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Conceição Evaristo
Prof.ª Ana Paula
Literatura
Gramática
Redação
Espanhol
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
Obras:
Romances
Ponciá Vicêncio (2003)
Becos da Memória (2006)
Poesia
Poemas da recordação e outros movimentos (2008)
Do velho e do Jovem
Contos
Insubmissas lágrimas de mulheres (Nandyala, 2011)
Olhos d’água (Pallas, 2014).
Histórias de leves enganos e parecenças (Editora Malê, 2016)
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
Características gerais
A autora dá voz para as pessoas contarem a própria história por meio da escrita
Essa pessoas são tanto narradores quanto personagens
Cunha, por neologismo, o termo “escrevivência”: apropriação da vida pela palavra
É uma longa história. Se eu for pensar bem a genealogia do termo, vou para 1994, quando estava ainda
fazendo a minha pesquisa de mestrado na PUC. Era um jogo que eu fazia entre as palavras “escrever” e
“viver”, “se ver” e culmina com a palavra “escrevivência”. Fica bem um termo histórico . Na verdade,
quando eu penso em escrevivência, penso em um histórico que está fundamentado na fala de mulheres
negras escravizadas que tinham de contar suas histórias para a casa-grande.
A nossa escrevivência não pode ser lida como histórias para ninar os da casa-grande e sim para
incomodá-los em seus sono injustos.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
Estrutura da obra: 15 contos 9. Zaíta esqueceu de guardar os
brinquedos
1. Olhos d’água 10. Di Lixã
2. Ana Davenga 11. Lumbiá
3. Dudu Querença 12. Os amores de Kimbá
4. Maria 13. Ei, Ardoca
5. Quantos filhos natalina teve? 14. A gente combinamos de não
6. Beijo na face morrer
7. Luamanda 15. Ayoluwa, a alegria do nosso povo
8. O cooper de Cida
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
Sobrevivência características gerais
Título
Personagens
Personagens marginalizadas,
Excluídas por sua cor, condição financeira, falta de estudo
Mulheres negras, periféricas, lutando para sobreviver em um mundo de violência, em que a dor e o sofrimento imperam.
A vida e a morte andam de braços dados, e a felicidade gotejante é medida e reservada para pequenos e breves instantes
Reafirmação da existência das mulheres que pertencem a essa parcela da sociedade, que é chamada de minorias, mas que na verdade, são
a grande maioria.
A autora vai contar, por meio dessa escrita, pingos de felicidade.
Tanto a personagem quanto o leitor dá conta de perceber a existência dessas mulheres marginalizadas por meio da escrita dessas histórias
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
Características gerais Espaço
Favelas do Rio de Janeiro e de
Tempo Belo Horizonte.
Psicológico, Espaço social reservado à
classe mais baixa da sociedade
Não existe cronologia, pois não
existem datas.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
Características gerais Pobreza,
Miséria,
Temas e críticas Infância,
Erotismo,
Condição a que o negro é submetido; Homossexuais em dilemas sobre o amor,
Vida de mulheres negras, Vida e a ancestralidade africana.
Preconceito racial,
Presença constante da violência,
Vida nas favelas;
Desigualdade social,
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
Características gerais
Linguagem
Vê “a vida inteira passar diante dos olhos” nas angústias da espera por seu homem.
Narrador em 3ª pessoa
Personagens: Ana, Davenga, Homens do morro, policiais.
Resumo
As batidas na porta ecoaram como um prenúncio de samba.
O coração de Ana naquela quase meia noite apaziguou um pouco.
Flashback: história de Davenga e Ana – ciúme dos caras devido a presença da Ana no Barraco.
Davenga: ela fica e nada mudará – quem bulisse com ela morreria.
Davenga era tão grande, tão forte, mas tão menino, tinha o prazer banhado em lágrimas.
Volta à cena inicial: todos chegam menos Davenga.
Ana, aflita, imagina situações ruins.
Flashback: Se conheceram na roda de samba.
Naquele época, polícia estava atrás dele: assalto a banco.
Não havia sido ele, não assaltava na região e achava roubar banco servicinho sem graça.
