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LÉO PINHEIRO/VALOR
Longevidade
e IBGE unem
geógrafos
centenários
Lucianne Carneiro ga carreira, aparecem estudos so-
Do Rio bre a industrialização na Grande
São Paulo, o avanço da urbaniza-
Dois geógrafos unidos pela lon- ção na Baixada Fluminense e uma
gevidade e pelo trabalho no Insti- divisão geoeconômica do Brasil
tuto Brasileiro de Geografia e Esta- em três regiões: Amazônia, Nor-
tística (IBGE): Pedro Pinchas Gei- deste e Centro-Sul. O modelo re-
ger e Fany Davidovich estão com lacionava a forma de organização
100 anos e somam mais de sete dé- do território e o desenvolvimento
cadas de trabalho na instituição. do país, deixando para trás divi-
Os dois eram filhos de imigrantes e sões que levavam em considera-
foram colegas de faculdade no ção apenas fatores físicos.
curso de geografia e história na en- Desenvolvida no fim dos anos
tão Universidade do Brasil (hoje a 60, a divisão ainda é atual hoje, di-
Universidade Federal do Rio de Ja- zem acadêmicos como a professo-
neiro, a UFRJ). A proximidade é ra do Instituto de Geografia da
tanta que moram até no mesmo Universidade do Estado do Rio de
prédio, localizado no bairro do Janeiro (Uerj) Mônica Machado e o
Flamengo, na zona sul do Rio. A professor aposentado da Universi-
compra, cada um de seu aparta- dade Federal do Rio de Janeiro
mento, foi ao lado de outros ami- (UFRJ) Claudio Egler, também in-
gos da comunidade judaica na tegrante da Comissão Consultiva
época da construção. do Censo Demográfico 2022. Pedro Geiger: um de seus orgulhos é o livro “Evolução da rede urbana brasileira”, considerado por especialistas um clássico no campo da geografia urbana
Geiger, que comemorou o cen- “A divisão regional criada por
tenário em 1 o de março, chegou Geiger nos anos 60 explica até hoje de Lima, analisa a expansão acele- nomia e a política se correlacio-
ao IBGE em 1942, apenas seis anos um pouco da dinâmica brasileira, Complexos regionais brasileiros rada das aglomerações urbanas, nam. É um pensamento que pro-
depois da criação do instituto e que apresenta o país a partir do Divisão por regiões geoeconômicas foi criada por Geiger em 1964 com base no Censo Demográfico cura explicar e apresentar a confi-
antes mesmo de se formar. Ele Centro-Sul, com São Paulo no cen- de 1970. No texto, defendia que o guração espacial no seu conteúdo
conta que foi o primeiro geógrafo tro, uma Amazônia de base mais planejamento deveria levar em e no seu movimento. Ele é moder-
do IBGE, levado pelo francês Fran- natural e o Nordeste. É claro que o consideração a interdependência no, com uma visão muito aberta,
cis Ruellan, seu professor na facul- Nordeste está diferente, a Amazô- das aglomerações urbanas, em não fica no passado”, diz ela.
dade. Ruellan teve papel impor- nia também, mas a força do Centro particular na escala regional. Adma Hamam de Figueiredo
tante também na formação de Da- é muito grande em termos econô- Depois do IBGE, foi pesquisa- classifica Geiger como “um intér-
vidovich. A aposentadoria veio 42 micos e políticos”, diz Machado, dora do Programa de Pós-gra- prete do seu tempo”, acompa-
anos depois, em 1984. que levou Geiger para dar aulas na duação em Planejamento Urba- nhando as mudanças de um Brasil
No instituto, Geiger participou Uerj até 2015. “Os alunos queriam no e Regional do Instituto de Pes- eminentemente agrário que foi se
de estudos de destaque nas áreas tirar foto com ele porque era o quisa e Planejamento Urbano transformando ao longo das déca-
de geografia humana e urbana. criador da divisão regional que es- (IPPUR) da UFRJ, entre 1998 e das em um país industrial.
