4 valores)
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código Penal
(CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ).
1. Luiz considera que Mário agiu motivado por um ódio pessoal à sua pessoa e que deveria
ter sido acusado pela prática do mesmo crime imputado no seu processo (isto é, o crime
de ofensa à integridade física simples) — razões pelas quais discorda do teor da Acusação
deduzida no processo n.º 1/T9LX.
• A resposta seria positiva, quer por apensação natural, quer por verificação
dos requisitos da conexão previstos legalmente.
• Caso de conexão inscrito no artigo 24.º, n.º 1, alínea e), do Código de
Processo Penal;
• Indicação dos demais requisitos legais positivos e negativos da conexão:
o mesma fase de inquérito, de instrução ou de julgamento (artigo 24.º, n.º
2, do Código de Processo Penal);
o exclusão do limite à conexão do artigo 26.º do Código de Processo
Penal.
• Legitimidade do lesado e do assistente para requerer a conexão de
processos;
• Efeitos da declaração de conexão: competência mantém-se no mesmo
Tribunal singular territorialmente competente (afastamento do disposto
nos artigos 27.º e 28.º do Código de Processo Penal); apensação dos
processos (artigo 29.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
(b) O que poderia Luiz fazer com vista a evitar que Mário fosse julgado pelo crime de
ofensa à integridade física simples privilegiada? (4 valores)
• De acordo com o enunciado, a discordância de Luiz com o crime imputado
baseia-se na convicção de existência de um facto que não consta da acusação
(Mário foi motivado por ódio, e não pela defesa da honra):
o Mário pretende trazer ao processo um facto novo que implicaria
alteração substancial da acusação (resultaria num agravamento da
pena máxima aplicável, cfr. artigo 1.º, alínea f)): não poderia, por isso,
apresentar acusação subordinada (artigo 284.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal);
o Meio adequado é a apresentação de RAI (287.º, n.º 2, alínea b), do
Código de Processo Penal). Requisitos:
▪ Legitimidade: o assistente tem legitimidade em crime
semipúblico quando pretenda introduzir um facto que importa
uma ASF face aos descritos na acusação do MP;
• Questão prévia: teria de requerer a sua constituição
como Assistente - requisitos deste requerimento;
▪ Conteúdo descrito no artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo
Penal (a par com o disposto no artigo 283.º, n.º 2, alíneas b) e c),
do mesmo Código);
▪ Prazo: 20 dias após a notificação da acusação;
▪ Representação judiciária.
2. Durante o julgamento do arguido Mário, Luiz afirmou que desde a agressão nunca mais
se sentira a mesma pessoa, descrevendo-se até como um “realista convicto”. O Tribunal
veio a apurar que Luiz sofrera sequelas cerebrais permanentes. Em face deste quadro,
poderia o Tribunal condenar Mário pela prática de um crime de ofensa à integridade
física grave (p. e p. pelo artigo 144.º, alínea b), do Código de Processo Penal)? E pela
prática de um crime de ofensa à integridade física grave privilegiada (p. e p. pelo artigo
146.º, alínea b), em articulação com o disposto no artigo 144.º, alínea b), ambos do
Código Penal)? (4 valores)
1
melhor das hipóteses, os particulares poderiam ver a sua atuação
justificada pelo poder de detenção (artigo 255.º, n.º 1, alínea b), e n.º
2, do CPP).
• As medidas cautelares e de polícia são válidas, a saber: a receção do
detido, lavrando auto sumário da entrega (artigo 255.º, n.º 2, do CPP),
bem como auto inominado de denúncia (artigos 99.º e 246.º do CPP),
uma vez que não poderia ser de notícia (artigo 243.º do CPP), dado que
os OPC não presenciaram o crime, e todo o demais expediente,
incluindo a comunicação imediata da detenção ao MP (artigo 259.º,
alínea b), do CPP) e os relatórios (artigo 253.º do CPP), bem como a
revista do suspeito (artigo 251.º, n.º 1, alínea a), e 175.º, n.º 5, alínea
c), do CPP) e a apreensão da gazua (artigos 249.º, n.º 2, alínea c), e
178.º, n.º 4, do CPP).
• Era obrigatória a constituição de Belarmino como arguido por parte
dos agentes Felisberta e Gilberto (artigo 58.º, n.º 1, alínea c), do CPP)
e a comunicação imediata dos respetivos direitos e deveres (artigo 58.º,
n.º 2, do CPP).
2
3. Independentemente da resposta anterior e admitindo a partir de agora que o
processo tramitou na forma comum, tendo o magistrado do MP deduzido
acusação contra Belarmino pela prática de um crime, em autoria material, de furto
qualificado, na forma tentada (p. e p. pelos artigos 204.º, n.º 2, alínea a), por
referência ao artigo 202.º, alínea b), e 23.º, n.º 2, todos do CP), a ser julgado em
tribunal coletivo, como atuaria na qualidade de Juiz de Instrução se lhe fosse
presente o requerimento para a abertura de instrução do arguido apenas e só a
requerer a suspensão provisória do processo? (4,5 valores)
3
4. Suponha que, no decurso da audiência de julgamento de Belarmino, Juliano
depõe como testemunha, uma vez que a tudo assistira da janela exatamente em
frente ao local dos acontecimentos e, quando perguntado pelo MP sobre se
reconhecia o suspeito na sala de audiências, afirmara que correspondia à pessoa
sentada no lugar do arguido. A defesa de Belarmino, logo de seguida, requereu
que tal depoimento fosse desconsiderado por se tratar de prova proibida nos
termos do artigo 147.º, n.º 2 e n.º 7 do CPP “ou, no mínimo, nula ou até irregular,
o que desde já se invoca para os devidos efeitos”. O MP entendeu que não havia
qualquer invalidade. Como decidiria tal questão se fosse o Juiz? A sua resposta
mudaria caso Juliano tivesse respondido que reconhecera logo Belarmino, tal
como dissera aos agentes da PSP logo que receberam o detido, por ser o filho da
porteira do seu prédio que viu crescer no bairro? (4,5 valores)
4
violação do regime tipificado por não ser esse o aplicável, pelo que o
depoimento seria valorado como prova testemunhal.
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código
Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário
(LOSJ).
5
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – TURMA NOITE/2022-2023
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Mestres João Gouveia de Caires e Licenciada Joana Reis Barata
Exame escrito da época de recurso – 16 de fevereiro de 2023
Duração: 90 minutos
Hipótese
2. Admita agora que o Ministério Público apurou que foi Jerónimo quem acedeu
aos referidos dados e que o acusou pela prática do crime de acesso ilegítimo (p. e
p. no artigo 6.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime1), mediante a apresentação de queixa
pela Eles. A Eles entende, porém, que Jerónimo deverá ser julgado por um crime
de dano relativo a programas ou outros dados informáticos (p. e p. no artigo 4.º,
n.º 1, da Lei do Cibercrime2), considerando que, tal como consta da acusação, os
dados dos clientes acedidos foram apagados do sistema. Como deverá a Eles
proceder? (4 valores)
A Eles deverá apresentar uma acusação subordinada nos termos do artigo 284.º,
n.º 1, do CPP.
⎯ Indicar a obrigatoriedade de a Eles se constituir como assistente e
respetivos requisitos;
⎯ Explicação do regime da acusação subordinada e para que casos a mesma
deverá ser utilizada: assistente pode também deduzir acusação por (i)
factos acusados pelo MP, (ii) por parte deles, (iii) por outros que não
importem alteração substancial daqueles e (iv) para alterar a qualificação
jurídica dos factos acusados pelo MP;
Artigo 6.º
Acesso ilegítimo
1 - Quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do
direito do sistema ou de parte dele, de qualquer modo aceder a um sistema informático, é punido com
pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
(,,,)
Artigo 4.º
Dano relativo a programas ou outros dados informáticos
1 - Quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do
direito do sistema ou de parte dele, apagar, alterar, destruir, no todo ou em parte, danificar, suprimir ou
tornar não utilizáveis ou não acessíveis programas ou outros dados informáticos alheios ou por qualquer
forma lhes afectar a capacidade de uso, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
(…)
⎯ No presente caso inexistiam factos novos, apenas pretendendo a Eles dar
uma nova qualificação jurídica aos factos em causa, pelo que deveria fazer
uma acusação subordinada (e não requerer a abertura da instrução);
⎯ Valorização da menção ao propósito da abertura de instrução pelo
assistente em caso de acusação – a introdução de factos novos de
provoquem uma alteração substancial de factos. Menção à existência de
uma corrente jurisprudencial, minoritária, que admite a abertura de
instrução nestes casos, designadamente com a justificação de que a palavra
“factos” não pode ser avaliada atomísticamente, desinserida do sistema
processual penal, e em sentido puramente naturalístico, devendo antes ser
interpretada na interligação com uma determinada ressonância jurídico-
criminal, devendo nestes casos ser admissível a abertura da instrução.
⎯ Sustentando-se o recurso à acusação subordinada, caso tenha sido
utilizado o requerimento para a abertura da instrução o mesmo seria
rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução, nem havendo convite
ao assistente a aperfeiçoá-lo ou convolar em acusação subordinada:
o Inadmissibilidade de aplicação analógica do convite ao
aperfeiçoamento do CPC via artigo 4.º do CPP, por se tratar de
analogia in malam partem.
4. Admita que, em sede de julgamento, é descoberto que, para além de terem sido
acedidos os dados pessoais dos clientes em causa, Jerónimo também acedeu aos
dados de cartão para pagamento, o que consubstancia a prática do crime p. e p. no
artigo 6.º, n.º 3, da Lei do Cibercrime. No final do julgamento, o Juiz, depois de
Jerónimo se ter pronunciado sobre as questões em causa, condenou-o (i) pela
prática do crime previsto no artigo 6.º, n.º 3, da Lei do Cibercrime3, aplicando,
contudo, uma pena de apenas 1 ano de prisão (atendendo a que era essa a pena
máxima correspondente ao crime pelo qual Jerónimo vinha inicialmente
acusado); e ainda (ii) pela prática de um crime de sabotagem informática (p. e p.
no artigo 5.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime4) uma vez que, conforme resultava da
Artigo 6.º
Acesso ilegítimo
1 – (…)
2 –Na mesma pena incorre quem ilegitimamente produzir, vender, distribuir ou por qualquer outra forma disseminar
ou introduzir num ou mais sistemas informáticos dispositivos, programas, um conjunto executável de instruções, um
código ou outros dados informáticos destinados a produzir as ações não autorizadas descritas no número anterior.
3 - A pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias se as ações descritas no número anterior se destinarem ao
acesso para obtenção de dados registados, incorporados ou respeitantes a cartão de pagamento ou a qualquer outro
dispositivo, corpóreo ou incorpóreo, que permita o acesso a sistema ou meio de pagamento.
(…)
Artigo 5.º
Sabotagem informática
acusação, o sistema da empresa esteva sem funcionar durante dois dias inteiros
devido à elevada quantidade de dados extraídos em simultâneo. Pronuncie-se
sobre a validade da decisão final (4 valores).
1 - Quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do direito do
sistema ou de parte dele, entravar, impedir, interromper ou perturbar gravemente o funcionamento de um sistema
informático, através da introdução, transmissão, deterioração, danificação, alteração, apagamento, impedimento do
acesso ou supressão de programas ou outros dados informáticos ou de qualquer outra forma de interferência em
sistema informático, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
(…)
⎯ Valorização da menção à doutrina que se debruça sobre a impossibilidade
de alterar livremente a qualificação jurídica dos factos em sede de
julgamento e respetivas consequências.
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código
Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário
(LOSJ).
Coordenação e Regência
Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração
Professor Doutor Rui Soares Pereira e Dr.ª Catarina Abegão Alves
Hipótese
2 – Suponha que foi aberto inquérito pelo Ministério Público (MP). Para além de Bruna, que foi
constituída arguida, estaria o MP obrigado a inquirir Carlos, tal como solicitado por Andreia, por
1
considerar que aquele poderá confirmar, nomeadamente, ter tido um relacionamento amoroso com
Bruna, que entretanto chegou ao fim?
3 – Admita agora que, no final do inquérito, o MP deduziu acusação contra Bruna pela prática de
um crime de ameaça e de um crime de perturbação da vida privada, p. e p., respetivamente, nos
artigos 153.º e 190.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. Andreia pretende chamar a atenção para a
circunstância de os crimes terem sido cometidos à noite. O que poderia/deveria fazer?
4 – Suponha que, aberta a instrução, se conclui que Bruna também acedeu, sem autorização de
Andreia, ao endereço de correio eletrónico desta, o que integra a prática de um crime de acesso
ilegítimo, p. e p. no artigo 6.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime. O que deveria o Juiz de Instrução fazer?
5 - Andreia tem medo de andar sozinha na rua e de frequentar estabelecimentos abertos ao público
por temer ser atacada e tem habitualmente insónias e perturbações do sono por sonhar que está a
ser fisicamente agredida por Bruna. Poderá peticionar que Bruna seja condenada a pagar-lhe uma
indemnização pelos danos sofridos? Esse pedido poderá ser julgado procedente caso o Juiz de
Julgamento decida absolver Bruna dos crimes que lhe foram imputados?
Nota: As respostas ilegíveis, por causa de grafia dificilmente reconhecível, não serão avaliadas.
2
TÓPICOS DE CORREÇÃO
3
Importava distinguir entre os actos de inquérito obrigatórios, que são geradores de nulidade,
nos termos do artigo 120.º/2/d) CPP, dos actos de inquérito facultativos.
No caso em apreço, a inquirição de Carlos pretendida por Andreia seria qualificável
como acto facultativo, pelo que a sua não realização não seria geradora de qualquer
nulidade. Caberia ao MP decidir da realização dessa inquirição (artigos 262.º/1, 263.º/1
e 267.º do CPP).
Eventualmente, Andreia poderia, desde que constituída como assistente no prazo
legalmente previsto e cumprindo as demais exigências inerentes a essa constituição (artigos
68.º/1/a) e 3 e 519.º do CPP), requerer a abertura da instrução (artigo 287.º/1/b) e 2
do CPP): a realização dessa inquirição poderia então ser pedida, sendo o requerimento de
abertura de instrução admissível desde que tivesse em vista a finalidade e o âmbito do artigo
286.º do CPP (cfr. artigo 287.º/3 do CPP). O Juiz de Instrução poderia ou não realizar
a inquirição (por ser também configurável como acto facultativo na fase de instrução –
artigos 286.º/1, 288.º/1 e 290.º/1 do CPP), ficando a inquirição sujeita ao regime dos
actos de instrução não repetidos (artigo 291.º/1 do CPP).
Estava em causa um facto novo (crime cometido à noite), que não é totalmente independente
do objecto do processo, pelo que poderia ser considerado uma alteração de factos.
4
No caso, verificava-se um agravamento do limite máximo das sanções aplicáveis ao crime de
perturbação da vida privada (cfr. artigo 190.º/3 do CP), pelo que estaríamos perante uma
alteração substancial de factos (artigo 1.º/f), 2.ª parte do CPP).
Para poder chamar a atenção para o novo facto, Andreia teria, admitindo que já se teria
constituído como assistente, de requerer a abertura da instrução (287.º/1/b) do CPP), pois
a dedução de acusação subordinada nos termos do artigo 284.º do CPP só seria admissível
caso se verificasse uma alteração não substancial de factos ou uma mera alteração da
qualificação jurídica, o que não era o caso.