Gostava de ver o medo das vítimas, principalmente das fortes, dos chefões.
Assaltara deputado e gostara de ver o medo dele.
Foi por aqueles dias que conhecera Ana.
A bailarina dançara livre, solta, na festa de uma aldeia africana.
Era preciso coragem para chegar na mulher, mas do que pra fazer serviço.
Desde aquele dia, Ana ficou para sempre no barraco.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
2. “Ana Davenga”
Vê “a vida inteira passar diante dos olhos” nas angústias da espera por seu homem.
Narrador em 3ª pessoa
Personagens: Ana, Davenga, Homens do morro, policiais.
Resumo
Conheceu Maria na cadeia, quando ia visitar um amigo.
Maria Agonia, evangélica, costuma ir lá falar da agonia de uma vida sem o Senhor.
Marcaram um encontro na praça, no domingo. No dia, ele no botequim, ela na igreja.
Ao acabar a pregação, ela faz sinal pra ele ir atrás, ela queria um lugar sozinho com ele.
Se amaram muito na moita. E assim foi por muitas vezes.
Um dia se encheu, propôs que subisse o morro pra ficar com ele.
Maria reagiu, era crente, filha de pastor, instruída, ia deixar tudo pra morar com marginal?
Tinha alguém que ia fazer o serviço pra ele.
Dia seguinte, manchete: “Filha de pastor apareceu nua toda perfurada de balas. Tinha ao lado corpo um bíblia.”
Retorno: cadê Davenga? Ana alisou a barriga, lá estava a sua criança, bem pequena.
Davenga entra furando o círculo. Era a festa de aniversário para Ana.
Quando a madrugada afirmou, Davenga mandou que todos se retirassem e que seus companheiros ficassem alertas.
Davenga estava na cama vestido com a pele negra, brilhante lisa que Deus lhe dera. Ela também, nua.
A porta abriu violentamente e dois policiais entraram com armas em punho.
Davenga vestiu a calça lentamente. Ele sabia que estava vencido.
A arma estava debaixo da camisa. Podia pegar as duas, sabia que isso significaria a morte.
Se Ana sobrevivesse, quem sabe teria outro destino.
Ele pegou e ouviram-se muitos tiros.
Os noticiários lamentaram a morte de um policial em serviço.
Na favela, os companheiros choraram a morte do chefe e de Ana que “morrera ali na cama, metralhada, protegendo com as mãos
um sonho de vida que ela trazia na barriga”.
Em uma garrafa cheia de água, um botão de rosa, que Ana Davenga havia recebido de seu homem, na festa primeira de seu
aniversário, vinte e sete, se abria.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
3. “Duzu-Querença”
Fala sobre a mulher que se desintegra conforme vai perdendo esperanças, sonhos, dignidade.
Narrador em 3ª pessoa
Personagens: Duzu, pai, mãe, D. Esmeraldina, Tático, Angélico, Querença.
Resumo:
Descrição de Duzu nas latas de lixo. Homem passa e lança olhar de asco.
Ela lambe os dedos, embaixo da unha ou imaginando o prazer de comer um alimento levado à boca pela sua mão
– mas imaginário. Câimbras.
História dela: Viera para a cidade quando pequena.
O pai tinha esperança – o pescador sonhava com um ofício novo.
Esperança para a filha: na cidade havia senhoras que empregavam meninas ela podia trabalhar e estudar.
Uma senhora havia arrumado emprego para a filha do Nogueira e ia encontrar com eles na capital.
Duzu ficou com a senhora por muitos anos.
Casa grande com muitos quartos, com moças que passavam muitas coisas no rosto e na boca.
Ajudava na lavagem e passagem das roupas e na limpeza dos quartos – mas tinha sempre que bater antes.
Um dia esqueceu e foi entrando: Moça do quarto dormindo, em cima dela dormia um homem;
Duzu ficou confusa, ficou olhando: engraçado, bonito, bom de olhar.
Resolveu que não ia bater mais.
Viu várias coisas [ela não sabia nomear a ação] mas gostava de ver.
