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Cena da alcoviteira (Brísida Vaz)

Percurso Cénico: A Alcoviteira, ao chegar ao cais, aproxima-se da barca do Diabo e este diz-lhe
que ela vai para o Inferno, depois deste lhe dizer que ela não tinha lugar no Paraíso. Então, Brísida
Vaz vai falar com o Anjo, tratando-o com muito carinho, mas este este nega-lhe a entrada na sua
barca, acabando a Alcoviteira por aceitar a sentença e embarca na barca rumo ao Inferno.

Elementos Cénicos e sua simbologia/Caracterização Indireta:


-Seiscentos virgos postiços: utilizado para representar a prostituição.

-Três arcas de feitiços: as arcas de feitiços estão a ser utilizadas para dizer que ela era uma feiticeira.

-Três almários de mentir: simbolicamente servem para referir que Brísida Braz era uma mentirosa.

-cinco cofres de enleos: estes cofres estão a querer expressar que a Alcoviteira era intriguista.

-Alguns furtos alheos: quer mostrar que ela era ladra.

Caracterização Indireta através da linguagem: prostituta, feiticeira, mentirosa,


intriguista, ladra fugitiva, dramática, hipócrita, manipuladora.
Caracterização Direta:
Alcoviteira: Autocaracterização:
-Apresentação: “Houlá da barca, houlá!”, “Brísida Vaz.” A alcoviteira
apresenta-se como se toda a gente a conhecesse, dizendo o seu nome.
-Argumentos de Defesa: Brísida Vaz defende-se, afirmando ser uma mártir, por
ter levado açoites e ter suportado muitos tormentos, “Eu sô ua mártela tal,
/açoutes tenho levados / e tormentos soportados”, ainda diz ter dado moças
aos molhos, e meninas para os cónegos da Sé “ Eu sô aquela preciosa/ que
dava moças a molhos, / que criava as meninas pera os cónegos da Sé…”;
acredita ser boa pessoa, pura e ainda diz que fez coisas divinas “E eu sou
apostolada,/ angelada e martelada, /e fiz coisas mui divinas.”
 A defesa arquitetada e posta em prá tica pela Alcoviteira revela mentira,
hipocrisia, descaramento. Considera-se uma má rtir por ter sido açoitada
diversas vezes e compara a sua missã o à dos apó stolos. Chega até a afirmar que
converteu mais moças do que Santa Ú rsula, que nenhuma delas se perdeu e que
todas se salvaram. Trata-se de uma linguagem ambígua, em que os termos
converter, salvar e perder-se, frequentes em textos religiosos, saem dos seus
lá bios com um significado chulo (ela atraiu (converteu) muitas raparigas para a
prostituiçã o, tirou-as (salvou-as) de uma vida de pobreza e todas tiveram
sucesso/clientes (nenhuma se perdeu)).
-Aceitação da Sentença: “Hou barqueiros da má-hora, / que é da prancha, que
eis me vou? / E há já muito que aqui estou, / e pareço mal cá de fora.”
Finalmente a Alcoviteira aceita ir para a Barca do Inferno, sentindo-se
resignada.
-Diabo: Heterocaracterização:
-Receção: “Quem chama?”
-Acusação
-Sentença: A Alcoviteira embarca (“ora ponde aqui o pé…” – v. 505).

Anjo: Heterocaracterização:
-Receção: “Eu não sei quem te cá traz…”
-Acusação:
-Sentença: “Ora vai lá embarcar, / não estês emportunando.”
- A Alcoviteira usa léxico de cariz religioso como “converter”, “salvar”, e “perder-se”, embora
com um sentido diferente (“converter” significa levar as moças para a prostituição, “salvar”
com sentido de livrar as moças da penúria e “perder-se” no sentido de não conseguir
clientes).

Cómicos:
Linguagem: "cuidais que trago piolhos"; "barqueiro mano meus olhos prancha
a Brisída Vaz".
Caractér: ’ eu som apostolada … fiz causas mui divinas’’

Intenção Crítica: Com esta obra, Gil Vicente pretenda criticar, não as
prostitutas, mas os agentes da prostituição, como é o caso de Brísida
Vaz.
Nesta cena faz-se também uma crítica ao clero (“Eu sou aquela preciosa / que dava as
moças a molhos, / a que criava as meninas / pêra os cónegos da Sé…” Note-se que, no
século XVI, meninas era o nome reservado às raparigas burguesas, ricas e educadas.
Segundo a Alcoviteira, estas eram reservadas aos clientes pertencentes a classes sociais
altas (nobreza e clero). As moças eram raparigas do povo, pobres, muitas vezes com
grandes dificuldades económicas, vivendo na miséria e serviam para satisfazer as classes
sociais mais baixas (Brízida Vaz diz que “salvou” muitas moças da miséria, mas acabou por
convertê-las a uma miséria ainda maior – a prostituição).

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