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Brazilian Journal of Development 24482

ISSN: 2525-8761

Desigualdade de gênero no mercado de trabalho e as formas de


enfrentamento alicerçadas na OIT

Gender inequality in the market and the ways of coping with the OIT

DOI:10.34117/bjdv7n3-245

Recebimento dos originais: 08/02/2021


Aceitação para publicação: 11/03/2021

Helena Vicentini Julião


Mestranda em Serviço Social
Universidade Estadual Paulista – UNESP – FCHS
Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900 - Jd. Dr. Antonio Petráglia - Franca/SP
helena.vicentini@unesp.br

Aline Michelle Dib


Mestranda em Planejamento e Análise de Políticas Públicas
Universidade Estadual Paulista – UNESP – FCHS
Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900 - Jd. Dr. Antonio Petráglia - Franca/SP
aline.dib@unesp.br

Letícia Trevizolli de Oliveira


Mestranda em Direito
Universidade Estadual Paulista – UNESP – FCHS
Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900 - Jd. Dr. Antonio Petráglia - Franca/SP
leticia.trevizolli@unesp.br

RESUMO
Ainda que a promoção da igualdade de gênero seja posta como uma meta mundial, a visão
estereotipada do trabalho feminino se mostra determinante de respeito, oportunidades e
equidade salarial. Durante o período pandêmico de 2020, as desigualdades de gênero no
trabalho foram ainda mais agravadas. Por conta destes fatos, aqui analisamos
pressupostos que corroboram a dedutiva dos ambientes organizacionais ainda não
oferecerem isonomia de condições de trabalho entre homens e mulheres.
Metodologicamente, utilizamos pesquisas documentais- com materiais da Organização
Mundial do Trabalho (OIT)- e também pesquisas legislativas e bibliográficas que
apresentam dados voltados para o tema. Os resultados evidenciaram a urgência de
aplicações de políticas que quebrem os padrões segregacionistas e que conscientizem a
sociedade, promovendo uma transformação das culturas sociais e corporativas em todos
os setores do mercado.

Palavras-chave: Organização Internacional do Trabalho, Desigualdade de gênero,


Isonomia.

ABSTRACT
Although the promotion of gender equality have seen as a global goal, the stereotyped
view of women's work show up as determinant of respect, opportunities and equal pay.
During the 2020 pandemic period, gender inequalities at work were further worsen.

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Therefore, here we analyzed assumptions that corroborate the deduction of organizational


environments have not offered equal working conditions for men and women.
Methodologically, we used documentary research with materials from the World Labor
Organization (ILO) – besides legislative and bibliographic research that present data
focused on the theme. The results showed the urgency of policy applications that break
segregationist standards and that make society aware, promoting a transformation of
social and corporate cultures in all market sectors.

Keywords: International Labor Organization, Gender Inequality, Isonomy.

1 INTRODUÇÃO
Desenvolvemos o presente estudo em meio a conjuntura política, social e
econômica do Brasil contemporâneo, estruturado pelos pilares do capital, da opressão, da
violência e da desigualdade. Somos parte de uma sociedade com histórico de hierarquia
e omissão que nega a importância das discussões relacionadas a diversidade, impõe
padrões e estigmatiza sujeitos. São tempos de barbárie, no qual as mais variadas formas
de preconceito, opressão e de sobreposição de uma classe sobre a outra são, cada dia mais,
legitimadas pela própria ordem social. Neste contexto o fortalecimento das
reivindicações, da luta constante por direitos se mostra imprescindível.
Dessa forma, com a crise na sociedade do capital e com a ascensão das forças
conservadoras, que se opõe à classe trabalhadora e, também, à diversidade humana, tudo
que já fora conquistado até hoje é colocado em xeque. É nesse contexto que desabrocha
a problemática do presente estudo, no qual objetivamos analisar as barreiras e as
disparidades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho, baseadas apenas em
questões de gênero, trazendo, nesse sentido, as principais convenções e políticas
apresentadas pela Organização Internacional do Trabalho e vinculadas à promoção da
igualdade de gênero.
De maneira geral, as sociedades, com base em uma cultura ocidental,
consolidaram suas práticas sociais e organizacionais conforme o machismo estrutural
preponderante, que além de conceituar uma relação de subalternidade das mulheres,
também forma uma barreira de impedimento da sua ascensão nas mais distintas
profissões. Essa barreira, que se isenta do discurso democrático de grande parte das
organizações, inibe o acesso de mulheres aos cargos mais altos, mantém a segregação
vertical, mitiga a representatividade e sucesso femininos, além de reforçar a cultura
patriarcal.
Além do mais, o ano de 2020, de maneira atípica decorrente da pandemia
vivenciada, as condições de trabalho para as mulheres se tornaram ainda mais precárias,