Estava em causa também aqui um facto novo (acesso não autorizado ao correio eletrónico de
Andreia), que não é totalmente independente do objecto do processo, pelo que poderia ser
considerado uma alteração de factos.
No caso, essa alteração tinha por efeito a imputação de um crime diverso (artigo 6.º/1 da
Lei do Cibercrime), pelo que estaríamos também perante uma alteração substancial de factos
(artigo 1.º/f), 1.ª parte do CPP).
O regime da alteração substancial de factos na instrução é o previsto no artigo 303.º/3 e 4
do CPP, sendo certo que seria importante referir as diversas possibilidades (facto não
autonomizável, acordo dos sujeitos processuais e facto autonomizável) e as teses em confronto
sobre este regime.
Importava também referir quais as consequências em caso de violação do regime da alteração
substancial de factos na instrução: a questão da validade de um eventual despacho de
5
pronúncia que tomasse em consideração o facto novo e qual o regime de impugnação aplicável
se o Juiz de Instrução tomasse ou não em consideração esse facto (artigos 309.º, 310.º/3 e
399.º do CPP).
Estavam em causa dois crimes de natureza semi-pública (artigos 153.º/2 e 198.º do CP),
pelo que importava, desde logo, discutir a questão da necessidade de dedução do pedido de
indemnização cível no processo-crime ou sobre a possibilidade de dedução desse pedido em
separado (artigo 71.º e 72.º/1/c) do CPP).
Caso o pedido fosse deduzido em separado, como parece que seria admissível, deveria ser
também referido o n.º 2 do artigo 72.º do CPP, em virtude do qual se entende que a prévia
dedução do pedido cível em separado vale como renúncia ao direito de queixa (cfr. artigo
116.º/1 do CP).
Admitindo que Andreia assumiria a qualidade de lesada, poderia então formular pedido
de indemnização cível, tendo os poderes e deveres inerentes à posição processual do lesado e
seguindo a respectiva tramitação nos termos previstos nos artigos 74.º e segs. do CPP.
Por fim, importaria referir que a absolvição penal não constituiria impedimento ao
conhecimento pelo Tribunal do pedido de indemnização cível que Andreia formulasse no
processo-crime (artigo 377.º/1 do CPP): embora a jurisprudência seja mais restritiva no
caso de pedidos de indemnização cível fundados em responsabilidade civil contratual (desde o
6
Assento STJ n.º 7/99, DR, I Série A de 3-08-99), esse entendimento restritivo não seria
aplicável, pois no caso em apreço tratar-se-ia de responsabilidade civil delitual.
7
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – TURMA DIA/2021-2022
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Mestres João Gouveia de Caires e David Silva Ramalho, Licenciada Joana
Reis Barata
Exame escrito de coincidência da época de recurso – 22 de fevereiro de 2022
Duração: 90 minutos
Hipótese
1. Admitindo que o crime imputado a Arnaldo e Bento era somente o do artigo 354.º,
alínea b), do Código Penal (CP), e que o Ministério Público (MP) quis promover o
julgamento de Bento imediatamente, por desconhecer em que altura seria encontrado
Arnaldo, sob que forma de processo deveriam Arnaldo e Bento ser julgados (5
valores)?
1
que assistiu a um crime, de natureza pública (artigo 48.º do CPP) e punível com
pena de prisão.
⎯ Uma das finalidades possíveis da detenção referidas no artigo 254.º, n.º 1, alínea
a), do CPP, é a apresentação do detido a processo sumário e, ao que tudo indica,
era essa a intenção do MP.
⎯ No entanto, não se verifica um dos requisitos do processo sumário: concretamente
a circunstância de o crime ser punível com pena não superior a 5 anos.
⎯ Caso o MP optasse por aplicar o disposto no artigo 381.º, n.º 2, do CPP, nada
impediria que Bento fosse julgado em processo sumário.
⎯ Já quanto a Arnaldo, não se verificando qualquer um dos pressupostos de que
depende o julgamento em processo sumário, deveria o seu julgamento ocorrer sob
a forma de processo comum.
2
Penal, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente tem legitimidade para se
constituir assistente.”
⎯ Esta interpretação fundamentou-se na circunstância de, sendo o crime de
falsificação um crime intencional, no qual é exigido, para o preenchimento do
tipo, que o autor atue “com intenção de causar prejuízo” a outra pessoa ou ao
Estado, não poder afirmar-se que tal incriminação protege apenas interesses de
natureza pública, mas também interesses dos particulares.
⎯ Veio, assim, o STJ afirmar que a palavra “especial”, contida na alínea a) do n.º 2
do artigo 68.º do CPP, “não significa ‘exclusivo’, mas sim ‘particular’, e que um
só tipo legal pode proteger mais do que um bem jurídico, questão a resolver face,
ao mesmo tempo, ao caso concreto e ao recorte do tipo legal interessado”.
⎯ O STJ passa assim a admitir um conceito restritivo alargado de ofendido, mais
próximo do conceito amplo (que, apesar de partilhar da solução daquele acórdão,
não exige a proteção expressa do interesse do particular nos elementos do tipo).
⎯ Desta forma, no caso em apreço, poderia Daniel constituir-se como assistente, ao
abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP, uma vez que o tipo de
falsificação protege também interesses patrimoniais por si titulados, considerando
que foi praticado com intenção de causar prejuízo a esses mesmos interesses.
Seria de discutir a aplicação do conceito amplo de ofendido, que no caso
conduziria a idêntica solução.
⎯ Daniel poderia requerer a sua constituição como assistente até 5 dias antes do
início da audiência de julgamento, nos termos do artigo 68.º, n.º 3, alínea a), do
CPP, devendo, porém, fazê-lo, caso pretendesse deduzir acusação subordinada,
no prazo de 10 dias contados da notificação da acusação (arts. 68.º, n.º 3, alínea
b), e 284.º, n.º 1, do CPP) ou de 20 dias, caso pretendesse requerer a abertura de
instrução (artigos. 68.º, n.º 3, alínea b), e 287.º, n.º 1, alínea b), do CPP, podendo
sempre fazê-lo também no prazo para interposição de recurso da sentença
(artigos. 68.º, n.º 3, alínea d), do CPP), contudo aceitando sempre o processo tal
como se apresentasse no momento em que viesse a requerer a sua constituição
como assistente.
3. Imagine agora que o motivo pelo qual Célia sabia da fuga de Arnaldo e Bento se devia
à circunstância de ter colocado uma escuta ambiental na sua cela. O que deveria fazer
o Defensor de Arnaldo e Bento (4 valores)?
3
que, verificados os demais requisitos legais, incluindo a exigência de despacho
de Juiz de Instrução (JI), fundamentando a imprescindibilidade da medida, a
escuta ambiental seria, por esta razão, admissível. Isto caso tivesse havido tal
prévio despacho fundamentado de JI mediante prévia promoção do MP (titular da
direção do inquérito). Na ausência de tal despacho, e sem o consentimento dos
visados, a escuta ambiental constituiria, desde logo, prova proibida por constituir
uma intromissão abusiva no domicílio, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP
e do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
⎯ Tratava-se, assim, de uma proibição de prova alheia à existência de qualquer vício
anterior na produção da prova, pois a realização de uma escuta numa cela, que
materialmente constitui o domicílio dos reclusos, constitui uma intromissão
abusiva no seu domicílio e na sua vida privada, não consentida jurídico-
constitucionalmente.
⎯ O carácter proibido dos meios de obtenção de prova implica, em princípio, a
proibição de utilização (= valoração) das provas obtidas, já que estas são
igualmente nulas e não podem ser usadas, sendo certo que a violação da proibição
de valoração determina a invalidade do ato e por regra dos termos subsequentes
(artigo 32.º, n.º 8, da CRP e artigos 118.º, n os 3, 122.º e 126.º, n os 1 e 3, do CPP).
E o desrespeito dos pressupostos das apreensões gera também a nulidade e a
inadmissibilidade da prova, sujeitando-se ao regime especial das nulidades extra-
sistemáticas previsto no artigo 126.º, n.º 3, do CPP, que consagra as chamadas
proibições relativas de prova, uma vez que os preceitos que estabelecem aqueles
pressupostos constituem os casos previstos na lei de restrição a direitos
fundamentais de liberdade. Estamos então perante uma proibição de valoração de
prova independente. Portanto, in casu não poderiam ser usadas, nem valoradas,
as provas obtidas direta ou indiretamente a partir da escuta ambiental. Caso fosse
utilizada ou valorada, poderia ser arguida ou conhecida oficiosamente a proibição
de prova obtida com fundamento no carácter proibido dos meios de obtenção de
prova (artigos 118.º, n.º 3, 126.º, n.º 3, 187.º e 190.º do CPP e 32.º, n.º 8, da CRP).
E, ainda que o vício em questão não fosse arguido ou conhecido pelo Tribunal
antes do trânsito em julgado da decisão final, seria possível interpor recurso de
revisão da sentença que se fundasse na valoração de prova proibida (artigo 449.º,
n.º 1, e), do CPP).
4. Independentemente das respostas às questões anteriores, admita agora que Bento fora
acusado pela prática do crime previsto no artigo 354.º, alínea b), do CP, e que decidira
confessar para obter uma pena mais leve. Admita agora que o Tribunal, na sequência
da confissão, condenava o Arguido, não por um, mas por dois crimes, na medida em
que o Arguido promovera a sua evasão, mas também a de Arnaldo. Como poderia
Bento reagir (5 valores)?
⎯ Para poder beneficiar das vantagens previstas no n.º 2 do artigo 344.º, do CPP, a
confissão não poderá abranger crime punível com pena superior a 5 anos, nos
termos da alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo – o que não impede que o Tribunal
a valore favoravelmente na medida da pena.
⎯ Estamos perante um caso de alteração da qualificação jurídica pelo Tribunal em
4
fase de julgamento, que segue o regime do artigo 358.º, n.º 3, do CPP, podendo
ser a decisão do Tribunal nula por violação do artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do
CPP, importando discutir e fundamentar a aplicação desta alínea à violação do
regime legal da alteração da qualificação jurídica (AQJ), e não apenas do regime
legal da alteração de factos (AF), como sugere o texto legal, aliás como tem vindo
a ser sustentado pela doutrina e jurisprudência
⎯ O regime da AQJ segue o regime da alteração não substancial de factos (ANSF)
previsto no artigo 358.º, n.º 3, do CPP. Deste modo, estava o Tribunal obrigado a
comunicar ao arguido a alteração, dando-lhe prazo, se este o requerer, para
preparar a sua defesa (artigo 358.º, n.os 1 e 3, do CPP), devendo até produzir-se a
prova suplementar se requerida pelo Arguido. Seria valorizada a discussão quanto
à desnecessidade de comunicação ao Arguido da AQJ em certos casos,
nomeadamente quando não se verifica um agravamento da sua situação
processual, o que, de todo o modo, não se verificava no presente caso.
⎯ A circunstância de o Arguido ter confessado os factos não invalida que deva
seguir-se o regime do artigo 358.º, n.º 3, do CPP, uma vez que daí não resulta uma
aceitação implícita da nova qualificação, ou seja, que a AQJ tenha resultado da
estratégia de defesa do arguido.
⎯ Deveria discutir-se a solução aplicável ao caso em que o Arguido decide
confessar tendo por base uma concreta qualificação jurídica e, após a confissão,
o Tribunal decide alterar essa mesma qualificação em prejuízo do Arguido.
Concretamente, deveria ponderar-se se seria aplicável ao caso a solução
defendida por alguma doutrina de promover a condenação de acordo com a nova
qualificação, mas tendo por limite a pena aplicável ao abrigo da qualificação
pretérita.
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código Penal
(CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ).
5
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – DIA/2020-2021
Duração: 90 minutos
Hipótese
No dia 5 de junho de 2021, Louise, cidadã francesa, que vivia, em Portugal, há 2 anos em
condições análogas às dos cônjuges com Ricardo, cidadão português, tendo decidido
abandoná-lo e “viver a sua vida”, apodera-se das chaves do automóvel deste e sai de casa
para nunca mais voltar. Uma vez que não tinha quaisquer rendimentos, Louise falsifica a
assinatura de Ricardo e consegue vender o automóvel a um terceiro. Ricardo dirige-se à
PSP e apresenta denúncia contra Louise, afirmando que esta se tinha apropriado do seu
automóvel. O Ministério Público (MP) abre o respetivo inquérito, procede às diligências
relevantes – entre as quais, a inquirição de Louise, que não presta quaisquer declarações
– e deduz acusação contra esta, com o seguinte teor:
“O Ministério Público deduz acusação, para julgamento em processo comum,
perante o tribunal colectivo, contra Louise, nascida em 15.10.1980, portadora do
CC n.º 123456, emitido pelas autoridades competentes da República Francesa,
residente em Quinta do Lagarto, n.º 2, Almancil, porquanto:
1. No dia 5 de junho de 2021, a arguida Louise subtraiu, na residência de
Ricardo, sita em Y, as chaves do veículo automóvel marca Audi, Modelo A8, com
a matrícula XX-00-01, deixando a referida residência ao volante deste veículo.
2. No dia 5 de junho de 2021, a arguida Louise, imitando a assinatura de Ricardo,
que apôs numa declaração de venda de veículo automóvel, modelo AXR10 do
IMTT, vendeu o referido automóvel a Manuel pelo valor de €70.000,00.
3. A arguida Louise agiu conscientemente, bem sabendo que as suas condutas
eram proibidas por lei.
4. A arguida Louise sabia que o veículo automóvel pertencia a Ricardo, mas
ainda assim subtraiu as chaves daquele veículo pretendendo apropriar-se do
mesmo.
5. Ao imitar a assinatura de Ricardo na declaração de venda do veículo Audi, a
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arguida Louise pretendia obter um benefício com a venda do referido veículo,
bem como causar prejuízo a Ricardo com a referida venda.
6. O veículo automóvel em causa tinha o valor de €80.000,00.
7. Com a conduta supra descrita, Louise cometeu um crime de falsificação de
documento p. e p. no art. 256.º, n.º 1, al. c), do CP, e um crime de furto
qualificado, p. e p. nos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. a), e 202.º, al. b), do CP.”
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código
Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema
Judiciário (LOSJ).
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TÓPICOS DE CORRECÇÃO
Questão 1)
1
Para uma síntese sobre a evolução e os vários conceitos de ofendido, com referência também ao
conceito amplo, cf. o Ac. STJ 10/2010, de 17.11.2010 (DR I-A n.º 242, de 16.12.2010).
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exige a proteção expressa do interesse do particular nos elementos do tipo).
Desta forma, no caso em apreço, poderia Ricardo constituir-se como assistente,
ao abrigo da al. a), do n.º 1 do art. 68.º do CPP, uma vez que o tipo de falsificação
protege também interesses patrimoniais por si titulados, uma vez que foi praticado com
intenção de causar prejuízo a esses mesmos interesses. Seria de discutir a aplicação do
conceito amplo de ofendido, que no caso conduziria a idêntica solução.
Ricardo poderia requerer a sua constituição como assistente até 5 dias antes do
início da audiência de julgamento, nos termos do art. 68.º, n.º 3, al. a), devendo, porém,
fazê-lo, caso pretendesse deduzir acusação subordinada, no prazo de 10 dias contados
da notificação da acusação (arts. 68.º, n.º 3, al. b), e 284.º, n.º 1, do CPP) ou de 20 dias,
caso pretendesse requerer a abertura de instrução (arts. 68.º, n.º 3, al. b), e 287.º, n.º 1,
al. b), do CPP.
