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CONCEIÇÃO EVARISTO

Ponciá
Vicêncio
prof Thais Boardman
VOZES-MULHER

A voz de minha bisavó A voz de minha mãe


ecoou criança ecoou baixinho revolta
nos porões do navio. no fundo das cozinhas alheias
ecoou lamentos debaixo das trouxas
de uma infância perdida. roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
A voz de minha avó rumo à favela
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
VOZES-MULHER

A minha voz ainda


ecoa versos perplexos
A voz de minha filha
com rimas de sangue
recolhe em si
e
a fala e o ato.
fome.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
A voz de minha filha
O eco da vida-liberdade.
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.

(Poemas de recordação e outros movimentos, p. 10-11)


Conceição
Evaristo
Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu
em Belo Horizonte, em 1946
Graduada em Letras pela UFRJ, trabalhou
como professora da rede pública de ensino
da capital fluminense
Mestre em Literatura Brasileira pela PUC do
Rio de Janeiro, com a dissertação Literatura
Negra: uma poética de nossa afro-brasilidade
(1996)
Doutora em Literatura Comparada na
Universidade Federal Fluminense, com a tese
Poemas malungos, cânticos irmãos (2011)
Conceição
Evaristo
Ponciá Vicêncio, 2003; (Romance).
Becos da Memória, 2006; (Romance).
Poemas da recordação e outros movimentos, 2008
Insubmissas lágrimas de mulheres, 2011; (Contos).
Olhos d'água, 2014. (Contos).
Histórias de leves enganos e parecenças, 2016; (Contos e novela).
Canção para ninar menino grande, 2018; (Novela)
Azizi, o menino viajante, 2017. Disponível em: www.euleioparaumacriança.com.br
Não me deixe dormir o profundo sono, 2020.
Escrevivência
Sua escrita conta muito de sua história.
Conceição cunhou um termo para sua
literatura, comprometida com a condição de
mulher negra em uma sociedade marcada
pelo preconceito.

É A VIDA QUE SE ESCREVE NA


VIVÊNCIA DE CADA PESSOA,
ASSIM COMO CADA UM ESCREVE
O MUNDO QUE ENFRENTA
Documento sem data, escrito por Conceição
Evaristo, sobre a sua trajetória pessoal e
profissional
"A NOSSA ESCREVIVÊNCIA NÃO
PODE SER LIDA COMO HISTÓRIA
DE NINAR OS DA CASA-GRANDE,
E SIM PARA INCOMODÁ-LOS EM
SEUS SONOS INJUSTOS.”
"Do tempo/espaço aprendi desde criança a colher
palavras. A nossa casa vazia de móveis, de coisas e
de muitas vezes de alimento e de agasalhos, era
habitada por palavras. Mamãe contava, minha tia
contava, meu tio velhinho contava, os vizinhos
amigos contavam. Eu, menina, repetia, intentava.
Cresci possuída pela oralidade, pela palavra. As
bonecas de pano e de capim que minha mãe criava
para as filhas que nasciam com nome história. Tudo
era narrado, tudo era motivo de prosa-poesia."

Conceição Evaristo, em "Gênero e etnia: uma escrevivência de dupla face". In: Mulheres
no mundo, etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Ideia, 2005, p. 201.
[...] Permita que eu fale, e não as minhas cicatrizes
Elas são coadjuvantes, não, melhor, figurantes
Que nem devia tá aqui
Permita que eu fale, e não as minhas cicatrizes
Tanta dor rouba nossa voz, sabe o que resta de nós?
Alvos passeando por aí AmarElo
Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes
Se isso é sobre vivência, me resumir à sobrevivência
Emicida
É roubar um pouco de bom que vivi

Por fim, permita que eu fale, não as minhas cicatrizes


Achar que essas mazelas me definem é o pior dos crimes
É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóiz sumir
[...]
46 CAPÍTULOS CURTOS
- SEM TÍTULO E SEM NUMERAÇÃO

NARRADO EM TERCEIRA PESSOA

Ponciá ROMANCE NÃO LINEAR


Vicêncio FLASHBACKS

SEM TEMPO PRECISO

DISCURSO INDIRETO
LIVRE
Romance de
memória
"A literatura negra é uma literatura de memória"

Memória individual e coletiva


é o nome que se dá ao fenômeno
sociocultural e histórico que ocorreu
Diáspora africana em países além do continente africano
devido à imigração forçada, por fins
escravagistas mercantis

PRÁTICAS
RELIGIOSAS
COSTUMES
CULTURA
LEGADO DOS
NEGROS LÍNGUA
Aspectos do romance