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haja vista que tiveram que equilibrar o trabalho remunerado com outras inúmeras tarefas
domésticas, não remuneradas, estereotipadas por gênero 1. Sobretudo, assim como afirma
a pesquisadora Anabelle Carrilho, “as desigualdades construídas historicamente não serão
destruídas por um vírus”, no entanto, a pandemia “escancara quanto os modelos de
sociedade, baseado no capitalismo e no neoliberalismo, no caso das políticas públicas, se
aprofundam e mostram ainda mais as desigualdades” sociais, raciais e, claro, de gênero.”
(FERREIRA; LEÃO; FERRARI, 2020)
Assim, observar de maneira crítica o cenário atual, nos leva ao propósito principal
do presente estudo, qual seja, refletir, com base nas convenções e políticas da
Organização Internacional do Trabalho, sobre os dados que comprovam que, mesmo com
uma mudança significativa no mercado de trabalho referente à desigualdade de gênero,
há certos padrões estruturais, moldados ao longo dos anos, que permitem certas
prerrogativas para indivíduos do sexo masculino.
Historicamente, as mulheres passaram a ocupar espaços imagináveis por
conservadores do sistema patriarcal e contribuir em vários setores da economia. No mais,
mesmo com um novo discurso social configurado acerca da igualdade de gênero, ainda
não há paridade de condições de tratamento no mundo corporativo, levando com que a
maior parte das mulheres migrem para trabalhos informalizados, com instabilidade de
remuneração e com poucas garantias de direitos. Sobretudo, em nossa sociedade, é
imperioso destacar que, para além dos recortes de gêneros, entre as mulheres há classe,
há raça, entre outros inúmeros marcadores sociais da diferença.
Tendo em vista a disparidade de gênero e a segregação de mulheres no mercado
de trabalho - intensificada pela questão humanitária subjacente que nos assola em âmbito
mundial, ocasionada pelo vírus COVID-19 - principalmente quanto à representatividade
em cargos de gerência, há a necessidade de um estudo que vise compreender a cultura
organizacional que rege tais relações, os estereótipos socialmente impostos que
erroneamente as justificam, o posicionamento da Organização Internacional do Trabalho
na luta pela equiparação e a colaboração dos países no compromisso de possibilitar,
efetivamente, a ascensão feminina.

1 Em pesquisa realizada por Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, cujos números são baseados na Pesquisa por Amostra
Domiciliar (Pnad), do IBGE, percebemos que “a taxa de participação no mercado de trabalho foi diferente entre os gêneros, com
redução de 10,45% para as mulheres e queda menor entre os homens: 6,93%.” [...] “Os dados mostraram ainda que mulheres tiveram
uma redução nas horas trabalhadas no mercado maior que a dos homens (18% versus 12%), enquanto a variação de salário entre o
primeiro e o segundo trimestre do ano foi positiva para elas (5,64%) e negativa para eles (-2,13%). Além da carga doméstica, Neri
ressalta dois fatores cruciais para explicar os números: o auxílio emergencial e a Medida Provisória 936/20, que prevê a suspensão de
contratos de trabalho, com preservação de empregos e redução de salário.” (BRUNO, 2020)

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Desta forma, na primeira parte do trabalho, visamos proporcionar um esteio


histórico de como se consolidaram os aspectos culturais regentes da segregação por
gênero. Posteriormente, usamos algumas contribuições da literatura da OIT para subsidiar
artifícios sobre o machismo nas organizações e, por derradeiro, apresentamos
informações a respeito de políticas e medidas ratificadas com intuito de atenuar essa
desigualdade, que é um problema universal, para que possam servir como elemento
propulsor de mudanças.
Sobre o percurso metodológico, realizamos um estudo interdisciplinar e, diante a
intenção de responder questões particulares, de natureza subjetiva, atrelada diretamente
às ciências sociais, adotamos, em todo processo, uma abordagem exclusivamente
qualitativa, pelo método dedutivo. Sobre o tipo de pesquisa, nos valemos da bibliográfica,
pautada na compreensão crítica e na análise profunda dos significados contidos nos textos
e documentos selecionados. Buscamos o caráter interventivo da pesquisa e acreditamos
que não basta conhecer a realidade social, é necessário ter o desejo de transformá-la.
Refletir e debater sobre temáticas que vão ao encontro das exigências de uma sociedade
hegemônica e historicamente estruturada nos pilares do conservadorismo é vital em
defesa de nossa luta.

2 AS BARREIRAS DE ACESSO PARA AS MULHERES: (RE)PENSANDO UM


PASSADO NÃO TÃO DISTANTE
De início, antes de analisarmos as barreiras para acesso ao Direito do Trabalho
pelas mulheres, demonstrando as disparidades no mercado de trabalho e nos cargos de
liderança, em uma sociedade repleta de traços conservadores, como a brasileira, se faz
necessário trazer ao debate, a fim de proporcionar as bases lógicas para estudar as
pluralidades humanas e o preconceito, a história colonial e escravista que nos submerge.
É premissa, portanto, compreender que atrás da sombra de uma “aparente ebulição
capitalista” ainda há estruturas coloniais fixadas. (FERNANDES, 1976, p. 360) Assim,
ao identificarmos as diversas formas de exploração e opressão na atualidade, é mister
perceber como elas se conectam com a ordem social escravista-senhoril, de um passado
não tão distante.