Questão 2- a)
2
Deve ainda salientar-se que está em vigor a Diretiva 2010/64/UE do PE e do Conselho, de 20.10.2010,
que impõe, no art. 3.º, a tradução dos documentos essenciais para garantir a equidade do processo e o
exercício das garantias de defesa (n.º 1), entre os quais se conta o despacho de acusação (n.º 2).
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Questão 2- b)
Relativamente a este ponto, na falta de disposição que comine a falta esta tradução com
o vício de nulidade, apenas poderemos estar perante o vício de irregularidade (art. 118.º,
n.º 2, do CPP), ou, muito discutivelmente, de inexistência3 ou ainda da nulidade sanável
nos termos do art. 120.º, n.º 3 al. c) do CPP4. Tratando-se de irregularidade, pelos
motivos já expostos quanto à função do ato em causa, sempre se tratará de uma
irregularidade que deve ser conhecida e declarada oficiosamente a todo o tempo, por
afetar o valor do ato em causa (art. 123.º, n.º 2, do CPP). O Juiz poderia, pois, conhecer
e declarar a irregularidade em causa, declarando a invalidade da notificação da acusação
à arguida e de todos os atos subsequentes (art. 123.º, n.º 1 e 2, do CPP). Quais as a
consequências dessa declaração? Poderia o Juiz reparar a irregularidade em causa, da
forma indicada na hipótese? Dir-se-á que não, por dois motivos: i) a declaração de
invalidade tem por consequência a invalidade da remessa dos autos ao tribunal de
julgamento, devendo os mesmos regressar à fase de inquérito, dirigida pelo MP, a quem
compete realizar a notificação da acusação em falta; ii) após a notificação da acusação,
a arguida poderá ainda requerer a abertura da fase de instrução, pelo que não faz sentido
manter-se o processo em fase de julgamento. Desta forma, deveria o Juiz em causa ter
declarado a irregularidade da notificação da acusação e dos atos subsequentes,
determinando o reenvio dos autos ao MP para notificação da acusação devidamente
traduzida.
Questão 3)
3
Posição defendida em Ac. TRE, de 27.06.2007, Proc. n.º 848/07-1, www.dgsi.pt. Algo diferentemente,
mas subtraindo ao regime da nulidade ou da irregularidade por considerar que o direito comunitário
revogou tais preceitos do CPP, cfr. A. TRE, de 20.12.2018, Proc. n.º 5/2017.9GBLGS.E1, www.dgsi.pt.
4
Posição defendida pelo tribunal de 1.ª instância, mas em que o TRL divergiu entendendo tratar-se de
mera irregularidade – cfr. Ac. TRL, de 13.01.2021, Proc. n.º 13/18.6SILSB-F4-3, www.dgsi.pt.
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Não havendo acordo, o Juiz não deveria tomar em conta tais factos novos e, no
caso concreto, não deveria condenar nem por abuso de confiança (dado que não poderia
ter em conta, nos termos do art. 359.º, n.º 1, do CPP, a prova do novo facto: prévia
autorização), nem por furto (dado que haveria a não prova do facto subtracção). Trata-
se, assim, de um caso de alternatividade.
Consequentemente, haveria nulidade da sentença (art. 379.º, n.º 1, al. b), do
CPP), dependente de arguição, sob pena de sanação, em sede de recurso ordinário, e no
respetivo prazo de interposição (tudo nos termos dos arts. 379.º, n.º 1, al. b), 410.º, n.º 3,
e 411.º, n.os 1 e 4, todos do CPP).
Esta possível resposta à pergunta (que será valorizada) é, no entanto, muito
discutida na doutrina, na medida em que afastaria toda e qualquer possibilidade de
punição do infrator. Não se diga que a solução é justa pelo facto de o denunciante ter
distorcido o relato dos acontecimentos que fez à PSP, de modo que acabou pagando o
preço da sua voluntária imprecisão, pois aqui não está em causa satisfazer um interesse
privado na condenação do infrator, mas sim defender o interesse público na descoberta
da verdade e na realização da justiça. Assim sendo, não se pode aceitar uma
interpretação do regime da alteração substancial de factos, no caso dos crimes
alternativos, que comprometa na íntegra a possibilidade da descoberta da verdade e da
realização da justiça. Por isso, há quem defenda que, se a alteração substancial de
factos, na fase de julgamento, implicar a subsunção num tipo legal de crime alternativo,
a mesma não pode ser tomada em conta pelo Juiz para o efeito de condenação no
processo em curso, mas deve ser comunicada ao MP para que proceda pelos novos
factos ou até discutir-se a admissibilidade da condenação alternativa. Esta resposta
também será valorizada, desde que o Aluno demonstre que conhece a discussão
doutrinária sobre este ponto.
Questão 4)
5
Cf. a título de exemplo, o Ac. TRP, de 09.09.2009, Proc. n.º 596/08.9GNPRT.P1, 1.ª Secção,
http://www.trp.pt/incidentescrime/crime_596/08.9gnprt.p1.html.
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No processo abreviado não houve qualquer alteração referente a este aspeto,
resultante da Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto.
Na redação do CPP resultante da Lei n.º 58/98, de 25 de agosto, não se previa no
processo abreviado a aplicação da suspensão provisória do processo, muito embora já se
pudesse defender a aplicação da mesma por recurso às disposições da forma comum do
processo. Nesta redação, era possível ao arguido, após a notificação da acusação,
requerer a realização de debate instrutório (art. 391.º-C). Com a Lei n.º 48/2007, de 29
de agosto, passou a prever-se expressamente a aplicação dos arts. 280.º a 282.º do CPP
na forma de processo abreviado (art. 391.º-B, nº. 4), tendo, no entanto, sido suprimida a
possibilidade de requerer a realização do debate instrutório.
Questiona-se, pois, se não será, também no processo abreviado, aplicável
analogicamente o regime previsto para o processo sumário em sede de suspensão
provisória do processo, permitindo ao arguido que a requeira mesmo após a dedução da
acusação.
Em favor desta solução militam os seguintes argumentos6: i) também no
processo abreviado não é necessária a realização de inquérito, bastando o auto de notícia
ou a realização de inquérito sumário; ii) tanto na forma comum, como na forma de
processo sumário, o arguido pode requerer a suspensão provisória do processo, quer na
fase de inquérito, quer posteriormente à dedução de acusação (no processo comum,
requerendo a instrução, no processo sumaríssimo, opondo-se à aplicação dessa forma do
processo e, posteriormente, requerendo a instrução); iii) após a reforma de 2007, o
instituto da suspensão provisória do processo é, claramente, de aplicação obrigatória,
seguindo critérios de legalidade; logo, tem de assistir ao arguido a possibilidade de
sindicar a não aplicação deste instituto pelo MP, o que, em regra, se fará através da
utilização da fase de instrução; iv) tendo sido suprimida a fase de instrução no processo
abreviado, o arguido terá, ainda assim, de ter a possibilidade de sindicar a não aplicação
da suspensão provisória, o que só poderá ter lugar, na grande maioria dos casos, após a
dedução a acusação em processo abreviado; v)sendo a acusação em processo abreviado
muitas vezes uma simples decorrência da impossibilidade de julgar o caso em processo
sumário, por ultrapassagem do prazo legal previsto no art. 387.ºdo CPP, não se
vislumbra por que motivos pretenderia o legislador conferir, em processo sumário, a
possibilidade ao arguido de requerer a aplicação daquele instituto até ao início da
audiência, retirando-lhe tal possibilidade em processo abreviado; vi) restringir esta
possibilidade de o arguido suscitar o controle da aplicação (ou da não aplicação) do
instituto da suspensão provisória do processo, uma vez que estamos perante um instituto
também regido pelo princípio da legalidade, poderá contrariar o disposto no art. 32.º, n.º
4, da CRP, uma vez que não é permitido ao arguido suscitar o controlo jurisdicional pelo
juiz de instrução sobre a decisão do MP de não aplicação do instituto da suspensão
provisória do processo.
Deveria, pois, permitir-se a Louise requerer a suspensão provisória do processo,
por aplicação do disposto no art. 391.º-B, n.º 4, e, analogicamente, do art. 384.º, n.º 1,
do CPP.
6
Cf., em sentido contrário, o Ac. TRG de 19.01.2009, Proc. 1700/08-2. Deve, porém, atentar-se na
circunstância de este acórdão suscitar questões de aplicação da lei no tempo que poderão ter sido
determinantes da conclusão contrária e que, não se verificando, poderão tornar inaplicável a ratio
decidendi subjacente ao acórdão.
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DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – NOITE
Hipótese
1 – Teria o MP legitimidade para instaurar inquérito contra ALBERTO pelo crime em causa?
Tratando-se de crime público – arts. 140.º, n.º 1, do CP, e ausência de qualquer disposição legal
noutro sentido – o MP possui legitimidade para abrir inquérito oficiosamente, art. 48.º do CPP,
desde que tenha obtido a notícia do crime, arts. 241.º e 260.º do CPP. Neste caso, apesar de ter sido
apresentada uma “queixa”, tratando-se de crime público, esta releva apenas como denúncia, assim
se confirmando a aquisição da notícia do crime e a obrigatoriedade de abertura do inquérito.
1
2 – Poderia CARLOS constituir-se assistente no respetivo processo-crime?
Quando se trate de crime público, podem constitui-se como assistente os ofendidos, sendo estes os
titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, nos termos da
alínea a) do n.º 1 do art. 68.º do CPP. Portanto, tratava-se de saber se C poderia ser considerado
como ofendido no âmbito do crime de aborto. O crime de aborto sem consentimento da mulher
grávida tutela dois bens jurídicos distintos: a vida intrauterina, como interesse difuso, do qual
ninguém pode dispor livremente e que não se reconduz a nenhum titular concreto, sendo antes um
interesse geral e difuso da comunidade; a integridade física e a liberdade de procriação da mulher
grávida, titulado por esta. Uma vez que C não é titular da integridade física e a liberdade de
procriação de B, apenas se poderia considerar como ofendido no que toca ao bem jurídico vida
intrauterina.
De acordo com um conceito mais restrito de ofendido – que apenas inclui os titulares dos
interesses imediatamente protegidos com a incriminação – C não se poderia constituir como
assistente. E, nesta ótica, também não o poderia fazer pela alínea c) do n.º 1 do art. 68.º, já que o
feto não nascido nunca chegou a ser pessoa, nem pode ser considerado ofendido. Também não o
poderia fazer pela alínea d) do n.º 1 do art. 68.º, pois B não é incapaz e o internamento hospitalar
não configura incapacidade para o exercício dos direitos previstos no art. 68.º do CPP.
De acordo com um conceito mais amplo de ofendido – que inclui as pessoas cujos interesses sejam
apenas mediatamente afetados pela incriminação – poderia equacionar-se a constituição como
assistente de C. Nesta ótica, C seria titular de um interesse próprio – a sua liberdade de procriação –
que é também colocado em causa pelo crime e que ainda poderá estar no horizonte da
incriminação.
Tratando-se de arquivamento, a instrução teria como finalidade, neste caso, a comprovação judicial
da decisão do MP de arquivar, e como objetivo, que o crime pudesse vir a ser alvo de julgamento
penal. Na perspetiva dos ofendidos, e uma vez que o arquivamento pôs termo ao processo, a
possibilidade de levar o caso a julgamento apenas poderia exercer-se através da instrução, arts. 286.º
e 287.º, ou da reclamação hierárquica, art. 278.º, todos do CPP.
2
A doutrina discute a possibilidade de requerer abertura da instrução apenas para suscitar questões
de Direito (meras alterações da qualificação jurídica), sendo invocado, contra esta possibilidade, a
alternativa da acusação subordinada, art. 284.º do CPP. Contudo, tendo havido arquivamento, esta
alterativa não existe. Por outro lado, e na ótica do acesso ao Direito, a alternativa da reclamação
hierárquica – tratando-se de mera reclamação administrativa, graciosa – não pode ser considerada
como alternativa paritária ao direito de requerer a abertura da instrução.
Assim, porque a distinção entre dolo eventual e negligência consciente é, no caso, decisiva – já que
o aborto negligente não constitui crime algum – os assistentes não poderiam ver negado o seu
direito à comprovação judicial da decisão do MP em arquivar, devendo ser reconhecido,
independentemente dos fundamentos concretos, o acesso à instrução.
Claro que o requerimento de abertura de instrução (RAI) do assistente, assumindo a função
processual de acusação material, teria que cumprir os requisitos do art. 287.º. n.º 2, por remissão
para o n.º 3 do art. 283.º, ambos do CPP. Assim, não bastaria invocar a polémica distinção entre
dolo eventual e negligência consciente, sendo os assistentes obrigados a uma dedução articulada de
todos os factos dos quais depende a aplicação de pena ou medida de segurança.
4 – Admita agora que, finda a instrução, foi proferido despacho de pronúncia contra
ALBERTO pela prática do crime de aborto, punível nos termos do art. 140.º, n.º 1, do CP.
Poderia ALBERTO recorrer deste despacho?
O despacho de pronúncia é, por regra, recorrível, nos termos do art. 399.º do CPP. O art. 310.º, n.º
1, do CPP, prevê apenas um caso de irrecorribilidade, designado por “dupla conforme”, que se
verifica quando, havendo acusação principal ou subordinada do MP, existe total coincidência entre
os factos da acusação do MP e os factos constantes do despacho de pronúncia. Tendo havido
arquivamento do MP e RAI do assistente, a previsão do n.º 1 do art. 310.º não se encontra
preenchida, prevalecendo a regra geral de recorribilidade.
Em suma, não havendo razões para suspeitar da nulidade do despacho – já que a pronúncia
concorda com os termos do RAI – tratava-se de um despacho de pronúncia válido e recorrível.
5 – Havendo suspeitas de que esta não seria a primeira vez que ALBERTO teria receitado a
medicação polémica a parturientes, poderia o juiz do julgamento aplicar ao arguido a
suspensão de exercício da profissão? Caso aplicasse esta medida de coação, ficaria o juiz
impedido de realizar o julgamento?
Nos termos do disposto no art. 194.º, n.º 1, do CPP, as medidas de coação podem ser aplicadas,
oficiosamente, pelo juiz durante o julgamento. Estando as medidas de coação sujeitas a um
3
princípio da tipicidade, art. 191.º, n.º 1, do CPP, neste caso, a análise incidia sobre a medida prevista
no art. 199.º do CPP: “Suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos”.
Os requisitos especiais encontravam-se verificados: trata-se de crime punível com pena superior a 2
anos de prisão, e a proibição do exercício de profissão poderia ser aplicada nos termos do art. 66.º
do CP. Não tínhamos dados concretos para saber se a medida poderia, efetivamente à luz dos
princípios da necessidade e proporcionalidade, art. 193.º, mas havia um indício de perigo de
continuação da atividade criminosa, o que apontava para o preenchimento da alínea c) do art. 204.º
do CPP.
Nos termos da a) do art. 40.º, o juiz do julgamento apenas fica impedido de o realizar quando tenha
aplicado as medidas de coação previstas nos arts. 200.º a 202.º, todos do CPP. Este impedimento
funda-se no princípio da imparcialidade (também referido por princípio do “juiz virgem”) e explica-
se pela necessidade de, nas medidas em causa, de se fazer uma avaliação dos fortes indícios da
prática do crime. Nestes casos, o juiz terá que – antes da produção de prova em audiência de
julgamento – avaliar os meios de prova recolhidos durante o inquérito e fazer um juízo de prognose
precoce sobre a culpabilidade do arguido, ficando assim prejudicada a devida imparcialidade para
realizar o julgamento.