Em alguns quartos era repreendida, em outros, bem-aceita.
Houve até um em que o homem fez um carinho no rosto dela e foi descendo.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
3. “Duzu-Querença”
Resumo:
A moça mandou que ele parasse: é só uma menina.
Ele levantou enrolando-se no lençol e deu uma nota de dinheiro para a Duzu.
Voltou no dia seguinte e não era o mesmo homem, mas outro.
Passado dias era ele de novo. Os dois, nuzinhos. O homem chamou por ela. Fazia carinho no rosto e no seio da menina.
Ganhou muito dinheiro depois. Duzu voltava sempre.
Um dia o homem estava nu e sozinho, pegou a menina e jogou em cima da cama. Ganhava mais e mais dinheiro.
Um dia D. Esmeraldina entrou e estava brava: deitar com homem tudo bem, mas tinha que dar dinheiro pra ela!
Naquele momento Duzu entendeu tudo, de tantos quartos, de dinheiro, o porquê de nunca mais ter conseguido ver os
pais, de D. Esmaraldina não ter cumprido a promessa de deixá-la estudar.
Entendeu qual seria sua vida. Anos ali e em outras zonas.
Acostumou-se com os gritos de mulheres apanhando, ao sangue delas assassinadas, com as pancadas dos cafetões,
desmandos das cafetinas.
Acostumou-se à morte como forma de vida.
9 filhos espalhados pelos morros.
Muitos netos. 3 deles lhe abrandavam os dias.
Angélico, que chorava por não gostar de ser homem. Queria ser guarda penitenciário para poder dar fuga ao pai.
Tático, que não queria ser nada.
E a menina Querença, que retomava os sonhos e os desejos de tantos outros que já tinham ido.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
3. “Duzu-Querença”
Resumo:
Duzu se desesperou quando soube da morte de Tático, apanhado de surpresa por um grupo
inimigo. Tão novo, treze anos. Nova dor para guardar no peito. Era preciso descobrir uma forma
de ludibriar a dor.
Resolveu voltar ao Morro. Deus de brincar de faz de conta. A
profundou as raias do delírio para viver os últimos dias. Asas para voar, voava no alto do morro.
Estava chegando a época em que sofrer era proibido: carnaval.
Estava fazendo uma fantasia. Pegava papeis no lixo para montá-la. Ala das baianas. Desfile.
Voou alto, lembrou-se dos rostos da mãe, do pai, dos filhos, da avó, da neta Querença.
Morreu ali mesmo, mas escadarias da igreja.
Querença soube da morte da avó quando voltara da escola.
No delírio dos últimos dias da avó, Querença haveria sempre de umedecer seus sonhos e
florescessem e se cumprissem vivos.
Era preciso reinventar a vida, novos caminhos.
Não sabia ainda como, estava estudando e ajudava a ensinar as crianças da favela, participava do
grupo de jovens a associação de moradores e da escola.
Intuía que era pouco. A luta devia ser maior ainda.
Olhou novamente a avó, desviou o olhar entre lágrimas e contemplou a rua: Mistérios coloridos,
cacos de vidro – lixo talvez – brilhavam no chão.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
4. “Maria”
Reencontra um ente querido na pior das situações.
Narrador: 3ª pessoa
Personagens: Maria, ex de Maria, ladrões e linchadores.
Resumo
Maria esperava o ônibus. Levava os resto da festa do dia anterior (tinha melão. Nunca comeram: gostariam?) que ganhara da
patroa e uma gorjeta, com a qual compraria remédios (filhos menores com gripe) e uma lata de „Toddy‟.
Palma de uma das mãos doía: cortara na faca a laser [que corta até a vida]
Ônibus: reconheceu um homem. Ele sentou ao seu lado. Lembranças do passado. Era o pai de seu filho mais velho. Porque não
podia ser de outra forma?
E o menino, Maria, como vai? [cochichos] Sabe que sinto falta de vocês? “Tou sozinho.” Ele não quis mais ninguém e perguntara
sobre ela.
