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3ª pessoa – onisciente:
“Quando Ponciá Vicêncio viu o arco-íris no céu, sentiu um
calafrio, recordou o medo que tivera durante toda a sua infância.”
(p. 9)
“Ao ver a mulher tão alheia, teve desejos de trazê-la ao mundo
à força. Deu-lhe um violento soco nas costas, gritando-lhe pelo
nome. Ela lhe devolveu um olhar de ódio. Pensou em sair dali, ir
para o lado de fora, passar por debaixo do arco-íris e virar logo
homem. Levantou-se, porém, amargurada de seu cantinho e foi
preparar a janta dele.” (p. 17)
Discurso indireto livre
Quando Ponciá Vicêncio resolveu sair do povoado onde nascera, a decisão
chegou forte e repentina. Estava cansada de tudo ali. De trabalhar o barro com a
mãe, de ir e vir às terras dos brancos e voltar de mãos vazias. De ver a terra dos
negros coberta de plantações, cuidadas pelas mulheres e crianças, pois os
homens gastavam a vida trabalhando nas terras dos senhores, e depois a maior
parte das colheitas ser entregue aos coronéis. Cansada da luta insana, sem glória,
a que todos se entregavam para amanhecer cada dia mais pobres, enquanto
alguns conseguiam enriquecer-se a todo o dia. Ela acreditava que poderia traçar
outros caminhos, inventar uma vida nova. E avançando sobre o futuro, Ponciá
partiu no trem do outro dia, pois tão cedo a máquina não voltaria ao povoado. Nem
tempo de se despedir do irmão teve. E agora, ali deitada de olhos arregalados,
penetrados no nada, perguntava-se se valera a pena ter deixado a sua terra. O
que acontecera com os sonhos tão certos de uma vida melhor? Não eram
somente sonhos, eram certezas! Certezas que haviam sido esvaziadas no
momento em que perdera o contato com os seus. E agora feito morta-viva, vivia.
(p. 32 e 33)
Espaços da narração
Ponciá Vicêncio – mulher negra, pobre e que, depois da morte do pai, vai para uma cidade grande “tentar a
vida”. Acaba criando outros laços, mas que não apagam seu passado que está mais vivo do que nunca na sua
lembrança.
Mãe de Ponciá – mulher negra e pobre. Sozinha na casa, decide viajar pelas vilas sem rumo até que chegue a
hora de encontrar os filhos.
Avó de Ponciá - escravo, teve um momento de loucura e grande indignação com a escravidão, mata a esposa e
tenta o suicídio se mutilando, corta o próprio braço, esse braço cotó que desde pequena Ponciá imita.
Marido de Ponciá – homem sem nome que agredia Ponciá com frequência, todavia ela não o coloca enquanto
um vilão. Por mais que o leitor seja afetado por isso, ela faz com que se entenda que o comportamento violento
dele é uma maneira de mostrar que ele é vítima do sistema.
Irmão Luandi – irmão de Ponicá. Depois de ver que a irmã havia ido embora, decide migrar para a cidade
grande, deixando sua mãe triste. Ao chegar na cidade, o rapaz arruma emprego de faxineiro na delegacia, porém
o seu maior sonho é ser soldado.
Soldado Nestor – soldado negro que ajudou Luandi e serviu de inspiração para ele.
Nêngua Kainda – mulher, negra e que era a rezadeira que orientava aqueles que moravam na Vila Vicêncio.
Bilisa – uma mulher negra, que veio para a cidade em busca de uma vida melhor, mas ao ser roubada na casa
onde trabalhava, torna-se prostituta. Ela se relacionava com o irmão de Ponciá, no entanto, ela é assassinada
brutalmente por Negro Climério.
Negro Climério – dono do cabaré da cidade onde Bilisa era prostituta. Pelo fato de Bilisa começar a se relacionar
com Luandi, Negro Climério acaba não gostando da relação porque se sente dono das mulheres que trabalham
no lugar em que ele é cafetão.
Trechos
“A vida era um tempo misturado do antes-agora-depois-e-do-depois-ainda. A vida era a mistura de
todos e de tudo. Dos que foram, dos que estavam sendo e dos que viriam a ser.”
“Compreendera que sua vida, um grão de areia lá no fundo do rio, só tomaria corpo, só engrandeceria,
se se tornasse matéria argamassa de outras vidas. Descobria também que não bastava saber ler e
assinar o nome. Da leitura era preciso tirar outra sabedoria. Era preciso autorizar o texto da própria
vida, assim como era preciso ajudar construir a história dos seus. E que era preciso continuar
decifrando nos vestígios do tempo os sentidos de tudo que ficara para trás. E perceber que por baixo
da assinatura do próprio punho, outras letras e marcas havia. A vida era um tempo misturado do antes-
agora-depois-e-do-depois-ainda. A vida era a mistura de todos e de tudo. Dos que foram, dos que
estavam sendo e dos que viriam a ser.”
“Ponciá Vicêncio deitou-se na cama imunda ao lado do homem e de barriga para cima ficou com o
olhar encontrando o nada. Veio-lhe a imagem de porcos no chiqueiro que comem e dormem para
serem sacrificados um dia. Seria isto vida, meu Deus? Os dias passavam, estava cansada, fraca para
viver, mas coragem para morrer, também não tinha ainda. O homem gostava de dizer que ela era
pancada da idéia. Seria? Seria! Às vezes, se sentia, mesmo, como se a sua cabeça fosse um grande
vazio, repleto de nada e de nada”.