A formação da sociedade brasileira foi marcada por desigualdades sociais,


étnico raciais e de gênero que permanecem muito presentes. Nos mais de
trezentos anos de escravidão, o predomínio de uma elite agrária, proprietária e
branca como grupo social dominante produziu profundas violências para as

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mulheres e especialmente para as mulheres negras e indígenas. O


patriarcalismo e a escravidão são constitutivos da sociabilidade burguesa,
possuindo expressões especificas em lugares como o Brasil e outros territórios
colonizados. (PETRONE, 2018, p.16)

Diante a esse cenário, não há como desprezar a gênese do sistema capitalista, que
tem como fator necessário para a produção e reprodução do capital a desigualdade social
e a supremacia de uma classe sobre a outra. A vista disso, o próprio sistema, composto
por uma estrutura de poder baseada tanto nas ideologias como na violência, transforma
as diferenças, que deveriam ser valorizadas em uma sociedade multicultural, em
desigualdades, que se apresentam como uma rejeição dos não idênticos. Desta maneira,
há uma estanque naturalização das desigualdades; as divisões sociais são, portanto,
transformadas em inferioridade natural ou em desvio da norma, assim, como explica
Marilena Chaui (2013, p. 226-227), por um conjunto de práticas essa naturalização oculta
a “determinação histórica ou material de exploração, da discriminação e da dominação, e
que, imaginariamente, estruturam a sociedade sob o signo da nação uma e indivisa,
sobreposta como um manto protetor que recobre as divisões reais que a constituem.”
Por esse caminho, ao pensar as sociedades capitalistas não basta uma análise
meramente economicista, ligada a categoria de classes sociais, é preciso entender como
os sistemas de dominação se relacionam, se desdobrando em uma lógica contraditória.
Todavia, em cada contexto histórico as contradições podem se estabelecer e se apresentar
de maneira distinta, ganhando mais ou menos relevância. É preciso, também, perceber
como todas as subestruturas – gênero, classe, raça, entre outras – se relacionam, formando
uma sociedade que se rege por um sistema que além de capitalista, é racista e cis-hetero-
patriarcal2.
Tendo em vista o objetivo do presente estudo, diante a todas as mencionadas
divisões, é imperioso asseverarmos acerca da divisão do trabalho, a qual submete
determinados indivíduos em determinados ramos profissionais. Dessa forma, entendemos
que o trabalho assume um caráter social, “executado na sociedade e através dela”, sendo
uma característica comum a todas as sociedades, ou seja, não é exclusiva dos sistemas de
produção capitalista. Assim, a divisão do trabalho assume diversas formas, não podendo
ser reduzida a uma categoria simples e abstrata, haja vista que, na verdade, implica em
um processo histórico. (IAMAMOTO, 2013, p.64-65)

2Como nos ensina Carla Akotirene (2019, p.19 e .118), tratata-se de um sistema político que “impõe papéis de gênero desde a infância
baseados em identidades binárias, informadas pela noção de homem e mulher biológicos, sendo pessoas cisgêneras aquelas cabíveis,
necessariamente, nas masculinidades e feminilidades duais e hegemônicas.”

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Conduzindo a discussão sob essa óptica, é imperioso pensar na divisão sexual do