Maria teve mais dois filhos. Ficava com homens de vez e quando e... [buraco-saudade do peito dele]
O homem levanta sacando a arma. Lá atrás avisam que é assalto. O de trás recolhia tudo.
O motorista seguiu viagem. Silêncio. O comparsa do seu ex-homem passou por ela e não pediu nada.
Os assaltantes desceram rápido.
Negra safada, vai ver que estava no coleio com os dois.
Calma, gente.
Foi a única a não ser assaltada.
E os xingamentos continuaram até: Lincha! Lincha! Lincha!
Calma, gente.
Lincha! Lincha! Lincha!
Maria punha sangue pela boca, nariz e ouvidos.
Sacola arrebentada: será que os meninos iam gostar de melão?
Quando o ônibus esvaziou, quando a polícia chegou, o corpo da mulher estará todo dilacerado, pisoteado.
Maria queria tanto dizer ao filho que o pai havia mandado um abraço, beijo, carinho.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
5. “Quantos filhos natalina teve?”
Fala, sem meias palavras, sobre os sentimentos de uma mulher por sua gravidez.
Narrador: 3ª pessoa
Personagens: Natalina e seus vario parceiros
Resumo
Natalina alisou carinhosamente a barriga, o filho pulou lá dentro respondendo ao carinho. Ela sorriu feliz.
Era sua quarta gravidez e seu primeiro filho. Só seu. Aquele filho ela queria.
Narrador fala das gestações anteriores:
1ª gravidez: Quando menina (13 anos), do namoradinho Bilico. Não queria (vergonha), a mãe deu muitos chás
mas de nada adiantou.
Sá Praxedes (ideia da mãe) – fazia abortos – conhecida por “comer criancinhas”. Natalina tinha medo dela
(todas as crianças tinham).
Fugiu de casa. Teve o filho no hospital e doou para a enfermeira.
2ª gravidez; Com peão de obra. Ele ficou feliz e lhe propôs casamento. Ela não queria. Deu o filho ao pai, que
foi embora para sua cidade natal.
3ª gravidez: Pedido da patroa que não poderia ter filhos. Teve relações com patrão até engravidar. Cuidaram
da gestante. Ao ganhar o bebê, entregou-o à patroa.
4ª gravidez: Estupro. Homens invadiram o barraco dela perguntando-lhe pelo seu irmão. Não tinha irmão,
deixara suas 6 irmãs, mãe e pai há anos. Os homens insitiam. Amarrada, levaram-na pra um lugar deserto
durante a madrugada.
Em um dado momento, o carro parou e o homem que estava do lado dela desceu, não sem antes passar –
novamente – as mãos nas pernas dela – e bater nas costas do motorista dizendo “bom proveito”.
Estalar de ramos secos. Desceram do carro. Natalina foi estuprada. Depois tombou sonolento ao lado dela.
Ao se afastar dele, ela esbarrou na arma. Ela dá um tiro certeiro e guarda a história só pra ela.
Guardou também a semente invasora daquele homem.
Estava feliz e ansiosa para ver aquele filho e não a marca de ninguém, talvez nem dela. Sá Praxedes não iria
comer nunca.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
6. “Beijo na face”
Desvenda os sentimentos da mulher presa na armadilha de um relacionamento opressor.
Narrador: 3ª pessoa
Personagens: Salinda
Resumo
Salinda lembrou do beijo dado na face na noite anterior. Algo tão tênue como os restos de uma asa amarela, de uma borboleta-
menina, que foi atropelada nos primeiros instantes de seus inaugural voo.
Ela estava aprendendo um novo amor. Tentou guardar pra si as melhores lembranças e retomar a rotina.
Mesmo estando entupida de alegria, precisava embrutecer o corpo.
A vigilância sobre seus passos, pretendia, se possível, abarcar até pensamentos.
Casada, infeliz, mãe de dois filhos, o marido desconfia dela, vigia.
Aos poucos as ameaças do marido foram ficando cada vez mais diversificadas e cruéis. (Tomas acrianças, matá-la, suicidar-se).
Salinda tinha medo, vinha adiando o rompimento há anos.