A vida de Ponciá Vicêncio, na infância, é de fruição


e encantamento, quando “gostava de ser ela
própria” e se realiza uma moldura da natureza
como extensão de si quando:
Gostava da roça, do rio que corria entre pedras, gostava dos pés de pequi, dos pés
pequi, dos pés de coco-de-catarro, das canas do milharal. Divertia-se brincando com as
bonecas de milho ainda no pé. Elas eram altas e, quando dava o vento, dançavam.
Ponciá corria e brincava entre elas. O tempo corria também. Ela nem via. O vento
soprava no milharal, as bonecas dobravam até o chão. Ponciá Vicêncio ria. Tudo era
tão bom (EVARISTO, p. 09-10).
Aspectos do romance
À medida que cresce Ponciá, passando da fase da adolescência à vida
adulta, entra no processo de negação de si, de sua identidade. E isso se dá,
juntamente com o desencantamento, o fim da fantasia de menina, marcado
pelo pedido da mãe ao pai que cortasse o milharal para que ela não visse
mais a mulher de branco, alta, “que chegava até o céu”. A partir daí Ponciá
entra um estado de medo, de angústia, de instrospecção, por fim mudez e
alheamento total sobre os que estão diante de si. Ainda adolescente perde o
pai, vive com a mãe e o irmão. Quando jovem, entende sair do lugarejo e ir
para a cidade grande. Assim faz. Ao chegar lá, vive nas ruas, encontra um
emprego de empregada domestica, casa-se, tem 7 abortos, nenhum filho, às
duras penas, volta ao lugarejo de origem, não encontra os seus, retorna à
cidade, entra em estado de alheamento e só depois reencontra a mãe e o
irmão para volta à terra natal.
Angorô
na mi tol ogi a bantu, é o i nqui ce do
arco-íri s, que traz a ferti l i dade do
sol o com suas chuvas. Também é a
serpente de duas cabeças que l i ga o
céu e a terra e equi val e ao ori xá
Oxumarê. Por ser andrógeno, é por
vezes chamadas Angoromea. Nos
mi tos dos bantos em Angol a, se fal a
que as l utas, querel as e pactos de
al i ança entre Zaze e Angorô
expl i cam os l ongos períodos de
seca ou de chuvas torrenci ai s.
medo de virar
homem
"Quando Ponci á Vi cênci o vi u o arco-
íri s no céu, senti u um cal afri o.
Recordou o medo que ti vera durante
toda a i nfânci a. Di zi am que meni na
que passasse por debai xo do arco-
íri s vi rava meni no"
(EVARISTO, 2017, p. 13)

"Naquele época Ponciá Vicêncio gostava de ser menina. Gostava de ser ela
própria. Gostava de tudo. Gostava."
(EVARISTO, 2017, p.13)
"A mãe nunca reclamou da ausência do

A mãe homem. Vivia entretida cantando com as


suas vasilhinhas de barro. Quando ele
chegava, era ela quem determinava o que
o homem faria em casa naqueles dias."
(EVARISTO, 2017, p. 24)

"O pai era forte, o irmão


quase um homem, a mãe
mandava e eles obedeciam.
Era tão bom ser mulher!"
(EVARISTO, 2017, p.25)
“ A u t o r e s : Ma r i a V i c ê n c i o e f i l h a
Ponciá Vicêncio
Região: Vila Vicêncio
Proprietário: Dr: Aristeu Pena
Forte Soares Vicêncio.”

(EVARISTO, 2017, p. 89)


O pai
"Ponciá Vicêncio se lembrava pouco do pai. O homem não
parava em casa. Vivia constantemente no trabalho da
roça, nas terras dos brancos. Nem tempo para ficar com a
mulher e filhos o homem tinha. Quando não era tempo de
semear, era o tempo de colheita, e ele passava o tempo
todo lá na fazenda." (EVARISTO, 2017, p.16)

foi pajem do sinhô-moço


conhecia as letras do alfabeto
falava pouco
tinha ressentimentos do pai
O irmão
"Luandi havia colocado um grande
desejo no peito. Ia aprender a ler
para um dia ser soldado"
(EVARISTO, 2017, p.63)

"Luandi José Vicêncio queria ser soldado. Queria ser o


Soldado Nestor. Ficar bonito como ele dentro da farda. Falar
bonito como ele. Ter a voz de mando dele."
(EVARISTO, 2017, p.67)
O homem
"Ele, ao lado dela, ressonava tranquilo, como se estivesse
com a vida resolvida. Deus meu, será que o homem não
desejava mais nada? Para ele bastava o barraco, a comida
posta na lata de goiabada vazia? O pó, a poeira das
construções civis, o gole de pinga nos finais de semana? O
papo rápido com os amigos? Será que só isso bastava? Às
vezes, ela percebia nele um vislumbre de tristeza"
(EVARISTO, 2017, p.39)

Vicêncio
"O primeiro homem que Ponciá Vicêncio conheceu fora o
avô. Guardava mais a imagem dele, do que do próprio pai.
Vô Vicêncio era muito velho. Andava encurvadinho com o
rosto quase no chão. Era miudinho como um graveto. Ela era
menina, de colo ainda, quando ele morreu, mas se lembrava
nitidamente de um detalhe. Vô Vicêncio faltava uma das
mãos e vivia escondendo o braço mutilado pra trás. Ele
chorava e ria muito."
(EVARISTO, 2017, p.15)
"No tempo do fato acontecido, como sempre os homens, e
muitas mulheres, trabalhavam na terra. O canavial crescia
dando prosperidade ao dono. Os engenhos de açúcar
enriqueciam e fortaleciam o senhor. Sangue e guarapa
podiam ser um líquido só. Vô Vicêncio com a mulher, os
filhos viviam anos e anos nessa lida. Três ou quatro dos
seus, nascidos do "Ventre Livre", entretanto, como muitos
outros, tinham sido vendidos. Numa noite, o desespero
venceu. Vô Vicêncio matou a mulher e tentou acabar com
a própria vida."
(EVARISTO, 2017, p. 44)
Herança