trabalho que, consequentemente, envolve tudo o que vem sendo definido, historicamente,
como “trabalho de mulher”, “competência de mulher”, “lugar de mulher”. (BIROLI,
2018, p. 21) Tal divisão opera, em geral, como uma divisão social que destaca a hierarquia
do trabalho do homem sobre a mulher e a distinção entre o que é trabalho de homem e o
que é trabalho da mulher. Cisne e Santos (2018, p. 62) entendem que como resultado de
relações sociais e históricas, a divisão sexual do trabalho, ainda que em todo o tempo
preserve os princípios da hierarquia (homem sobre mulher) e da separação (o que é de
homem e o que é de mulher), está sujeita a transformações, se adaptando ao contexto
cultural, social e econômico de cada época.
Assim, é mister destacarmos que ao falamos em mulheres não podemos
generalizá-las ou categorizá-las em uma única classe homogênea, além de ingênuo, seria
incoerente e insuficiente para promover um debate crítico e emancipatório, capaz de
construir uma sociedade mais justa. É preciso enxergar além do estereótipo de mulher
cisgênera, branca, burguesa, mãe, esposa e heterossexual para que seja possível refletir
sobre toda a diversidade que permeia a compreensão do que é “ser mulher” e, também,
do acesso das mulheres ao mercado de trabalho. Nesse trabalho, portanto, partiremos de
uma perspectiva inclusiva e antidiscriminatória para que seja possível preciso lutar pelas
necessidades e pelos direitos da maioria – “das mulheres pobres e da classe trabalhadora,
das mulheres racializadas e das migrantes, das mulheres queer, das mulheres com
deficiência, das mulheres a encorajadas a enxergar a si mesmas como integrantes da
“classe média” enquanto o capital as explora”. (ARRUZZA; BHATTACHRYA;
FRASER, 2019, p.41)
Nas sociedades capitalistas, uma das estratégias da burguesia a fim de se distinguir
dos outros estratos sociais e a eles impor valores, foi separação entre as esferas pública,
como âmbito da universalidade, e privada, como âmbito da particularidade e dos afetos.
Dessa forma, “a distinção entre duas esferas organiza-se em um processo histórico e
político no qual as identidades de gênero foram produzidas como papeis e
comportamentos limites” (BIROLI, 2018, p. 94), marcados por uma concepção binária,
na qual o feminino, em uma condição de subalternidade, complementa o masculino.Isso
nos permite dizer que “a alocação de tarefas tem o gênero como eixo” (BIROLI, 2018,
p.67) e, as habilidades e pertencimentos atribuídos a uma ou outra pessoa é, em grande
escala, consequência da naturalização de comportamentos que segue – em regra – uma
ordem binária.

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Ainda que a opressão de gênero, tal o como o sexismo, não seja um fenômeno
único do capitalismo – e, tampouco, da modernidade – está entranhada em sua estrutura,
haja vista que “o seu movimento fundamental foi separar a produção de pessoas da
obtenção de lucro, atribuir o primeiro trabalho às mulheres e subordiná-lo ao segundo.
Com esse golpe, o capitalismo reinventou a opressão das mulheres e, ao mesmo tempo,
virou o mundo de cabeça para baixo.” (ARRUZZA; BHATTACHARYRA; FRASER,
2019, p. 51) As materialidades que constituem as relações de gênero garantem o privilégio
e dominação dos homens, subalternizando e invisibilizando as mulheres e,
consequentemente, tudo que a elas está associado.
É dessa forma que é estruturado o elo que associa trabalho doméstico (remunerado
e não remunerado) à figura da mulher e, por consequência, associa ao homem a posição
de poder, a tomada de decisões e o trabalho (financeiramente) valorizado. Nesse contexto
é possível percebermos que a força de trabalho e as posições de poder, que marcam a
esfera do público, se destinam aos homens e, a detrás da figura masculina há, na esfera
privada, um outro espaço reservado às mulheres: o doméstico, o cuidado, as famílias. Em
todas as sociedades contemporâneas sobre as que se tem estatísticas, as mulheres realizam
a maioria das tarefas domésticas, ou seja, o trabalho não remunerado e associado “a
definição de mulheres como pessoas cuidadosas, gentis, diligentes, estando sempre
prontas para se sacrificarem pelos outros, por exemplo, como ‘boas mães’.” (CONNELL;
PEARSE, 2015, p.33) Sobretudo, não podemos nos olvidar que o trabalho doméstico é,
também, atravessado pelas questões de classe e raça.
Nesse óbice, é imprescindível abordar também a questão da maternidade. No
entanto, para evitarmos cair em essencialismos, é preciso ir para além do reconhecimento
do peso desigual e das concepções naturalizadas pela sociedade de maternidade e de
paternidade, para perceber como a ideia de maternidade, difundida social e culturalmente,
pressupõe em alguma medida a estabilidade e a homogeneidade das relações familiares,
as quais engendram como ideal de referência e que orientam a organização do sistema
capitalista como um todo. É nesse contexto que se constroem mesmo quando possível
adentrar ao mercado de trabalho, grande parte das mulheres trabalhará em duplas, triplas
jornadas, acumulando o trabalho remunerado com o não remunerado, haja vista além da
naturalização que impõe às mulheres o trabalho doméstico, há a naturalização de que os
homens não são responsáveis por ele.
Assim, partindo de Silvia Frederici (2019, p. 68), é de grande valor termos
consciência que o trabalho doméstico se estende para além de simplesmente limpar a casa.