Tia Vandu – acompanhara seus sofrimentos, cúmplice. Na casa da tia aconteciam os encontros, era a guardiã do amor de Salinda.
Desfazia a mala, lembranças. Daqui a pouco o marido chegaria: como? Calmo como na adolescência ou amargo quando reataram?
[quem era o pai da primeira filha dela?]
Reconhece; não devia ter reatado o namoro. Também reconhece: haviam experimentado tempos felizes. Mala. Lembranças. Filhos
de férias na casa da tia Vandu [Chã de Alegria]. Filha mais velha – maturação, 13 anos – sorriso – possível cumplicidade.
Demora do marido. Aflição.
Lembrara das desconfianças [o colega de trabalho], dos interrogatórios com as crianças.
Medo. Toca o telefone. Já sabia de tudo. Não ia matá-la, nem se matar, mas brigar ferrenhamente pelos filhos.
Tentando equilibrar-se sobre a dor e o susto, Salinda contemplou-se no espelho.
No lugar de sua face viu a da outra. Do outro lado o rosto da amiga, a força do amor entre duas iguais.
Mulheres, ambas se pareciam. Altas, negras com dezenas de dreads a lhes enfeitar a cabeça.
Um leve e fugaz beijo na face, sobra rasurada de uma asa de borboleta, se tornava uma certeza, uma presença incrustada nos
poros da pele e da memória.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
7. “Luamanda”
Trata de uma mulher livre que experimenta todos os prazeres que a vida lhe oferece.
Narração: 3ª pessoa
Personagens: Luamanda e seus muitos amores
Resumo
Resumo
Di lixão de 15 anos, morava com outro garoto, de 14 anos em uma favela.
Um dia, amanheceu com o dente doente e sentiu uma bola de pus no canto da gengiva.
Aquilo doía feito um inferno.
Acordou e deu uma cusparada no companheiro de quarto; o garoto em instinto de defesa, pulou sobre ele e deu-lhe um
pontapé nas partes baixas.
Di lixão estava apavorado de dor. Agora a dor de cima se juntava com a dor de baixo.
Pensou na mãe. Ainda bem que aquela puta tinha morrido.
Sabia quem a matara, tinha visto tudo, mas não dizia nada à polícia. Não gostava dela.
Ele era uma dor só. As dores haviam se encontrado. Doía o dente. Doíam as partes de baixo. Doía o ódio. Queria mijar, mas
tudo doía.
O dia amanhecia quente, mas ele sentia muito frio.
Conseguiu urinar. Estava urinando sangue.
Passou a língua no canto da boca. O carocinho latejou.
Num gesto coragem-desespero, levou o dedo em cima da bola de pus e apertou-a contra a gengiva. Cuspiu pus e sangue.
Di Lixão morrera ali mesmo, fora encontrado em posição fetal, morto, com um filete de sangue saindo da boca
entreaberta.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
11. “Lumbiá”
Resumo
Lumbiá, vendia amendoins e chicletes na rua, junto com a irmã e um amigo.
Mas do que ele gostava mesmo era de vender flores. Colorido em seus braços.
E tinha a manha para vender aos namorados homens e mulheres, mas que os iguais também namoravam. E vendia muito!
Às vezes, sentava-se em uma mesa e fingia que chorava muito – muitas vezes, não era fingimento, lembra-se da vida triste que
levava e chorava de verdade; as pessoas o ajudavam dando-lhe dinheiro.
Encantava-se com o Natal, mais especificamente, a imagem do menino Jesus.
Sentia-se parecido com ele em toda a sua pobreza, só faltava ser negro como ele.
Um dia, uma das casas comerciais iria armar um presépio no interior da loja e abriria para visitação.
O problema é que a criança sozinha não entrava; ele sabia que se esperasse pela mãe dele, não o veria nunca.
As crianças tentaram entrar, mas os seguranças não deixavam.
23 de dezembro, fazia muito frio, a loja já quase fechando, quando o segurança deu uma bobeira, ele entrou.
Lá estava o Deus-menino de braços abertos.
Nu, pobre, vazio e friorento como ele.