Uma vez que a medida de coação prevista no art. 199.º do CPP depende apenas de juízos
cautelares, não existem razões para alargar o impedimento a estes casos. Em conclusão, o juiz do
julgamento poderia aplicar esta medida de coação ao arguido e manter-se como juiz do julgamento.
6 – Suponha agora que, durante a audiência de julgamento, descobre-se que, por causa das
complicações do pós-aborto, BRUNA teve que ser sujeita à remoção do útero, ficando, por
isso, incapaz de procriar. O que deveria fazer o Tribunal, tendo em consideração o
disposto nos arts. 144.º, alínea b), e 141.º, n.º 1, ambos do CP?
Trata-se da descoberta de um facto novo que se relaciona com o objeto do processo, já que se trata
de uma circunstância agravante do tipo de crime imputado no despacho de pronúncia ao arguido,
art. 141.º, n.º 1, do CP. Assim, importa saber se será uma alteração substancial dos factos, nos
termos da alínea f) do art. 1.º do CPP. Uma vez que este novo facto se traduz num agravamento da
moldura legal, conclui-se tratar-se de alteração substancial de factos.
Nos termos do regime previsto no art. 359.º, n.os 1 e 2, importa saber se este novo facto é
autonomizável. A natureza autonomizável dos factos não depende de preencherem um tipo
autónomo, mas de poderem ser julgados num processo autónomo sem violação do ne bis in idem, ou
seja, sem uma dupla valoração incriminatória de factos – essenciais para a imputação do crime –
que já sejam factos constitutivos do objeto de um outro processo. Ora, apesar deste facto novo
permitir ao preenchimento do art. 144.º do CP, a imputação deste crime ao arguido dependeria
4
também de factos que constituem objeto essencial do processo-crime pelo crime de aborto –
prescrição do medicamento abortivo – não se conseguindo assim evitar a violação do ne bis in idem
processual. Por outro lado, sabemos que a moldura legal dos arts. 140.º, n.º 1, e 141.º, n.º 1, já toma
em consideração a ofensa à integridade física simples ou grave da mulher grávida, pelo que qualquer
condenação em concurso efetivo pelos arts. 143.º e 140.º, ou 144.º e 141.º, n.º 1, todos do CP,
conduziria a uma violação do ne bis in idem material.
Com estes fundamentos, conclui-se que o novo facto não poderia ser considerado como
autonomizável, seguindo-se então o regime dos n.os 1 e 3 do art. 359.º do CPP: salvo havendo
acordo entre MP, assistente, e arguido, o processo deveria continuar apenas com os factos já
constantes do despacho de pronúncia, sendo o novo facto irrelevante para a condenação. O
Tribunal deveria, assim, notificar o MP, o assistente, e o arguido para se pronunciarem nos termos
do n.º 3 do art. 359.º. Na ausência de acordo, não poderia tomar tal facto em consideração. Caso o
novo facto fosse valorado, a sentença seria nula nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 379.º do
CPP:
Nota: As respostas ininteligíveis (caligrafia pouco ou não percetível) não serão avaliadas.
5
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – TURMA NOITE/2021-2022
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Mestres João Gouveia de Caires e David Silva Ramalho, Licenciada
Joana Reis Barata
Exame escrito de época de finalistas – 8 de setembro de 2022
Duração: 90 minutos
Hipótese
Alberto precisava rapidamente de dinheiro para pagar as suas dívidas que, entre créditos
e empréstimos entre amigos, ascendiam a mais de €10.000. Assim, decidiu convencer os
seus vizinhos da aldeia de que havia um imposto extraordinário sobre os seus imóveis
que tinham de pagar e prontificou-se a tratar pessoalmente do assunto junto da Câmara
Municipal.
Berenice, Caetana e Dionísio, acreditando no amigo de longa data, rapidamente lhe
entregaram a quantia de €1.000 cada, para que este pudesse satisfazer as suas dívidas.
Eunice, que não queria preocupar-se com o assunto nos próximos anos e que tinha
Alberto em muito boa conta, entregou-lhe a quantia de €7.000 para que este tratasse do
assunto naquele ano e nos próximos 5 anos.
O plano poderia ter realmente singrado, não fosse Filomena, filha de Eunice, ter-se
apercebido das verdadeiras intenções de Alberto. Assim, quando se apercebeu do
esquema engendrado por Alberto, denunciou-o às autoridades locais – tanto
relativamente à sua mãe, como também quanto a Berenice, Caetana e Dionísio –, que
rapidamente transmitiram a notícia do crime ao Ministério Público.
1. Tendo o Ministério Público tomado conhecimento dos factos acima relatados, abriu
inquérito investigando Alberto pela prática de 4 (quatro) crimes de burla (p. e p. nos
artigos 217.º e 218.º, n.º 1, do CP), um por cada vítima, Berenice, Caetana, Dionísio
e Eunice. Pronuncie-se sobre a legitimidade do Ministério Público para o efeito (3
valores).
• O Ministério Público apenas poderia ter aberto inquérito quanto ao crime de burla
qualificada praticado contra Eunice, atendendo a que se trata de um crime público
em razão de estar em causa um valor elevado (artigo 218.º, n.º 1 e 202.º, al. a), do
CP), não tendo legitimidade para abrir inquérito pelos crimes praticados contra
Berenice, Caetana e Dionísio, uma vez que estamos perante crimes semipúblicos
(artigo 217.º, n.º 3, do CP):
o Identificação da natureza dos crimes em causa: contra Berenice, Caetana
e Dionísio foi praticado um crime de burla contra cada uma destas vítimas,
que é um crime semipúblico (artigo 217.º, n.º 3, do CP e 49.º do CPP), ao
passo que contra Eunice foi praticado um crime de burla qualificada
(artigo 218.º do CP) que configura um crime público;
o Identificação da legitimidade do Ministério Público para abrir inquérito
em função da natureza do crime em causa – artigos 48.º e 49.º do CPP;
o Análise dos requisitos de procedibilidade nos crimes públicos (mera
denúncia) e semipúblicos (para além da denúncia, mera declaração de
ciência, a necessidade de apresentação de queixa – declaração de vontade
– pelo titular do direito de queixa/ofendido ou por quem legitimamente o
represente – cfr- artigo 49.º, n.º 3 do CPP –, não havendo elementos para
concluir tal no caso em apreço);
o Identificação do facto de Filomena não ter legitimidade para apresentar
queixa em nome de Berenice, Caetana e Dionísio, podendo apenas
denunciar o crime cometido contra a sua mãe, uma vez que este configura
um crime público em razão do valor em causa ser elevado (cfr. artigo
218.º, n. 1 e 202.º, al. a), do CP);
o Identificação das consequências de o Ministério Público ter aberto
inquérito quanto a crimes para os quais não tinha legitimidade: discutir a
eventual nulidade insanável (artigo 119.º, al. b), do CPP).
2. Admita agora que, no âmbito da sua investigação, o Ministério Público efetuou uma
busca ao escritório de contabilidade de Alberto e que procedeu à apreensão de uma
carta que se encontrava aberta em cima da mesa na qual Alberto descrevia
pormenorizadamente as suas dívidas. Pronuncie-se sobre a validade da apreensão (4
valores).
• A decisão do Juiz de Instrução é válida, uma vez que pronunciou o arguido por
um facto novo constante do requerimento para abertura de instrução (“RAI”) do
assistente, pelo que o arguido apenas poderia interpor recurso da decisão nos
termos gerais do artigo 399.º do CPP:
o Identificação da necessidade de Eunice se constituir como assistente para
requerer a abertura de instrução, caso ainda não o tivesse feito em
momento prévio, e respetivos requisitos (artigos 68.º, 70.º e 519.º do CPP);
o Análise e justificação dos requisitos de admissibilidade do RAI:
▪ Justificação de que existia um facto novo (a idade de Eunice) e
que esse facto novo configurava uma alteração substancial de
factos nos termos do artigo 1.º, alínea f), do CPP atendendo ao
critério quantitativo (dado que agravaria a pena máxima);
o Justificação de que o Juiz de Instrução tem os seus poderes de cognição
limitados pela acusação do MP, pela acusação do Assistente e pelo RAI
do Assistente, pelo que poderia pronunciar o arguido pelo facto novo
trazido ao processo, sendo a sua decisão válida;
o Identificação e justificação de que a decisão de pronúncia válida é
recorrível nos termos gerais do artigo 399.º do CPP;
o Justificação de que o arguido não poderia interpor recurso quanto aos
factos pronunciados que constassem igualmente da Acusação do MP (por
exemplo quanto à existência de burla), uma vez que quanto a esses existe
dupla conforme e, por isso, uma situação de irrecorribilidade prevista no
artigo 310.º, n.º 1, do CPP.
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código
Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário
(LOSJ).
Apreciação Global (sistematização e nível de fundamentação das respostas, capacidade
de síntese, clareza de ideias e correção da linguagem): 2 valores.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – TURMA DIA/2020-2021
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Mestres João Gouveia de Caires e David Silva Ramalho, Licenciados Joana
Reis Barata e Nuno Igreja Matos
Exame escrito da época de finalistas – 9 de setembro de 2021
Duração: 90 minutos
Hipótese
1
Responda, fundamentadamente, às seguintes questões:
2. Admita que Bento foi indicado por Aníbal como testemunha na fase de inquérito e que
prestou depoimento nessa qualidade perante o órgão de polícia criminal. Com o
desenrolar da investigação, apurou-se finalmente que Bento estaria igualmente
envolvido na prática do crime investigado. Considerando que já prestara depoimento,
o Ministério Público prescindiu de o interrogar e proferiu despacho de acusação contra
Aníbal, Bento e Daniel pela prática, em coautoria, de um crime de furto qualificado,
p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, na forma tentada. Aprecie a
acusação (4 valores).
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código Penal
(CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ).
2
Tópicos de correção
3
termos do artigo 144.º.
⎯ Carlos não poderia igualmente ter ameaçado Daniel para obtenção da prova,
sob pena de contaminá-la, nos termos do disposto nos artigos 32.º, n.º 8, da CRP
e 126.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), do CPP. Trata-se de método absolutamente
proibido de prova, que se distingue dos métodos relativamente proibidos de
prova, entre o mais, por não ser sanável pelo consentimento e por não admitir
previsão legal como meio alternativo para a sua produção.
⎯ À violação de proibições de prova corresponde a cominação de uma nulidade
sui generis. Deveria referenciar-se em que se traduz esse regime de nulidade sui
generis, a saber: proibição de obtenção e de valoração da prova proibida, sendo
apenas permitida a sua valoração para a responsabilização dos agentes que
utilizaram tal método proibido, nos termos do artigo 126.º, n.º 4, do CPP,
devendo em princípio ser desentranhada dos autos, sendo de conhecimento
oficioso e insanável mesmo para além do trânsito em julgado, constituindo
ademais fundamento de recurso extraordinário de revisão de sentença, nos
termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea e), do CPP e produzindo um efeito a
distância de contaminação da prova secundária associada à prova proibida.
2. Admita que Bento foi indicado por Aníbal como testemunha na fase de inquérito e que
prestou depoimento nessa qualidade perante o órgão de polícia criminal. Com o
desenrolar da investigação, apurou-se finalmente que Bento estaria igualmente
envolvido na prática do crime investigado. Considerando que já prestara depoimento,
o Ministério Público prescindiu de o interrogar e proferiu despacho de acusação contra
Aníbal, Bento e Daniel pela prática, em coautoria, de um crime de furto qualificado,
p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal, na forma tentada. Aprecie a
acusação (4 valores).
4
⎯ As declarações prestadas em fase de inquérito foram obtidas através de um
método absolutamente proibido de prova, nos termos dos artigos 32.º, n.º 8, da
CRP e 126.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), assim como do artigo 3.º da CEDH.
⎯ A proibição de prova é uma invalidade sui generis, que não carece de arguição,
nem se pode sanar (artigo 126.º, n.º 1, do Código de Processo Penal; referência
ao disposto nos artigos 118.º, n.º 3, e 449.º, n.º 1, alínea e), do CPP).
⎯ A circunstância de Daniel ter confessado apenas por crer que a primeira
confissão era válida convoca a discussão sobre as exceções ao efeito a distância
da prova proibida, designadamente as exceções da mácula dissipada e but for
(cf. Acórdão n.º 198/2004 do Tribunal Constitucional sobre a nulidade das
escutas e confissão). É valorada a discussão crítica sobre o ac. TC.
⎯ Caso Aníbal também tivesse confessado e revelado a localização da carrinha,
poderia aplicar-se igualmente uma exceção à regra do efeito a distância,
designadamente a fonte independente.
⎯ Em todo o caso, e em regra, as declarações de arguido prestadas durante a fase
de inquérito podem ser valoradas nas circunstâncias previstas no artigo 357.º do
CPP, ou seja, se o arguido o solicitar ou se tiverem sido feitas perante autoridade
judiciária com assistência de defensor e o arguido tiver sido informado nos
termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º do CPP.
⎯ Não valem, porém, como confissão, nos termos do disposto no artigo 357.º, n.º
2, do CPP, precisamente porque a circunstância de não haver imediação torna
mais difícil de apurar o carácter livre e sem reservas da confissão.
⎯ É valorada a discussão sobre a inconstitucionalidade do artigo 357.º do CPP, no
confronto com os princípios da estrutura acusatória, processo justo e equitativo
que assegure todas as garantias de defesa (incluindo o nemo tenetur se ipsum
accusare), da imediação e do contraditório, e eventual repristinação do regime
anterior.
5
⎯ O aditamento de uma circunstância qualificativa e autónoma da infração poderá
configurar uma alteração substancial dos factos. Haveria que distinguir:
o A circunstância qualificativa respeitante ao valor da cortiça não parece
importar uma alteração substancial dos factos (ASF), na medida em que
não constitui um crime diverso, nem uma alteração dos limites máximos
da pena. Será, por isso, subsumível no regime da alteração não
substancial dos factos (ANSF), pelo que relativamente à mesma, seria
admissível a acusação subordinada. Consequentemente, a pronúncia,
quanto a esta parte, seria válida e não haveria lugar à aplicação do
disposto no artigo 303.º, n.º 1, uma vez que não há alteração em relação
aos factos vertidos na acusação do assistente.
o Já o aditamento da circunstância qualificativa prevista no artigo 204.º,
n.º 2, alínea e) (o arrombamento) importa uma ASF face aos descritos
na acusação, nos termos do disposto no artigo 1.º, alínea f), segunda
parte. Trata-se de um facto novo (pedaço de vida: arrombamento), não
totalmente independente (é relativo aquele mesmo furto), e de acordo
com o critério quantitativo, implicaria uma ASF por agravar os limites
máximos das sanções aplicáveis.
o Tal ASF não seria autonomizável, na medida em que o eventual ilícito
criminal (v.g., o crime de dano) não pode ser valorado autonomamente
sem violação do princípio non bis in idem. É valorada a discussão sobre
o critério aplicável e a eventual solução alternativa.
o A acusação subordinada deveria ter sido rejeitada nesta parte, por ter
sido deduzida fora dos limites legais.