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“É servir os assalariados física, emocional e sexualmente, preparando-os para o trabalho


dia após dia”, logo “por trás de toda fábrica, de toda escola, de todo escritório, de toda
mina, há o trabalho oculto de milhões de mulheres”. Além disso, quando é possível às
mulheres ascenderem ao espaço público, ao trabalho remunerado, a cargos de liderança,
não são raras as vezes em que existirão outras mulheres “cuidando” do espaço doméstico.
A exploração entre mulheres, seja em razão da raça ou da classe, sempre existiu e, essa
também não pode ser ignorada.
Por fim, ao falamos em divisão sexual do trabalho é mister observarmos o sistema
binário e excludente em que estamos inseridos, o qual, a priori, considera basicamente a
existência apenas de (homens e mulheres) cisgêneros e heterossexuais, tornando invisível
todas as outras identidades de gênero e sexualidades. Entretanto, uma visão mais ampla
e totalitária é imprescindível para compreendermos que essa divisão é composta por
elementos que extrapolam as barreiras da mera concepção binária, englobando tanto a
orientação sexual como outras expressões de identidades (CISNE; SANTOS, 2018, p. 66)
e, portanto, está vinculada à construção histórica e cultural. É imperioso, em todas as
discussões aqui traçadas, nunca esquecermos de como opera também, simultaneamente
aos recortes de gênero, a própria divisão de classes sociais e, também, a divisão racial.

3 ASPECTOS DO MACHISMO NO MUNDO CORPORATIVO


A organização dos meios produtivos e do mercado de trabalho é condicionada às
transformações sociais e econômicas. Por conta disso, presume-se que a segmentação do
trabalho é advinda da pré-história, em que os homens eram encarregados das tarefas
arriscadas enquanto às mulheres cuidavam das crianças e faziam trabalhos manuais
(LIMA, 1980). Desde então, a sociedade e o sistema capitalista preponderante se
constituíram em uma cultura segregacionista e excludente.
Entretanto, esse modelo de produção estabilizado após as revoluções industriais,
voltado para o aumento de produção e valorização do capital, fez com que um novo perfil
fosse dado a classe trabalhadora: um que também tinha espaço para as mulheres. Ainda
assim, a mão de obra feminina era condicionada às baixas condições de pagamento e
cargos que não demandavam elevadas habilidades cognitivas (SILVEIRA, 2008).
O fortalecimento de culturas organizacionais machistas é relacionado aos
paradigmas socioculturais do lado de fora do mercado de trabalho. Morgan (2007)
justifica essa questão ao dizer que os princípios éticos e culturais que os indivíduos
carregam com si não são facilmente deixados ao passar pela porta de entrada de seu

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trabalho- ou não eram nem cobrados para serem até os primórdios do século XXI. Tal
questão evidencia que, desde muito tempo, a sociedade vem naturalizando um ambiente
organizacional machista por ser habituado nos outros espaços sociais.
O avanço nas legislações é um dos alicerces da igualdade de gênero no mundo
corporativo. A OIT teve um papel significativo no desenvolvimento de legislações
brasileiras para a busca da garantia de maior equidade salarial, proteção à maternidade e
condições de trabalho. As convenções da OIT não só desencadearam avanços legais, mas
contribuíram com a conscientização e transformação cultural dos paradigmas
segregacionistas (BACHUR; MANSO, 2011, p. 17).
Todavia, a justiça de gênero na prática apresenta uma grande lacuna sobre o que
se apresenta nas teorias do seu amparo legal. Cavazzote, Oliveira e Miranda (2010)
ressaltam que a diferença salarial e a dificuldade de ascensão profissional são duas
questões hodiernas que ainda determinam respeito, oportunidade e, em muitas vezes, o
futuro das mulheres afetadas. Nesse sentido, ainda que os meios de comunicação tenham
intensificado a conscientização e a percepção a respeito da igualdade tenha se
manifestado em uma curva crescente, os ambientes organizacionais continuam
propagando costumes que minimizam a capacidade da mulher e a colocam em posições
de inferioridade (OIT, 2000; WIRTH, 2001).
Wirth (2001) pontua a segregação ocupacional como uma forte representação do
mundo corporativo ainda ser masculinizado. Isso porque a ocupação profissional
feminina que deveria ser legitima, é, em muitas vezes, legitimada. Com base em
estatísticas da América do Norte, Wirth (2001, p. 11) delimitou que as mulheres, ainda
mais de baixa renda, tendem a se manter por boa parte de suas vidas em profissões como
professoras de ensino básico, cabelereiras, enfermeiras e empregadas domésticas.
Enquanto homens têm um leque de oportunidades profissionais muito maior para se
desenvolverem ao decorrer de sua vida, ainda mais que tendem a ser isentos de possíveis
pausas na carreira por conta da paternidade.
No documento da OIT elaborado por Wirth (2001, p. 38), outra questão conexa
seria à discriminação por formação profissional. As análises mostram que homens são
propensos a terem uma formação em nível educacional maior, assim como apresentarem
mais cursos de qualificação profissional setorizados, fato que privilegia à ascensão de
cargos nas carreiras enquanto as mulheres são mais propensas a interromperem sua
educação ante às demandas familiares.