De braços abertos, o Deus-menino pedia por ele.
Erê queria sair dali.
De repente, Lumbiá pegou o Deus-menino nos braços e saiu correndo.
O segurança tentou pegá-lo, mas o garoto fugiu.
Atravessa a rua, não vê o carro, o sinal aberto; é atropelado e morre.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
12. “Os amores de Kimbá”
Fala de um jovem envolvido numa trágica história de amores.
Narrador em 3ª pessoa.
Personagens: Kimbá, Gustavo e Beth
Resumo
Kimbá, jovem rapaz negro e pobre, que morava em uma favela carioca.
Esse apelido veio de um amigo rico, Gustavo, que morava na zona sul do Rio, que dizia que o rapaz era parecido
com um outro amigo que ele deixara na Nigéria.
Não gostava da vida que levava; não gostava do morro, nem de seus habitantes.
Extrema pobreza: morava com a mãe, as tias, a avó, duas irmãs e um irmão e um pequeno barraco.
Achava-se muito bonito e atraente; tinha um belo corpo que chamava a atenção de mulheres e homens.
O susto: os homens também gostavam dele. Não se acostumava.
Gostava de Beth, uma garota rica, que fora apresentada a ele pelo amigo que lhe dera o apelido de Kimbá.
Dia em que conhecera a garota, um encontro bom, gostoso e cheio de safadezas. Encontro a três.
A garota ficou nua e Gustavo também tirou a roupa.
Estranheza em Kimbá, tira a sua roupa e faz sexo oral.
Depois de Beth, Kimbá saiu daquele encontro de corpo leve. Feliz ou infeliz?
Estava apaixonado por Beth, mas e o amigo? Será que o homem ia dar em cima dele?
A situação se desenrolava: Beth estava apaixonada por Kimbá, ele por ela, mas Gustavo também era apaixonado
por Kimbá, porém nunca teve coragem de se declarar.
Incomodo ciúmes. Kimbá teria de se decidir, combinaram um encontro em casa de Beth e fizeram um pacto: a
morte selaria o pacto de amor entre eles. A morte pelo amor dos três.
Quando ele chegou, Beth e Gustavo já estavam nus; tirou também sua roupa e cada um tomou um copo de
veneno.
Deitaram-se e esperavam a morte chegar.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
13. “Ei, Ardoca”
Fala de um homem cuja vida foi configurada pelo movimento do trem em que viveu mergulhado desde o ventre da mãe.
Narrador em pessoa.
Personagem principal: Ardoca, um homem negro e pobre.
Resumo
Ardoca, trabalhador, sempre convivera com os trens, mas que nunca se acostumara com eles.
Mesmo aos domingos, em casa, ouvia o barulho do trem nos trilhos e isso o perturbava muito.
Uma tarde, caminhou em direção à estação, comprou o bilhete, entrou no trem, encostou-se na parede e, lentamente, foi
escorregando o corpo até chegar ao chão.
Uns tinham pena, outros diziam que estava bêbado; uma mulher deu-lhe um copo de água. Ele suava frio.
De repente, um rapaz veio abrindo caminho: Ei, Ardoca! Ei, Ardoca! Pegou o homem no colo e levou-o até o banco, na rua.
Quando os passageiros viram, o trem já em movimento, o rapaz estava tirando sapatos, relógios, roupa, enfim, estava
assaltando Ardoca.
Não podiam fazer mais nada por causa da velocidade do trem.
Também Ardoca já estava sem vida.
Havia bebido veneno e decidira morrer no trem.
O barulho da máquina sobre os trilhos entoava uma música réquiem de descanso eterno para Ardoca.
Amém.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
14. “A gente combinamos de não morrer”
Resumo:
Dorvi se lembra do juramento feito junto a outros meninos do morro: “ A gente combinamos de não
morrer”.
Estava chorando, ao lado de uma lixeira na qual jogaram o corpo de uma mulher que haviam matado.
Era a fumaça, pensou para justificar as lágrimas.