Principalmente na fase inicial tudaram nos livros didáticos. Gei- 2004, onde colaborou com o Ob- “Ele pegou um país na década
percorreu o país em expedições ger se renovou com essa geração.” servatório das Metrópoles. de 40 e acompanhou pelo IBGE
territoriais para levantar dados e até a década de 80. Soube absor-
elaborar mapas, como a primeira ver e colocar a geografia na in-
“ “
delas, nos anos 40, ao Jalapão. Acompanhei a Complexo regional
O Brasil tem terpretação do país e fazer pro-
“Acompanhei o processo de evo- evolução do da Amazônia jeito. [...] É um postas”, nota.
lução do Brasil, a industrialização, Um dos orgulhos de Geiger é o
a urbanização... Conheço cada pe-
Brasil, a Complexo regional grande país, fora seu livro “Evolução da rede urbana
do Centro-Sul
dacinho do país”, conta ele, que industrialização, da área de brasileira”, considerado por espe-
continua acompanhando o que a urbanização... Complexo regional
do Nordeste conflitos cialistas um clássico no campo da
acontece no Brasil e inclusive vo- geografia urbana. Na obra, ele
tou na última eleição presidencial.
Conheço cada mundiais. É classifica as cidades brasileiras, ca-
Daquela primeira expedição pedacinho do uma grande racteriza as metrópoles nacionais
ao Jalapão, lembra do receio de país” Fonte: GEIGER, Pedro Pinchas. Organização regional do Brasil, na Revista Geográfica
vantagem” e delimita as hierarquias urbanas e
se perder do resto da equipe, for- as redes da cidade. Hoje, se tivesse
mada também por engenheiros, que reescrever a obra, diz que da-
topógrafos e profissionais de Um pouco mais velha, com até 1992, quando se aposentou. geografia, com especialização no Geiger também exerceu ativida- ria um outro título, que desse mais
geodésia. Por indicação de Ruel- 100 anos completados em 9 ou- “Minha mãe tinha o entusiasmo estudo das áreas metropolitanas. des em órgãos de planejamento destaque às relações humanas.
lan, levou alguns aparelhos, co- tubro, Fany Davidovich chegou de quem estava descobrindo uma Permaneceu até um período mais após a aposentadoria e intensifi- “Esse livro trata da evolução das
mo um barômetro (para medir a ao IBGE em 1960 e ali permane- nova utilização da geografia, para recente que o do Geiger no IBGE e cou a participação em debates e cidades. Hoje não usaria mais essa
pressão atmosférica), uma bús- ceu até 1992, quando se aposen- estudar urbanização. Foram traba- depois avançou em pesquisas”, diz trabalhos como professor. Antes, expressão. Se fosse reescrever, seria
sola e um podômetro (para me- tou. Sua área de estudos foi a geo- lhos revolucionários, de descober- Adma Hamam de Figueiredo, que havia lecionado como professor vi- a rede das relações sociais do urba-
dir a distância percorrida). grafia urbana, especialmente o tas, e ela se animava muito com is- é gerente de Atlas e Representação sitante na Universidade Columbia, no. A rede é das relações, as cidades
“A gente fazia isso de cima de avanço das metrópoles. so”, revela o filho, que é professor Territorial no IBGE e conviveu com nos Estados Unidos, na Universi- são inertes. O que está em funcio-
um burro, que mexia muito. Quan- Com perfil mais fechado e dis- do Instituto de Física da UFRJ. ambos os geógrafos no instituto. dade de Paris, na França, e na Uni- namento são as atividades huma-
do mudava de direção, precisava creto ao longo da vida, Davidovi- No começo de sua passagem pe- Em entrevistas concedidas no versidade de Toronto, no Canadá, nas, que criam as cidades”, conta.