A ASF estará, por isso, sujeita ao regime do artigo 303.º, n.º 3, do CPP.
A decisão instrutória seria, quanto a esta parte, nula, nos termos do disposto
no artigo 309.º, n.º 1, do CPP, nulidade que deverá ser arguida perante o juiz
de instrução no prazo de 8 dias, nos termos do n.º 2.
⎯ Não tendo sido arguida tempestivamente, o vício sanar-se-á.
⎯ No entanto, poderá o arguido interpor recurso da decisão instrutória, quanto aos
factos relativos ao arrombamento, embora apenas sobre o mérito (artigo 399.º
do CPP), i.e., poderia discutir por exemplo a existência de indícios suficientes
do facto relativo ao arrombamento dado que sobre o mesmo não haveria dupla
conforme.
6
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – DIA/2019-2020
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Prof.ª Doutora Teresa Quintela de Brito, Mestres João Gouveia de Caires e
David Silva Ramalho, Licenciada Joana Reis Barata e Licenciado Frederico Machado Simões
Exame escrito: 23 de junho de 2020
Duração: 90+10 minutos
#Emergênciaemcasa
No dia 5 de abril de 2020, Bela realizava, em Lisboa, um longo passeio higiénico para
espairecer das agruras do estado de emergência e das discussões conjugais com António.
Enquanto deambulava, Bela foi abordada por Xavier, que a tentou violar.
Bela conseguiu escapar às garras de Xavier e fugiu para casa, contando o sucedido ao
marido. António decidiu de imediato tomar satisfações de Xavier, até porque o conhecia.
António e Bela encaminharam-se apressadamente para o prédio de Xavier.
Chegados ao apartamento de Xavier, António envolveu-se verbal e fisicamente com
ele, tendo acabado por lhe desferir uma facada. Bela, que assistia a tudo, gritava a plenos
pulmões: “Socorro! Ai que eles vão-se matar!” Nisto, surgiu Carlos, agente da PSP, que
morava ao lado e ouviu a gritaria. Vendo Xavier caído no chão a esvair-se em sangue com uma
faca espetada no abdómen e António e Bela a entrar no elevador do prédio, Carlos impediu o
elevador de fechar a porta e, ato contínuo, deu ordem de detenção a ambos, que a acataram.
Entretanto, e após deter António e Bela, chamou a emergência médica para socorrer Xavier.
Aqueles foram constituídos arguidos de imediato, informados dos seus direitos, mas tentaram
convencer Carlos de que tudo não tinha passado de legítima defesa de António e que Bela
nem havia feito nada. Xavier veio a ser declarado morto ainda dentro do seu apartamento,
devido a hemorragia fatal. Foi apreendida a faca espetada em Xavier.
O Ministério Público (MP), após ouvir Bela, ordenou a sua libertação, não validando a
sua constituição como arguida, e veio a imputar a António a prática de um crime de homicídio
(p. e p. pelo art. 131.º do Código Penal).
1
§ Após conceder contraditório (32.º/5 e 20.º/4 da CRP) aos demais sujeitos processuais,
decidiria rejeitar o requerimento da defesa, por não lhe assistir qualquer razão, uma vez
que não haveria qualquer infração às regras de obtenção ou de produção de prova, nem
qualquer violação de proibições de prova (ficando prejudicada a questão do efeito à
distância).
§ Os OPC (1.º/c) e 55.º do CPP e 3.º da LOIC) mantêm todos os seus deveres em matéria
de medidas cautelares e de polícia, independentemente de se encontrarem ao serviço no
momento da atuação urgente. A competência para a investigação seria do MP (263.º do
CPP), a quem cabe a direção do inquérito, incluindo a prática de todos os atos (267.º do
CPP) que não estejam reservados ao JI (268.º e 269.º do CPP).
Ø O OPC apenas coadjuva o MP na fase de inquérito, na sua dependência funcional,
sem qualquer dependência hierárquica ou disciplinar, respeitando-se a autonomia
tática e técnica dos OPC.
Ø Por delegação de competências (270.º do CPP), os OPC podem praticar todos os atos
de inquérito que não sejam da competência exclusiva do MP ou que não sejam da
competência do JI. A investigação de crimes de homicídio está reservada à PJ
(7.º/2/a) da LOIC).
Ø Porém, não se confunde a atuação delegada pelo MP nos OPC para a investigação
com a competência própria que todos os OPC detêm para os atos urgentes em
matéria de medidas cautelares e de polícia.
§ A apreensão da faca era válida (249.º/2/c) e 178.º/4 do CPP), carecendo tão só de
validação pelo MP (178.º/6 do CPP), que é a AJ competente na fase de inquérito. Não
procedia a alegação de falta de consentimento dos visados, mesmo que a faca fosse
propriedade de António, dado que a apreensão estava legitimada pela detenção em
flagrante delito no domicílio de Xavier (174.º/5/c) do CPP).
§ O exame pericial era igualmente válido porque a ordem foi emanada pela AJ competente
no inquérito (172.º/1 do CPP), o MP. O arguido, ao submeter-se à recolha de impressões
digitais, não pode agora invocar que tal careceria de despacho do JI, o qual apenas seria
necessário se o arguido tivesse de ser compelido a prestar tal meio de prova (172.º/2 do
CPP). Deveria discutir-se o sentido de “ser compelido”: se inclui a força física
(adequada, necessária e proporcional) ou apenas a cominação da pena de desobediência
para o caso da recusa. Deveria ainda problematizar-se a compatibilidade deste tipo de
atuações com o princípio nemo tenetur se ipsum accusare: atuações passivas, i.e., em
que os elementos a recolher (impressão digital) preexistem independentemente da
vontade do visado e não carecem da sua colaboração ou ato criativo/cultural, com
discussão da jurisprudência relevante sobre o tema desde o Ac. Saunders vs. UK do
TEDH.
2
§ O direito de recusa de depoimento do cônjuge aplica-se independentemente da fase ou
da entidade perante quem é prestado tal depoimento, devendo Bela ser informada desse
direito (134.º/1/a) e 2 do CPP). O que foi cumprido, de modo que as declarações
prestadas em inquérito eram válidas. Tal como seria válida a recusa da mesma em
prestar declarações em julgamento, invocando o referido privilégio (134.º/1/a), ex vi
348.º/1 do CPP).
§ Deveria identificar-se o princípio da imediação (355.º/1 do CPP) o seu sentido e
alcance, incluindo as exceções (355.º/2 e 356.º do CPP).
§ Deveria discutir-se o regime legal da reprodução ou leitura permitidas de autos e
declarações e as restrições admitidas pela jurisprudência (356.º/6 do CPP).
§ Poderia discutir-se a admissibilidade da leitura e valoração do depoimento testemunhal
à luz da jurisprudência comparada, especialmente o caso Crawford vs. Washington,
valorizando-se a discussão do direito ao confronto.
3. No final do julgamento de António, o tribunal veio a apurar que a faca utilizada para matar
Xavier tinha sido levada pelo mesmo desde que saíra de casa, revelando assim
premeditação. Considerou ainda que António praticara um crime de violação de domicílio.
Comunica isto mesmo aos sujeitos processuais ao abrigo do art. 358.º do CPP, tendo todos
(arguido incluído) declarado que prescindiam de prazo para qualquer ato.
Consequentemente, em sede de sentença, o tribunal condenou António pela prática de um
crime de homicídio qualificado (p. e p. pelo art. 132.º, n.º 1 e n.º 2, alínea j), do CP), em
concurso efetivo ideal com um crime de violação de domicílio (p. e p. pelo art. 190.º, n.º 3,
do CP). A defesa do arguido invoca de imediato que a sentença é inválida. O MP pronuncia-
se pela validade da mesma até porque o arguido, devidamente informado, nada requereu e
prescindiu de prazo. O tribunal indeferiu a arguição da invalidade e manteve a sentença
intacta. Na qualidade de defensor do arguido, notificado daquela sentença, poderia reagir e
com que fundamento? (7 valores)
§ A resposta seria positiva, através de recurso invocando a nulidade da sentença.
§ Haveria que distinguir: quanto à parte dos factos novos, a sentença seria nula; quanto à
parte da qualificação jurídica adicionada (i.e., o crime de violação de domicílio), não
haveria qualquer invalidade, uma vez que:
Ø Os factos descritos na acusação já continham a entrada no apartamento de Xavier,
tratando-se de uma mera alteração da qualificação jurídica;
Ø Consequentemente, o tribunal teria cumprido com os trâmites impostos legalmente
(358.º/1, ex vi n.º 3 do mesmo preceito do CPP) ao ter comunicado previamente a
AQJ. O arguido é que dispensou prazo para se pronunciar, pelo que a sentença,
quanto a esta parte, seria válida;
Ø Poderia discutir-se, de acordo com o TEDH no caso Drassich v. Itália, se se justifica
um direito de requerer prova suplementar também nos casos de AQJ.
§ Voltando à questão de facto: deveria identificar-se os factos novos (utilizando os
critérios doutrinários e jurisprudenciais), os quais não eram totalmente independentes,
pelo que constituíam uma alteração de factos.
§ Haveria ASF: 1.º/f) do CPP: agravação da pena máxima, pois passaria de 16 para 25
anos de pena de prisão.
§ Não autonomizáveis: a premeditação só por si não constitui um crime autónomo.
§ Tratando-se de ASF, não autonomizáveis, o tribunal procedeu corretamente ao tê-la
comunicado aos sujeitos processuais (359.º/3 do CPP). Porém, não havendo acordo para
a continuação do processo pelo novo objeto, deveria discutir-se as soluções doutrinárias
e jurisprudenciais a que o tribunal poderia lançar mão em face do disposto no 359.º/1 do
CPP. Deveria aplicar-se uma solução e discutir-se as alternativas.
3
§ O facto de o arguido nada ter requerido e prescindido de prazo para rever a sua estratégia
de defesa não equivale a acordo. Nem parece proceder que possa haver uma mera
irregularidade, pois o facto de o tribunal a qualificar incorretamente como alteração não
substancial de factos não equivale à comunicação para efeitos de acordo. E a
manifestação de acordo perante uma ASF não autonomizáveis tem de ser expressa.
§ Em caso algum, o tribunal deveria conhecer deste novo facto para condenar o arguido
pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art. 132.º/1 e 2/j) do CP.
No limite só poderia condená-lo pelo objeto definido, neste caso concreto, na acusação
do MP (identificando-se o princípio da vinculação temática).
§ Consequentemente a sentença seria nula (379.º/1/b) do CPP), podendo o arguido invocar
a nulidade em sede de recurso ordinário e no prazo do mesmo, ou seja: 30 dias (379.º/2,
410.º/3 e 411.º/1 do CPP).
Para realizar o exame, pode usar a Constituição da República Portuguesa (CRP), o Código
Penal (CP), o Código de Processo Penal (CPP), a Lei da Organização do Sistema Judiciário
(LOSJ), a Lei de Organização da Investigação Criminal e outra legislação penal ou processual
penal avulsa.
4
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – TURMA DIA/2020-2021
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Mestres João Gouveia de Caires e David Silva Ramalho, Licenciados Joana
Reis Barata e Nuno Igreja Matos
Exame escrito – 21 de junho de 2021
Duração: 90 minutos
Hipótese
1
“Artigo 40.º
Consumo
1 - Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações
compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias.
2 - Se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder
a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de
multa até 120 dias […]”.
Responda, fundamentadamente, às seguintes questões:
2. Abel, perante os factos atinentes ao crime de dano (artigo 212.º do CP), considera que os
mesmos não revelam qualquer dolo. Na qualidade de defensor de Abel, como deveria reagir
após ser notificado daquela acusação de modo a evitar que o arguido fosse julgado pela
prática do referido crime? Se o defensor de Abel nada fizesse, o que deveria fazer o juiz?
(3 valores)
3. Suponha que, no decurso da instrução, Bernardo o contacta de modo a que Abel fosse
sujeito, de imediato, a prisão preventiva, atendendo a que Bernardo teria recebido “recados
sérios” de que não deveria depor contra o arguido. Como agiria na qualidade de mandatário
de Bernardo no âmbito do processo crime em curso contra Abel? (3 valores)
4. No final do julgamento, o tribunal apura que Abel tinha no seu computador (apreendido no
decurso da busca à viatura que o arguido conduzia no momento dos factos) um ficheiro
com uma lista de vários contactos, datas e quantidade de “sacos”, bem como o valor “pago”
e “em dívida” por cada um daqueles contactos. Perante tal, o tribunal ficou convencido de
que, afinal, Abel deteria aquela quantidade de estupefacientes para vender a terceiros,
constituindo assim um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade (p. e p. pelo
artigo 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro2, por referência à tabela I - C anexa),
ao invés do mero crime de detenção para consumo. Como procederia se fosse juiz dos autos
atendendo a que:
a. A defesa do arguido invoca a nulidade da prova; (4 valores) e
b. A inalterabilidade do objeto constante da acusação. (4 valores)
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código Penal
(CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ).
2
“Artigo 25.º
Tráfico de menor gravidade
Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em
conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a
quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I
a III, V e VI (…)”.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – TURMA DIA/2020-2021
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Mestres João Gouveia de Caires e David Silva Ramalho, Licenciados Joana
Reis Barata e Nuno Igreja Matos
Exame escrito – [...] de [...] de 20213
Tópicos
• Forma comum (salvo se algo, que não consta do enunciado, revelasse que a
pena concreta não deveria ser superior a 5 anos de acordo com um juízo de
prognose)
• Prioridade das formas especiais: nulidade dependente de arguição 120.º/2/a),
sendo a forma comum subsidiária
• Exclusão de aplicação das formas especiais sumária e abreviada:
o Detenção em flagrante delito stricto sensu (255.º/1/a) e 3 e 256.º/1/1.ª
parte – atos de execução em curso que foram percecionados pela agente
Paula aquando da detenção) relativamente aos crimes de injúria
agravada (artigos 181.º, 184.º e 188.º, n.º 1, al. a), do CP), de natureza
semi pública (dependendo de queixa) e de ofensas corporais: um,
praticado contra Paula, teria a natureza pública (143.º e 145.º, n.º 1,
por referência à al. l) do n.º 2 do art. 132.º, todos do CP e art. 48.º do
CPP); outro, contra Bernardo seria semi público (art. 49.º do CPP e
113.º a 115.º do CP), pelo que seria necessário queixa por parte do
titular do direito (Bernardo quanto a este crime, e de Paula quanto ao
crime de injúria agravada) para que a detenção se mantivesse (255.º/3)
e para que o MP tivesse legitimidade para promover a ação penal, sob
pena de nulidade insanável (119.º/b)
o Porém, a pena abstrata aplicável seria superior a 5 anos de prisão: 4
meses e meio pelo crime de injúria agravada (artigos 181.º e 184.º do
CP); 4 anos pelo crime de ofensas corporais contra Paula (143.º,
145.º/1/a) do CP) + 3 anos pelo crime de ofensas corporais contra
Bernardo (143.º CP) + 3 anos pelo crime de dano + 1 ano pelo crime de
detenção de estupefacientes = 11 anos e 4 meses e meio de pena abstrata
máxima
o Não havendo no enunciado ou pergunta elementos suficientes que
justificassem o juízo de prognose de que a pena concreta não seria
3
Hipótese e questões jurídicas inspiradas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.02.2021, proc. n.º
202/14.2SILSB.L1-3, relatora Cristina Almeida e Sousa.
superior a 5 anos (381.º/2 e 391.º-A/2), não seria de aplicar a forma
sumária, nem a abreviada (ainda que todos os crimes permitissem ser
julgados em tribunal singular, i.e., não houvesse nenhum caso de
reserva qualitativa de competência do tribunal coletivo – cfr. art.