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Apesar da desigualdade salarial ser em menor porcentagem em algumas regiões


do mundo, é um problema de caráter universal (ILO, 2015). As propostas salariais
direcionadas às mulheres são propensas a serem inferiores do que aos homens e não serem
passíveis de negociação, enquanto do outro lado, os salários masculinos tendem a ser ao
menos 25% mais elevados Wirth (2001, p. 39).
Com isso, o mundo corporativo se apresenta em um caminho que ainda precisará
de muitos anos até oferecer condições igualitárias de trabalho independente do gênero.
Nesse sentido, Wirth (2001, p. 44) ressalta que revestir o conceito de desigualdade de
gênero em um viés exclusivamente mercadológico é ignorar a responsabilidade individual
na busca de igualdade, e não condiz com pressupostos de desenvolvimento humano e
sócio espacial.
Durante o ano atípico de 2020, a pandemia intensificou a segregação de gênero
no trabalho (ONU, 2020). O gênero feminino foi sobrecarregado por conta do fechamento
das escolas e por conta de muitas tarefas de trabalho serem permitidas fazer em casa, uma
vez que a cultura machista hegemônica ainda coloca a mulher como maior responsável
por atividades domésticas e maternais (IPEA, 2020).
Na soleira desse período de instabilidade e desproteção social, muitos setores que
geradores de empregos formais para mulheres reduziram suas atividades de subsistência,
ocasionando em demissões em massa seguidas de dificuldade de novas contratações
(ONU, 2020, p. 1). Desse modo, a pandemia agravou ainda mais o estigma social das
profissões segmentadas por gênero.
A vulnerabilidade em trabalhos relacionados aos cuidados em lares, suspensos por
conta das medidas de contenção do contágio do coronavírus, também aumentou riscos
associados à violência sexual, assédio moral e precarização das condições do trabalho
(IPEA, 2020, p. 8). Assim, ambientes de trabalho ficaram mais distantes de se tornar
equitativos de condições e transformaram-se em ambientes de risco. Por isso,
evidenciamos a necessidade de implementação de políticas locais que reconheçam e
prestem assistência às mulheres que foram- ou podem vir a ser afetadas.

4 A POSIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO


SOBRE IGUALDADE DE GÊNERO
Embora os debates feministas tenham progredido na sociedade atual,
proporcionando maior consciência sobre os problemas havidos e possibilitando,
consequentemente, a movimentação das estruturas há muito mantidas, é necessário

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reconhecer que a problemática da desigualdade material de gênero, principalmente no


mercado de trabalho, ainda se faz presente. Todas as barreiras apresentadas são
determinantes na trajetória de mulheres, de modo que a equidade é uma meta a ser
alcançada.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada no ano de 1919, é
responsável pela aplicação e formulação de normas internacionais do trabalho, sejam elas
recomendações ou convenções ratificadas pelos países, de modo que estes se
comprometam a assegurar um padrão justo e digno nas condições de trabalho.
(PIOVESAN, 2011, p. 117).
No ano de 1944, a constituição da OIT foi renovada e fortalecida pela Declaração
de Filadélfia, que a ela atribuiu uma série de princípios e objetivos a serem seguidos pela
organização. Para tanto, conforme o disposto na alínea “a”, título II, do anexo
correspondente à declaração, referente aos fins e objetivos da Organização Internacional
do Trabalho, a mesma passou a reconhecer expressamente o direito à igualdade e a
paridade de oportunidades entre homens e mulheres, de modo que: “todos os seres
humanos de qualquer raça, crença ou sexo, têm o direito de assegurar o bem-estar material
e o desenvolvimento espiritual dentro da liberdade e da dignidade, da tranquilidade
econômica e com as mesmas possibilidades” (DECLARAÇÃO DE FILADÉLFIA,
1944).
Assim, resta evidente que a discriminação de gênero viola princípios e direitos do
trabalho, direitos humanos e a própria noção de justiça social. Para tanto, a partir da
Declaração de 1944, a Organização engajou-se na proposta de equiparação e, nos anos
seguintes, apresentou uma série de Convenções a serem ratificadas pelos Estados,
vinculando a eles o compromisso de suprirem o débito social baseado na desigualdade de
gênero.
Dentre as inúmeras convenções havidas, preferimos nos restringir à análise de
três, justamente devido a sua relevância e por estarem direcionadas aos temas de paridade
de gênero no mercado de trabalho, visando dirimir as controvérsias da segregação e
permitir um ambiente mais justo e igualitário.
Primeiramente, temos a Convenção sobre a igualdade de remuneração (n° 100),
adotada no ano de 1951. Tal convenção preza, especificamente, pela eliminação da
discriminação entre homens e mulheres em termos de remuneração, determinando o
pagamento igual para trabalhos de igual valor. Nesse sentido, o termo “remuneração”