parar um pouco o burro [para o ch está com a saúde debilitada e lo IBGE, nos anos 60, Davidovich passado, Davidovich falou de co- nos anos 60 e 70. A despeito dos 100 anos re-
aparelho voltar a medir]. Os outros preferiu não dar depoimento foi parte do Grupo de Geografia mo “questões urbanas ocuparam No período pós-IBGE, o geó- cém-completos, Geiger continua
da equipe não paravam e ficavam nem ser fotografada pelo Valor. das Indústrias. Ao longo da carrei- lugar central na sua produção in- grafo — que chegou a coordenar com projetos novos e planos de
cada vez mais longe. Fiquei com Seu filho, Luiz Davidovich, lem- ra, se destacou pelos estudos sobre telectual” e também do fato de seu o Departamento de Geografia do estudo. Ele joga xadrez pelo com-
pavor de me ver perdido naquele bra o entusiasmo da mãe com o aglomerações urbanas e metrópo- trabalho ter “orientação para o en- instituto — também reforçou a putador, com jogadores de ou-
lugar. Eram trilhas, não havia es- trabalho. Ela parou de trabalhar les. Já nos anos 70 defendia a ne- saio acadêmico”. “Fany se caracte- característica do conhecimento tras partes do mundo, faz diaria-
tradas nem automóveis. Mas vi que como geógrafa no nascimento cessidade de planejamento para rizou pelo enfoque interpretativo amplo e além da geografia, mente sudoku (jogo de lógica
o burro sabia o caminho e fiquei do filho e voltou em 1956, quan- ordenar a expansão urbana, levan- com viés político em seus traba- apontam relatos. com números) e está escrevendo
mais sossegado”, conta Geiger. do ele tinha dez anos. do em consideração a interdepen- lhos”, escreveu Ciro Marques Reis, “Ele sempre foi uma pessoa cul- dois livros, com computador e
A outra lembrança do Jalapão A retomada foi curiosa, conta dência das aglomerações urbanas. pesquisador do Grupo de Pesquisa ta, que construiu visões de mundo também à mão. Um deles é uma
veio de sua mulher, a artista Anna ele: uma amiga a inscreveu, sem E ela não foi a única geógrafa Geografia Brasileira: História e Po- através de conhecimento de várias releitura do Antigo Testamento e
Bella Geiger, de 90 anos, durante avisar, no XVIII Congresso da de destaque da família. Sua irmã lítica (GeoBrasil), no livro “Dicio- áreas. Uma visão mais abrangente, o outro é um debate sobre o mun-
a conversa: ele caiu com o burro União Geográfica Internacional, mais nova, Bertha Koiffmann Be- nário dos Geógrafos Brasileiros”. que se perdeu um pouco nas gera- do e o Brasil na atualidade. “Que-
em uma areia movediça. “Conse- realizado em agosto de 1956, no cker, nascida em 1930 e que vi- Nos estudos publicados nos ções atuais”, afirma Claudio Egler. ro publicar ainda este ano”, diz.
gui me segurar nas plantas e tirei Rio. Foi esse congresso, lembra veu até 2013, foi uma das geógra- anos 70 sobre as aglomerações ur- Mônica Machado vê em Geiger Neste contexto, define-se como
o corpo para fora”, diz. Em 2019, o Egler, que ajudou a dar visibilida- fas mais reconhecidas no Brasil banas, já defendia a necessidade “um pensamento sem limites otimista, diz que o Brasil “tem jei-
trabalho foi relançado no livro de à geografia brasileira e ao IBGE pelo pioneirismo no estudo na de planejamento urbano para or- disciplinares”, com rica forma- to” e destaca sua localização. “O
“Jalapão: ontem e hoje”, que in- no cenário internacional. Quatro área ambiental e da expansão da denar e planejar a expansão. O ar- ção cultural e a união de diferen- Brasil tem jeito. [...] É um grande
clui o relatório da expedição. anos depois, em 1960, Davidovi- fronteira agropecuária, princi- tigo “Contribuição ao Estudo de tes áreas de conhecimento. país, fora da área de conflitos mun-
Para além desse projeto, entre ch começou o trabalho no IBGE, palmente na Amazônia. Aglomerações Urbanas no Brasil”, “Ele sempre teve essa visão inte- diais, não tem guerra. É uma gran-
os trabalhos de destaque da lon- onde permaneceu por 32 anos, “A Fany foi muito atuante na escrito com Olga Maria Buarque gradora, em que a cultura, a eco- de vantagem”, afirma.