13.º/1, 14.º/1, 14.º/2/a) ou 16.º/2/a) – e a audiência de julgamento
pudesse iniciar-se no prazo de 48h subsequente à detenção (387.º/1,
prorrogável até ao 20.º dia nas condições do n.º 2 do mesmo preceito)
ou mesmo que tal prazo fosse ultrapassado (dado o tempo necessário
para o exame de Polícia Científica), haveria um caso de evidência
probatória (391.º-A/3/a)) da forma abreviada. Contudo, a pena
máxima abstratamente aplicável ao arguido seria superior a 5 anos
impedindo assim as formas especiais
o Presumia-se que seria organizado um só processo para o julgamento
do arguido por todos estes crimes (por apensação natural ou
verificação de todos os requisitos da conexão: 24.º/1/b) – mesma ocasião
e lugar – inexistência de limites – 26.º – e tramitação concomitante –
24.º/2)
2. Abel, perante os factos atinentes ao crime de dano (artigo 212.º do CP), considera que os
mesmos não revelam qualquer dolo. Na qualidade de defensor de Abel, como deveria
reagir após ser notificado daquela acusação de modo a evitar que o arguido fosse julgado
pela prática do referido crime? Se o defensor de Abel nada fizesse, o que deveria fazer o
juiz? (3 valores)
Tópicos
• O Defensor de Abel deveria deduzir RAI (287.º/1/a)) e se não o tivesse feito,
deveria discutir-se se o juiz no saneamento poderia rejeitar a acusação por
manifestamente infundada (311.º/2/a), n.º 3, al. d)), ou se apenas o deveria
fazer no início do julgamento (338.º)
• Requisitos do RAI: legitimidade, prazo, conteúdo e representação judiciária
• Em especial a legitimidade e a finalidade da instrução apenas para apreciar
uma questão de direito
• Várias posições e respetivos fundamentos
• Sustentando-se a inadmissibilidade do RAI do arguido apenas para sustentar
uma QJ, teria de recomendar-se a contestação (315.º)
o Neste caso, deveria discutir-se se o juiz de julgamento poderia até antes
da contestação e oficiosamente rejeitar a acusação por manifestamente
infundada (cfr. art. 311.º/2/a), n.º 3, al. d)), ou se apenas o poderia fazer
no início do julgamento (cfr. art. 338.º)
3. Suponha que, no decurso da instrução, Bernardo o contacta de modo a que Abel fosse
sujeito, de imediato, a prisão preventiva, atendendo a que Bernardo teria recebido
“recados sérios” de que não deveria depor contra o arguido. Como agiria na qualidade de
mandatário de Bernardo no âmbito do processo crime em curso contra Abel? (3 valores)
Tópicos
• Sem prejuízo da autónoma promoção penal pelo crime de ameaça e o recurso
à proteção devida à vítima (ao abrigo do regime de proteção de testemunhas),
no âmbito do processo crime em curso, deveria constituir-se assistente e nessa
qualidade requerer ao Juiz de Instrução (JI) a aplicação da prisão preventiva,
ou, discutir-se se o poderia fazer apenas na qualidade de vítima (solicitando a
proteção adequada)
• Requisitos do requerimento de constituição como assistente (68.º/1/a), 69.º e
70.º)
• Aplicação da prisão preventiva: na fase de instrução, pode ser aplicada
oficiosamente pelo JI (194.º/1), tendo por base um requerimento do assistente
ou até da vítima ao abrigo do seu Estatuto (cfr. art. 67.º-A/4), sem prejuízo de
ser ouvido o MP (194.º/1) e da prévia audição do arguido (194.º/4) atendendo
ao perigo de perturbação da instrução/produção de prova (204.º/b))
o Vantagem da constituição como assistente: plena participação no
processo crime em curso
• Questão complexa: o crime do qual Bernardo seria vítima e teria legitimidade
para se constituir como assistente não admite prisão preventiva (cfr. catálogo
do art. 202.º/1). Porém, as ofensas corporais qualificadas já o admitiam
(202.º/1/d))
o Deveria discutir-se tal problema: a legitimidade do assistente ou da
vítima vs. os fins das medidas coativas referirem-se a todos os crimes (e
tendo o JI tomado conhecimento e podendo aplicar oficiosamente,
nada impede que determine a prisão preventiva);
o Deveria ainda problematizar-se se a aplicação é relativa ao crime
doloso punível com pena mais grave, como parece preferível
o Crivo dos “fortes indícios” do art. 202.º (e comparação do mesmo com
o crivo dos “indícios suficientes”)
• A valorizar: o JI caso aplicasse a medida de prisão preventiva ficaria impedido
de participar no julgamento (art. 40.º/a))
4.No final do julgamento, o tribunal apura que Abel tinha no seu computador (apreendido no
decurso da busca à viatura que o arguido conduzia no momento dos factos) um ficheiro
com uma lista de vários contactos, datas e quantidade de “sacos”, bem como o valor “pago”
e “em dívida” por cada um daqueles contactos. Perante tal, o tribunal ficou convencido de
que, afinal, Abel deteria aquela quantidade de estupefacientes para vender a terceiros,
constituindo assim um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade (p. e p. pelo
artigo 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro4, por referência à tabela I - C anexa),
4
“Artigo 25.º
Tráfico de menor gravidade
Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em
conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a
quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I
a III, V e VI (…)”.
ao invés do mero crime de detenção para consumo. Como procederia se fosse juiz dos autos
atendendo a que:
a) A defesa do arguido invoca a nulidade da prova; (4 valores) e
Tópicos
• Mesmo que não tivesse havido consentimento do visado, a prova seria válida,
salvo falta de autorização ou de validação pela autoridade judiciária
competente
• Regime da busca (174.º/5/c)+251/a)) e apreensão do computador (178.º/4 e
249.º/2/c)) encontrado na viatura: sujeitas a validação pela autoridade
judiciária competente (178.º/6 e 251.º/251.º/2), no caso o MP (263.º e 267.º)
por ser o dominus do inquérito e não se tratar de ato reservado ao JI (a
contrario sensu, 268.º e 269.º CPP)
• Quanto ao acesso ao conteúdo do computador nomeadamente quanto aos
ficheiros como aquele que está em causa:
o Apreciação do problema da privacidade digital
▪ Discussão sobre o âmbito de aplicação da privacidade em
ambiente digital
o Aplicação da LdCibercrime: âmbito extenso: art. 11.º/1/c)
▪ Pesquisa de dados: regime do art. 15.º
▪ A apreensão do ficheiro em concreto: art. 16.º
Tópicos
• A vinculação temática do tribunal admite variações nos termos legalmente
previstos (cfr. art. 359.º/3 e 358.º). Porém, no caso, sem o consentimento do
arguido, do MP e do assistente, não seria possível condenar, validamente, o
arguido pelo crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade (p. e p.
pelo artigo 25.º, al. a) do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à tabela
I - C anexa)
• Haveria um facto novo: a detenção do produto estupefaciente destinava-se à
venda a terceiros e não ao autoconsumo (podendo até configurar um ilícito de
maior gravidade atendendo a que haveria inclusivamente uma lista de
contatos o que pressuporia uma organização mais estruturada), constitui um
pedaço de vida ou um acontecimento diverso do descrito da acusação
(detenção para consumo próprio)
• Um facto novo que não é totalmente independente, i.e., estranho ao objeto
pendente: trata-se do mesmo pedaço de vida que estava em apreço judicial (o
arguido detinha uma quantidade de estupefacientes que agora se descobriu
destinar-se a revenda);
• Havendo uma alteração de factos, a mesma seria substancial (ASF), dado que
resulta num agravamento da pena máxima abstratamente aplicável (passando
de 1 ano para 5 anos de prisão de máximo), nos termos do art. 1.º/f);
• Por fim, não seria autonomizável já que não seria possível conhecer daquela
atuação intencional do arguido sem violar-se o non bis in idem
o A presente situação insere-se na constelação de casos designados de
alternatividade: não prova parcial dos factos antigos (intenção de
autoconsumo) e prova de um facto novo (intenção de revenda a
terceiros) que conjuntamente com os demais factos antigos (a detenção
daquela quantidade de estupefacientes) permite passar para um outro
tipo de ilícito (tráfico), que anula (ou não é cumulável com) o ilícito
inicial (consumo)
• No caso, o juiz deveria proceder à comunicação dos factos novos aos sujeitos
processuais para efeitos de obtenção do seu acordo (art. 359.º/3)
• Não havendo acordo (como parece que o arguido se opõe à apreciação dos
novos factos), o tribunal não poderia validamente condenar o arguido pelo
novo crime (sob pena de nulidade da sentença quanto a essa parte, ainda que
dependente de arguição em sede de recurso e no prazo do mesmo – arts.
379.º/1/b), n.º 2 e 410.º/3 e 411.º/1
o Discussão sobre as soluções possíveis e os respetivos fundamentos
o Cfr. Ac. do STJ (de uniformização de jurisprudência) n.º 1/2015 e Ac.
do TC n.º 711/2019
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – TURMA NOITE/2021-2022
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Mestres João Gouveia de Caires e David Silva Ramalho e Licenciada
Joana Reis Barata
Exame escrito – 1.ª Época – 17 de janeiro de 2022
Duração: 90 minutos
Hipótese
Depois de ter descoberto que André se envolvera com a sua namorada, Bernardo ficou
irado. Não conseguindo controlar a raiva que sentia, imediatamente telefonou a Carlos e
a Daniel, seus companheiros de aventuras, para que fossem todos ter uma conversa com
André, junto ao Café Central, em Cascais.
A conversa rapidamente se descontrolou, levando André a abandonar o local a passo
apressado. Os três amigos perseguiram-no e não hesitaram a, conjuntamente, desferirem
socos e pontapés a André, deixando-o no chão quase inanimado.
André acabou por conseguir chegar a casa com a ajuda de um taxista que passava no
local e que o viu naquele estado lastimoso. Dias depois, minimamente recuperado das
lesões sofridas, André apressou-se a apresentar queixa na PSP contra Bernardo e
desconhecidos, uma vez que não sabia quem eram os agressores que o acompanhavam.
• Identificação de que estamos perante uma norma processual proprio sensu (ou
norma processual material em sentido amplo) que reclama a aplicação do
artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do CPP ou, para outra parte da doutrina, perante
normas materiais que reclamam a aplicação direta do princípio plasmado no
artigo 29.º, n.º 4, da CRP e das regras constantes dos artigos 2.º, 3.º e 4.º do
CP;
• Explicação do que se entende por “agravamento sensível e ainda evitável da
situação processual do arguido”;
• Identificação do momento relevante para saber qual a norma aplicável: em
princípio, o momento da abertura do inquérito (doutrina maioritária);
identificação de divergência quanto a este ponto: designadamente diferentes
teses que referem que deverá ser o momento da constituição como arguido, ou
que sustentam que será o momento da prática do facto ou da abertura de
inquérito consoante o que for mais favorável para o arguido;
• Sendo relevante o momento da prática do facto (porque mais favorável), não
seria aplicável a Lei n.º 5/2021; caso se entendesse que o momento relevante
seria o da abertura de inquérito (doutrina maioritária), seria aplicável a Lei n.º
5/2021.
• Tomada de posição própria pelo estudante.
4. Chegados a julgamento, apurou-se que André, na sequência das lesões sofridas pela
agressão, ficou impossibilitado de ter filhos. Perante tal, o mandatário de André
apresentou requerimento aos autos, requerendo que Bernardo, Carlos e Daniel
fossem condenados no crime de ofensa à integridade física grave (p. e p. pelo artigo
144.º, alínea b), do CP), atendendo a que se tratava essencialmente do mesmo crime
e que constava já dos autos que foram desferidos pontapés na zona pélvica e genital.
Sensível aos argumentos apresentados, o Tribunal condenou os três Arguidos no
crime de ofensa à integridade física grave, aplicando-lhes, contudo, uma pena de 4
anos de prisão, considerando que esta sempre seria aplicável ao crime de ofensa à
integridade física qualificada por que todos eles vinham acusados. Pronuncie-se
quanto à decisão condenatória proferida pelo Tribunal. (4 valores)
• Apesar de constar dos autos que foram desferidos pontapés na zona pélvica e
genital, existe um facto novo que radica na circunstância de André, na
sequência das lesões, ter ficado impossibilitado de ter filhos;
• Identificação da existência de um facto novo não totalmente independente e
respetiva justificação;
• Existência de ASF à luz do critério quantitativo (artigo 1.º, alínea f), do CPP);
• Classificação desta ASF como não autonomizável e respetiva justificação;
• Regime da ASF não autonomizável à luz da lei vigente (artigo 359.º, n.os 1 e
3, do CPP);
• Demais teses a respeito da matéria e tomada de posição própria pelo estudante;
• Justificação quanto à nulidade da decisão caso não existisse acordo (artigo
379.º, n.º 1, alínea b), do CPP).
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código
Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário
(LOSJ).
Apreciação Global (sistematização e nível de fundamentação das respostas, capacidade
de síntese, clareza de ideias e correção da linguagem): 2 valores.
Nota: as respostas com grafia ilegível não serão avaliadas.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – TURMA NOITE/2021-2022
Regência: Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Mestres João Gouveia de Caires e Licenciada Joana Reis Barata
Exame escrito – 1.ª época – 16 de janeiro de 2023
Duração: 90 minutos
Hipótese
No dia 14 de outubro de 2022, cerca das 23h15, António acabara de chegar das aulas na
Faculdade de Direito quando foi contactado à porta da sua casa por 2 agentes da PSP que
lhe perguntavam se sabia onde estava a sua viatura automóvel já antiga com a matrícula
00-XS-00. António explicou que efetivamente a viatura era sua e que se encontraria
estacionada na rua junto à oficina segundo a informação que recebera nessa tarde do seu
mecânico – de que a viatura se encontrava pronta após a revisão e inspeção solicitadas.
Os 2 agentes da PSP informaram António de que a referida viatura estava estacionada
naquela rua e tinha sido alvo de tentativa de furto (art.os 203.º, 22.º e 23.º do CP) por parte
de uma pessoa, Bento, nessa mesma noite, cerca das 22h15, que fora surpreendido já
dentro da viatura por Carlos e Daniel, agentes da PSP que se encontravam de folga e sem
trajar farda, que ao passearem naquela zona muito estranharam a circunstância de estar
alguém dentro da viatura a fazer uma ligação direta com os fios, tendo ato contínuo detido
Bento. Posto isto, os agentes da PSP perguntaram se António não se importava de se
deslocar à Esquadra da PSP mais próxima para apresentar queixa, o que aquele fez de
imediato, apresentando queixa.
2
203.º do CP passa a ser qualificado nos termos do art. 204.º/2/a) do CPP,
por referência ao art. 202.º/b) do CPP, todos do CP, já que o novo valor da
viatura excede as 200 UC, sendo por isso “consideravelmente elevado”).