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inclui o salário ou tratamento ordinário e qualquer adicional/vantagem pago pelo


empregador que decorra da atividade realizada. (ILO, 1951).
Conforme um estudo realizado pela OIT3, a disparidade de remuneração entre os
sexos é, no geral, variável entre 16 e 22% (a depender de qual medida de análise é
utilizada).4 (ILO, 2018, p. 16). Por meio da análise do estudo, notamos que tal disparidade
é resultado de uma problemática estruturada por fatores como a baixa participação de
mulheres em cargos assalariados, divergência entre graus de escolaridade, além da
própria disparidade entre a remuneração de mulheres de mães e não mães (ILO, 2018, p.
18), o que reforça as barreiras impostas para alcançar a igualdade no mercado de trabalho.
No mesmo sentido, há o que a Organização chama de “fator inexplicável da
desigualdade salarial”. Isso porque a pesquisa demonstra que, em diversos países as
diferenças de características e atributos muitas vezes não são fatores determinantes para
a desigualdade salarial, de modo que uma mulher, ainda que equiparada a um homem em
todos os aspectos profissionais – incluindo grau de escolaridade, cargo ocupado,
atribuições, carga horária, etc. –, continuará sendo prejudicada pelo salário reduzido.
(ILO, 2018, p. 18).5 Como resultado, além de prevermos aspectos voltados a uma
estereoripação que coloca mulheres em determinados nichos e impede sua ascensão, fica
claro que também existem aspectos relacionados à desvalorização daquelas que alcançam
determinada posição hierárquica no mercado, desmerecendo sua atuação por meio da
remuneração.
Assim, seguindo a Convenção nº 100, os Estados se comprometem a garantir a
aplicação6 do princípio da igualdade de remuneração entre homens e mulheres para
trabalhos de igual valor. A Convenção manifesta sua aplicação por meio de leis nacionais,
mecanismos de determinação de salário mínimo, além de acordos entre empregadores e
empregados. (ILO; ACTRAV POLICY BRIEF, 2019, p. 06). Desta forma,
independentemente dos mecanismos adotados para que haja a equiparação, é essencial
que as partes – sejam governos, empregadores e organizações – estejam completamente

3Relatório Salarial Global 2018/19.


4As duas medidas usadas com mais frequência são 1. média de diferença de pagamento por gênero e 2. mediana de diferença de
pagamento por gênero. A segunda compara os valores localizados no meio da distribuição de salários femininos com o valor no meio
da distribuição de salários masculino. (ILO, 2018, p. 16).
5No texto original: “One part of the answer relates to lower wages paid to women for work of equal value. Providing some perspective

on this question, though not a full answer, the report looks at occupational categories and shows that in many countries women are
more highly educated than men within the same occupational categories but nonetheless earn lower wages. This illustrates the fact
that women tend to have lower wage returns for their education than men, even when they work in the same occupational category.”
(ILO, 2018, p. 18).
6Se uma convenção for ratificada, os governos deverão informar periodicamente à Organização Internacional do Trabalho como ela

está sendo aplicada na prática. (ILO; ACTRAV POLICY BRIEF, 2019, p. 06).

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comprometidas com a meta (WIRTH, 2001, p. 157), buscando uma justiça social de
gênero que resguarde o trabalho.
Desta forma, a segunda Convenção escolhida para a análise e que abrange tema
de igualdade de gênero é a Convenção de Discriminação em Matéria de Emprego e
Ocupação (nº 111), de 1958. Em seu texto, mais especificamente na alínea “a” define
discriminação como: “toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo,
religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito
destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego
ou profissão.” (ILO, 1958). Nesse ponto, são tratadas as discriminações positivas, ou seja,
pelas barreiras que se materializam pelo tratamento desigual.
Se a Convenção nº 100, anteriormente mencionada, respaldava a remuneração das
mulheres que conseguiram ascender a determinado cargo, a Convenção nº 111, por sua
vez, resguarda aspectos de segregação ocupacional baseada em gênero, ou seja, que
impede ou dificulta a ascensão/acesso de mulheres a determinados cargos, motivada,
principalmente pela estereotipação das atividades dentro de um mercado e uma sociedade
que, conforme demonstrado, estão organizados de maneira machista e excludente
Sobre tal aspecto, a mera atitude de “banir” a discriminação, por si só, não é
suficiente para acabar com a sua prática, de modo que, conforme a Organização
Internacional do Trabalho, há a necessidade de que os governos realizem uma abordagem
sistemática em busca da igualdade. Assim, aos Estados que ratificaram a Convenção cabe,
nesse sentido, se responsabilizarem pela busca de políticas destinadas a eliminar qualquer
forma de discriminação no mercado de trabalho, eliminando leis contraditórias à
determinação da OIT, contando com a cooperação das organizações trabalhistas e dos
empregadores para a criação de leis e programas educacionais aptos para implementar a
política de igualdade no país. (WIRTH, 2001, p. 155).
Por fim, a terceira e última convenção preferida e relacionada ao tema é a
Convenção Sobre a Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Homens e
Mulheres Trabalhadores: Trabalhadores com Encargos de Família (nº 156), de 1981, que
reconhece a necessidade de equiparação de oportunidades para que os trabalhadores e
trabalhadoras com encargos de família possam, sem prejuízo, se preparar e ingressar no
mercado de trabalho. (ILO, 1981).
Neste ponto, embora a Convenção não disponha diretamente sobre a equiparação
entre homens e mulheres, entendemos esta como uma política necessária na luta pela
igualdade. Isso porque, conforme já demonstrado, as mulheres ainda são segregadas de