Biológica
Hereditária
Diaspórica
jeito de andar
andar como o avô
homem-barro
andar em círculos
ANCESTRALIDADE
an·ces·tra·li·da·de

sf
1 Qualidade de ancestral.
2 Tradição ancestral.
3 Legado de antepassados.
4 Linha das gerações anteriores de
um indivíduo ou de uma família;
proveniência de um povo.
ORIGEM DOS SOBRENOMES
curiosidades
Foram sendo formados de ofícios. defeitos físicos,
apelidos, lugar de origem, etc.
curiosamente
curiosas
NOMES PATRONÍMICOS
O patronímico (do grego πατρωνυμικός, πατήρ "pai" e ὄνομα, "nome") é um nome ou
apelido de família (sobrenome) cuja origem encontra-se no nome do pai ou de um
ascendente masculino.

"Fernandes" (filho de Fernão/Fernando)


"Dias" (filho de Diego/Diogo)
"Rodrigues" (filho de Rui/Rodrigo)
"Gonçalves" (filho de Gonçalo)
curiosidades
curiosamente
curiosas

https://www.genera.com.br/
https://www.familysearch.org/pt/surname
www.myheritage.com.br
https://super.abril.com.br/especiais/a-origem-dos-50-sobrenomes-mais-
comuns-do-brasil/
Como bem comenta a Maria José
Somerlate Barbosa,

“é um romance que convi da o (a) l ei tor (a) a conhecer


a protagoni sta pel os senti dos. Revel a chei ros,
sabores, pai sagens e a percepção da meni na que
escuta tudo e todos, ol ha, vê, sente e se emoci ona
com o arco-íri s, com as comi das, com o chei ro de café
fresco e das broas de fubá e que trabal ha o barro,
model ando objetos de argi l a (com a fi gura do avô).
Apresenta uma personagem que ‘ escuta passos’ do
passado e que se compraz com a memóri a ri ca, os
l aços perdi dos, os afetos que se esvaíram, a saudade
do que já se foi e a sol i dão do que não foi di to.”
Personagens

PONCIÁ VICÊNCIO MÃE DE PONCIÁ IRMÃO LUANDI


mulher, negra, pobre e que mulher, negra e pobre. irmão de Ponicá. Depois
depois da morte do pai, vai Depois dos filhos terem ido de ver que a irmã havia ido
para uma cidade grande embora, vai viajar pelas embora, decide migrar para
“tentar a vida” e acaba vilas sem rumo até achar a cidade grande, deixando
criando outros laços, mas seus filhos. sua mãe triste. Ao chegar
que não apagam seu na cidade, o rapaz arruma
passado que está mais vivo emprego de faxineiro na
do que nunca na sua delegacia, porém o seu
lembrança. maior sonho é ser soldado
Personagens

VÔ VICÊNCIO PAI DE PONCIÁ NÊNGUA KAINDA


homem, negro e pobre. homem, negro e pobre. mulher, negra e que era a
Viveu no regime de Trabalhou a vida inteira na rezadeira que orientava
escravidão. Enlouqueceu terra dos brancos. Homem aqueles que moravam na
devido a violência da vida e de poucas palavras Vila Vicêncio.
matou a mulher e tentou se
matar.
Personagens

MARIDO DE PONCIÁ
homem sem nome. Ponciá foi casada e que a agredia com
frequência, todavia Ponciá não o coloca enquanto um vilão,
por mais que o leitor seja afetado por isso, ela faz com que
se entenda que o comportamento violento dele é uma
maneira de mostrar que ele é vítima do sistema. Não que isso
seja uma justificativa. O que Ponciá faz é mostrar como o
sistema é violento e assassino com aqueles que estão a
margem.
Personagens

BILISA SOLDADO NESTOR NEGRO CLIMÉRIO


uma mulher negra, que veio para soldado negro que ajudou o dono do cabaré da cidade, onde
a cidade em busca de uma vida Luandi e serviu de Bilisa era prostituta. Pelo fato de
melhor, mas ao ser roubada na inspiração para o mesmo. Bilisa começar a se relacionar com
casa onde trabalhava, torna-se Luandi, Negro Climério que acaba
prostituta. Ela se relacionava não gostando da relação porque
com o irmão de Ponciá, no se sente dono das mulheres que
entanto, ela é assassinada trabalham no lugar que ele é o
brutalmente por Negro Climério. organizador.
Quantas Ponciás
vocês conhecem?
“Lá fora, no céu cor de íris, um enorme
angôro multicolorido se diluía
lentamente, enquanto Ponciá Vicêncio,
elo e herança de uma memória
reencontrada pelos seus, não haveria
de se perder jamais, se guardaria nas
águas do rio.”

(EVARISTO, 2017, P. 111)

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