• Demonstrar-se que se trata de uma ASF não autonomizável, já que o novo
facto é relativo aquele mesmo objeto/furto daquela viatura naquele dia e
por aquele arguido (não é facto independente), permite a agravação do
limite máximo da pena (que passa de pena máxima abstrata de 2 anos para
5 anos e 4 meses – art. 204.º/2/a), 202.º/b), 22.º, 23.º e 73.º/1/a) do CP),
sendo por isso uma alteração de factos substancial (art. 1.º/f) do CPP) e
não pode ser destacado à força e submetido a novo processo à parte sem
violar o princípio do non bis in idem,já que o valor da viatura, só por si,
não é sequer crime.
• Aplicar-se o regime legal (359.º/1 e 3 do CPP): o juiz deveria comunicar
o novo facto e perguntar se o arguido, assistente e MP estariam de acordo
em prosseguir o julgamento, atendendo à nova factualidade.
• Havendo acordo: o tribunal singular, que seria o competente para
julgar um crime de furto “simples” – 16.º/2/b) do CPP), deveria
declarar-se incompetente, já que não mantém competência em face
do crime de furto qualificado (com pena superior a 5 anos como se
demonstrou e não se tratando de caso do 16.º/2/a), o tribunal
singular não poderia continuar a julgar), nos termos do art. 359.º/3,
do CPP, in fine;
• Não havendo acordo: o tribunal deveria prosseguir o julgamento
apenas pelos factos primitivos, ignorando o valor
consideravelmente elevado da viatura, e apenas podendo
validamente condenar o arguido pelo simples crime de furto.
▪ Caso o tribunal condenasse pelo crime de furto qualificado:
a sentença seria nula (379.º1/b) e 2 do CPP), dependendo
de arguição em sede de recurso ordinário e no prazo da
mesma (arts. 410.º/2 e 3 e 411.º/1 do CPP).
• A valorizar: outras posições ou soluções e respetiva fundamentação para
além da desconsideração dos novos factos.
4. Considerando que Bento nunca prestou declarações nestes autos, e que os agentes da
PSP Carlos e Daniel, em sede de depoimento testemunhal em audiência de
julgamento, asseguram que Bento não só lhes confessou a autoria daquele crime no
momento em que o detiveram como lhes indicou a quem, Zuca e Xavier, venderia a
viatura, pergunta-se:
a) Poderia o tribunal de julgamento valorar na condenação de Bento o
depoimento testemunhal dos agentes da PSP? (3 valores).
• Resposta negativa;
• Identificação do problema: não sendo a pedido do arguido, o teor de tais
conversas informais havidas com os agentes Carlos e Daniel que
participaram na recolha de prova aquando da detenção em flagrante não
poderiam ser lidas em julgamento, nem valoradas na sentença (art. 357.º
do CPP).
3
• Nem se poderia defraudar tal regime através do depoimento testemunhal
do que aqueles agentes ouviram do arguido quando procederam à sua
detenção, ou após a mesma, na recolha de prova (art. 356.º/7 do CPP).
• Seria valorizada a menção à divergência jurisprudencial existente para
efeitos da valoração das conversas informais mantidas com o suspeito.
Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código
Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário
(LOSJ).
4
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – DIA/2018-2019
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Prof. Doutor Rui Soares Pereira, Mestres João Gouveia de Caires, David
Silva Ramalho e Mafalda Moura Melim e Licenciada Joana Reis Barata
Exame escrito – 18 de junho de 2019
Duração: 90 minutos
Hipótese
A (pequena) caixa…
Abel, Berta e Carlos foram detidos e constituídos arguidos nas respetivas
habitações, em Lisboa, às 7h00 da manhã do dia 3 de junho de 2019, na sequência dos
mandados de detenção emitidos pelo MP, no âmbito de um processo-crime em que eram
suspeitos de vários crimes. Foram realizadas buscas, autorizadas por Juiz de Instrução, e
apreendida documentação relevante quer nas habitações, quer nas instalações do Instituto
da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT), Lisboa. Foi ainda apreendida a quantia de
1000€ que estava dentro de uma caixa na casa de Abel e Berta (casados), embrulhada em
uma cópia certificada da escritura de partilha de uma herança de um familiar de Berta.
Os arguidos foram apresentados no dia seguinte a interrogatório judicial, tendo
sido informados que sobre os mesmos recaía a suspeita de vários crimes, nos seguintes
termos:
- Quanto a todos os arguidos, e em coautoria, a prática de um crime de associação
criminosa (p. e p. pelo art. 299.º, n.os 1, 2 e 5, do CP), dado todos colaborarem para, e em
conjugação de esforços, simularem a realização de formação profissional necessária à
certificação de motoristas de mercadorias e de passageiros e, em troca, receberem
vantagens, pagas pelos motoristas que efetivamente não realizavam qualquer formação;
- Quanto aos arguidos Abel e Berta, e em concurso efetivo, a prática de um crime
de corrupção passiva para ato ilícito (p. e p. pelo art. 373.º, n.º 1, em conjugação com o
art. 386.º, n.º 1, al. d), e com o art. 28.º, todos do CP), na medida em que aquele, na
qualidade de Coordenador de uma Equipa de Fiscalização das Escolas de Condução e
Centros de Formação do IMT fornecia informação relevante aos demais sobre como se
manterem “fora do radar” da atividade inspetiva daquele Instituto. Já Berta angariava os
potenciais motoristas que pretendiam obter tal certificação sem a receberem, pagando
uma quantia em troca. Uma quantia que seria repartida entre todos os membros, não se
sabendo ainda em que proporção;
- Quanto ao arguido Carlos, e em concurso efetivo, a prática de um crime de
corrupção ativa para ato ilícito (p. e p. pelo art. 374.º, n.º 1, do CP), bem como de um
crime de falsificação de documento (p. e p. pelos arts. 255.º, al. a), 256.º, n.º 1, als. a) e
e), n.º 4, e 386.º, n.º 1, al. d), todos do CP), na medida em que, sendo dono da “Escola de
Condução e Formação sempre em linha torta”, simulava fornecer formação aos motoristas
e emitia os respetivos documentos com vista a que obtivessem ou renovassem a respetiva
licença.
1
Responda fundamentadamente às seguintes questões:
2
Tópicos para a correção
7
DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – TURMA DE NOITE / 2021-2022
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Mestres João Gouveia de Caires e David Silva Ramalho, Licenciada Joana
Reis Barata
Exame escrito de coincidência – 26 de janeiro de 2022
Duração: 90 minutos
Hipótese
1
⎯ Quando foi intercetado, Bernardo tinha praticado um crime de furto, p. e p.
pelos artigos 203.º e 207.º, n.º 2, do CP.
⎯ Sendo um crime particular, e pese embora existisse flagrante delito nos termos
do disposto nos artigos 256.º, n.º 1, 1.ª parte, e 255.º, n.º 1, do CPP, o mesmo
não admitia detenção, nos termos do disposto no artigo 255.º, n.º 4, do CPP.
⎯ O mesmo não sucede com o crime de injúria agravado, p. e p. pelos artigos
181.º, n.º 1, e 184.º do CP, por se tratar de crime semipúblico, nos termos do
disposto no artigo 188.º, n.º 1, alínea a), do CP. No entanto, do relato de
Bernardo retira-se que a injúria foi praticada em momento anterior à detenção,
pelo que seria válida.
⎯ O OPC deveria ter constituído Bernardo como arguido, seja por força da
detenção, seja mais tarde quando o interrogou, seja simplesmente por ter sido
levantado auto de notícia e por o mesmo lhe ter sido comunicado nos termos do
disposto no artigo 58.º, n.º 1, alíneas a), c) e d), do CPP.
⎯ Por outro lado, tendo havido detenção, o arguido teria de ser submetido a
primeiro interrogatório judicial ou não judicial de arguido detido, nos termos
dos artigos 141.º e 143.º do CPP, ou seja, pelo JI ou pelo MP e nunca a
interrogatório por órgão de polícia criminal, nos termos do artigo 144.º do CPP.
⎯ A revista e as apreensões também foram validamente efetuadas, nos termos do
disposto nos artigos 174.º, n.º 1, 178.º, n.º 4, e 249.º, n.os 1 e 2, alínea c), e 251.º,
n.º 1, alínea a), todos do CPP.
⎯ A apreensão de mensagens WhatsApp encontra-se sujeita ao disposto no artigo
17.º da Lei do Cibercrime (LdC), por se tratar de “registos de comunicações de
natureza semelhante” ao correio eletrónico.
⎯ Por esse motivo, para a leitura daquelas mensagens seria necessária a existência
de despacho proferido pelo JI, enquanto juiz das garantias, como postula o
artigo 17.º da LdC, aplicando-se correspondentemente o artigo 179.º do CPP
por força do referido preceito.
o Seria valorizada a discussão sobre se a remissão do artigo 17.º para o
artigo 179.º do CPP engloba a exigência de um crime de catálogo – caso
em que não poderia ser emitido um despacho de autorização, uma vez
que o crime em causa só é punível com pena de prisão até 2 anos e não
com mais de 3 anos, conforme exige o artigo 179.º, n.º 1, alínea b), do
CPP – ou se não é exigido que o crime em causa seja um crime de
catálogo, caso em que o despacho poderia ser emitido validamente pelo
JI.
o Seria valorizada a discussão sobre o regime aplicável à apreensão de
correio eletrónico: (i) revogação tácita total do artigo 189.º, n.º 1, do
CPP ou somente parcial pela LdC; (ii) remissão do artigo 17.º da LdC
para o regime de apreensão da correspondência postal do CPP e as
dificuldades geradas pela circunstância de a distinção entre
correspondência aberta ou fechada não ter paralelo no meio digital.
⎯ O OPC não poderia igualmente ter ameaçado Bernardo com vista à obtenção
da prova, sob pena de contaminá-la, nos termos do disposto nos artigos 32.º, n.º
8, da CRP e 126.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), do CPP. Trata-se de método
absolutamente proibido de prova, que se distingue dos métodos relativamente
proibidos de prova, entre o mais, por nunca ser permitido pelo consentimento e
por não admitir previsão legal como meio alternativo para a sua produção.
2
⎯ À violação de proibições de prova corresponde a cominação de uma nulidade
sui generis. Deveria referenciar-se em que se traduz esse regime de nulidade sui
generis, a saber: proibição de produção e de valoração da prova proibida, sendo
apenas permitida a sua valoração para a responsabilização dos agentes que
utilizaram tal método proibido, nos termos do artigo 126.º, n.º 4, do CPP,
devendo em princípio ser desentranhada dos autos, sendo de conhecimento
oficioso e insanável mesmo para além do trânsito em julgado, constituindo
ademais fundamento de recurso extraordinário de revisão de sentença, nos
termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea e), do CPP e produzindo um efeito a
distância de contaminação da prova secundária causalmente vinculada à prova
proibida.
⎯ O arguido detido nos termos dos artigos 254.º e seguintes do CPP, não sendo
imediatamente julgado, terá de ser presente ao JI no prazo máximo de 48h para
primeiro interrogatório judicial de arguido detido (artigo 141.º do CPP) ou a
interrogatório pelo MP (artigo 143.º do CPP).
⎯ O primeiro interrogatório judicial de arguido detido visa avaliar a validade da
detenção, a validade da constituição como arguido, revelar os motivos da
detenção ao arguido, ouvir a sua defesa, permitir ao JI verificar se ainda se
verificam os motivos que determinaram a detenção e decidir pela aplicação de
uma medida de coação diferente do TIR, máxime privativa de liberdade caso
esta lhe seja requerida pelo MP enquanto titular do inquérito (artigo 194.º, n.º
1, do CPP).
o Não consta que este procedimento tenha sido seguido, motivo pelo qual
as declarações de Bernardo não poderão posteriormente vir a ser
reproduzidas em julgamento (artigo 357.º, n.º 2, do CPP).
⎯ As considerações tecidas pelo JI diante de Bernardo constituem motivo, sério
e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
o Por esse motivo, António deveria ter requerido a sua recusa (artigo 43.º
do CPP) e, caso esta fosse considerada procedente, deveriam os atos
processuais praticados até ao momento da solicitação da recusa ser
anulados quando se verificasse que deles resultaria prejuízo para a
justiça da decisão do processo, sendo que os praticados posteriormente
seriam válidos se não pudessem ser repetidos utilmente e se se
verificasse que deles não resultaria prejuízo para a justiça da decisão do
processo (artigo 43.º, n.º 5, do CPP).
o O requerimento de recusa deve ser apresentado perante o tribunal
imediatamente superior, no caso, perante o Tribunal da Relação,
conforme prevê o artigo 45.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
o Devem ser desencadeadas as demais diligências previstas no artigo 45.º
do CPP, designadamente a pronúncia do juiz visado (artigo 45.º, n.º 3,
do CPP) e a realização das diligências de prova necessárias (artigo 45.º,
n.º 4, do CPP).
o A decisão final deve ser proferida num prazo de 30 dias, a contar da
entrega do respetivo requerimento de recusa (artigo 45.º, n.º 5, do CPP).
⎯ Adicionalmente, a valoração do silêncio do arguido contra si, como fator
3
determinante da gravidade da medida de coação, constitui violação grave do seu
direito ao silêncio e à não autoincriminação (artigo 61.º, n.º 1, alínea d), do
CPP).
⎯ Deveriam ser identificadas as diversas ilegalidades cometidas em matéria de
aplicação de medidas de coação. Concretamente, deveria ser identificada a
violação do disposto no artigo 194.º, n.º 7, do CPP, por não terem sido
comunicados os factos com base nos quais foi aplicada a medida de coação a
Bernardo, o que impossibilitaria a sua utilização para fundamentação da
aplicação de uma medida de coação e, consequentemente, seria fundamento de
recurso (artigo 219.º do CPP), bem como de pedido de revogação da medida
(artigo 212.º, n.os 1 e 4, do CPP).
⎯ Deveria ainda ser referido que a medida de coação aplicada não se baseou em
qualquer um dos fundamentos previstos no artigo 204.º do CPP, o que também
a tornaria ilegal e tal poderia ser invocado em sede de recurso (artigo 219.º do
CPP) e cumulável com o habeas corpus (artigo 222.º do CPP) e pedido de
revogação da medida (artigo 212.º, n.os 1 e 4, do CPP).
⎯ Sendo certo que, caso tivesse ocorrido a falta de promoção pelo MP da medida
de coação mais grave do que o TIR, gerar-se-ia a nulidade prevista no artigo
194.º, n.º 1, do CPP, pelo que teria cabimento discutir se a mesma seria
dependente de arguição (subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 120.º,
n.º 1, do CPP) ou se, pelo contrário, poderia ser invocada diretamente em sede
de recurso (artigo 219.º do CPP) e cumulável com o habeas corpus (artigo 222.º
do CPP) e pedido de revogação da medida (artigo 212.º, n.os 1 e 4, do CPP).
o Valorar-se-ia a discussão sobre a impossibilidade de utilização das
declarações prestadas em primeiro interrogatório judicial de arguido
detido, por sobre as mesmas incidir uma proibição de prova, nos termos
do disposto nos artigos 58.º, n.º 5 e 126.º, n.º 3, do CPP.
4
do arguido para deduzir RAI à possibilidade de vir a obter um despacho de não
pronúncia, seria igualmente inadmissível neste caso o RAI, uma vez que, a ter
vencimento a posição do arguido, a decisão instrutória continuaria a ser
pronúncia.
⎯ De acordo com a posição de Paulo de Sousa Mendes, o RAI seria admissível
para discutir apenas a questão de direito ainda que da sua procedência não
resultasse uma decisão de não pronúncia.
