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TEMAS ESPECIAIS - DIREITO CIVIL

Novos Paradigmas de Danos III

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NOVOS PARADIGMAS DE DANOS III

A Teoria Geral da Responsabilidade Civil classicamente não lidava com o enfretamento


teórico do passado. Por exemplo, uma citação ao chamado dano existencial a alguns anos
era algo bastante raro, tratando-se de uma categoria muito especial de dano e que ainda
está se consolidando na jurisprudência. Conforme visto, o dano existencial traduz um tipo
de lesão ou prejuízo que rebaixa a qualidade de vida do sujeito, impondo a ele um “não
fazer” e o sofrimento no sentido de lhe negar a realização de algo que era possível antes
do dano sofrido. Assim, enquanto o dano moral traduz a lesão ao direito da personalidade,
gerando uma aflição (dor) psicológica (considerando a perspectiva da pessoa física), o dano
existencial é algo voltado a pessoa humana, atacando o sujeito no tempo e espaço.
Uma leitura possível no campo do dano existencial é a do desvio produtivo do consumidor,
temática contemporânea e de grande importância elaborada pelo professor Marcos Dessaune.
Relacionado à tese, encontra-se o conceito de tempo, que quanto a sua natureza jurídica, é
um fato jurídico em sentido estrito, ou seja, um acontecimento natural que pode resultar no
ganho ou na perda de direitos. Todavia, o tempo, em uma perspectiva estática, é um valor
juridicamente tutelável, característica que passou a ser observada pelo direito brasileiro.
Assim, a usurpação indevida do chamado “tempo livre” é algo que exige uma resposta do
Poder Judiciário, podendo inclusive gerar a responsabilidade civil. Em sua obra, Dessaune
apresenta diversos exemplos de usurpação indevida do tempo do consumidor, ocorrência
que desviaria a sua capacidade produtiva. Por exemplo, uma espera excessiva do cliente em
uma fila de banco para que possa utilizar um serviço básico pode caracterizar uma situação
ilícita de desvio produtivo da capacidade do consumidor pela usurpação indevida do seu
tempo, desafiando a responsabilidade civil e configurando um ilícito.
5m
Dessa forma, o desvio produtivo do consumidor configura, além do dano moral, o dano
existencial, tratando-se de um dano que rebaixa a qualidade de vida do sujeito, que se
encontra sujeito a condições estipuladas que lhe retiram tempo hábil, impondo-lhe o “não
fazer” e piorando a sua qualidade de vida.
10m
Desvio Produtivo do Consumidor e Responsabilidade pela Usurpação Indevida do
Tempo (Marcos Dessaune): O tempo é o suporte implícito da vida, a qual se constitui de
atividades existenciais. Assim, o desvio produtivo gera um dano que, para além de moral,
é existencial por violar o projeto de vida do consumidor.
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Um dos aspectos pelo qual a resposta de responsabilidade civil no Brasil não tem o
mesmo efeito da resposta de responsabilidade civil no direito americano é que, especialmente
nos Estados Unidos, existe um forte desenvolvimento da chamada teoria do desestímulo. A
percepção do direito norte americano de que a responsabilidade civil possui função social
é bem definida, visão que tem chegado ao Brasil aos poucos, característica que pode ser
percebida em uma tutela coletiva, mas não ainda em uma tutela de natureza individual.
Apesar disso, os últimos anos foram marcados por um amadurecimento de que mesmo
em demandas individuais, o juiz deve levar em conta a função social da responsabilidade
civil quando houver gravidade na conduta do réu ou a reincidência (reiteração) da conduta
praticada.
15m
Da mesma forma que a propriedade, o contrato, a empresa e a família socializaram-se
(em que cada um possui sua função social respectiva), a responsabilidade civil também
possui uma função social, que se traduz especialmente na ideia de que uma indenização não
deve ter apenas um aspecto compensatório, podendo também apresentar uma abordagem
pedagógica ou punitiva.
A indenização deve ter também uma finalidade punitiva ou pedagógica, aspecto
especialmente desenvolvido pelos tribunais norte-americanos (“punitive damages” ou “teoria
do desestimulo”).
O “meio social necessita de uma resposta condizente que busque coibir as sequências de condu-
tas semelhantes àquela que se está a censurar”, conforme adverte SALOMÃO RESEDÁ (Salomão
Resedá, A Função Social do Dano Moral, Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 186).
20m
Há um caso emblemático ocorrido a muitos anos nos Estados Unidos e que é bastante
mencionado por professores ao citar a teoria do desestímulo ou a função social da
responsabilidade civil, o chamado caso Ford Pinto (the Ford Pinto case), retratado na obra
de Resedá:
O fato ocorreu em 1972, quando um veículo do modelo Ford Pinto se envolveu num acidente ao
trafegar em uma autoestrada. Houve o abalroamento na parte de trás do veículo (com aproxima-
damente 6 meses de uso), o que provocou o rompimento do tanque de combustível ocasionado
a sua explosão. A condutora Lilly Gray veio a óbito e o passageiro Richard Grimshaw de 13 anos
sofreu lesões corporais gravíssimas.

No julgamento, ficou provado que durante testes de colisão, os engenheiros da Ford


descobriram que um acidente envolvendo a parte traseira do veículo poderia facilmente romper
o tanque, provocando um incêndio. Ocorre que segundo este autor, a linha de produção já
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produzir o veículo como originalmente projetado, mesmo sabendo que as intervenções
necessárias poderiam evitar danos e salvar milhares de vidas. Diante dessas provas, o júri
condenou a Ford ao pagamento de 560 mil dólares aos herdeiros da senhora Grey e a
2 milhões e 500 mil dólares para Richard Grimshaw a título de “compensatory damages”
(indenização compensatória). Além disso, à empresa, também foi imputada a quantia de 125
milhões de dólares em caráter de “punitive damage”, valor que foi reduzido para 3 milhões e
meio de dólares.”
Ao analisar o caso Ford Pinto, é possível concluir que no direito americano já havia a
percepção estudada de que a responsabilidade civil também possui uma função dissuasória
(pedagógica), sendo aplicada em situações de gravidade. Em geral, a jurisprudência, ao
invocar a teoria do desestímulo, possui o intuito de majorar a indenização fixada. Essa
abordagem pode ser percebida no julgado apresentado a seguir do Superior Tribunal
de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDE-
NIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO DE MATÉRIAS VEXATÓRIAS E SENSACIO-
NALISTAS EM SITE DA INTERNET. 1. O Tribunal de origem, procedendo com amparo nos ele-
mentos de convicção dos autos, constatou a conduta ilícita do jornalista e reconheceu o seu dever
de indenizar a agravada pelos danos morais sofridos. 2. Diante da falta de parâmetros objetivos
para fixar o valor indenizatório, foram observados os seguintes elementos: gravidade e extensão
do dano, reincidência do ofensor, posição profissional e social do ofendido, e condição financeira
do ofensor e da vítima. 3. Portanto, os danos morais fixados pelo Tribunal de origem em quantia
irrisória, foram majorados por esta Corte Superior, com vistas a que o valor da indenização por
danos morais atendesse ao binômio “valor de desestimulo” e “valor compensatório”. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (AgRg no Ag 1072844/SC, Rei. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA)
25m

�Este material foi elaborado pela equipe pedagógica do Gran Cursos Online, de acordo com a aula
preparada e ministrada pelo professor Pablo Stolze.
A presente degravação tem como objetivo auxiliar no acompanhamento e na revisão do conteúdo
ministrado na videoaula. Não recomendamos a substituição do estudo em vídeo pela leitura exclu-
siva deste material.
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