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acordo com suas responsabilidades e “papéis tradicionais” (como a maternidade),


materializadas em barreiras para seu ingresso, ascensão, além de sua manutenção no
mercado de trabalho. Assim, a Convenção prega, especificamente, pela proteção aos
trabalhadores e trabalhadoras que tenham sob sua responsabilidade filhos e dependentes,
condições para que possam ter direito à livre escolha de emprego, promoção de serviços
comunitários para atender à infância e à família, além de treinamento profissional para
que possa, efetivamente, se integrados, permanecer ou retornar ao mercado de trabalho.
(WIRTH, 2001, p. 159).
Por fim, cabe mencionar que, conforme informações do site oficial da
Organização Internacional do Trabalho (International Labour Organization)7 as
Convenções nº 100, 111 e 156 foram ratificadas, respectivamente, por 173, 175 e 45
países, que se comprometeram a adotar as políticas pertinentes para sua aplicação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das perspectivas apresentadas, compreendemos que existem muitos
desafios para a promoção de um ambiente de trabalho equitativo ante à cultura patriarcal
e machista presente na sociedade. Ainda que tenham mesma capacidade de desenvolver
tarefas feitas por homens e que muitas sejam igualmente qualificadas profissionalmente
para desempenhá-las, o trabalho das mulheres vem sendo cada vez mais precarizado.
Anos de lutas para impor as legislações existentes podem ser retrocedidos senão
investirmos em medidas que desmascarem culturas organizacionais segregacionistas.
A pesquisa evidencia que as barreiras que impedem a equidade se manifestam de
diversas formas e colocam as mulheres em determinadas posições baseadas em rótulos
determinados por suas características físicas e sociais. Os efeitos do isolamento social
para o mundo corporativo dificultam que as mulheres se mantenham ativas e com
condições de estabilidade para garantirem sua independência financeira. Portanto,
concluímos que, mais do que antes, faz-se necessário trazer o tema à tona para apreender
as raízes dessa questão que afetam diariamente milhares de mulheres de diferentes áreas
de atuação profissional.
No ano de 2019, a Organização Internacional do Trabalho completou seu
centenário e, pela análise das políticas e convenções da OIT, percebemos uma antiga
preocupação com a equiparação de mulheres e homens dentro do mercado. Para isso, são

7As informações referentes aos países que ratificaram as convenções podem ser obtidas em:
https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=1000:12001:::NO:::

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visíveis os esforços da organização, que apresentou ao longo de sua existência


convenções prezando pela igualdade. As principais delas, já apresentadas (nº 100, 111 e
156), simbolizam o reconhecimento internacional da luta pela igualdade de
oportunidades.
Entendemos, dessa forma, que a adoção conjunta das convenções – utilizadas
como base, – com políticas e propostas criadas pelos Estados – utilizadas como atos, –
surtiria efeitos positivos na desconstrução da cultura machista, permitindo o acesso de
mulheres para cargos de gerência. Para vencermos essa barreira, como o inicio de um
longo processo, entendemos que é imperioso a conscientização de líderes empresariais e
líderes políticos, para que possam investir, de fato, em medidas e políticas públicas de
incentivo a igualdade de gênero no mercado, bem como a conscientização de membros
da sociedade civil, para atuarem em conjunto, como mecanismos de articulação de uma
estrutura organizativa com aspectos democráticos. Além disso, ao considerar as questões
estruturais e inerentes à construção político-social dos indivíduos, portanto, a mudança
desse paradigma social tende a ser lenta e depender de uma luta diária. Ao transformar a
sociedade em si que repercutiremos sobre as organizações, que precisarão enxergar esse
processo de mudança de forma sistêmica.
Para este estudo, as escolhas metodológicas e a base dados, em pluralidade
fornecidas pela OIT, foram fundamentais para evidenciar traços genéricos nas
organizações que ajudam entender as barreiras invisíveis que impedem que as mulheres
ascendam hierarquicamente. Assim, notamos que as abordagens teóricas discutidas
desvelam uma incipiência a respeito da desigualdade, reforçadas por meio de
manifestações culturais da organização, como tratamento inferiorizado, práticas de
autoridade e discrepância de salário, que circunscrevem um espaço para as mulheres que
não é condizente com que deveria ser equitativo.

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