⎯ No presente caso não estaríamos perante um facto novo, mas sim perante uma
alteração da qualificação jurídica (AQJ).
⎯ O Tribunal deveria ter seguido o regime previsto nos artigos 303.º, n.os 1 e 5, do
CPP, comunicando a alteração ao defensor e concedendo-lhe, a requerimento,
um prazo para preparação da defesa não superior a oito dias, com o consequente
adiamento do debate, se necessário.
⎯ A omissão desta formalidade, por não se encontrar expressamente prevista
como nulidade, designadamente no artigo 309.º do CPP (ao contrário do que
sucede na audiência de julgamento e na sentença, nos termos dos artigos 358.º
e 379.º do CPP), constitui mera irregularidade (pelo menos para a maior parte
da doutrina e da jurisprudência), nos termos do disposto no artigo 123.º do CPP,
a ser arguida no prazo de três dias, previsto no n.º 1 do mesmo artigo.
o Seria valorizada a discussão sobre se o despacho que indeferisse a
arguição de irregularidade admitiria recurso.
4. Após prolação do despacho previsto no artigo 311.º do CPP, entrou em vigor a Lei n.º
30-Z/2021, que criou e implementou o Tribunal Especializado para Combate ao Abuso
Sexual de Menores, o qual passou a ser competente materialmente para conhecer dos
crimes pelos quais Bernardo fora acusado. Aprecie a constitucionalidade desta solução
e analise se deveria o Tribunal que proferira o despacho considerar-se incompetente
para realizar o julgamento. (4 valores)
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DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – DIA/2019-2020
Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração: Prof.ª Doutora Teresa Quintela de Brito, Mestres João Gouveia de Caires
e David Silva Ramalho, Licenciada Joana Reis Barata e Licenciado Frederico Machado
Simões
Exame escrito/ Coincidências: 7 de julho de 2020
Duração: 90+10 minutos
Ouro Fino
1
4 – Poderá o Tribunal considerar as mensagens SMS guardadas nos telemóveis dos
arguidos de que se serviam para combinar os pormenores do roubo e que foram
apreendidas aquando da comparência na PJ? (4 valores)
2
GRELHA DE CORREÇÃO
Questão n.º 1
3
sendo inadmissíveis formas de plea bargaining próprias de outros ordenamentos
jurídicos como o norte-americano. Admite-se a discussão do problema em função da
eventual aplicação do disposto no artigo 126.º, n.os 1 e 2, alínea e), do CPP às
declarações do Carlos.
Questão n.º 2
4
Não havendo acordo, e caso o Tribunal tivesse em conta a nova factualidade e
viesse até a condenar o Arguido com base na mesma, tal sentença seria nula. Trata-se de
uma nulidade, atípica, com regime próprio. Trata-se de uma nulidade (sanável) da
sentença, nos termos dos art.s 118.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, cuja arguição
deve ter lugar por via de recurso ordinário, perante o Tribunal superior, no prazo de 30
ou de 20 dias, consoante haja ou não impugnação da prova gravada (art.s 399.º, 410.º,
n.º 1, e 411.º, n.º 1 e n.º 4, do CPP).
Questão n.º 3
5
mesmo escritório, exigia-se que, no decurso do inquérito, aquelas diligências tivessem
sido realizadas pelo Juiz de Instrução e, em qualquer dos casos, que fossem, sob pena de
nulidade, presididas pessoalmente por juiz, o qual avisaria previamente o Presidente do
respetivo Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, para que o mesmo, ou um seu
delegado, pudesse estar presente (arts. 177.º, n.º 5, e 180.º do CPP). Dado que tal parece
não ter sucedido, seria possível considerar como meios proibidos de obtenção de prova
a busca e a apreensão realizadas.
Além disso, o carácter proibido dos meios de obtenção de prova implica, em
princípio, a proibição de utilização (= valoração) das provas obtidas, já que estas são
igualmente nulas e não podem ser usadas, sendo certo que a violação da proibição de
valoração determina a invalidade do ato e eventualmente dos termos subsequentes (art.
32.º, n.º 8, da CRP e arts. 118.º, n.º 3, e 126.º, n.os 1 e 3, do CPP). E o desrespeito dos
pressupostos das buscas e apreensões em escritório de advogado gera também a
nulidade e a inadmissibilidade da prova, sujeitando-se ao regime de nulidade sui generis
cominado no art. 126.º, n.º 3, do CPP, que consagra as chamadas proibições relativas de
prova, uma vez que os preceitos que estabelecem aqueles pressupostos constituem os
casos previstos na lei de restrição a direitos de liberdade.
Portanto, in casu não poderiam ser usados nem valorados pelo Tribunal os
objetos apreendidos. Caso fossem utilizados ou valorados, poderia ser arguida a
nulidade da prova obtida com fundamento no carácter proibido dos meios de obtenção
de prova (arts. 118.º, n.º 3, 126.º, n.º 3, 177.º, n.º 5 e 180.º do CPP). E, ainda que a
nulidade em questão não fosse arguida ou conhecida antes do trânsito em julgado da
decisão final, seria possível interpor recurso de revisão da sentença que se fundasse na
valoração de prova nula (art. 449.º, n.º 1, al. e), do CPP), tanto mais que a verdade
obtida através desses meios de prova resultava afinal na injustiça da condenação.
Questão n.º 4
6
Assim sendo, seria necessário para a utilização e valoração das mensagens SMS
como meio de prova o preenchimento dos requisitos e condições previstos nos art. 11.º,
n.º 2, alínea c), e 17.º da LCC, aplicando-se, correspondentemente, o regime da
apreensão de correspondência no art. 179.º do CPP, cabendo aqui debater as várias
posições jurisprudenciais e doutrinárias acerca da melhor interpretação da remissão para
o regime do CPP.
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DIREITO PROCESSUAL PENAL
4.º ANO – NOITE
Coordenação e Regência
Professor Doutor Paulo de Sousa Mendes
Colaboração
Mestres Inês Ferreira Leite e Rui Soares Pereira
Exame escrito
16 de janeiro de 2015
Duração da prova: 90m
Hipótese
António provocou ferimentos no pescoço de Bento, com uma navalha, a fim de lhe subtrair o
telemóvel. Particulares que viram o sucedido detiveram António e entregaram-no na esquadra mais
próxima da Polícia de Segurança Pública (doravante, PSP). Bento foi de imediato conduzido de
ambulância ao hospital, salvando-se assim da morte.
O Ministério Público (doravante, MP) decidiu abrir processo-crime contra António e promoveu
junto do Juiz de Instrução (doravante, JIC) a aplicação ao arguido da obrigação de apresentação
periódica. No final do inquérito, o MP deduziu acusação contra António pela prática de um crime
de roubo, previsto e punido no art. 210.º, n.º 1, do Código Penal (doravante, CP).
1
4 – Suponha que, aberta a instrução, o JIC pronunciou António apenas pela prática de um crime
de roubo, previsto e punido no art. 210.º, n.º 1, do CP. Poderia António impugnar essa decisão?
5 – Suponha também que, durante a audiência de julgamento, foi produzida prova de que a fala de
Bento ficou permanentemente afetada por causa da agressão perpetrada por António, o que não
constava do despacho que o submeteu a julgamento. O que deveria fazer o Tribunal?
6 – Admita agora que, durante a audiência de julgamento, o Tribunal concluiu que António foi
agredido pelos agentes da PSP no interrogatório que efetuaram no inquérito, levando assim o
arguido a revelar o lugar onde escondera a navalha e o telemóvel roubado. Essa circunstância
poderia ter relevância na decisão do Tribunal?
Nota: As respostas ininteligíveis (caligrafia pouco ou não percetível) não serão avaliadas.
2
TÓPICOS DE CORREÇÃO
Questão n.º 1
A detenção promovida pelos particulares tem fundamento legal, uma vez que: a) verifica-se
uma das situações de flagrante delito previstas no art. 256.º do CPP; b) António foi entregue na
esquadra da PSP (art. 255.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do CPP), que é considerada uma entidade policial;
c) e trata-se de um crime público, pelo que não existe qualquer obstáculo à sua realização ou
manutenção (art. 255.º, n.ºs 3 e 4, do CPP).
Os agentes da PSP deveriam redigir auto sumário de entrega e comunicar a detenção à
respetiva autoridade judiciária (arts. 255.º, n.º 2, e 259.º, al. b), ambos do CPP). À partida, a
detenção teria por finalidade a apresentação de António para primeiro interrogatório judicial (art.
141.º do CPP) ou para aplicação de medida de coação (cfr. art. 254.º, n.º 1, al. a), do CPP).
A legalidade da detenção determinaria, por um lado, a constituição não automática, mas
obrigatória de António como arguido (art. 58.º, n.º 1, al. c) e n.ºs 2 e 3, do CPP) e, por outro, a
aplicação da medida de coação termo de identidade e residência (TIR), nos termos dos arts. 192.º,
n.º 1, 194.º e 196.º, n.º 1, todos do CPP), o que deveria ter sido realizado, sob pena de
irregularidade (art. 118.º, n.º 2, do CPP), pelos agentes da PSP, pois são órgãos de polícia criminal
nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 196.º, n.º 1, e 1.º, al. c), ambos do CPP.
Os agentes da PSP estariam obrigados a denunciar o crime ao MP, mas, não o tendo
presenciado, não levantariam auto de notícia (arts. 242.º, n.º 1, al. a), 243.º e 248.º, todos do CPP).
Questão n.º 2
3
Por fim, quanto aos requisitos específicos, poderia concluir-se que os mesmos estavam
preenchidos, dado que está em causa a prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo
superior a 5 anos. Mas, no caso da prisão preventiva, teriam ainda de ser demonstrados os fortes indícios
da prática do crime em questão (correspondendo ao crivo da convicção do julgador, de acordo com
critérios objetivos e subjetivos, se houvesse de julgar naquele momento, face às provas existentes;
ou, segundo outro crivo, aqueles fortes indícios existiriam se o julgador concluísse, de acordo com
um juízo de probabilidade qualificada, que o arguido teria praticado o crime), bem como a absoluta
necessidade (ultima ratio) da medida de prisão preventiva face às finalidades exigidas pelo caso
concreto.
Quanto ao despacho do JIC, é necessário ter em linha de conta não só o facto de o arguido
não ter sido previamente submetido a qualquer interrogatório (arts. 141.º e 143.º do CPP) como
também a circunstância de não ter sido ouvido (art. 194.º, n.º 2, do CPP), pelo que o exercício do
seu direito ao contraditório, que se revelaria importante para o efetivar das garantias de defesa (arts.
32.º, n.º 5, da CRP, e 61.º, n.º 1, al. b), do CPP), teria sido coartado. Ainda sobre o mesmo
despacho, importaria apreciar a possibilidade de aplicar ao arguido medida de coação mais grave do
que a que foi requerida pelo MP, designadamente tendo em conta as alterações a esse propósito
introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro. À partida, essa possibilidade estaria vedada se
o fundamento para a aplicação das medidas de coação fosse o constante do art. 204.º, al. b), do CPP
(cfr. art. 194.º, n.º 3, do CPP).
Cumpriria ainda determinar se António poderia reagir ao despacho do JIC. A verificação
de que a medida de coação foi aplicada fora das condições legais viabilizaria o requerimento do
arguido (ou do MP) com vista à sua revogação (art. 212.º, n.º 1, al. a), e n.º 4, do CPP), a
impugnação judicial da decisão dirigida ao Tribunal da Relação (arts. 219.º e 427.º, ambos do CPP)
ou um pedido de habeas corpus com fundamento em prisão ilegal (art. 222.º do CPP).
Questão n.º 3
Em relação à pretensão de Bento, importa referir que, tendo o crime natureza pública, o
MP teria legitimidade para promover o correspondente processo, de acordo com o princípio da
oficialidade (art. 48.º do CPP).
Assim, se Bento pretendia sublinhar que quem desfere um golpe de navalha no pescoço da
vítima não pode deixar de representar e aceitar a produção da morte desta, o que permitiria afirmar
a existência de dolo eventual de homicídio e, consequentemente, a prática por António, em
concurso ideal com o roubo, também de uma tentativa de homicídio, teria de fazê-lo na qualidade
de assistente.
4
Bento teria legitimidade para se constituir como assistente, uma vez que é o titular do
interesse que a lei quis especialmente proteger com a incriminação, nos termos do art. 68.º, n.º 1, al.
a), do CPP (cfr. art. 210.º, n.º 1, do CP), sendo certo que o poderia fazer até 5 dias antes do
julgamento (art. 68.º, n.º 3, do CPP), mediante requerimento, representação judiciária (art. 70.º do
CPP) e pagamento da taxa de justiça (art. 519.º do CPP).
Todavia, face à concreta pretensão, verifica-se que o recurso ao requerimento para abertura
de instrução estaria inviabilizado por inadmissibilidade legal, tendo em conta que não foram
invocados factos novos por Bento que representem uma alteração substancial (arts. 287.º, n.º 1, al.
b), e 1.º, al. f), ambos do CPP), estando em causa uma mera alteração da qualificação jurídica: o
entender que quem desfere um golpe de navalha no pescoço da vítima não pode deixar de
representar e aceitar a produção da morte desta, o que permitiria afirmar a existência de dolo
eventual de homicídio e, consequentemente, a prática por António, em concurso ideal com o
roubo, também de uma tentativa de homicídio. Deste modo, sendo o meio adequado a dedução de
uma acusação subordinada à acusação pública do MP e não o requerimento para abertura de
instrução, o prazo para Bento a deduzir seria de 10 dias (arts. 68.º, n.º 3, al. b), e 284.º, ambos do
CPP).
Questão n.º 4
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Questão n.º 5
Questão n.º 6
6
Com efeito, as nulidades inerentes a proibições de prova constituem nulidades sui generis,
que não se reconduzem nem às nulidades insanáveis do art. 119.º nem às nulidades dependentes de
arguição do art. 120.º, conforme resulta dos arts. 32.º, n.º 8, da CRP e 118.º, n.º 3, do CPP. Deste
modo, as declarações do arguido, obtidas mediante ofensa da sua integridade física, não poderiam
ser utilizadas nem valoradas, devendo ser desentranhadas dos autos e não podendo ser repetidas.
Outra característica importante desta nulidade é o chamado efeito-à-distância das provas proibidas,
correspondente à teoria anglo-saxónica dos frutos da árvore envenenada (fruit of the poisonous tree
doctrine) e à sua congénere germânica da teoria da nódoa (Makel-Theorie), implicando a inutilização
das provas secundárias que com aquelas mantenham um nexo relevante (art. 32.º, n.º 8, da CRP, e
art. 122.º, n.º 1, do CPP). O efeito-à-distância das proibições de prova conhece, no entanto,
excepções. Por exemplo, essas provas secundárias poderão ser utilizadas e valoradas, se pudessem
ter vindo a ser obtidas diretamente, mesmo na falta da prova nula, através de um comportamento
lícito alternativo. Semelhante é, nos tribunais americanos, a solução decorrente da teoria da
descoberta inevitável (inevitable discovery). Acresce que esta nulidade poderia ser arguida mesmo
depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, em recurso extraordinário de revisão (art.
449.º, n.º 1, al. e), do CPP).
As provas proibidas apenas podem ser utilizadas para proceder criminalmente contra quem
recorreu às mesmas, nos termos do art. 126.º, n.º 4, do CPP, ou seja, no caso os agentes da PSP
que interrogaram António no inquérito.