Cheirou droga, lembrou-se do filho que acabara de nascer, seu “putinho”, quis cutucá-lo com a ponta da
escopeta, mas Bica, a mulher, não deixou.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
3ª parte – narração: inicia-se em terceira pessoa, depois aparece em 1ª pessoa, com a mãe de Bica.
Resumo
A mãe de Bica e Idago está assistindo televisão; lá fora barulho interminável de tiros.
Decide se fixar na novela que adora para esquecer o mundo real em que vive.
Teve dois filhos e alguns abortos provocados.
Preferia viver a vida das personagens a viver a sua.
Fazia cinco anos da morte do filho – pobre garoto, era calado e infeliz.
Resumo
Lembra do irmão (Idago) que teve morte merecida.
Ali no morro, as regras eram claras: falou, dançou. E ele era “bocudo”.
Lembra que uma vez, na escola, entregou a todos que roubavam merenda; os meninos pegaram-no e encheram
sua boca de pimenta.
Ele tinha 11 anos, ela, 12.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
7ª parte – narração em 1ª pessoa, Dorvi
Resumo
Dorvi sente que a morte se aproxima, o pior é que juraram: “A gente combinamos de não morrer”, e agora ele teria de ir atrás do seu amigo.
Mataria e morreria; o juramento seria quebrado.
O garoto reflete sobre como a sensação de perigo lhe dava prazer; uma vez; chegou a gozar no meio de um tiroteio, tamanha era sua excitação com a violência.
Agora, sentia que seu corpo formigava.
Vou matar, vou morrer. É lá no mar que vou ser morrente. É no profundo do fundo, que guardarei para sempre as lembranças do meu putinho e da dileta minha.
Resumo
O esperado acerto de contas aconteceu.
Dorvi matara Neo, colega ali do morro e estava sumido.
Bica relembra de todos ali que cresceram juntos, meninos e meninas.
Adora escrever, inventar histórias.
Escrever funciona para mim como uma febre incontrolável, que arde, arde, arde...
Gosto de ver palavras plenas de sentido ou carregadas de vazio dependurados no varal da linha.
Palavras caídas, apanhadas, surgidas, inventadas na corda bamba da vida.
Bica tinha fome, mas não era fome de comida, era outro tipo de fome.
Minha mãe sempre costurou a vida com fios de ferro.
Entre Dorvi e os companheiros dele havia o pacto de não morrer.
Eu sei que não morrer, nem sempre é viver.
Deve haver outros caminhos, saídas mais amenas.
Lá fora, muito barulho de tiros, muitos corpos no chão; e lembra que lera: “Escrever é uma maneira de sangrar”.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
5ª parte – narração em 1ª pessoa, Dorvi
Resumo
Pensa na vida: muita droga, violência, morte, exclusão social, injustiça.
Quero boiar no profundo fundo do mar.
É lá no profundo fundo que eu vou construir um castelo para a morada de meu filho.
Bica, predileta minha, vai também.
Ela sabe que da ponta da escopeta também sai carinho.
Resumo
A mãe relata a preocupação dela para com a filha.
Gostava de Dorvi; conhecia-o desde criança, mas não era esse o futuro que queria para a filha.
Sabia que ele estava encrencado, conseguiria um ponto de droga, mas confiara na pessoa errada e
agora estava com problemas com os fornecedores.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
15. “Ayoluwa, a alegria do nosso povo”
Resumo:
“...escrever funciona para mim como uma febre incontrolável, que arde, arde, arde...”
A ficção era indispensável à sobrevivência, uma forma de sublimar a realidade.
Essa experiência é o alimento da sua escrita ou, como ela afirma, da sua
“escrevivência”.
Experiências ligadas à coletividade negra.
A crítica literária não acredita que o povo negro e suas histórias devam ser matéria
de ficção, nem como narrador tampouco como personagens principais.
Negação da inclusão dessa parcela da população nas artes, literatura.
Devido ao que História não oferece, a ficção vem para cobrir essa lacuna.
Olhos d’água (2014), Conceição Evaristo
Bibliografia
EVARISTO, Conceição. Olhos d’água. 2ª edição. Rio de Janeiro: Pallas Mini, 2018.